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maio 11, 2004

A vida de um difamador sem profissionalismo

O obituário de Champalimaud por Nicolau Santos (A morte de um litigador profissional) é, no que se refere à actuação de Champalimaud antes do 25 de Abril, um monte de calúnias.

Quem o começa a ler pensará que Champalimaud subiu na vida dando o golpe do baú. Não se percebe como é possível, parágrafos volvidos, escrever que “Champalimaud foi um homem de grande visão antes de 1974”.

Nicolau Santos escreve que “a compra do BPA, que esteve quase a conseguir, iludindo o seu proprietário Cupertino de Miranda, só falhou por intervenção do poder político”. Na única parte em que acertou (“só falhou por intervenção do poder político”) esqueceu-se de acrescentar que foi devido a uma lei feita apressadamente pelo governo de Marcelo Caetano e com efeitos retroactivos, o que num Estado de Direito seria inconstitucional.

Não é verdade que a Lei do Condicionamento Industrial se destinasse a proteger os “grupos nacionais”. A Lei do Condicionamento Industrial destinava-se a evitar que qualquer empresário, nacional ou estrangeiro, entrasse num dado sector industrial, sem autorização governamental e aprovação dos industriais já existentes no sector. A Lei do Condicionamento Industrial era uma barreira à entrada, artificial, institucional, para proteger os interesses já instalados num sector, não os "grupos nacionais" como tal.

Se é verdade que os Mellos cresceram sob a protecção da Lei do Condicionamento Industrial e do governo salazarista, Champalimaud teve mais litígios com os governos de Salazar e Caetano que prebendas.

A indústria cimenteira portuguesa e o nosso know-how nesse sector, deveu-se a Champalimaud. Provavelmente se Champalimaud se tivesse mantido com o controlo da Siderurgia Nacional, nunca ela se tornaria obsoleta. Ou se Champalimaud verificasse que haveria esse risco, em virtude da escala de produção não poder acompanhar a dimensão mínima óptima e a concorrência numa economia aberta, transferiria atempadamente esses investimentos para outro sector industrial mais inovador.

Contrariamente à tradição empresarial portuguesa, António Champalimaud, homem desassombrado e independente num país pequenino e reverente, nunca prestou vassalagem aos governos ou ao Estado e sempre deu as maiores provas de independência e obstinação. Basta ver como, após o 25 de Abril e à nacionalização dos seus activos – Cimentos, Siderurgia, Banca e Seguradoras – conseguiu, refugiado no Brasil, reconstituir um império: Um ultraje para um país mesquinho que olha normalmente com inveja para quem triunfa. Apesar das nacionalizações e dos litígios com os governos portugueses, nomeadamente com o de Marcelo Caetano, Champalimaud surge em 153.º na lista de 2004 dos 500 mais ricos do mundo elaborada pela revista americana Forbes – a maior fortuna portuguesa e uma das maiores do mundo – sem dever nada a ninguém, bem pelo contrário.

Quando regressou a Portugal, em 1994, Champalimaud era, obviamente, um septuagenário azedo. A sua dimensão de empresário industrial não pode ser avaliada por estes últimos 10 anos em Portugal.

A citação final de Balzac é a cereja no bolo do Nicolau. A maior parte do dinheiro ganho por Balzac foi extorquido a "balzaquianas", desiludidas da vida. Foi dinheiro de “alcova”. Só não fez uma grande fortuna porque a sua velocidade a gastar o dinheiro era superior às “remunerações” auferidas.

Publicado por Joana às maio 11, 2004 09:17 AM

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Comentários

Sejamos realistas: não se pode esperar que um empresário da estirpe de Champalimaud ponha os interesses da comunidade acima dos seus interesses pessoais. Nem, convenhamos, um empresário de qualquer outra estirpe, aqui ou em qualquer outro país.
Não é essa a “função” de um empresário. Para isso existe a sociedade organizada, governos, instituições, às vezes até demais.
Mas, pesando os prós e os contras, a verdade é que a comunidade acaba por também colher benefícios da acção destas pessoas singulares. É assim que as sociedades se desenvolvem. A alternativa seria uma economia estagnada, artesanal, de mera subsistência.
Homens como Alfredo da Silva e Champalimaud poderiam ter tirado o país do atraso em que se encontrava (e ainda se encontra) se Salazar não tivesse medo da industrialização.
Mas Salazar fez só o que sabia fazer – governar um país antiquado, agrário, de pé descalço, temente e obediente. Era essa a sua vivência, a sua vocação, a sua formação.
Ele não sabia o que era um país industrializado, nunca saiu de cá, não tinha essa experiência. Por isso tinha medo. Repugnavam-lhe as massas operárias, as greves, as doutrinas socialistas, o desconhecido. Não sabia lidar com isso.
Por isso é que alguns empresários mais arrojados tiveram querelas com o governo de Salazar. Ele procurava cortar-lhes as asas, limitar-lhes a acção.
Foi pena, mas não se podia esperar outra coisa, dadas as circunstâncias. Em Portugal não houve uma revolução industrial na altura própria, por isso estamos na cauda da Europa e assim iremos permanecer até não se sabe quando.

Publicado por: Senaqueribe às maio 11, 2004 02:27 PM

Joana ,
então há por aí um sujeito (uma baixa-autoridade não sei de quantos)que quer acabar com os Blogues ?!

Publicado por: zippiz às maio 12, 2004 12:39 AM

O artigo do Expresso é na verdade um esterco. Tem toda a razão.

Publicado por: David às maio 12, 2004 05:12 PM

Nota do Editor - O EXPRESSO Online errou. A notícia não corresponde efectivamente ao que foi debatido sobre os «blogs» no seminário «Ciberlaw'2004» , tendo o jurista Pedro Amorim razão no seu esclarecimento. Pelo lamentável equívoco, as desculpas ao jurista e aos leitores do Online.


Mário de Carvalho

Publicado por: zippiz às maio 13, 2004 12:10 AM

Concordo com o que escreveu.
Mesmo depois do conhecimento do testamento estou convencido que aquela mente haveria de inventar qualquer coisa para mandar abaixo o Champas.

Publicado por: JCorreia às maio 13, 2004 04:28 PM

Não contesto os factos que expõem que estão, na parte factual, mais ou menos correctos.
Mas a verdadeira imagem do Champalimaud estará a meio caminho entre aquela que se retira das suas palavras e aquela que o Nicolau Santos dá a entender.

Publicado por: Vitapis às maio 13, 2004 06:07 PM

zippiz em maio 12, 2004 12:39 AM:
Obrigada pela informação e pela contra-informação!
Aliás, a primeira não era para ser levada a sério. A maioria dos blogs está alojada em sites estrangeiros (o Abrupto, p. ex.). Com é que os iam remover?
Faz impressão, todavia, a forma como se veicula uma informação sem qualquer cuidado!

Publicado por: Joana às maio 13, 2004 11:54 PM

Escreve Mesquita:
Aos olhos de muitas pessoas da minha geração, Chapalimaud representava, o mais típico industrial da era salazarista, mandão e prepotente, que construíra o seu império cimenteiro e bancário à sombra da protecção que lhe conferia a legislação proteccionista do "condicionamento industrial" e os instrumentos ditatoriais do regime, desde a ausência de liberdade sindical e do direito à greve até à prestimosa acção da polícia política na repressão dos movimentos sindicalistas.

Publicado por: c seixas às maio 16, 2004 10:40 AM

Caro C Seixas:
Esqueceu-se de transcrever o que Mesquita tinha escrito antes:
Confesso a minha impreparação para avaliar as possibilidades de sucesso de uma eventual proposta de beatificação do industrial. Não tive ocasião de conhecer a pessoa, nem estudei suficientemente o perfil. Pior: pela leitura das múltiplas páginas publicadas após a sua morte verifiquei que a maior parte das minhas ideias a respeito do famoso capitalista, quiçá provenientes de rumores ou de preconceitos ideológicos, eram falsas. "Mea culpa".

Não é que eu aprecie muito este Buda.

Publicado por: aj ribeiro às maio 16, 2004 11:00 AM

O artigo do M Mesquita é típico da malta de esquerda que viveu aquela época. De um lado os maus, absolutamente maus, os capitalistas. E quanto mais êxito tinham piores eram. O Champas era o mal máximo porque era quem tinha mais êxito.
Do outro lado os bons: a esquerda que ia salvar o país.
Sabe-se em que isso deu. A maior parte dos políticos de esquerda que era o supra-sumo da sabedoria mostrou a máxima incompetência na gestão do Estado e das empresas nacionalizadas e arruinou o país.
Só após a entrada na UE e com as privatizações o país saíu, e pouco, do atoleiro.

Publicado por: Hector às maio 16, 2004 12:25 PM

Hector: tem alguma razão no que escreve, mas repare que o modelo económico baseado em salários muito baixos e numa economia fechada não tinha futuro. O 25 de Abril acelerou as transformações, destruiu muita riqueza, mas permitiu uma nova era mais sustentável.

Publicado por: vitapis às maio 16, 2004 01:19 PM

vitapis em maio 16, 2004 01:19 PM:
Você tem razão no que escreve, mas para que essa era se tornasse sustentável, a maioria das empresas estatizadas teve que ser reprivatizada.
E repare que ninguém, hoje em dia, fala em nacionalizar empresas. Há consciência do ónus que essas empresas representavam para os contribuintes portugueses.

Publicado por: Joana às maio 17, 2004 12:01 AM

A Joana é muito boa

Publicado por: Dodi às maio 28, 2004 08:44 AM

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