A greve é um direito que os trabalhadores conquistaram mercê da sua acção solidária e persistente e que se tornou uma aquisição consensual para todo o espectro político e social.
Todavia, e à medida que o movimento sindical enfraquece e vai perdendo base social de apoio, a greve tem mudado perigosamente de formato. Deixou de ser o resultado da adesão de largas massas de trabalhadores e da sua generosidade militante, para se especializar, cada vez mais, em greves de pequenos segmentos laborais, de reduzidas dimensões, mas de elevados efeitos colaterais.
A greve actual não busca o protesto dentro da sua esfera de actividade. Esse protesto existe, mas é despiciendo na estratégia global. A greve actual procura o efeito colateral, ela visa tomar, como reféns da sua causa, parte significativa da população e assim potenciar os seus efeitos.
Sucede porém que esta estratégia é uma arma de dois gumes. Se é verdade que, enquanto ocorre, potencia em muito os seus efeitos, pelos incómodos e instabilidade que causa, a médio e a longo prazo vira-se contra os seus autores, retirando-lhes, progressivamente, a base social de apoio. E é uma estratégia perversa porque é sucessivamente causa e efeito do declínio sindical.
Tomemos o caso das greves de transporte. Têm, como se sabe, elevados efeitos colaterais mas, paradoxalmente, são efeitos classistas prejudicam mais quem é mais desfavorecido economicamente. São dramáticas para quem trabalha e não tem carro; são penosas para quem, tendo carro, tem que cumprir horários; são epidérmicas para quem não está sujeito a horários; e são completamente inócuas apenas para quem vive dos rendimentos.
Desconheço se as greves de transportes têm permitido conseguir os objectivos que o pessoal que as promove pretende atingir. Há porém um efeito que foi obtido e que não esteve, nem está, seguramente, na mente dos seus promotores degradar a imagem do movimento sindical, levar a um progressivo distanciamento entre a classe trabalhadora e os sindicatos e enfraquecer o sindicalismo.
Esta estratégia da procura de efeitos colaterais é, sublinho, perversa porque, quanto mais o movimento sindical enfraquece, mais a imaginação dos sindicalistas se empenha em encontrar formas de produzir o máximo estrago com cada vez menos efectivos e com cada vez menos apoio popular.
Quando os trabalhadores de um dado sector se começam a interrogar sobre o facto das lutas laborais os estarem a levar a um beco sem saída e diminuem a sua militância e a sua adesão, os dirigentes sindicais passam à fase seguinte: utilizarem um segmento desse sector, eventualmente pequeno mas indispensável ao seu funcionamento, para obterem o mesmo efeito colateral.
Regressando ao caso dos transportes, esta fase acontece quando as greves são feitas apenas pelos maquinistas, motoristas ou por outros segmentos dos trabalhadores dos transportes, reduzidos, mas indispensáveis ao seu funcionamento. Neste caso, a greve de um minúsculo segmento laboral leva à quase total paralisação de todo o sector e à exasperação de centenas de milhares de utentes dos serviços.
Tomemos o caso das greves nos estabelecimentos de ensino secundário. À medida que os professores foram perdendo o entusiasmo pelas greves, os sindicatos criaram incentivos: passaram a marcar as greves às sextas-feiras! Com o tempo, também este incentivo se começou a revelar insuficiente. Os sindicatos apostaram no pessoal auxiliar, pouco numeroso, mas indispensável para as escolas se manterem abertas. Actualmente a adesão dos professores às greves é muito fraca. Todavia a expressão dessa fraca adesão é potenciada pela muito maior adesão do pessoal auxiliar. E assim diversas escolas fecham, não pela adesão dos professores, mas pela adesão do pessoal auxiliar.
Há década e meia, ao que julgo, que o pessoal dos museus faz sistematicamente greve nos dias em que se prevê um grande afluxo de turistas estrangeiros. Esta greve tornou-se num dos nossos mais impressivos elementos folclóricos das festas da Páscoa. Desconheço se essa greve sazonal e persistente trouxe algumas vantagens para os grevistas. Provavelmente já nem serão os mesmos que, em época tão remota, a iniciaram. Provavelmente já a fazem apenas por instinto atávico, um impulso sazonal similar aos comportamentos com que os documentários da vida animal do National Geographic Magazin nos deliciam e instruem. Há uma coisa que seguramente conseguiram: a incompreensão e o desagrado das pessoas, quando não suscitam mesmo o ridículo.
Agora foi a vez dos inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteira que haviam agendado greves para 27 e 28 de Maio e 11, 12, 16 e 17 de Junho, exactamente os dias mais problemáticos do Rock in Rio e do Euro 2004, exactamente os dias em que a conjugação da ameaça terrorista e da realização de espectáculos que concitam o interesse e a adesão de milhões de pessoas em todo o mundo, maior impacte têm sobre a tranquilidade da população. A precisão com que os dias foram escolhidos não deixava qualquer margem para dúvidas o sindicato dos inspectores do SEF procurava apenas a maximização dos efeitos colaterais.
Simplesmente, o SCIF foi, na sua malevolência primária, de um extrema ingenuidade. Mesmo admitindo que as suas reivindicações fossem justas, os dias escolhidos para a greve configuraram uma situação de chantagem e de utilização da população do país como refém dos 575 funcionários que agendaram as greves. Dificilmente algum governo aceitaria negociar numa situação destas.
Por outro lado, os inspectores colocaram-se na mira da contra-ofensiva governamental, que exploraria a inoportunidade da greve e os receios da opinião pública. Os grevistas ficariam responsabilizados, perante a opinião pública, por algo que pudesse acontecer com a segurança daqueles eventos e tornaram-se um alvo fácil e credível. Mesmo um governo inábil como o nosso conseguiria fazer arcar os grevistas com todo o ónus da situação e retirar-lhes qualquer capacidade reivindicativa após o fim dos eventos.
O SCIF compreendeu, tarde demais, que tinha perdido em todos os tabuleiros e que urgia retirar para minimizar as perdas. Assim, um dia após ter ameaçado, em conferência de imprensa, recorrer aos tribunais caso o Governo avançasse com uma requisição civil para enfrentar as greves dos inspectores, desconvocou a greve.
E para o desastre ser mais evidente, essa desconvocação foi feita apesar do comunicado do MAI que desmente que haja horas extraordinárias em dívida e que afirma que o que existe são «expectativas criadas pelo anterior executivo» que, segundo esse comunicado, iriam criar «inaceitáveis disparidades de remunerações relativamente a outras forças e serviços de segurança». Ou seja, o SCIF desconvoca a greve após o endurecimento da posição do MAI sobre as suas reivindicações. O comentário do SCIF é que as afirmações do MAI são «ofensivas e totalmente absurdas» e que «vêm ... desvirtuar dois anos de negociações com a tutela, já que ao longo de todas as reuniões o Governo nunca pôs em causa a existência da dívida». Afirmações que não convencem ninguém o SCIF colocara-se num impasse, já não tinha espaço de manobra e apenas sobejou a retórica.
Sempre que as lutas dos trabalhadores são conduzidas com estratégias erradas, que as levam a um impasse, a um beco sem saída, é o movimento sindical que sai ferido, que perde força. São as estratégias erróneas, tais como as que descrevi atrás, que debilitam o movimento sindical e lhe retiram o apoio popular. A liderança sindical, à medida que sente diminuir o apoio, aposta na fuga para a frente tentando com os meios cada vez mais exíguos de que dispõe, obter um impacte significativo com os efeitos colaterais. Mas é a vertigem pelo abismo, pois este é um processo que em vez de levar ao fortalecimento do sindicalismo, leva ao seu enfraquecimento progressivo
Mais um post a dar cabo dos direitos dos trabalhadores.
Afixado por: Cisco Kid em maio 27, 2004 10:21 PMArt. 57º Direito à greve e proibição do lock-out
1 É garantido o direito à greve.
2 Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
3 A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4 É proibido o lock-out.
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Conclusão :
acabem lá com as brincadeiras das greves enquanto não se arranja 2/3 de representantes do povo para por cobro a esta anarquia derivada da existência do artigo 57º na Constituição da República;
a greve é para ser utilizada em última instância ( ié : nunca ) e não deve por em causa os interesses económicos das actvidades privadas e jamais colocar em questão os eficientes serviços públicos.
também não é permitida a greve desde que seja considerada (por nós) como chantagem (aqui vista como uma forma de exigir uma coisa que vocês acham que têm direito mas que nós consideramos inapropriado ...de momento exigir )
Infelizmente há alguns pontos em que tenho que concoradar consigo.
Não há dúvida que o movimento sindical está mais frágil.
Também é certo que as greves de transportes, embora tenham muito efeito mediático, chateiam muito a população e são capazes de se virar contra os próprios trabalhadores.
Todavia os sindicalistas não podem desanimar e têm que encontrar novas vias.
Uma análise lúcida, Joana. De facto os SEF meteram a pata na poça.
Eu nunca acreditei que aquela greve fosse avante, mas nunca pensei que eles dessem tanto o flanco.
SEF ameaça retomar greves se MAI insistir que nada deve aos inspectores
O sindicato dos inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ameaça levar a cabo greves totais em Junho — suspensas ontem pela estrutura — caso o Ministério da Administração Interna insista que "não há horas extraordinárias em dívida" àqueles profissionais
in Público
Seixas:
Estou de acordo consigo. Quanto a encontrar novas vias, julgo que primeiro o movimento sindical deveria fazer uma abordagem da situação a que chegou e das razões objectivas desse percurso. Depois ver qual deve ser o estilo de actuação na sociedade actual. O sindicalismo não pode continuar a agir como se estivéssemos no século XIX ou na primeira metade do século XX.
A sociedade é diferente. Os mecanismos económicos são diferentes. O sindicalismo terá que ser diferente. E não apenas no tipo de acções
zippiz em maio 27, 2004 10:52 PM:
Eu limitei-me a expor o que eu penso sobre a evolução do movimento sindical e os disparates que tem feito para chegar ao que chegou.
Você não acha a minha análise dos efeitos das greves dos transportes correcta? Você gostaria que os efeitos não fossem esses, mas foram e continuam a ser.
Zippiz, na luta política e sindical não se pode marrar a direito. Tem que se escolher a estratégia mais adequada. Ninguém proibiu o SCIF de fazer greve. O SCIF é que deveria ter ter tido uma estratégia mais correcta. A greve não é para servir de arma de arremesso, nem para fazer a população refém das suas reivindicações.
Pode tentar fazê-lo. Mas depois terá que gerir as consequências daí advenientes.
Essa nova ameaça do sindicato dos inspectores do SEF parece guerrilha de putos.
Como é possível táo pouco nível, santo Deus?
Será que eles andam a brincar connosco e com a nossa segurança?
As conversações são para chegar a acordo sobre se existe ou não dívida.
O país bateu no fundo com gente tão irresponsável.
A planície heróica (blog) diz que é ma´fé.
Estão convencidos que têm força pela posição que ocupam, como diz a Joana.
São uma escória, estes gajos
Porque é que não fazem a greve noutra altura?
Depois há aqueles do quanto pior melhor, que os apoiam
Vivemos num pais de opereta.
Afixado por: Rave em maio 28, 2004 08:47 AMO Trofa tem razão. Isto parece uma guerrilha de putos.
E é nestes tipos que nós confiamos a nossa segurança?
Aquela notícia da nova ameaça do SEF não vem nos jornais de hoje.
Aquilo foi notícia para lançar o pânico, sem fundamento.
estão todos combinados: os SEF , o MAI, o Rumsfeld, o Portas e a Joana. crê-se que a conspiração atinja as mais altas estruturas hierárquicas envolvendo nomes até agora insuspeitos como os de Cisco Kid e Zippiz. numa conferência de imprensa marcada ontem para as 20h o primeiro ministro anunciou que já havia mandado abrir um rigoroso e sigiloso inquérito.
Afixado por: dionisius em maio 28, 2004 10:25 AMIsto está-se a tornar um folhetim. Não é um país de opereta, é um país de soap-opera
Afixado por: Rave em maio 28, 2004 10:25 AMO SEF devia era ir para a greve para fazer o ministro engolir o que mandou dizer
Afixado por: Cisco Kid em maio 28, 2004 07:29 PMno lugar de JOANA sentir-me-ia um pouco desconfortável com o tipo de apoios aqui demonstrados...mas cada um(a) tem os apoios que merece .
Afixado por: zippiz em maio 28, 2004 10:30 PMzippiz: é o país que temos.
Eu nem me sinto desconfortável com os apoios, nem com os desapoios, nem me parece que a argumentação doas "desapoios" seja mais "confortável" ou mais consistente, que a dos apoios.
zippiz: porque é que não expõe a sua ideia de que este tipo de greves, estilo operações especiais, com poucos efectivos mas com grande operacionalidade, não tem nada a ver com o declínio do sindicalismo.
Afixado por: Joana em maio 28, 2004 11:40 PMe porque é que a JOANA não faz um post sobre o papel das associações patronais ?
ficariamos a saber porque é que a sua opinião sobre os temas vai sempre no mesmo sentido.
A Joana é uma reaccionária "novo estilo" que sabe vender o seu veneno reaccionário e que arranjou uma corte de admiradores.
Também arranjou alguns que tentam pô-la na ordem e desmascarar esse veneno.
Somos ainda poucos a fazê-lo. Devíamos ser mais a pô-la na ordem.
Meus amigos, é preciso contenção. Eu tenho quase sempre contestado as opiniões da Joana, mas civilizadamente.
Não há dúvidas de que ela expõe as suas opiniões de forma habilidosa.
Reconheço que nem sempre é fácil encontrar a argumentação mais conveniente, mas a argumentação "pesada" não leva a nada e só prova fraqueza.
Acho que o Cisco Kid tem razão ao afirmar que devia aprecer mais gente a contestá-la. Mas contestar pela positiva e não pela negativa, pois senão é ela que leva a melhor.
Cumprimentos.
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