Uma prática corrente nos despotismos orientais era o monarca mandar decapitar o mensageiro portador de más notícias ou, pelo menos, notícias que lhe desagradavam: as suas hostes terem sido desfeiteadas numa batalha; ter eclodido uma insurreição tumultuosa numa província distante; a fuga misteriosa de uma azémola com os alforges carregados com a colecta de impostos; uma concubina mais voluptuosa ter sido apanhada em teres e haveres de carne com algum musculoso capitão dos janízaros, etc., etc..
Actualmente, e sempre que censurados por políticos, ou por outros sectores da sociedade civil, pelo conteúdo e forma das notícias que propalam, os jornalistas aparecem a protagonizarem-se, a si próprios, como os mensageiros dessas épocas despóticas face à sanguinária ambição de lhes verem as cabeças separadas dos troncos. Cada vez que surge uma crítica sobre o excesso de algumas notícias, sobre a eventualidade de estarem, desnecessariamente, a invadir a privacidade ou a menoscabar o direito ao bom nome de alguém, os jornalistas, pressurosos, em coro, clamam que o que querem é matar o mensageiro, pois eles não passam de mensageiros, que quem critica o estilo noticioso não é senão um aprendiz de déspota oriental, uma aberração do passado que resistiu à voracidade do tempo e que aparece agora em pleno século XXI, pulverulento, com o bolor dos séculos, a reproduzir costumes de épocas bárbaras.
Julgo que os senhores jornalistas exageram nessa comparação. Se, por absurdo, ela fosse verídica, todo o pessoal da TVI já estaria decapitado. Todas as noites, no horário nobre, qual Hidra de Lerna, Manuela Moura Guedes seria decapitada pelo sujeito da notícia, em travesti de Hércules. Mais macabro ainda - seria decapitada dezenas de vezes por noticiário. Haveria uma fila de Hércules à porta dos estúdios da TVI, à espera de vez (*). E o mesmo aconteceria, com maior ou menor carnificina, com os outros operadores de televisão. Não haveria lanças suficientes para enfeitar com tanta cabeça!
Quanto aos jornais, a chacina seria enorme. Nem quero pensar no que sucederia ao Expresso, esse respeitável semanário, com a cabeça do J A Lima a ser cortada semanalmente durante a fase mais mediática do processo do Caso Moderna. A própria Clara Pinto Correia, por muito que alegasse que apenas traduzia mensagens do New Yorker, veria a sua delicada cabeça ser separada do tronco e o algoz mostrá-la, triunfalmente, à populaça reunida ao redor do patíbulo.
Não, meus caros senhores jornalistas: os costumes actuais estão muito distantes dos dessas épocas bárbaras. Não asseguro se melhores, se piores, mas são, seguramente, diferentes.
Mas mesmo nessas épocas os mensageiros de então não poderiam ser equiparados aos jornalistas actuais.
Os mensageiros dessas épocas apareciam rastejando aos pés do soberano e balbuciavam, com voz tremente e suplicante, uma versão sucinta e favorecida do desastre. Depois eram escoltados até ao terreiro público onde o algoz, sob o rufar dos tambores, procedia à execução com todo o ritual da época. Decorria tudo com o máximo profissionalismo e respeito pelo direito consuetudinário.
Um jornalista actual surgiria pletórico de prosápia e descreveria a infausta ocorrência com a máxima acutilância e levando ao requinte a descrição dos pormenores mais sanguinolentos, sádicos e macabros, como é habitual nos horários nobres das TV’s. Esse jornalista dificilmente passaria da segunda frase, pois o próprio sultão, por muita indolência contraída pelo longo e fastidioso exercício do cargo, teria alento suficiente para puxar da sua cimitarra e, num golpe rápido e faiscante, decapitar logo ali o verboso jornalista. O déspota oriental não ordenaria a sua execução, antes liquidá-lo-ia imediatamente, de preferência ao incómodo de continuar a assistir à sanguinária descrição. Não lhe daria o tratamento de favor do imponente ritual de uma execução pública.
A menos que o sultão tivesse um comando à distância que apagasse o mensageiro e fizesse o zapping da imagem para o Canal Hollywood, People & Arts ou Discovery.
(*) Não é seguro que o Departamento de Marketing da TVI não se entusiasme com esta ideia e a ponha em prática, afim de aumentar as audiências e recolocar a TVI no primeiro lugar do share.
Nesse caso aviso que tenho o direito de cobrar uma quantia apropriada ao êxito da iniciativa.
Cara Joana,
Que à "classe" jornalística lhe convenha armar-se em mero mensageiro sempre que erra, eu compreendo, mas não aceito.
Que à Joana, que se apresenta como crítica de uma sociedade (caso contrário este "blog" não teria razão de existência), eu aceito, mas não compreendo.
Sempre aprendi que ao jornalista, para além de relatar, compete traduzir os factos de modo a que quem o lê possa ajuízar sobre eles.
Traduzir ou relatar factos não é, em meu modesto entender, publicá-los sem os verificar e, muito menos, sem sobre eles reflectir.
No entanto, já que os jornalistas se comparam a mensageiros, só me resta tê-los (aos que assim se identificam) exactamente nessa medida e cortar-lhes eu mesmo a cabeça.
Será que na quantia a que a Joana se propôs estarão previstos os honorários de minha função de carasco?
Em caso afirmativo, aviso desde já que não aceito pagar IVA ou que exista retenção na fonte: as acções em benefício da sociedade não deverão estar sujeitos a impostos.
Afixado por: re-tombola em janeiro 12, 2004 08:36 PMCaro re-tombola em janeiro 12, 2004 08:36 PM
Julgo que se pretender cortar a cabeça da Manuela Moura Guedes terá que tirar senha e esperar pacientemente pela sua vez.
... mesmo como trabalho gratuito ...
Como os mensageiros do passado não se limitavam a descrever as ocorrências, mas também as causas do sucedido e as consequências imediatas, pode dizer-se que informavam melhor, arriscando a cabeça, enquanto os jornalistas actuais, não todos, claro, informam pior e não arriscam a cabeça, porque é impossível arriscar algo que se perdeu entretanto.
Afixado por: Joana em janeiro 12, 2004 10:37 PMOs jornalistas são uma classe contraditória. Capazes de grande sacrifício por uma boa notícia, mas capazes do pior para conquistarem audiências e com um espírito corporativo muito forte, agravado pela capacidade de propaganda que têm
Falta aos jornalistas portuguesas o sentido de etica que se viu naquele filme sobre o Watergate.
O cuidado que as chefias da redaccao e os jornalistas punham no rigor da investigacao devia ser um exemplo para os portugueses.
Não são so os jornalistas. Os portugueses em geral teem uma visao da etica um pouco elastica.
Concordo com a opinião da Filipa. Vi o filme e o rigor que era de uso naquela redacção era extraordinário. São 2 mundos diferentes.
Afixado por: Hector em janeiro 14, 2004 12:57 AMEssa da concubina voluptuosa ter sido apanhada em teres e haveres de carne com algum musculoso capitão dos janízaros traz água no bico
Afixado por: Cisco Kid em janeiro 14, 2004 06:53 PMOs jornalistas sentem que têm muito poder e que os políticos são fracos perante eles e acabam sempre impunes.
Não me parece que sejam só os jornalistas. Os proprietários dos órgãos de comunicação também têm interesse nesta confusão e impunidade
Concordo que se houver a possibilidade, sem punição, de se cortar a cabeça da Manuela Moura Guedes, haverá uma fila enorme com senhas!
Espero que seja dada importância a esta mensagem e que este assunto seja investigado por vós jornalistas que, seguramente, possuem outros meios de investigação. Isto para que seja evitado um problema semelhante ao da casa pia de Lisboa.
Em Tomar, na Escola EB/3 de Santa Maria do Olival, uma professora - a senhora Maria Fernanda Cruz - que já leccionou na casa pia de lisboa, sendo directora de turma "obrigou" a turma a aceitar como projecto de área escola um intercâmbio de estudantes entre os alunos de Tomar e os alunos de uma escola de Azeitão. Digo obrigar porque este tema foi claramente rejeitado pelos alunos mas, a professora foi avisando que como a turma tinha "bons alunos" iria fazer este intercâmbio.
Para começar, pediu aos alunos para preencherem um inquérito sobre gostos pessoais ao qual anexavam uma fotografia (alguns desses alunos recusaram-se a entregar esse mesmo inquérito).
A semana passada, a professora sem qualquer autorização prévia dos pais, entra na sala e de surpresa tira fotografias digitais a cada um dos alunos sem explicar como as utilizaria.
Como podem ver, este procedimento parece-me de todo incorrecto e no mínimo estranho, uma vez que já procurei em outras escolas e nenhuma delas fará qualquer intercâmbio de estudantes com outras escolas como projecto de área escola.
Peço desculpa por não me identificar, mas tenho receio que comprometa o sucesso escolar da minha educando.
Sem outro assunto de momento,
Agradecendo a atenção dispensada,
"Ana Torres"
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