O "Barómetro da Corrupção 2004", preparado pela organização Transparência Internacional, apresenta alguns números de bastante interesse e curiosidade acerca do modo como os portugueses encaram a corrupção no nosso país e, principalmente, a diferença entre a perspectiva que os portugueses têm da corrupção das diferentes instâncias e sectores e a perspectiva reinante nos países estrangeiros.
Os portugueses consideram os políticos no topo da corrupção mas, curiosamente, a sua perspectiva sobre a corrupção entre os políticos tem um índice inferior à média dos países estrangeiros. Esta posição dos políticos é fácil de explicar: eles são a classe mais exposta ao escrutínio público e aqueles sobre os quais há uma devassa maior. Em Portugal e em todo o mundo.
Eu nunca partilhei da opinião de que a classe política portuguesa era, na generalidade, mais corrupta que a média da UE. É indecisa, ou quando decide, decide, com frequência, mal. E, às vezes, as indecisões ou as más decisões são mais onerosas para o erário público que a corrupção. Em contrapartida existe a pequena corrupção nos serviços públicos: processos que só são agilizados mediante lembranças, etc.. Tenho ideia que, por exemplo, a corrupção entre a classe política francesa, principalmente no poder autárquico, é muito superior à portuguesa.
Em contrapartida a percepção que os portugueses têm da corrupção no fisco é tão elevada quanto à dos políticos e muito superior à média dos países estrangeiros. Já aqui fiz várias críticas ao despotismo fiscal do OE 2005, principalmente na sua 1ª versão. E essas críticas derivavam exactamente de eu ter a percepção dessa corrupção fiscal. Não só a corrupção passiva face aos grandes empresários, mas, mais abjecta, a chantagem que alguns funcionários do fisco fazem junto de pequenos empresários, aproveitando a sua ignorância e escassez de meios legais ao alcance, para lhes extorquir alguns dinheiros.
Curiosamente o ranking dos países face aos 15 sectores escolhidos (partidos políticos, parlamento, justiça, polícia, sector empresarial e privado, fisco, alfândega, media, serviços médicos, serviços educativos, registos e notários, serviços básicos (água e electricidade), militares, ONG e estruturas religiosas) coloca Portugal não só numa posição favorável em termos de corrupção, contrariamente ao que muitos dos nossos íncolas maldizentes pensam, como o coloca num alinhamento frequentemente inverso.
Por exemplo, a média dos 62 países coloca as ONGs e as estruturas religiosas, no final da tabela, como as menos corruptas. Em Portugal tal não acontece, nomeadamente no que se refere às ONGs onde a percepção dos portugueses sobre a sua corrupção é muito superior à média daqueles países.
Já aqui, neste blog, fiz várias referências à corrupção entre as organizações ambientalistas e não me vou repetir. Sempre me referi aos seus líderes e não aos militantes que lutam generosamente por um mundo com uma qualidade de vida ambiental melhor. Mas, na generalidade, se as ONGs aparecem em Portugal a pretexto de alertar a sociedade para problemas reais e para sugerir soluções, rapidamente usam o protagonismo, que adquiriram entretanto, como arma no combate político, servindo o seu objectivo inicial apenas de suporte à sua existência e à designação que têm. Começam por pretender ter uma intervenção cívica, mas são rapidamente anexadas e colonizadas por organizações políticas de pouca representatividade eleitoral que as usam para potenciarem o seu peso social.
Um dos dramas da intervenção cívica em Portugal é essa colonização partidária que descredibiliza a sua própria intervenção cívica. Por isso é natural que os portugueses as considerem corruptas.
Quanto às organizações ambientalistas (excepto os «Verdes», que caem na caracterização anterior) a questão é diferente. Usam e abusam do lobby para angariarem pareceres, ou para forçarem escolhas que possibilitem maiores financiamentos às organizações, ou para obterem financiamentos de empresas que trabalham na área ambiental. As opções políticas não são relevantes.
Ainda hoje assisti, sentado, à notícia de que em 2002, 40 mil empresas portuguesas simplesmente não pagaram impostos. Não pagaram impostos. Quarenta mil. Comentários não faço, mas surpreendo-me a pensar, já sem tampa, como uma chaleira a ferver.
Afixado por: asdrubal em dezembro 10, 2004 04:03 PMDe acordo com o barómetro, dos países da antiga Europa dos 15, só a Itália e a Grécia têm maiores índices de corrupção do que Portugal. Os países do sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, França) são os mais corruptos da Europa dos 15 e os do norte da Europa estão no topo absoluto dos paises menos corruptos (Finlandia, Suécia). No meio está a Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Bélgica, Holanda, Austria e Luxemburgo. Não há surpresas ...
Afixado por: julia em dezembro 10, 2004 04:58 PM"O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, foi ilibado num processo por corrupção de magistrados, uma vez que o tribunal considerou que os crimes que lhe eram imputados prescreveram."
in Publico (Internacional 10-12-2004 - 17h18)
Pois ...
Afixado por: julia em dezembro 10, 2004 06:01 PMestarmos em 1ª ou em última posição na europa quanto à corrupção, não me parece que seja relevante... até porque penso que é bastante subjectivo.. e se estamos bem "qualificados" não será porque temos muito bons corruptores que ninguem consegue desmascarar?ou que compram quem os inquire?
tenho pena por meu país que haja tanta corrupção ainda por ser julgada...
e aquela que foi julgada, muitas vezes não foi bem julgada porque até se consegue corromper a justiça em Portugal.
Olha, ó Janica frustradita, já começo a ter pena de ti, querida, pois não te consegues e idenciar como pretendes!Mas podes sempre descobrir, através do "access" do partido, quanto é que o Sntanás gamou na Figueira.Dizem que foi perto de 1 milhão de contos! Que dizes tu, ó informada independente?
Afixado por: Átila em dezembro 10, 2004 06:49 PMUm pequeno comentário ao texto da Júlia: Não é inteiramente correcto dizer que "os países do sul da Europa são os mais corruptos da Europa dos 15". O estudo em questão (ver http://www.transparency.org/surveys/barometer/dnld/barometer_report_8_12_2004.pdf) baseia-se em inquéritos sobre a percepção pública da dimensão da corrupção ("source of information about perceptions and experiences of corruption in 64 countries") e não numa análise dos casos de corrupção efectivamente detectados.
Cito algumas frases do relatório "In evaluating petty and grand corruption, many West Europeans rated petty corruption as but a minor
problem, if at all ... Exceptions were France, Greece, Italy, Portugal and Spain, all of whom noted considerable problems with petty corruption.". Acrescenta-se mais adiante "why do the French, Portuguese, Italians and Spaniards, of whom fewer than one in 20 admitted paying a bribe, believe petty corruption is a significant problem in their country?"
Não menosprezo a importância deste fenómeno, quer na sua versão "hard" quer encapotado sob a forma de trafico de influências (que na maioria dos casos decorre de forma invisível e difusa sem que a opinião pública de tal se aperceba).
Todavia não deixo de dizer que esta percepção é uma vez mais reflexo da incapacidade portuguesa de assumir as suas próprias limitações. Como que a dizer: somos inteligentes, honestos e bem formados - se o desempenho do país não ultrapassa a mediocridade o problema é a corrupção generalizada (alimentada pelos "outros").
Quando será que vamos enfrentar as nossas debilidades? Compreender que a qualidade do desempenho é uma responsabilidade colectiva mas que se alicerça nos comportamentos individuais?
Um pouco como os empresários nacionais que se queixam da baixa produtividade, mas estão entre os que menos investem em investigação e desenvolvimento, limitando as suas apostas à exploração da mão de obra barata ou ao "rent-seeking" maximizando os lucros provenientes de situações de monopólio.
Carlos
PS - A este propósito merece a pena mencionar uma análise realizada já há alguns anos pelo Gabinete de Luta Anti-Fraude da Comissão Europeia onde se concluía que a Alemanha era o país ue liderava os casos de corrupção (provavlemente um testemunho da eficácia dos investigadores alemães por oposição à relativa inépcia dos seus colegas de outras nacionalidades.
Afixado por: Carlos em dezembro 11, 2004 09:54 PMExcelente este seu aclaramento, Carlos
Afixado por: David em dezembro 11, 2004 10:40 PM