setembro 29, 2004

O Gestor Contra Natura–Adenda

Em jeito de adenda e face a alguns comentários no meu post anterior, queria acrescentar o seguinte:

-A Social-democracia não deveria constituir um termo pejorativo para a esquerda. Engels pertenceu à social-democracia alemã e Lenine à social-democracia russa. Aliás os bolcheviques eram assim chamados porque constituíram a dada altura a ala “maioritária” do partido social-democrata russo, por oposição aos mencheviques, assim chamados por serem a ala “minoritária”. No caso francês foi algo diferente e as diversas facções socialistas uniram-se constituindo a SFIO (Section Française de l'Internationale Ouvrière) em 1905 (dissolvida sob pressão de Mitterand em 1969). As cisões deram-se na sequência das opiniões contraditórias sobre o carácter da Grande Guerra. Começou na Rússia e estendeu-se, também por influência da tomada do poder pelos bolcheviques, à Europa ocidental – O KPD, Partido Comunista Alemão, foi constituído em 1920, assim como o PCF, Partido Comunista Francês – ambos por cisão do SPD (alemão) ou da SFIO (francesa).

-A Social-democracia passou a constituir um termo pejorativo para a esquerda radical e ortodoxa quando esta pretendeu diabolizar as concepções reformistas dos socialistas da Europa do norte. É óbvio que houve anexações semânticas sem conteúdo. O PSD português não tem nada a ver com a social-democracia. Aliás o próprio PSL insiste muito na tecla do PPD, certamente um nome muito mais adequado.

- Eu, quando referi o comunismo, não estava a pensar numa sociedade ideal futura, mas nos partidos comunistas, nos seus ideários e nos modelos que estabeleceram na Europa do Leste onde tomaram o poder. Aliás Marx e Engels não tiveram problemas “teóricos” ao apelidarem uma obra escrita em 1848, destinada a ser panfletária, mas que se tornou numa obra teórica de relevo, como o “Manifesto do Partido Comunista”.

A terminologia marxista não me fere a sensibilidade, nem tenho pavor a citar “o nome de Deus em vão” nem o meu intuito foi substitui-la por “expressão mais civilizada”. A questão é que a noção marxista de classe é muito específica e eu, ao falar em classe social. poderia conduzir a alguns quiproquós. Afinal conduzi na mesma! Para Marx apenas existem, na verdade, 2 classes. Marx não nega que entre os capitalistas e os proletários, existam múltiplos grupos intermédios, artesãos, pequeno-burgueses, comerciantes, camponeses proprietários. Mas afirma duas proposições. Por um lado, à medida que o regime capitalista evoluir, tenderá para uma cristalização das relações sociais em apenas e só dois grupos, de um lado os capitalistas e do outro os proletários. Por outro lado, duas classes, e só duas, representam uma possibilidade de regime político e uma ideia de regime social. As classes intermédias não têm nem iniciativa nem dinamismo histórico. Há apenas duas classes capazes de imprimirem a sua marca à sociedade. Uma é a classe capitalista e a outra a classe proletária. No dia do conflito decisivo, todos e cada um serão obrigados a juntar-se ou aos capitalistas ou aos proletários.

Nada na história é eterno, nem eu me referi ao sistema capitalista e à economia de mercado como eternos, embora a economia de mercado, desde que as comunidades humanas deixaram de viver na fase da caça e da recolha, tenha sempre existido. Mesmo nas formações sociais em que o modo de produção dominante (escravatura, servidão, socialismo “científico”, etc.) impunha coacções extra-económicas, onde fosse possível haver trocas livres, havia mercado. Basta estudar a história, incluindo a dos mercados paralelos na ex-URSS. Fechem a porta ao mercado e ele entra pela janela.

Eu escrevi «Hoje em dia, o que está em causa é a gestão mais eficiente do actual sistema económico e social e não a sua alteração radical.». “Hoje em dia” e não “Definitivamente”.

Não é uma falácia escrever-se que não se pode “distribuir o que não há”. Há desigualdades sociais. Mas essas desigualdades são imprescindíveis ao desenvolvimento económico. Podemos ir ao espólio dos grandes empresários e distribuir o seu património pelos necessitados. E a seguir? Quem voltará a investir em Portugal? Para haver criação de riqueza tem que haver protecção aos resultados das actividades económicas. Sem essa protecção não há investimento e os capitais irão demandar locais mais seguros. Onde não há protecção à propriedade não há desenvolvimento económico, antes estagnação.

É evidente que tem que haver reafectação de recursos, transferências sociais para compensar as desigualdades excessivas introduzidas pela economia de mercado. É importante para combater a exclusão social e manter a coesão social. Mas essa reafectação tem que ser optimizada em face da necessidade de manter os incentivos à iniciativa privada.

Publicado por Joana em setembro 29, 2004 03:46 PM | TrackBack
Comentários

Ó Joana... come a papa!

# : - ))

Afixado por: (M)arca Amarela em setembro 29, 2004 04:39 PM

Cara Joana,

Não me passaria pela cabeça pedir que se distribuisse pelos pobres o património produtivo das empresas! Mas basta ver os inúmeros sinais exteriores de riqueza no nosso país para se saber que há por onde distribuir sem ferir a capacidade produtiva. Para não falar de estádios de futebol a granel e coisas quejandas. E num país onde se queimam anualmente cerca de 400 milhões de contos de tabaco (em cigarros, etc.), não me venham dizer que não há espaço de manobra para fazer face às necessidades dos excluídos sociais. O que é lamentável é que muitos portugueses que nada beneficiam da desigualdade capitalista continuem a defender, como se fossem seus, os interesses económicos de uma minoria tantas vezes parasitária. Uma melhor redistribuição de riqueza não só não iria prejudicar a economia, como a iria estimular. Por exemplo, os pobres, com mais dinheiro, iriam consumir mais. Mas iriam consumir bens de primeira necessidade que são normalmente produzidos em Portugal. E os ricos que pagassem mais impostos, teriam de reduzir as suas despesas supérfluas, que são geralmente dirigidas a produtos importados, viagens ao estrangeiro, etc. Não só o consumo não é prejudicado por uma melhor redistribuição de rendimentos, como seria a actividade produtiva nacional que disso beneficiaria. E, ao contrário do que sugere, os ricos não reduziriam os seus investimentos produtivos se o IRS fosse mais alto para eles. Reduziriam talvez os investimentos especulativos, o que não seria nada mau. Parece-me que é tempo de nos libertarmos de uma propaganda capitalista que tolhe a tantos a capacidade de raciocínio.

Afixado por: Albatroz em setembro 29, 2004 05:53 PM

Bem haja, Joana, pelo saber e pela forma elegante como desenvolveu este tema.
Todavia, inclino-me a concordar com as ideias de Albatroz, pois parece-me evidente que há despesas supérfluas, muitas vezes da responsabilidade do próprio Estado, que poderiam muito bem reverter a favor de uma melhor distribuição da riqueza. Estou certo que isso iria dinamizar a economia, com proveito para todos.

Afixado por: Senaqueribe em setembro 29, 2004 09:36 PM

(M)arca Amarela em setembro 29, 2004 04:39 PM:
Obrigada pela sua citação, que é, porventura, o pensamento mais profundo produzido pelo maior filósofo marxista português vivo.
Para além da importância desse pensamento na filosofia contemporânea, queria assinalar o impacte que ele teve na minha infância e no desenvolvimento do meu relacionamento com os meios de comunicação e com um mundo exterior sonoramente agressivo.

Afixado por: Joana em setembro 29, 2004 10:21 PM

Albatroz e Senaquerib
Todas as acções que perturbem os equilíbrios dos diferentes mercados: mercadorias, factores de produção (trabalho e capital), etc., saldam-se em resultados que desviam a economia do óptimo do bem estar.
Todavia tem que haver intervenção estatal para evitar a exclusão social dos menos aptos. O âmbito dessa intervenção estatal acaba no limiar em que os efeitos perniciosos para o bem estar geral superam os efeitos benéficos na coesão social resultantes da redistribuição dos recursos.
Os próprios socialistas do norte da Europa já reconheceram há anos essa situação. Vejam o caso da Alemanha cuja economia estagnou e onde o socialista Schroeder tenta fazer reformas muito mais draconianas que as nossas, que tantos aqui alcunham de neoliberais. Na Alemanha dezenas de milhares de trabalhadores inscritos nos sindicatos mais poderosos da Alemanha foram obrigados a aceitar importantes cortes salariais (coisa que aqui seria impensável, nomeadamente na função pública que ganha muito acima da produtividade que tem). Certamente que Schroeder e a coligação dos socialistas e verdes propõem essas reformas para ver se dinamizam a economia alemã e não porque estão feitos com os empresários.

Afixado por: Joana em setembro 29, 2004 10:38 PM

Albatroz,
dos 400 milhoes de contos dos cigarros, cerca de 320 milhões vão direitinhos para os cofres do estado. O problema da distribuição de riqueza não esta nos ricos, que ou são investidores (cujo investimento è tributado nos resultados das empresas e a seguir nas mais-valias, quando ninguem lhes repõe os prejuizos)ou são empresarios cujos bens pertencem à empresa,ou traficantes o que os torna um caso para a Judiciaria, ou têm o dinheiro em off-shores e quanto a isso não ha grande coisa que o governo de um pais sozinho possa fazer. Nada impede que os sinais exteriores de riqueza sejam tributados. Porque não eliminar o IA e transforma-lo num imposto de luxo progressivo? Ou tributar aos barcos e outros bens?
O maior problema é que somos muitos a fugir com pouco. O policia no activo que declara para efeitos de IRS, deficiencia de 90% ( o que entre outras coisas lhe permite isenção de IA e IVA na compra de automovel), o trolha inscrito no Centro de Emprego que trabalha dez horas por dia a 12,5€/hora sem documento de suporte, a revisão do automovel sem factura, o almoço diario no restaurante ao lado da empresa a que não se pede factura, a empregada de limpeza inscrita no Centro de Emprego, que trabalha 8h/dia a 6€/ hora, o funcionario que declara a lenha da lareira como energia renovavel, etc. Não ha uma minoria parasitaria, ha uma maioria.
E pacifico da extrema esquerda à direita reaccionaria que o aumento do IRC deslocaliza investimento produtivo. E engraçado como se atribui o "milagre economico" Irlandes à aposta na educação, esquecendo os 12% de IRC cobrado às empresas na Irlanda. A Siemens e outras empresas ameaçam sair de França para os paises de Leste devido ao clima concerteza...

Afixado por: Helder em setembro 30, 2004 12:41 AM

Albatroz,
dos 400 milhoes de contos dos cigarros, cerca de 320 milhões vão direitinhos para os cofres do estado. O problema da distribuição de riqueza não esta nos ricos, que ou são investidores (cujo investimento è tributado nos resultados das empresas e a seguir nas mais-valias, quando ninguem lhes repõe os prejuizos)ou são empresarios cujos bens pertencem à empresa,ou traficantes o que os torna um caso para a Judiciaria, ou têm o dinheiro em off-shores e quanto a isso não ha grande coisa que o governo de um pais sozinho possa fazer. Nada impede que os sinais exteriores de riqueza sejam tributados. Porque não eliminar o IA e transforma-lo num imposto de luxo progressivo? Ou tributar aos barcos e outros bens?
O maior problema é que somos muitos a fugir com pouco. O policia no activo que declara para efeitos de IRS, deficiencia de 90% ( o que entre outras coisas lhe permite isenção de IA e IVA na compra de automovel), o trolha inscrito no Centro de Emprego que trabalha dez horas por dia a 12,5€/hora sem documento de suporte, a revisão do automovel sem factura, o almoço diario no restaurante ao lado da empresa a que não se pede factura, a empregada de limpeza inscrita no Centro de Emprego, que trabalha 8h/dia a 6€/ hora, o funcionario que declara a lenha da lareira como energia renovavel, etc. Não ha uma minoria parasitaria, ha uma maioria.
E pacifico da extrema esquerda à direita reaccionaria que o aumento do IRC deslocaliza investimento produtivo. E engraçado como se atribui o "milagre economico" Irlandes à aposta na educação, esquecendo os 12% de IRC cobrado às empresas na Irlanda. A Siemens e outras empresas ameaçam sair de França para os paises de Leste devido ao clima concerteza...

Afixado por: Helder em setembro 30, 2004 12:45 AM

Parece-me que um dos problemas principais da posição liberal é assumir que o efeito no crescimento económico é a unica métrica para aferir a bondade de uma politica.

Parece-me que um dos problema principais da posição de esquerda clássica é assumir que o efeito no crescimento económico é uma métrica irrelevante para aferir a bondade de uma politica.

No entanto, entre os dois, existe muito campo... Na prática a posição "socialista" portuguesa quase sempre foi uma posição "social democrata" europeia, uma posição de compromisso.

E se isso significa poder sacrificar algum crescimento económico por algum conforto social no presente, será isso necessáriamente incorrecto?

Afixado por: João Branco em setembro 30, 2004 12:59 AM

"Todas as acções que perturbem os equilíbrios dos diferentes mercados: mercadorias, factores de produção (trabalho e capital), etc., saldam-se em resultados que desviam a economia do óptimo do bem estar."

Sinceramente, esta parece-me um bocado exagerada.

TODAS as acções dos agentes económicos alteram continuamente os equilibrios nos diferentes mercados. E não vejo como é que podemos afirmar que a posição de um determinado ponto seja um "óptimo do bem estar". TODAS as situações representam um equilibrio com determinado bem estar social (multidimensional) atribuido a determinados agentes. Qualquer acção vai alterar essa distribuição.

Para existir um "óptimo" indiscutivel parece-me necessário postular uma função de utilidade dos agentes com um conjunto de caracteristicas muito peculiares...

Penso que só para aqueles que considerem a existência de uma unica métrica (partilhada por todos os agentes) como objectivo é que tal pode ser possível. Mesmo assim, existem questões como a transitividade das preferencias e homogeneidade dos agentes, que me levantam sérias duvidas com esta formulação.

Afixado por: João Branco em setembro 30, 2004 01:11 AM
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