Ou um país às avessas
O Orçamento de Estado para 2005 e o seu debate promete, a avaliar pelos prenúncios, novos e estimulantes avanços em matéria de política e de economia. A Direita apresenta um orçamento que acusaria de ser despesista e de esquerda, se estivesse na oposição, e a Esquerda ataca o orçamento com os argumentos que a direita usaria se estivesse no seu lugar. Muitos mestres da ciência política têm afirmado que estão esbatidas as diferenças entre esquerda e direita. A experiência portuguesa obrigá-los-á a aprofundar essa tese. Há uma importante diferença, mas essa diferença já não é apenas o local onde se sentam no hemiciclo. A diferença é se apenas se sentam no hemiciclo, ou se se distribuem entre o hemiciclo e os assentos governamentais. O lugar no hemiciclo apenas afecta algumas figuras de retórica. A diferença não é entre ser de esquerda ou ser de direita. É entre ser-se governo ou ser-se oposição.
Ou melhor, estamos a ver as imagens dos políticos não reveladas: não vemos os positivos, a revelação, mas apenas os seus negativos.
Este orçamento estimula o consumo em lugar da poupança. A redução, embora ligeira, da carga fiscal dos escalões mais baixos irá incentivar o consumo, enquanto a eliminação dos benefícios fiscais diminui os incentivos à poupança, embora se reconheça que alguns daqueles produtos tinham perdido qualidade e apenas eram subscritos na miragem de uma diminuição à colecta que dificilmente compensaria os parcos benefícios que traziam. Ora o aumento do consumo das famílias num país com elevada propensão marginal às importações agrava o défice das contas com o exterior.
Quanto à questão da taxa de IRC não me parece que a sua manutenção tenha um efeito importante. Durão Barroso havia prometido um choque fiscal. Todavia há factores que pesam muito mais na decisão de investir ou não em Portugal que uma descida das taxas de IRC: a burocracia; a baixa qualificação da mão de obra; a pouca mobilidade laboral; a lentidão exasperante da justiça; a normalidade dos atrasos excessivos do pagamento das facturas, etc., etc..
Em contrapartida a proposta de um limite mínimo de 15% fixado no Orçamento do Estado para a taxa efectiva de IRC, que uma esquerda dificilmente se atreveria a propor, poderá ter efeitos imprevisíveis. Em primeiro lugar numa queda bolsista induzida pela diminuição dos dividendos distribuídos por acção. Depois nos eventuais efeitos induzidos quer por esta queda, quer por decisões que as empresas atingidas (principalmente os bancos) irão tomar. Ora a introdução desta taxa mínima, a quebra do sigilo bancário sem aviso prévio, as restrições mais apertadas às operações nos off-shores são medidas de muito forte impacte. É uma medida fiscalmente justa obrigar os bancos a subirem a sua contribuição para a receita do Estado, mas muitas vezes medidas mais graduais são mais eficazes a longo prazo. Aumentos fiscais bruscos incentivam manobras defensivas mais elaboradas. Vejamos se Bagão Félix tem capacidade para lhes fazer frente.
Tudo que tenha a ver com matéria fiscal tem que ser sempre avaliado com muita cautela. A eficiência das medidas fiscais depende do comportamento dos contribuintes. A prática ensina que as variações das taxas fiscais são amortecidas por aqueles comportamentos. Um aumento fiscal excessivo incentiva a evasão fiscal e vice-versa. Se a carga fiscal é elevada o contribuinte, ao avaliar o risco da evasão fiscal, pode concluir que é um risco estatisticamente compensador. Se a carga fiscal baixa, o contribuinte terá mais incentivos a ser bem comportado.
Quanto às previsões em que se baseia o orçamento (um crescimento económico de 2,4% e uma inflação de 2%) estão em consonância com diversas projecções internacionais. As dúvidas assentam quase em exclusivo na questão do preço do petróleo, que se situa neste momento na casa dos 50 dólares, contrapondo o ministro das Finanças 38,7 dólares o barril como preço médio para 2005. Estas previsões constituem um risco elevado face à volatilidade actual do preço do crude, mas são a mesma base, ou mesmo mais conservativa, dos restantes países europeus. Quando se faz um cenário têm que se prever como evoluirão determinados parâmetros. Não deve ser nem pessimista, nem optimista mas tomar como referência as previsões internacionais.
Há outras previsões mais falíveis. Basta que as portagens nas SCUTs se atrasem, ou que o tráfego não seja o esperado, e as receitas dessas portagens muito inferiores ao que o governo previu, para se ter um buraco orçamental. Todavia como continua a haver o recurso às receitas extraordinárias, é uma questão de usar mais ou menos esse expediente, para o qual parece não haver cura.
Quanto à questão do populismo, este orçamento nada tem de populista. A baixa do IRS traduz-se num aumento pouco significativo do rendimento disponível para os mais carenciados. Adicionalmente, as empresas irão utilizar o argumento relativo a esse aumento do rendimento disponível por via fiscal, para serem mais prudentes nos aumentos salariais. Em contrapartida a classe média, nomeadamente a média-alta, é fortemente atingida. O governo vai distribuir pouco a muitos a partir de tirar muito a poucos. Mas estes poucos (20 a 30% da população) têm muita influência pública e eleitoral.
Ou seja o governo não vai contentar muitos e vai desagradar muito a poucos, com a agravante de que vai desagradar sobretudo à sua base natural de apoio.
«Se a carga fiscal é elevada o contribuinte, ao avaliar o risco da evasão fiscal, pode concluir que é um risco estatisticamente compensador. Se a carga fiscal baixa, o contribuinte terá mais incentivos a ser bem comportado.»
Eu pensava que o «bom bomportamento» do contribuinte está na razão inversa do controlo dos rendimentos... Ou seja: controlo fraco, grande evasão; controlo forte, que remédio senão pagar...
# : - ))
Afixado por: (M)arca Amarela em outubro 18, 2004 07:16 PMNão posso estar mais de acordo!
Postei há poucos dias sobre a forma como estamos a ser governados. É de facto uma confusão populista aquela que se está a gerar neste país.
Quando é que os portugueses podem verdadeiramente alternar entre a Esquerda e a Direita?
Um abraço,
Francisco Nunes
(M)arca Amarela em outubro 18, 2004 07:16 PM:
O maior ou menor controlo também tem efeitos. Mas o mais importante é a avaliação do risco de evasão (aliás, quanto maior for a punição, maior é o risco). Imagine que já J-B Say havia chegado a essa conclusão, em França, logo no início do século XIX!
Veja a questão do tabaco. A razão principal porque não se aumenta mais o imposto é porque se sabe, por experiência, que a partir de certo limite, o efeito do contrabando faz diminuir as receitas fiscais.
E o contrabando de tabaco é crime, dá penas de prisão, apreensões de veículos caríssimos, multas enormes, etc.
Já só me lembro do que já li:
Desde a Fundação que esta geringonça de País não é estruturalmente viável. E disse-o também, para quem o tivesse querido ouvir, Filipe González, aí há uns anos atrás. Com UE ou sem UE.
Com submarinos (só para chatear).
+ salários + pensões + investimento público - impostos = deficit
a joana acredita ? nem bfélix !
crecimento económico de 2,4% e barril de petróleo a $39 ?
se fosse a esquerda a propor um orçamento destes ...
a questão é que daqui a 12-18 meses, quando houver eleições, ninguém se lembrará da demagogia ( é preciso recordar a "convergência das pensões ? ) e da incongruência matemática da equação, na qual nem o próprio bfelix acredita .
e preparem-se para o orçamento de 2006 ...
como dizem no mundo do futebol : vale tudo para ganhar ( até pedir 30000 contos pela desocupação de uma casa que nos foi emprestada para lá colocarmos a sede do ppd ! )
Negativos dos políticos ou políticos negativos?
Afixado por: Rave em outubro 18, 2004 10:15 PMzippiz em outubro 18, 2004 09:45 PM:
Não escrevi eu que «a Esquerda ataca o orçamento com os argumentos que a direita usaria se estivesse no seu lugar»?
Está a ver?
De facto é um país de opereta
Afixado por: A Valente em outubro 19, 2004 01:28 AMDiz a Joana, e muito bem, que
"Este orçamento estimula o consumo em lugar da poupança. A redução, embora ligeira, da carga fiscal dos escalões mais baixos irá incentivar o consumo, enquanto a eliminação dos benefícios fiscais diminui os incentivos à poupança, embora se reconheça que alguns daqueles produtos tinham perdido qualidade e apenas eram subscritos na miragem de uma diminuição à colecta que dificilmente compensaria os parcos benefícios que traziam. Ora o aumento do consumo das famílias num país com elevada propensão marginal às importações agrava o défice das contas com o exterior."
O crescimento do nosso PIB devia ser conseguido, numa primeira fase, à custa da FBCF e das exportações. O que é muito mais trabalhoso do que fomentar, de forma idiota, o consumo e, ipso facto, as importações. Mais trabalhoso mas mais eficaz a longo prazo. Se continuarmos a fomentar o consumo, a nossa dívida externa (167% do PIB, 6000 contos por cabeça), que já é a quarta maior dívida externa do mundo, vai acabar por nos arrastar para um buraco sem fundo. Do qual só sairemos à custa de uma quebra súbita de poder de compra e de um desemprego que pode chegar aos 20%. Uma situação "argentina" sem as possibilidades que os recursos naturais e agrícolas da Argentina ainda permitem. A grande prioridade de qualquer governo minimamente competente deveria ser, não o equilíbrio do orçamente, mas o equilíbrio da procura e da oferta interna, e o equilíbrio entre importações e exportações. Não à custa de impossíveis barreiras alfandegárias, mas à custa de um fomento da produção de bens transaccionáveis. Alguém acredita que esta tarefa esteja ao alcance de um Pedro Santana Lopes ou de um José Sócrates, irmãos no Grupo Bilderberg?...
Afixado por: Albatroz em outubro 19, 2004 09:06 AMAlbatroz em outubro 19, 2004 09:06 AM:
Tem o meu acordo. As contas externas do país vão caminhar para um desastre
Mas... isso é mesmo verdade!? A quarta maior dívida do mundo...!? Somos "maiores" que Moçambique, Zimbabwe, Chad e tantos outros...!?
Graças a Deus que somos, "quase", os melhores em qualquer coisa....
Até que enfim que não estamos mais na cauda da Europa... mas, sim..., no seu anus!
JOANA,o meu salário actual chega aos 40% de IRS.O que vale é que não dou por isso,porque a "fonte" sempre foi zelosa.Não falha.Valem-me as acções de formação para meter uns "descontos" em material adquirido para a formação profissional creditada,bem como uma PPR módica ou uma pensão paga por um filho feito"por azar" em mulher alheia.
Muito difícil "governar a choldra",pois é o tal espaço que possui pessoas que não se governam nem se deixam governar.
Não sei como resistimos sem o "espaço económico do Correia de Oliveira".Fico sempre de cabelos no ar,quando leio a palavra "importações",que agravam a nossa balança comercial.
Não há por aí uns empresários,excepto os do tipo Balsemão/Belmiro de Azevedo,que tenham imaginação para fazerem diminuir a saida de dinheiro para a estranja?
E que volte o "slogan"----"ajude-se a si mesmo preferindo os produtos nacionais"!
Isto é chover no molhado.A "entrega miserável" do património histórico vai perseguir-nos até à integração na Espanha,como um espaço homogéneo da Europa.
Nós somos uma "dentada" na Peninsula Ibérica.
Está bem visto. O Bagão, do partido mais à direita é que parecia de esquerda e a esquerda parecia com preocupações de direita.
Tirando o BE que são só bolas pró pinhal
Joana: Na Alemanha eh quase a mesma coisa. Nem ha muitas alternativas. O problema eh saber se se distribui mais ou menos dinheiro. Como nao ha dinheiro para distribuir deixa de haver diferencas entre esquerda e direita.
Afixado por: Filipa Zeitzler em outubro 24, 2004 10:15 AM