maio 18, 2004

Perspectivas Sombrias

No início deste ano, tudo parecia apontar para que 2004 não fosse um ano de recessão como foi o de 2003, muito embora fosse previsível uma retoma apenas medíocre.

O elemento vulnerável neste cenário era a procura externa. Na situação orçamental em que Portugal se encontra e com o tipo de economia que tem, não é possível uma recuperação baseada na procura interna. Uma estratégia baseada na despesa pública conduziria, visto a oferta interna ser insuficiente, ao aumento das importações e ao consequente aumento do défice externo, para além do aumento do défice orçamental.

O Banco de Portugal previa para a procura interna um crescimento negativo ou muito próximo de zero. Portanto a retoma, mesmo medíocre, assentaria no crescimento das exportações o que permitiria a previsão de um crescimento positivo, ainda que diminuto, para o PIB.

Seria exequível um crescimento das exportações de bens e serviços suficiente para sustentar a retoma? Seria se as economias dos nossos parceiros comerciais estivessem em expansão. Ora tal não está a acontecer. A Europa apresenta um fraco crescimento e não se vislumbram sinais de que essa situação se modifique.

A subida do euro face ao dólar também complica a nossa situação. Alguns pensam que, uma vez que a maior parte das nossas exportações é dirigida para países que têm o euro como moeda ou como referência para as suas moedas, a subida do dólar não afecta as nossas exportações. Esse raciocínio é errado, pois, mesmo nesses países, competimos com exportações oriundas de países de fora da União Europeia e que têm o dólar como referência. Inclusivamente o turismo pode ser afectado.

As contínuas dificuldades da nossa situação económica podem levar a que, em 2004, as cobranças de impostos desçam. Além disso, é provável que continue a ocorrer o aumento do desemprego, conduzindo a um incremento correspondente das respectivas transferências sociais. Tudo isto terá repercussões negativas no défice orçamental. Com o objectivo de 3% do PIB como referência para o défice, haverá ainda o risco de, durante o ano, se ir cortando mais nas despesas de investimento público, induzindo um maior decréscimo da procura interna.

Entretanto, a subida galopante do preço do petróleo (atingiu o preço máximo dos últimos 20 anos, ultrapassando os 40 dólares) veio pôr ainda mais em causa a recuperação económica na Europa e, por indução, a retoma económica portuguesa .

Seis dos 12 estados da Zona Euro vão ultrapassar o limite de 3% de défice público. Entre os estados membros em falta encontram-se a Alemanha, a França e a Itália, as três maiores economias da Eurolândia. Também o Reino Unido vai exceder os 3%. O défice orçamental português deverá fixar-se, este ano, em 3,5% do PIB, de acordo com as previsões da Primavera da Comissão Europeia e só o recurso às receitas extraordinárias nos vai colocar abaixo da fasquia dos 3%. A pergunta que se põe é saber se, em face do incumprimento geral, valerá a pena hipotecar receitas extraordinárias para esse efeito.

Face a esta conjuntura, a OCDE reviu em baixa os indicadores de crescimento do PIB português que tinha avançado anteriormente. Para o ano em curso, a OCDE estima que a criação de riqueza tenha um incremento de 0,8 % (contra 1,5 % nas estimativas de Novembro passado), enquanto que para o próximo ano o crescimento deverá atingir os 2,4 % (já mais próximos dos 2,6 % avançados em Novembro).

Face a essas previsões Portugal continuará, em 2004, a divergir da média da Eurolândia, e aproximar-se-á de um ritmo de convergência no ano que vem. Para o conjunto dos 12 Estados que adoptaram o euro como moeda, a OCDE estima um crescimento de 1,6 por cento (o dobro do português) em 2004, e de 2,4 por cento (ao mesmo nível do de Portugal) em 2005.

A OCDE continua a sustentar que a recuperação da economia portuguesa será alicerçada na dinâmica exportadora, prevendo mesmo que as vendas de bens e serviços ao estrangeiro registem um incremento de 5,2 %este ano (mais 1,3 % do que em 2003). Penso que estas previsões incorporam um elevado risco. Na verdade, e de acordo com o INE, as exportações portuguesas caíram 4,3 % em Janeiro e Fevereiro (face ao período homólogo de 2003). Tendo presente que a procura interna continua muito débil nos países da Zona Euro, para onde Portugal encaminha parte substancial das suas exportações, este é um sector onde as previsões apresentam um potencial de falibilidade que não pode ser descurado.

Perspectivas sombrias, sem dúvida.

Não me parece que haja na sociedade portuguesa uma consciência da situação sombria da economia portuguesa. E os que a têm, por a sentirem na pele, não se interessam pelas causas que levaram a essa situação e pelas possíveis soluções para ela. Apenas dão socos no ar.

O governo terá consciência da situação. Mas está encurralado entre a sua incompetência e o receio de desagradar ainda mais ao eleitorado. Durante os 2 primeiros anos da legislatura, época ideal para se fazerem as reformas impopulares, o governo titubeou e não foi capaz de fazer as reformas que se impunham. Não será nos dois últimos anos, em que terá que encontrar maneira de ganhar as próximas eleições que as conseguirá fazer. É certo que conseguiu melhorar alguns parâmetros macroeconómicos, como o défice orçamental e o défice das contas com o exterior. Mas são as reformas estruturais que valem e permitem sustentar uma evolução positiva dos parâmetros macroeconómicos. E aí a prestação do governo foi muito insuficiente.

Como escreveu Pina Moura há tempos: "O Governo tem conseguido fechar a torneira que enche essa represa (contendo a despesa pública) mas não interferiu, de maneira nenhuma, nas fissuras que já mostram essa barragem. Continuamos com o risco de naufrágio". É evidente que Pina Moura não terá grande autoridade moral para dizer isto, até porque as fissuras já vinham do tempo dele e, principalmente, do ministro que o antecedeu, mas isso não invalida que tenha acertado.

Publicado por Joana em maio 18, 2004 10:24 PM | TrackBack
Comentários

Mas que cepticismo e falta de confiança na "mão invísivel" !

Entretanto não se tem sentido muito o "receio de desagradar ainda mais ao eleitorado" . Vidé o tratamento dado aos trabalhadores da Sorefame e o contrabando ideológico , dito social , de BFelix

Afixado por: zippiz em maio 18, 2004 10:48 PM

Até que enfim que a Joana reconhece que o governo é incompetente.

Afixado por: Cisco Kid em maio 18, 2004 11:55 PM

...«É certo que conseguiu melhorar alguns parâmetros macroeconómicos, como o défice orçamental e o défice das contas com o exterior»...

A vender ouro e património nacional, até eu...

Afixado por: (M)arca Amarela citando (M)arca Amarela em maio 19, 2004 12:18 AM

A Joana tem razão em que o governo não tem sido muito corajoso. Mas repare que desde o início, quando o governo quer mexer em qualquer coisa, é uma algazarra enorme e isso tem feito recuar, às vezes , o governo.

Afixado por: Hector em maio 19, 2004 12:32 AM

Portugal tem uma constituição toda armadilhada que faz com que qualquer reforma seja facilmente declarada inconstitucional. Isso não acontece na maioria dos outros países da Europa.

Afixado por: Hector em maio 19, 2004 12:35 AM

mas o problema da Constituição não era só o preâmbulo ?

Afixado por: zippiz em maio 19, 2004 01:40 AM

(M)arca Amarela citando (M)arca Amarela em maio 19, 2004 12:18:
Com a velocidade com que as contas públicas resvalavam, com a despesa pública já hipotecada (os vencimentos da função pública não pode ser diminuido) etc., não sei se você o conseguiria.

Afixado por: Joana em maio 19, 2004 09:55 AM

Isto sem falar da recessão que fez diminuir as receitas fiscais

Afixado por: Joana em maio 19, 2004 09:56 AM

Foi injusta, Joana, o Pina Moura tinha razão e tentou fazer alguma coisa. Não conseguiu porque foi despedido.
Não consigo perceber o que terá passado pela cabeça do Guterres para o despedir e meses depois ir-se embora. Será que não queria arrostar com a impopularidade das medidas de contenção do défice? Será que não sentia da parte do resto do governo e dos chefes do partido apoio para essas medidas? Será que só se apercebeu do buraco nos últimos meses?

Afixado por: Vitapis em maio 19, 2004 11:04 AM

Não sei avaliar da competência técnica do Pina Moura, mas é um homem sensato, coisa que não acontece, infelizmente, com o Sousa Franco.
Gostei da actuação do Pina Moura e tenho apreciado alguns artigos que ele tem publicado

Afixado por: Vitapis em maio 19, 2004 11:06 AM

Hoje na AR:
O ministro da Economia, Carlos Tavares, disse esta quarta-feira no Parlamento (Lisboa) que a economia portuguesa vive uma viragem de ciclo, com o relançamento económico a ser feito pela via mais apropriada: o investimento.

Carlos Tavares reafirmou que espera que o PIB cresça entre 0,5% e 1,5% em 2004, com as exportações a aumentar entre 4,5%e 6,5% e o investimento a subir entre 1% e 4%.

São estes valores que levam o ministro da Economia a considerar que Portugal já vive a viragem do ciclo negativo, face à recessão de 1,3% do PIB no ano passado.

«As muitas decisões de investimento tomadas e em concretização dão-nos a garantia de que o relançamento vai fazer-se pela via mais saudável: a do investimento e da inovação», disse o responsável pela pasta da Economia.

Afixado por: David em maio 19, 2004 05:55 PM

Acham que o ministro terá ou não terá razão?

Afixado por: David em maio 19, 2004 05:56 PM

Portanto isto está mesmo mau.
Bem, vou ao Portugal Positivo!

Afixado por: Rui Silva em maio 20, 2004 01:32 PM

Pelo menos na Idade Média não havia problemas com o défice.

Afixado por: Rui Silva em maio 20, 2004 01:33 PM

Não me parece que ouvir o Vasco Pulido Valente faça aumentar a auto-estima

Afixado por: Valente em maio 20, 2004 01:56 PM

A auto-estima dos portugueses é arrasada por aqueles noticiários massacrantes das TV's,principalmente da Manuela Moura Guedes.

Afixado por: Cerejo em maio 20, 2004 02:47 PM

Espero que o pessoal que for ao Portugal Positivo venha depois aqui, ou em qualquer outro sítio que se leia, mostrar como ficou "positivo".

Afixado por: Senhor dos Aneis em maio 20, 2004 04:48 PM

Quanto à Manuela Moura Guedes, quem a quer exterminar?

Afixado por: Senhor dos Aneis em maio 20, 2004 04:51 PM

A procura externa é cerca de 30% (não me lembro bem). Mesmo que aumentasse o seu impacto seria sempre diminuto. Portanto... nada de novo.

Afixado por: Nilson em maio 20, 2004 05:40 PM

Deve haver um problema genético de esquecimento da Ministra da Finanças e os seus 3 irmãos se esquecerem de declarar a mais valia de venda de imóvel da família. Por isso é que ela não aplicou a lei dos 60 anos para a reforma dos funcionários públicos aos Srs. Deputados e afins... Acho melhor alguém lembrá-la disso a bem da sustentabilidade do sistema...

Afixado por: Luís António Viriato em maio 20, 2004 07:28 PM

O facto em si não é grave. Mas acontecer com a Ministra das Finanças que está brava contra à evasão fiscal é curioso.
Muito curioso

Afixado por: c seixas em maio 20, 2004 09:00 PM

E o amigo Viriato tem razão: deve ser um problema genético. Logo os 4 irmãos esquecerem-se!

Afixado por: c seixas em maio 20, 2004 09:01 PM

David em maio 19, 2004 05:56 PM:
O Ministro tem obrigação de conhecer os números. De acordo com o que ele apresentou, tudo indica que ele espera uma recuperação rápida das exportações.
Espera-se que acerte!

Afixado por: Joana em maio 20, 2004 11:11 PM

Nilson em maio 20, 2004 05:40 PM:
Se as exportações aumentarem entre 4,5%e 6,5%, como prevê o Ministro da Economia, é provável que o PIB cresça entre 0,5% e 1,5% em 2004.
Esta relação indica que Carlos Tavares prevê novamente um ligeiro decréscimo da procura interna.

Afixado por: Joana em maio 20, 2004 11:14 PM

Viriato e Seixas:
Parece, de facto, tratar-se de um problema genético.
E é significativo (ou talvez seja apenas má língua) que a memória deles só se avivasse na altura em que a Manuela estava negociar a entrada no governo.

Afixado por: Joana em maio 20, 2004 11:16 PM

Senhor dos Aneis em maio 20, 2004 04:51 PM:
É fácil ... faça zapping!

Afixado por: Joana em maio 20, 2004 11:18 PM

Eu não dizia que o Vasco não melhorava a autoestima dos portugueses:
A campanha "Portugal Positivo", apresentada como "independente, movida pela sociedade civil" - apesar de ter na sua primeira conferência uma deputada do PSD, Graça Proença de Carvalho - não arrancou ontem da forma que os organizadores pretendiam. A razão para tal foi o historiador Vasco Pulido Valente, convidado para apresentar uma perspectiva histórica e sociológica sobre o tema. O colunista acabou por concluir, precisamente, no sentido oposto do pretendido: os portugueses têm auto-estima a mais. Isto porque apesar de se verem como atrasados, embora andem há 200 anos a tentar imitar outros países europeus, nunca se consideraram culpados do atraso português. Começou por ser dos jesuítas, passou para os absolutistas, chegou aos comunistas, sobrou para os fascistas e acabou nos políticos.

Afixado por: Valente em maio 21, 2004 10:54 AM

E mais adiante:
O historiador recuou duzentos anos na história portuguesa para lembrar que desde o século dezoito que o discurso de todos os governos era "modernizar Portugal", ou seja, "imitar" o que se via "lá fora". A primeira conclusão a que chegou foi que os objectivos da elite governativa não ajudavam à auto-estima. "Se uma pessoa define o seu programa político como imitação o que está a dizer é que a sua identidade é ser atrasado".

Acrescentou depois que o problema de Portugal era o "fracasso da imitação". Como as tentativas de modernização não funcionavam, surgia a "obsessão com o recomeço". Lembrou que cada governo e cada regime tentava sempre começar do zero. Daí as "Regenerações", o "Estado Novo" e o "homem novo português" de Cavaco Silva.

Afixado por: Valente em maio 21, 2004 10:55 AM

E a seguir arrumou a conferência:
Foi então que chegou a vez de analisar a iniciativa para onde tinha sido convidado. Catalogou-a como "muito típica" e explicou porquê. A expressão "Portugal Positivo" era um "coloquialismo americano", ou seja, mais um modelo encontrado "lá fora".

Rematou a caracterização "típica" da iniciativa, comparando-a a outras posições "anti-regime", por se colocarem à margem dos canais normais: "Começam por rejeitar os instrumentos políticos quando se dizem provir da sociedade civil, afastam-se dos instrumentos económicos porque senão estavam a criar empresas e também não acreditam nos instrumentos sociais porque senão estavam num ONG qualquer. Não é assim que a gente vai lá."

Afixado por: Valente em maio 21, 2004 10:56 AM

Depois de criticado, VPV respondeu:
Vasco Pulido Valente respondeu a estas reacções acusando os intervenientes de mais uma atitude típica: a de atribuir a "culpa" a uma minoria e nunca ao "grosso da maioria dos portugueses". A culpa era sempre dos outros. Mais uma atitude "típica", com séculos de história. Lembrou que Portugal já tinha uma longa lista de bodes expiatórios. Começou por ser dos jesuítas, passou para os absolutistas, chegou aos comunistas, sobrou para os fascistas e acabou nos políticos. Foi por isso que em Portugal se instalou a sensação de "completa impunidade": "Portugal está cheio de nulidades nas mais altas instâncias em que ninguém toca". Na televisão todos eram tratados como "senhor professor ou excelso camarada", e nunca uma crítica era directamente apontada a um nome em concreto. Em suma, estimamo-nos demais. "Se há alguma coisa de que nós precisamos é de menos auto-estima", rematou.

Quando o debate se aproximava do fim, a assistência cedeu e perguntou então como é que se poderia ultrapassar o problema. O historiador deu a estocada final: "Como é que se ultrapassa a depressão? Com um novo ciclo de prosperidade. Se houver mais dinheiro as pessoas começam logo a sentir-se melhor, nem precisam deste tipo de conferências."

Afixado por: Valente em maio 21, 2004 10:58 AM

O que é curioso é que o Público só traz a "parte negativa". A intervenção do VPV.
Isso mostra que num ponto os organizadores tinham razão: os jornais apenas põem em evidência os aspectos negativos

Afixado por: Valente em maio 21, 2004 11:00 AM

O congresso do PSD está a ser uma chachada

Afixado por: Cisco Kid em maio 22, 2004 12:30 PM

Chachada maior foi o casamento real

Afixado por: Filipe em maio 22, 2004 02:07 PM
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