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março 31, 2004

Guterres Aguilhoado

Guterres, o Prometeu em versão tuga, regressou este fim de semana.

Prometeu ensinou os gregos a observar as estrelas, a cantar e a escrever; mostrou como fazer para subjugar os animais mais fortes; demonstrou-lhes como fazer barcos e velas e como poderiam navegar; ensinou-os a enfrentar os problemas quotidianos e a fazer unguentos e remédios para suas feridas. Por último, deu-lhes o dom da profecia, para o entendimento dos sonhos; mostrou-lhes o fundo da Terra e suas riquezas minerais: o cobre, a prata e o ouro e a fazer da vida algo mais confortável. Prometeu significava, literalmente, “aquele que prevê”.

Guterres anestesiou os portugueses; criou-lhes um universo paralelo e virtual onde as coisas aconteciam sem esforço nem contrapartidas; autoestradas que não eram pagas; prestações sociais de fiscalização duvidosa, mas de comparticipações seguras; empregos fáceis e abundantes na administração pública; etc., etc.. Guterres tornou-se, literalmente, “aquele que não faz a mínima ideia do futuro”.

Zeus, Deus inclemente, vingou-se de Prometeu tornando a Terra num vale de lágrimas e de dor, espalhou as doenças, silenciosas e mortíferas. E cevou a sua vingança em Prometeu, acorrentado-o a um penhasco nas montanha caucasianas em face de um abismo horrendo, com correntes inquebráveis. Zeus ainda ordenou que um abutre devorasse todos os dias o fígado do prisioneiro, que sempre se reconstituía à noite.

Guterres não precisou de Zeus. O seu universo paralelo e virtual foi destruído pelas misérias deste mundo: a falta de dinheiro, o défice excessivo, o PEC, dívidas incobráveis, etc.. Quanto à vingança sobre ele próprio, não precisou de ajuda - encarregou-se ele mesmo dela. A partir dos primeiros meses do seu governo, quando começou a verificar que o seu universo virtual não era compaginável com as duras realidades do mercado, escassez de fundos, descalabro financeiro à vista, amarrou-se ele próprio ao Cáucaso da política e criou a lamentosa imagem que lhe estavam a debicar permanentemente o fígado e o resto das vísceras: eram os barões do seu partido, era a oposição de direita, era a oposição de esquerda, era a necessidade de degustar o queijo limiano, era o povo que não o compreendia.

Guterres arrastou-se, durante a maior parte do tempo dos seus governos, como uma vítima incompreendida. Era o nosso Prometeu, o nosso Prometeu de trazer por casa.

Finalmente os Hércules da política, os eleitores, libertaram-no e permitiram-lhe um exílio tranquilo por essa Europa, longe do nosso Cáucaso escarpado.

No fim de semana passado regressou ao nosso Cáucaso, novamente como vítima, novamente a queixar-se de disfunção hepática-política.

Afinal Guterres «tinha condições para ficar no Governo, mas não tinha condições para executar o projecto em que acreditava. Era uma questão indiscutível», disse, e continuou: «Não faria qualquer sentido tentar agarrar-me a um lugar, sabendo que não existiam as condições políticas para realizar o projecto que, em minha opinião, era a única justificação para estar nesse lugar»

Houve pois um lamentável equívoco. Guterres acreditava num projecto e ia executá-lo, mas as autárquicas de finais de 2001 criaram uma «lógica política pantanosa que era preciso interromper, dando o voto e a decisão ao povo». Portanto, a acreditar no seu discurso de sábado passado, nos finais de 2001 é que Guterres iria começar a governar a sério. Entretanto havia estado 6 anos a treinar-se, a congeminar o projecto, a desbaratar as finanças e a anestesiar a população. O projecto deveria ser grandioso, pois tudo indica que a política orçamental de Guterres foi conduzida de forma genial para mostrar como é possível fazer prosperar um país após um completo descalabro financeiro. Não foi desleixo ... apenas subtileza. Um Super-herói só é possível com um Super-vilão. Foi para protagonizar o Super-herói a partir de 2002, que Guterres criou um buraco orçamental desmedido nos primeiros 6 anos de treino obstinado.

Infelizmente a manifesta má vontade dos eleitores nas autárquicas impediu, indirectamente, que esse projecto visse a luz da política e que as ciências políticas e económicas se enriquecessem com uma contribuição notável. E foi um impedimento indirecto porque a partir desse voto, Guterres ficou com o «temor de um parlamento bloqueante às propostas do Governo», apesar do parlamento continuar exactamente com a mesma composição partidária. A única coisa que mudou, foi o «temor» de Guterres.

Guterres, profissão: vítima, agora e sempre.

Publicado por Joana às março 31, 2004 08:02 PM

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Comentários

Joana ,
ainda não li o seu comentário sobre Guterres.
não é preciso ser bruxo para calcular o seu conteudo.
lerei mais tarde mas, já que estamos a falar de primeiros ministros , aconselho-a ler a "posta" abaixo :

"Tomai e lêde, ó gente de pouca fé!"
http://www.bernabe.weblog.com.pt/

no fim da leitura espero que passe a ser mais condescendente para com os seus inimigos de estimação...

Publicado por: zippiz às março 31, 2004 10:33 PM

Joana,
acabei de ler o seu texto.Era o que eu pansava. Nada de Novo a Oeste.
Salva-se a frase : "Infelizmente a manifesta má vontade dos eleitores nas autárquicas ..." que Vc pode usar nos próximos anos , substituindo "autárquicas" por Europeias, Legislativas..etc,etc,etc.

Publicado por: zippiz às março 31, 2004 10:56 PM

Uma interessante adaptação do Ésquilo num estilo mordaz muito próprio.

Publicado por: Vitapis às março 31, 2004 11:51 PM

Embora reconheça que essa intervenção do Guterres não tenha sido particularmente feliz, acho que já é demais bater no homem

Publicado por: c seixas às abril 1, 2004 12:36 AM

Guterres foi castigado por ter feito uma política de direita dizendo que era de esquerda.
O futuro do socialismo será à esquerda do PS

Publicado por: Cisco Kid às abril 1, 2004 12:40 AM

Não estou a perceber. Se fez uma política de direita deveria perder as eleições para a esquerda.
Então o eleitorado castiga-o por fazer una política de direita e vota na direita?

Publicado por: Novais de Paula às abril 1, 2004 12:45 AM


Semiramis e o "acto falhado" de Guterres

"Filho de Japeto, rejubilas-te por haveres roubado o fogo divino e iludido a minha sabedoria; mas esse acto será fatal a ti e aos homens que hão de vir. Para vingar-me, enviar-lhes-ei um funesto presente que os enfeitiçará e fará com que amem o seu próprio flagelo." (Hesíodo).


Semiramis (a criadora do mito da sobrevivência pós-morte) é um pouco (senão, muito) contraditória ao usar Prometeu como exemplo: utiliza a figura criadora da liberdade do Homem para querer chegar exactamente ao contrário, isto é, invoca a figura criativa para fazer valer os seus argumentos destrutivos.

Estará Semiramis a perder qualidades interpretativas?

Estará Semiramis embriagada peloo seu incesto com Ninrode?

O facto, é que nem Prometeu nem nós, meros portugueses terrenos, merecemos que Prometeu possa ser identificado ou comparado com o mesquinho Guterres: o primeiro fugiu por uma causa; o segundo fugiu da causa.

Semiranis parece ter falhado no TPC...

A quem interessa o ter parecido falhar?

Publicado por: re-tombola às abril 1, 2004 01:05 AM

re-tombola: seja bem aparecido!
Tem toda a razão no que diz do contraditório da "comparação" entre Prometeu e Guterres.
Mas foi esse exactamente o meu objectivo, comparar a grandeza da vitimização diária de Prometeu acorrentado ao Caucaso, imposta por Zeus por ter criado e dotado de sageza os homens, com a mesquinhez da auto-vitimização diária de Guterres que se aguilhou-ou ele próprio a fantasmas criados por ele, para justificar o "faz que anda mas não anda" do seu governo.
Prometeu recusou abandonar a causa e foi salvo por Hércules. Guterres aproveitou uma derrota colateral para fugir da causa.
Ambos tinham razão: a causa de Prometeu era justa e vital para a humanidade; a causa de Guterres era um falhanço e a única saída era a fuga.
Simplesmente o que Guterres veio agora dizer foi que não fugiu porque tinha falhado, mas porque o projecto que tinha (a "causa") não iria passar por culpa dos outros.
Guterres apresta-se para se acorrentar de novo ao Caucaso e mendigar de novo a nossa comiseração por um político tão incompreendido.
Foi esta a minha intenção ao escrever o texto.

Publicado por: Joana às abril 1, 2004 09:21 AM

Aguilhoado ou AGRILHOADO ?

Publicado por: euroliberal às abril 1, 2004 10:57 AM

Cara Joana
Quando lhe corre mal o dia (ou a noite), lembra-se de desancar alguém, lembrou-se hoje de Guterres, nem sei porque não se lembrou de Bagão o tal de albrabão.

Não sei, porque não discorreu, sobre o futuro, o nosso lindo futuro, que será a Saúde Segura, nas mãos das Seguradoras.

Eu até já sei o Slogan:

Com Seguro de Saúde.... estará mais FÉliz do que com O Félixxxx

Estava para lhe responder à Letra argumento a argumento sobre o rol de disparates que escreveu.

A todos aqueles que pensam como você:
Eu atiro-lhes com uma à cara, que nem piam, vamos para a rua e perguntamos às pessoas o seguinte:

Há 2 anos vivia melhor ou pior do que agora ?
( tal como fizeram os tais especialistas no Iraque )

Ainda lhe restam forças para responder que vivia pior ?

É que todos os parolos como eu, vamos dizer, vivíamos muito melhor.

Publicado por: Templário às abril 1, 2004 11:09 AM

Ai querem cá o Prometeu ... !?

DNão é que ele está mesmo de volta..?

E logo para ser o Grande Presidente Português, que bateu com largo avanço o Krido cavaquinho que governava tão bem.

Publicado por: Templário às abril 1, 2004 11:12 AM

O que a Direita não percebe !

1- O deita abaixo, são coisas da oposição.

2- Governar, significa antes de tudo dar esperança.

3- As medidas que se tomem, sejam quais forem, sem esperança, nada valem.

4- O que a nossa memória fixou, é que Cavaco, governou bem, pois impunha a Esperança e fazia um Discurso de Desenvolvimento com destino à aproximação da Europa.

5- Guterres fez exactamente a mesma coisa, e até deu melhor poder de compra, pois fez baixar a elevada taxa de inflacção de Cavaco.

6- Se não houvesse Guterres, eu ainda pensaria em votar Cavaco, mas como Guterres voltou do Olimpo...é nele que a maioria vai votar !

porquê?
Porque ele faz o discurso da Esperança !

Publicado por: Templário às abril 1, 2004 11:45 AM


Pró Liberal

Caro liberal

A Joana alfacinha de gema, não sabe o que é um aguilhão que todo o povinho Tuga anafalbeto sabe.

E é de facto do Aguilhão que precisamos para expulsar os vendilhões do Templo !

Publicado por: Templário às abril 1, 2004 11:55 AM

onde pára o fax de bruxelas?

Publicado por: dionisius às abril 1, 2004 11:58 AM

Liberal

Já me esquecia...também há os guilhos, mas hoje já pouco se usam, pois os campónios também já dizem:
Se quereis as coisas daqui, vinde para cá trabalhar ! (isto é prós lisboetas )

Publicado por: Templário às abril 1, 2004 11:59 AM

Ó Joana você não deve ter mesmo mais nada para fazer pois não?

Publicado por: Jackquelyn às abril 1, 2004 02:05 PM

Cara Joana
Desta vez estou em desacordo consigo.
Na política só se deixa anestesiar quem quer ou quem for papalvo. As doses de anestésicos que nos servem actualmente são idênticas às anteriores, do tempo do Guterres, ainda que possam ser embrulhadas sob uma fórmula diferente.
Para além disso, ninguém faz a mínima ideia do futuro. Já não há bruxos...!

Publicado por: Nilson às abril 1, 2004 04:50 PM

Joana

Décius Brutus terá passado aqui há 2.139 anos e não há 2.135 como referiu...
Só não sei o mês, mas ando a investigar (mas não deverá ter sido no Inverno por causa da altura da água).
:-)

Publicado por: Nilson às abril 1, 2004 05:05 PM

Nilson em abril 1, 2004 05:05 PM:
Tem toda a razão. Limitei-me a somar 2000 aos 135AC, ano em que Decius Brutus passou por aí.

Quanto ao mês, vai ter dificuldade, porque a reforma de Júlio César alterou bastante o calendário então ainda existente.
A situação era tão confusa a nível de desfasamento com as estações do ano que o 1º ano do novo calendário (juliano) teve 445 dias (havia cerca de 80 dias de derrapagem)!

Publicado por: Joana às abril 1, 2004 08:28 PM

euroliberal em abril 1, 2004 10:57 AM

Prometeu foi acorrentado (ou agrilhoado) ao Cáucaso e aguilhoado (picado por aguilhão ou, por extensão, atormentado) por um abutre que lhe debicava o fígado em permanência.

Publicado por: Joana às abril 1, 2004 08:32 PM

Quem anda a ser aguilhoado são os leitores deste blog

Publicado por: Cisco Kid às abril 2, 2004 12:09 AM

Este Cisco acorrentou-se ao blog

Publicado por: Mané às abril 2, 2004 10:23 AM

O Guterres diz que não quer ser candidato, mas eu não acredito. Esta aparição deve ser o primeiro passo de uma futura candidatura

Publicado por: Hector às abril 2, 2004 06:38 PM

Hector, acho que você tem razão. O Guterres veio bater o terreno a ver se tinha audiência. Esperou 2 anos para ver se a gente se esquecia da porcaria que ele andou a fazer.

Publicado por: Mocho às abril 4, 2004 11:12 PM

Em termos de porcaria,Durão já bateu Guterres aos pontos!!!

Publicado por: daniel tecelão às abril 6, 2004 12:51 AM

Também se disse o mesmo do Guterres face ao Cavaco.
Parece que vamos de mal a pior

Publicado por: David às abril 6, 2004 02:30 PM

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