Durante o ano passado perderam-se, segundo um balanço provisório, 18 mil empregos nos sectores dos têxteis e do calçado. Esta perda de postos de trabalho foi consequência da vaga de encerramentos de empresas de capitais estrangeiros, sobretudo alemães. Alguns tiveram bastante protagonismo mediático, mas a grande maioria permaneceu anónima.
Quer uns quer outros têm, todavia, uma coisa em comum. Independentemente das promessas que autarcas, sindicatos ou governo possam ter feito, independentemente das ilusões que possam ter sido criadas, são postos de trabalho irrecuperáveis na sua quase totalidade – o desemprego nos sectores dos têxteis e do calçado é estrutural.
É óbvio que este processo foi acelerado pela crise financeira. O aumento da despesa pública e dos vencimentos da função pública acima da respectiva produtividade induziu uma situação inflacionária e um efeito imitação a nível salarial que acelerou a perda de competitividade do sector privado exportador e, principalmente, dessas empresas já fragilizadas. Mas mesmo na ausência da crise financeira e do défice, este processo de reajustamento industrial iria acontecer fatalmente. Poderia não ter ocorrido em 2003, mas aconteceria em 2005 ou 2006, independentemente ou não de quaisquer retomas.
Não é possível, com as qualificações e as tecnologias do Sueste Asiático, ter salários europeus (mesmo que sejam da cauda da Europa) e regalias sociais europeias. Qualquer um que diga o contrário apenas está a criar falsas ilusões. Aqueles 18.000 desempregados apenas poderão voltar ao mercado de trabalho se tiverem qualificações suficientes e adequadas para tal. A maioria, actualmente, não as tem.
Impõe-se a requalificação profissional daqueles efectivos, pelo menos daqueles que estiverem interessados nessa requalificação.
Não sei em que moldes essa requalificação será possível, que programas poderão ser implementados para assegurar que essa requalificação se faça de acordo com as necessidades do mercado de emprego, nem como conseguir a adesão desses desempregados ao esforço de uma requalificação.
Apenas sei que o Fundo Social Europeu drenou durante muitos anos verbas consideráveis, a fundo perdido, para programas de formação que apenas serviram para estabelecer um regime perverso de sub-emprego em que os formandos iam transitando de um curso de formação para outro, unicamente com o objectivo de continuarem a receber as respectivas ajudas. Durante muitos anos existiram empregos artificiais cujos efectivos eram formadores e formandos pagos pelos contribuintes europeus e cuja utilidade social, para além da manutenção precária daquele emprego artificial, era nula.
Como vamos explicar agora que se tratou de um equívoco monumental e que a maioria daqueles cursos não tinha qualquer interesse do ponto de vista da formação, servindo apenas para criar a ilusão de um emprego precário?
É mais uma herança da ausência de estratégias e dos desleixos governativos, que não se resumem apenas aos desleixos dos governos de Guterres, pois já vêm bastante de trás.
A análise fria dos problemas não é vulgar no nosso país. Normalmente procura-se um responsável pelos estado das coisas. O adversário político é usualmente o destinatário da critica. Este é mais um resultado da nossa mentalidade e da nossa educação. Quando virá o dia em que se ouvirá: «nós erramos»; «nós fizemos mal»; «as opções que tomámos não eram as mais correctas»; «a nossa política não produziu os resultados que esperávamos».
Chegaremos a estas conclusões algum dia?
Considero a sua análise equilibrada e correcta. Deitámos muito dinheiro fora.
Um reparo: Parte desses desperdícios com os fundos tem claro muito a ver com os governos, porque são os responsáveis máximos.
Mas tem também muito a ver com os escalões intermédios da administração
Pois, a culpa é dos trabalhadores que não se querem qualificar
Afixado por: Cisco Kid em fevereiro 4, 2004 01:19 AMPois, a culpa é dos trabalhadores que não se querem qualificar
Afixado por: Cisco Kid em fevereiro 4, 2004 01:19 AM
Tudo muito correctino. Tudo muito certinho.
Enfim, nada a contestar, dentro da lógica da análise escorreita.
Mas, Joana, faltou-lhe a parte sociológica da questão: quem são os desempregados deste Portugal?
São (serão?) inqualificados...
São (serão) pessoas interessadas..
Mas são ( e são!) principalmente na sua grande maioria pessoas que já ultrapassaram a fronteira dos 35 anos mágicos!
Aquela fronteira que, segundo os analistas, não vale a pena requalificar pois não renderão nadica no mercado de trabalho.
E esta, Joana, é a realidade deste pais, por muitos estudos e análises miríficas que se queiram fazer.
A maior maioria dos desempregados deste país nunca mais terão emprego, façam-se os cenários mais ou menos utópicos que se fizerem.
Mas, e aqui está o problema do país Joana, não deixam de ser portuguses por isso.
E é com este problema dos problemas destes portugueses que vamos que ter que gerir este país durante os próximos, pelo menos, 20 anos: uma população irrecuperável ao olhos dos técnicos, mas que continua (dificilmente, sabemos) viva.
Descartar tudo isto, não passa de exercício de catedrático isolado do mundo....
Afixado por: re-tombola em fevereiro 4, 2004 01:47 AMre-tombola: o que diz sobre a dificuldade de requalificação só parcilmente está certa.
Mesmo não entrando no universo dos licenciados, onde tenho visto gente com 40, 50 e 60 anos mudar de emprego, e sem ser para tarefas de gestão pura, é possível requalificar.
Não se está a pedir que se licenciem, ou que se tornem experts em informática, mas que façam cursos práticos para melhorarem a qualificação.
O que é ilusório aqui, é que uma das falências do nosso sistema de ensino (e o resto vem a reboque) é a deficiência do nosso ensino profisssional e tecnológico.
Mas hoje em dia, isso é mais um problema de procura que de oferta. Há cursos tecnológicos que encerraram por falta de "clientes".
A minha mãe, que é professora diz frequentemente que, se se quiser apostar no ensino profisssional e tecnológico, o ministério terá que desenvolver uma intensa acção de marketing, porque os paizinhos e os meninos continuam a apostar na via de serem doutores de qualquer coisa, apesar dos conselhos que os orientadores escolares dão noutros sentidos.
Eu sou do tempo em que o ensino estava dividido entre o Liceu e as Escolas Técnicas, e nem sempre o acesso a uma dessas subdivisões era ditada por factores de ordem económica ou social, pois na minha família 6 dos meus irmãos frequenteram o Liceu e 5 a Escola Técnica. Nestas, dum modo geral, o ramo "comercial" era o de maior frequência, e a saída natural era a via profissional, ou, para aqueles que queriam (e podiam) os Institutos Comerciais e posteriormente o ISCEF. Todos nós conhecemos inúmeros economistas e financeiros que utilizaram esta última via escolar.
O problema foi que, um dia, acabaram com o ensino tecnico-profissional em Portugal, e agora, apesar de haver um maior número de anos de escolaridade obrigatória, a verdade é que quase ninguém sabe nada de nada ao completar o 12º ano. Que vão fazer os nossos jovens só com a escolaridade obrigatória? Quem lhes dá emprego?
Cara Joana,
Penso que estaremos a falar de universos diferentes.
A grande maoiria dos desempregados deste país nem sequer tem a escolaridade obrigatória.
E é esse universo de pessoas (e seus agregados familiares) sobre as quais teremos que nos debruçar.
Não falo das grandes urbes, falo das populações desempregadas de aldeias e vilas ( e são milhares!).
Populações que viviam do sustento do seu emprego e que, de repente, se vêem sem nada alternativo e que geram à sua volta mais pobreza (basta atentar em todo o comércio circundante e que, por sua vez, desaparece por falta de clientes com poder de compra).
Qualificar (já que re-qualificar não se pode quando não existe qualificação a priori) como e quando?
Quando deparamos com pessoas desempregadas na casa dos 40-50 anos cuja ambição é aprender a ler ou a escrever para poderem retornar ao mercado de trabalho, estaremos a falar verdade quando lhes damos essa esperança ou estaremos a tentar que a desilusão venha mais tarde?
Afixado por: re-tombola em fevereiro 4, 2004 07:30 PMre-tombola:
Eu não conheço bem a realidade dos trabalhadores das zonas onde domina o têxtil e o calçado. Provavelmente você terá razão quanto ao grau de qualificação.
Mas talvez seja possível encontrar qualificações alternativas, com procura a nível do mercado de emprego.
Agora, ponho uma questão: Se se estava nessa situação, porque é que os sindicatos não tentaram soluções evitando aumentos de salários e aceitando soluções a tempo parcial? Ou outras soluções que evitassem a deslocalização das empresas? Principalmente para o pessoal que não é possível requalificar.
Luis Monteiro:
Respondo-lhe com o que a minha mãe já me disse. O fim da divisão entre o Liceu e as Escolas Técnicas foi feito com «a melhor das intenções». Consideravam então que os alunos das Escolas Técnicas ficavam com as “pernas cortadas” face aos alunos dos Liceus.
A minha mãe, que foi uma das que lutou a favor dessa reforma, confessa actualmente que foi o maior disparate que se fez, visto que destruiu algo que existia e que vai levar anos a refazer (o ensino profissional e tecnológico em larga escala), quando alguém se decidir a isso.
Eh um caso muito aborrecido e triste. Ainda por cima com empresas da Alemanha.
Estive a ver na TV e as trabalhadoras nao me pareceram tao perto do analfabetismo como se deduz do que o re-tombola escreveu.
A maioria ainda parece relativamente nova e desenvolta.
Julgo que alguma coisa era possivel ser feita
Milton Friedman terá alguma coisa a ver com isto?
Afixado por: daniel tecelão em fevereiro 4, 2004 11:25 PM
(...)
Agora, ponho uma questão:
(...)
Não ponha, Joana, não ponha...
Já "tem" uma questão posta : a fábrica da empresa alemã Brax em Vila Nova de Gaia encerrou, deixando sem trabalho cerca de 430 pessoas (repare: não são 430 mas sim MAIS 430 a juntar às que dia a dia vão indo para o desemprego)
Diz-se (!) que o Estado português vai accionar judicialmente a têxtil Brax por "encerramento selvagem"...
O Ministro do Trabalho veio dizer que os trabalhadores não deveriam ir para o desemprego mas, sim, accionar um instrumento que ele criou:fundo de garantia salarial ( para receberem os salários em atraso)
O Ministro Bagão felix passou a esquerdista?
Acredita nisso?
Eu não...
O "mistério" da reacção do Sr. Ministro poderá ser desvendado de outra forma, um pouco mais "subtil": os trabalhadores ter-se-ão despedido no fim de Janeiro através de carta registada e alegando justa causa!
Aparentemente, isto nada dirá aos incautos...
Mas, de facto!, ao despedirem-se com justa causa tornam-se credores do que ainda existir de créditos a haver da empresa já que terão indminizações a receber.
Tan! Tan!
Que se passará então com o Sr. Ministro "tão-simpático-e-defensor-da-pretensa-antiguidade-se-houver-quem-compre-a-empresa"?
Já não há honestidade???????
(eu sei que não... mas gosto de pensar que sim)
Será que o Estado se estará a tentar adiantar como credor?
Aí tem, Jona, a sua (nossa) questão...
ps: Filipa Zeitzler em fevereiro 4, 2004 10:54 PM
O que a leva a crer, pelas imagens de TV, que as pessoas terão mais que a escolaridade obrigatória (da época em que começaram a trabalhar) ?
As roupas? As "carinhas larocas"?
Em que século está?????
Joana,
Acerca das "escolas técnicas" só me vem uma pergunta a fazer: qual foi o Governo que lhes ditou a morte?
(sub- pergunta: e porquê??????)
Filipa Zeitzler em fevereiro 4, 2004 10:54 PM
Peço-lhe desculpa de ter "embalado" na intervenção em que repliquei à Joana e de ter misturado uma resposta à sua intervenção em "post-scriptum".
Eu não disse que as pessoas são analfabetas em termos curriculares.
O que eu disse, e é bastante mais grave, é que SÃO ANALFABETAS FUNCIONAIS,isto é, terão tido escolaridade mas não terão tido qualquer oportunidade de a ter posto à prova.
São pessoas que passaram 20 ou 30 anos a trabalhar ao nível operativo e para o qual nem sequer presisariam de utilizar a tal escolaridade.
Como tal, e também foi mostrado na TV, muitas delas já não sabem sequer escrever (porque nunca precisaram de o fazer ao longo dos anos).
Consegue aperceber-se desta realidade?
Vestem-se (vestir-se-iam) exactamente como a sua vizinha doutorada em matemáticas puras, vão (iriam) exactamente aos mesmos centros comerciais a que vão todos os "colunáveis", etc...
Daí a achar-se que são "relativamente novas e desenvoltas" só porque se tornou difícil diferenciá-lo(a)s porque se "misturam" com o que achamos um mundo nosso e à parte, vai um passo de muitos gigantes.
Será que este tipo de desempregado(a)s teria que ter buço e pelos nas pernas para ser considerado "proletário sem futuro"?
A televisão, eu sei, transforma tudo...
Mas, ao ponto de não se ter noção de que aquelas caritas larocas são mesmo analfabetas funcionais????
Não creio...
Afixado por: re-tombola em fevereiro 5, 2004 06:07 AM
A minha pergunta final na intervenção "re-tombola em fevereiro 5, 2004 05:38 AM " tem uma "rasteirita":
"Será que o Estado se estará a tentar adiantar como credor?"
ps: fica ao cuidado do seu (nosso) consultor jurídico de serviço :-)
pps: e não vale dizer que o Estado tem prioridade nos créditos, pois o que me parece é que o Estado não quer sequer que existam créditos para poder negociar a venda a seu bel-prazer...
Veremos
Afixado por: re-tombola em fevereiro 5, 2004 06:25 AMEu também vi as desempregadas na TV e fiquei com uma impressão idêntica à Filipa, pelo menos relativamente a algumas.
Isso pode ter algum significado. Se são mulheres que se sabem cuidar provavelmente terão igualmente capacidade para melhorar a qualificação.
O que eu acho é que os sindicatos fazem muito barulho até elas serem despedidads e obterem as indemnizações máximas e depois estão-se nas tintas.
Deixaram de ser eleitoras.
Mas antes empurram-nas para lutas antecipadamente perdidas
A sua linguagem é crua, mas infelizmente é capaz de ter razão. Temo que não haja solução a contento dos que foram despedidos
re-tombola: provavelmente tem razao. Talvez por detras daquela aparente desenvoltura se esconda o analfabetismo funcional. Talvez muitas delas ja nao saibam sequer escrever.
Mas alguma coisa tem que se fazer
Os resposáveis pelo dinheiro deitado à rua nesses cursos sem sentido, apenas para disfarçar o desemprego e pagos pela UE, deviam ser chamados à pedra e condenados se fosse possível.
Juro que não sou fiel seguidor de Nietzche, mas há coisas em Portugal que me parecem "o eterno retorno" sem a faceta de se ter aprendido com o passado.
E, aqui, eis-me retornado ao tema do "desemprego" por via de um artigo de José Vítor Malheiros no "Público de hoje, sob o título " DEsempregado".
Diz ele, no final (e afinal!):
(...)
Há dias, porém, um dos noticiários da RTP mostrava uma destas entrevistas, com imagem desfocada, de um homem não identificado que não pertencia a nenhum daqueles grupos. O homem, de meia-idade por aquilo que era possível apurar, era simplesmente mais um desempregado, vítima de um dos muitos despedimentos colectivos dos últimos meses, causado pelo encerramento de mais uma empresa, e falava da sua vida, sem trabalho, sem salário, sem dinheiro, sem perspectivas de os conseguir e com uma família para sustentar. Não havia nenhuma razão para supor uma perseguição, uma represália ou uma condenação social a não ser a sua condição de desempregado. E nenhuma razão para imaginar o pedido de anonimato senão um particular sentimento de desonra por essa condição, tanto mais que antes e depois outros despedidos da mesma empresa prestavam declarações perante as câmaras.
Que o desemprego é uma tragédia social todos o dizem - a começar pelos economistas que, apesar disso, o desejam (já que se trata de um efeito secundário da flexibilidade, que é "uma coisa boa", que permite "reorganizar a força de trabalho"). Mas que é uma tragédia pessoal e familiar poucos o sabem de facto. Que ele seja uma tal fonte de sofrimento moral é algo que estas imagens puderam tornar evidente. Para aquele homem, o seu desemprego - resultado não de uma culpa pessoal mas do encerramento de uma empresa na qual ele era apenas uma peça - era não apenas uma fonte de problemas quotidianos bem concretos mas uma vergonha insuportável, que o tornava incapaz de mostrar a cara. De quem quereria esconder este homem a sua nova condição de desempregado? Não dos colegas desempregados como ele. Dos vizinhos? Dos amigos? Da família? Que perspectiva de vida podemos imaginar para um homem como este, impedido de trabalhar, provavelmente para sempre, e que descobre que, estranhamente, com o trabalho perdeu também a sua razão de ser e identidade, o orgulho e a dignidade?
(http://jornal.publico.pt/2004/02/10/EspacoPublico/O04.html)
..........
Pois é...
E repito eu: Que perspectiva de vida podemos imaginar para um homem como este, impedido de trabalhar, provavelmente para sempre, e que descobre que, estranhamente, com o trabalho perdeu também a sua razão de ser e identidade, o orgulho e a dignidade?
re-tombola: o seu comentário sublinha um ponto, quase sempre esquecido. Para além das centenas de pessoas com cartazes, punhos erguidos e declarações fogosas, há muitas centenas que sentem o desemprego como uma vergonha, como se tivessem sido punidos por algo de errado que fizeram, como alunos conscenciosos que olham a pauta e vêem que foram reprovados.
E isto acontece mesmo em países em que a mobilidade de emprego é natural, como nos States.
A pergunta que coloca no último parágrafo não tem uma resposta. As pessoas reagem de formas diferentes. Umas ultrapassarão o problema e tentarão outra oportunidade, outras sossobrarão psicologicamente.
O que é trágico é que ninguém se lembra delas. Só as outras são tidas em conta: o Poder, porque os seus protestos são incómodos; os sindicatos porque as usam como arma de arremesso.
E provavelmente serão as esquecidas, as que mais mereceriam a nossa atenção.