maio 31, 2004

Fouché Ministro da Polícia

Após a queda de Robespierre, Fouché tem uma evolução curiosa: recusa alinhar com a reacção termidoriana, senta-se na esquerda da Convenção e apoia, embora de forma dissimulada, Babeuf e a conspiração dos igualitários. Acusado na Convenção de Babovista (uma espécie de comunismo pré-marxista), defende-se bem e nada se prova. Consta aliás que teria enviado a Barras uma Memória, alertando para o perigo desta conspiração. Babeuf foi preso e executado.

O primeiro ano após o 9 Thermidor foi passado a defender-se das acusações dos massacres perpetrados nas suas missões proconsulares. Defende-se bem, mas o seu melhor argumento decorre da atitude dúplice que sempre havia tomado, nomeadamente em Lyon, onde se havia demarcado de Collot e granjeado o ódio de Robespierre. Os massacres eram explicados pelas ordens e instabilidade da situação e as suas acções de clemência tornadas o paradigma da sua conduta. Fouché jogou igualmente com o facto de que alguns dos líderes termidorianos tinham as mãos tintas de sangue, como Tallien, o carrasco de Bordéus, e de que a maioria moderada da Convenção, o Marais, tinha pactuado, por acção ou omissão, com a tirania de Robespierre.

A forma altiva e, na aparência, coerente como se defendeu surtiu efeito: ordenada a sua prisão, conseguiu que a Convenção o deixasse em liberdade. Pediu a suspensão do mandato e retirou-se da vida pública. Fouché sobreviveu, enquanto muitos dos “Montagnards” foram ou guilhotinados ou desterrados para a Guiana que, na maioria dos casos, também significou a morte.

Um ano depois, a jornada do 13 de Vendemiário (5 de Outubro), onde as tropas da Convenção, comandadas pelo jovem general Bonaparte esmagam a revolta monárquica e salvam a república, foi o toque a reunir das diferentes facções republicanas. Fouché, a fazer a sua travessia do deserto, é repescado por Barras, para testa de ferro de negócios de fornecimentos ao exército e, simultaneamente, para seu espião. Cargos políticos estavam-lhe vedados pela reputação que tinha.

Mas mesmo esse exílio “interior” findou com o golpe do 18 de Frutidor (4-09-1797), quando a ala esquerda dos termidorianos se apodera do poder. Segundo parece Fouché foi um dos artífices desta conspiração que levou Barras ao poder. Barras premiou-o nomeando-o ministro da república em Milão (capital da República Cisalpina, satélite de França) e, depois, na Holanda.

O Thermidor salvou-o do cadafalso; o Vendemiário da proscrição; o Frutidor salvou-o da obscuridade e do esquecimento. Em 20 de Julho de 1799, Fouché é nomeado, pelo Directório, ministro da polícia.

Um jacobino, ministro da polícia? Não, como dizia Mirabeau, os jacobinos, quando ministros, não são ministros jacobinos (o mesmo se costuma dizer agora dos socialistas). Barras havia lançado o nome de Fouché, a medo. Mas, para sua surpresa, Sieyés e Talleyrand apoiaram-no com entusiasmo. Sieyés e Talleyrand tinham aprendido o suficiente, na escola da revolução, para saberem que apenas um ex-jacobino se sentiria com a audácia necessária para esmagar os seus antigos correligionários com os métodos violentos que tinha aprendido com eles. Uma das primeiras medidas de Fouché foi, justamente, fechar o Clube dos Jacobinos.

Tomou essa medida, como sempre, sem tergiversações. Os jacobinos, para Fouché, protagonizavam então o papel dos vencidos recalcitrantes, expondo desnecessariamente, pelos seus excessos, a França e a Revolução à reacção e à contra-revolução.

Quando anunciou essa medida o Directório ficou incrédulo. Pois quê, dissolver um clube cujo poder fazia tremer o Directório há um ano? Fouché foi fulminante: manobrou os corpos legislativos para fazer passar a lei e foi ele pessoalmente ao clube dos jacobinos, em plena sessão, onde dissolveu a assembleia, fechou as portas e levou as chaves para as depor nas mãos de um Directório estupefacto.

No dia anterior havia avisado o general Bernadotte, presidente do clube que iria proceder ao fecho do clube e que se ele ainda estivesse à cabeça, a sua cabeça pagaria por isso. O futuro Rei da Suécia, perante a frieza e a firmeza do ex-metralhador de Lyon nem pôs em dúvida as palavras de Fouché. Afinal deveu a Fouché a cabeça e a coroa. E a família de Fouché encontrou na Suécia um local de exílio após a morte deste.

Fouché havia sido jacobino o tempo suficiente para saber que por detrás da retórica violenta não havia qualquer força consistente.

E a talhe de foice queria acrescentar que Bernadotte, quando granadeiro, no início do Terror, fez inscrever no braço, numa tatuagem, a divisa «Mort aux Rois», encimada pelo barrete frígio. Foi subindo na carreira militar e, no início do Império, Napoleão fê-lo marechal. Anos depois, em 1810, Carlos XIII, Rei da Suécia, adoptou-o como sucessor. Sucedeu-lhe no trono em 1818 com o nome de Carlos XIV. Mas para não ser prejudicado nos seus direitos colaborou com os aliados, Rússia, Áustria, Prússia e Inglaterra, na coligação para derrubar Napoleão. A sua dinastia ainda se mantém na Suécia.

Mas só deixou ver o braço, o braço tatuado, «in articulo mortis», impondo ao seu médico absoluto sigilo. A revolucionária tatuagem foi-lhe sempre uma obsessão muda, mas incómoda.

Publicado por Joana em maio 31, 2004 09:38 AM | TrackBack
Comentários

Há muita gente que faz "tatuagens" na mocidade e depois arrepende-se.
O Durão Barroso, por exemplo.

Afixado por: c seixas em maio 31, 2004 03:39 PM

Esta história do Bernadote dá que pensar. Como estes casos se repetem!

Afixado por: Vitapis em maio 31, 2004 11:25 PM

Este percurso do Fouché é sintomático. Muitos o fizeram em Portugal, mas sem a esperteza deste gajo

Afixado por: fbmatos em junho 2, 2004 12:45 AM
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