dezembro 10, 2003

São Rosas, meu senhor, são Rosas

A facção da esquerda que se diz e julga libertária e o fórum por excelência da participação dos cidadãos é, intrinsecamente, intolerante e persecutória. Não tem qualquer respeito pelas opiniões dos outros, mesmo quando elas constituem a opinião maioritária entre a população, como é geralmente o caso.

Há dias, no Parlamento, um deputado do BE fez um requisitório indignado, arrogante e autoritário relativamente a uns debates que tiveram lugar na Universidade Católica sobre a teologia do corpo. Eram ideias que eu, na generalidade, não compartilho, mas que são ideias expressas por pessoas que, erradas ou certas, o fizeram na legalidade e têm legitimidade para tal. Essas ideias foram por esse deputado do BE violentamente atacadas e caluniadas de fundamentalismo e direitismo. E com a gravidade desse discurso intimidatório ocorrer na Assembleia da República que deveria ser a salvaguarda da liberdade e da tolerância. Gravidade, porque ao serem proferidas na sede dos nossos direitos e liberdades constituíram como que uma denúncia de um alegado golpe em marcha contra a democracia.

Hoje, no Público, Fernando Rosas escrevendo sobre o julgamento de Aveiro, diz que “o Governo e a maioria reféns do fundamentalismo irresponsável do Partido Popular, com a extrema-direita a estabelecer os cânones da moral pública e privada, esse país antigo e a sua essência fanática e neo-inquisitorial reemergem, estalando o verniz frágil de um cosmopolitismo postiço e demasiado recente” e continua no seu requisitório “A direita fundamentalista, além de fanática, é irresponsável, como demonstrou a recente reunião dos movimentos antiescolha sobre a "teologia do corpo", verberando que “queiram impor as suas normas de conduta a todos os outros e fazer disso, através da chantagem da extrema-direita no Governo e no Parlamento, lei geral do país”.

Será que Fernando Rosas desconhece que houve um referendo sobre esta matéria e que houve mais votantes contra do que a favor, embora o facto de ter votado menos de metade do eleitorado levasse a que cada político pudesse interpretar esses resultados segundo a sua conveniência?

Será que a maioria dos votantes está refém “do fundamentalismo irresponsável do Partido Popular, com a extrema-direita a estabelecer os cânones da moral pública e privada”?

Será que a maioria dos votantes representa o “país antigo e a sua essência fanática e neo-inquisitorial reemergem, estalando o verniz frágil de um cosmopolitismo postiço e demasiado recente”?

Mas, no meio da sua diatribe, no crânio do Rosas tremeluziu um lampejo de democracia e tolerância, e Rosas escreveu “Pessoalmente, acho tudo isso, quando levado a sério, do domínio das trevas, mas obviamente reconheço que cada um tem o direito de pensar como entende. O que não tem é o direito de, num gesto totalitário e antidemocrático inaceitável, impor as suas crenças privadas, as suas concepções ideológicas particulares acerca da "vida", da sexualidade, da moral, da religião, etc... como lei imperativa do comportamento de todos os demais”.

Mas, Rosas, o referendo não serviu para a população exprimir o que pensava? E você assegura-nos que o que ela pensava foi um “gesto totalitário e antidemocrático inaceitável, impor as suas crenças privadas ... como lei imperativa do comportamento de todos os demais”?

Ó Rosas, mas não é isso que sucede em qualquer consulta popular?

Por essa lógica, quando o Guterres ganhou as eleições, a direita deveria ter ido para a tribuna declamar que tal vitória era um “gesto totalitário e antidemocrático inaceitável, impor as suas concepções ideológicas... como lei imperativa do comportamento de todos os demais”. E o mesmo deveria ter dito o PS quando a direita ganhou as últimas eleições.

Pela lógica do “democrata participativo” Rosas, as eleições não servem para nada, são apenas “gestos totalitários e antidemocráticos inaceitáveis”. O “democrata participativo” Rosas e os seus amigos são os depositários da verdade e quem não comunga dessa verdade são fundamentalistas, neo-inquisitoriais, totalitaristas, da extrema-direita, etc., etc..

Durante a campanha sobre o aborto, torcia-me toda perante a campanha que parte significativa da esquerda fazia. Apareciam na TV umas meninas com ar de filhas família, falando do direito ao seu corpo, de que tinham abortado, patenteando a convicção e a empáfia de quem tinha praticado um acto cívico. Eu olhava para aquele despautério e pensava: quem te vir e ouvir pensará que apenas quiseste alijar uma responsabilidade e, para evitar chatices e preocupações, deitaste o miúdo na pia.

O aborto não é um acto cívico, não é a expressão da mulher do direito ao seu corpo visto o filho ser feito a dois e o pai não poder ser considerado um mero banco de esperma. A descriminalização do aborto destina-se apenas a evitar a chaga social do aborto clandestino. Embora eu não seja favorável ao adágio “já que não os consegues vencer, junta-te a eles”, reconheço que há razões que militam a favor dessa descriminalização. Mas abortar é matar um ser humano. Qualquer um de nós poderia ter sido morto se os nossos pais tivessem tomado tal decisão. Por exemplo, o Rosas poderia ter sido vítima desse acto cívico. Portanto a campanha pelo aborto deveria ter tomado aqueles conceitos em consideração. E alguma esquerda, a menos visível infelizmente, seguiu essa via.

O Rosas e os amigos apenas se têm que queixar do seu próprio fundamentalismo e totalitarismo. Das suas convicções de que são os depositários da verdade absoluta e de quem não comunga essa verdade é fundamentalista, neo-inquisitorial, totalitarista e da extrema-direita. Das suas certezas de que a democracia representativa não presta e de que o que vale é a democracia participativa, constituída por eles próprios, cujas organizações têm chefias que se perpetuam ad eternum, sem nunca se submeterem ao escrutínio público e que são as únicas a saberem interpretar fielmente a vontade popular, mesmo que essa “vontade” não corresponda à vontade expressa nas urnas.

Foi esta sobranceria ideológica que esteve na base da inesperada derrota do referendo sobre o aborto. A Igreja aprendeu e, na campanha do referendo, abandonou as frases bacocas e retrógradas como “não matem o Zézinho”. A esquerda sobranceira, arrogante e auto-convencida do Rosas e afins não aprendeu nada. Não aprendeu, não aprende e nunca aprenderá. Refugia-se apenas no insulto intimidatório a quem não pensa da mesma maneira

Publicado por Joana em dezembro 10, 2003 07:40 PM | TrackBack
Comentários

não gosta mesmo de Rosas !

Afixado por: zippiz em dezembro 10, 2003 08:03 PM

...flores , queria eu dizer !

Afixado por: zippiz em dezembro 10, 2003 08:03 PM

Nada de pessoal me move contra o Rosas.
Apenas achei horroroso o que ele escreveu e que corresponde, infelizmente, a uma atitude mental que eu francamente detesto.

Afixado por: Joana em dezembro 10, 2003 11:11 PM


Comentário prévio: também sou Rosa... Mas, alívio meu, sou Rosa no singular...

Dito isto, resta-me deixar a minha opinião.

A questão do aborto, tal como a da pena de morte, a da Constituição ou a da independência de um país (para só citar algumas das questões pertinentes), nunca deveria ser objecto de referendo.

São coisas que nunca se referendam: legisla-se sobre elas.

E porquê? Porque nunca podem reflectir o sentir e o pensamento de qualquer maioria efectivamente demonstrativa: estas "maiorias de referendo" são fictícias, existem ao sabor dos momentos sociais.


E legisla-se sobre elas, porquê? Unicamente para que quem legisla possa ser responsável e não "dilua" nos ooutros as responsabilidades de o ter feito.

Com referendos, onde reside a responsabilidade? Nos 20% que votam? Nos 80% que não votam?

Obrigue-se os referendos, para serem válidos, a terem a expressão de, pelo menos, 85% dos eleitores recenseados e ver-se-á que a questão dos referendos (e as que lhes estão subjacentes) desaparecerá rapidamente da agenda política.

Aborto? Sim! Mas há que ter a coragem de legislar.

Afixado por: re-tombola em dezembro 10, 2003 11:32 PM


(...)Mas abortar é matar um ser humano(...)joana dixit

Duas simples perguntas , às quais se esperam 2 mais simples respostas :

1- O referendo realizado é para todo o sempre ?
2- Eu , admitamos por exemplo , com 16 anos há altura do referendo, não tenho direito a ser consultado/a agora com 20/21 anos ?

A sua posição é mais FUNDAMENTALISTA do que a de Rosas e não admite controversia ; e se tem dúvidas releia a citação no início deste comentário.

Afixado por: zippiz em dezembro 11, 2003 12:22 AM

Olá Joana

Esta conversa do aborto inquina sempre em acusações sobre fundamentalismo. Já participei numa no nónio e entre outras coisas fui acusado de machista por não dar o direito que as mulheres tem ao seu corpo. Como acho que abortar é matar um ser humano começo sempre por dizer que, para mim, a vida começa na fecundação. Eu, gostava que, pelo menos uma vez, alguém favorável ao aborto dissesse quando começa a vida para ele.
Bom dia a todos

Afixado por: Filipe em dezembro 11, 2003 09:10 AM

re-tombola:
Admito que haja matérias que não devam ser referendadas.
Todavia, na questão da descrimininalização do aborto vejo 2 óbices:
- Existem forças sociais em Portugal frontalmente contra essa medida, nomeadamente a Igreja. Recusar o referendo e legislar uma medida sem a plesbicitar pela população poderia ser contraproducente e vista como anti-democrática.
- E não havendo referendo, que fazer? Quais os valores que devem prevalecer? O Direito à vida? O ataque à chaga social do aborto clandestino?
Eu não votei nesse referendo por uma questão de consciência. Pessoalmente sou contra o aborto. Nunca o faria e desaconselharia quaisquer familiares ou amigas a tal, excepto em determinados casos específicos, que aliás já estão contemplados na lei. Por outro lado vejo o aborto clandestino como uma chaga social, a que a sociedade não consegue pôr cobro e que, ao despenalizá-lo, poderia pôr-se cobro a isso. Portanto resolvi não me votar.

Afixado por: Joana em dezembro 11, 2003 09:30 AM

zippiz:
Uma das mais tenebrosas invenções do espírito humano foi pôr os seus interesses políticos à frente da ética.
Abortar é matar um ser humano. Não tenha quaisquer dúvidas sobre isso. E dizer que aquela afirmação é fundamentalista é muito triste da sua parte.

Afixado por: Joana em dezembro 11, 2003 09:34 AM

Triste é o seu conceito legalista de "aborto".
Para ser coerente com o seu conceito de Lei e Ordem, Vc , no dia 16 de Dezembro , vai estar, ao lado dessa figura chamada Bagão Félix ,em Aveiro a pedir a prisão das mulheres que vão ser julgadas.

Afixado por: zippiz em dezembro 11, 2003 11:41 AM

...e não respondeu às 2 perguntas que fiz ontem .

Afixado por: zippiz em dezembro 11, 2003 11:43 AM

São muito interessantes as teorias sobre o momento em que começa a vida, a origem da vida e o sentido da vida. Uma das mais interessantes é a dos Monty Phyton.
Só que, neste momento e em Portugal, não é nada disso que está em causa. Nem a liberalização do aborto. Nem sequer se se é a favor ou contra o aborto. Está em causa, tão só, a despenalização do aborto. Ou alguém pensa que as mulheres que abortam o fazem com espírito festivo e leviano?

Afixado por: (M)arca Amarela em dezembro 11, 2003 02:17 PM

esta Joana prova que é estéril. Ou então não tem prazer.

Afixado por: Pai em dezembro 11, 2003 06:45 PM

(M)arca Amarela
Não consigo distinguir a diferença prática entre a liberalização e a despenalização do aborto. E como é que isso não tem a ver com o facto de se estar a favor ou contra o aborto.
E passar com ar desdenhoso pelas teorias da vida e da sua origem e misturar em tudo isso os Monty Phyton, choca-me profundamente. Não sou, nem nunca fui, religiosa. Fui educada numa atmosfera absolutamente laica (talvez por isso não seja anti-clerical primária), mas respeito profundamente a vida humana. Esse respeito não tem a ver com a religião, nem ela é detentora dele. Tem a ver com a ética, com os princípios básicos que devem reger a convivência social e a humanidade.
No meu post, no último parágrafo, dou o meu entendimento sobre algumas das razões que levaram à derrota do referendo.
Ao lê-los (a si e ao zippiz) vejo que a vocês também se aplica a frase aí escrita “A esquerda … do Rosas e afins não aprendeu nada. Não aprendeu, não aprende e nunca aprenderá”.

Afixado por: Joana em dezembro 12, 2003 09:50 AM

(M)arca Amarela

O inicio da vida humana tem todo o sentido. Imagina que alguém se lembre de despenalizar os homicidios, desde que este se efectuem em serem humanos entre os 10 e os 11 anos de idade. É ridiculo pensar nessa despenalização não é? Sinceramente, e perdoa-me por isso, acho pouco inteligente da tua parte dizer que não é importante quando começa a vida humana.

Boa tarde

Afixado por: Filipe em dezembro 12, 2003 04:14 PM


Cara Joana,

Voltando a este tema, aconselho-a a ler (se não o fez já) um artigo de Vasco Rato de hoje (12.Dez - pg 13) no Independente.

É uma (mais) outra abordagem... E esta, de direita.

Talvez assim se compreenda quando afirmei que é "uma questão de legislar".

Vasco Rato diz que é "uma questão política". Pois é. E legislar é o quê, senão uma questão política e de arcar com essa responsabilidade?

Afixado por: re-tombola em dezembro 12, 2003 07:14 PM

ora aqui está , para Joana , mais um perigoso esquerdista ...

(...)O BISPO do Porto não concorda com a penalização das mulheres que praticam o aborto. Em entrevista ao EXPRESSO, D. Armindo Lopes Coelho assume esta discordância com a posição oficial da Igreja Católica, mas explica que a única solução para o problema é a criação de condições sociais para que as famílias possam criar os filhos». Para além disso, o bispo do Porto não tem dúvidas de que existirão abortos clandestinos, mesmo depois de a lei ser liberalizada. » (...)

Afixado por: zippiz em dezembro 13, 2003 12:36 AM

Não sou do BE, nem de outro partido, mas reconheço que a missão dos deputados é essa, ou seja de alertar, para certos perigos de certos pensamentos...
Essa do que a maioria pensa.. foi infeliz.. muito até..relembrei-me logo do Nazismo, em que a maioria em plena guerra deveria ser duns 80 ou 90% dos alemães que pensavam tal e qual como Hitler, e só acordaram..após a derrota e após o mundo lhes mostrar que estavam enganados.

Já agora aproveito, para referir, que até hoje não percebi, como este povo votou maioritariamente pela condenação do aborto, quando é mais que evidente que é uma opção errada à luz dos nossos dias... mas fico Feliz, por existir em Portugal um Bispo do Porto, que tem coragem, para dizer o Rei vai nu...tapem-no !!!

Afixado por: Templário em dezembro 13, 2003 12:12 PM

Cara Joana
Bem sei, que discussões, entre pessoas com formação, educação e filosofias antagónicas, levam a nada.
No entanto, quero apenas expressar-lhe o seguinte:

È excessivo, dizer-se que Aborto=matança, porquanto quem o defende, se debate com a questão, quando é que existe ser humano, e por vezes até se recorre ás próprias definições da bíblia, evocando o sopro (no momento do nascimento, entraria a alma ) e como sabe, sem alma..., não há ser Humano... ora o que se pede sobretudo é compreensão para um flagelo social, que também o é de ordem moral, mais dos vivos do que dos mortos !!!

Afixado por: Templario em dezembro 13, 2003 12:36 PM

Esta discussão enveredou por um debate sobre o aborto, quando o ponto fulcral seria a "sobranceria ideológica que esteve na base da inesperada derrota do referendo sobre o aborto" segundo escreve a Joana.

Estou de acordo em que a campanha de parte da esquerda concorreu para essa derrota.

Afixado por: Hector em dezembro 13, 2003 08:08 PM

Aliás, li hoje no Público 2 artigos de gente que "batia" no Rosas.
De facto, o artigo do Rosas foi muito infeliz. Parece que tem o rei na barriga.

Afixado por: Hector em dezembro 13, 2003 08:10 PM


Já agora, caro Hector, e com a licença da Joana aqui ficam os urls dos artigos a que se refer bem como de um outro que, por lapso certamente, não referiu:

Em Defesa da Liberdade de Expressão
Por LUÍS MARQUES
http://jornal.publico.pt/2003/12/13/EspacoPublico/O03.html


A Esquerda Doutoral
Por MANUEL BRÁS LISBOA
http://jornal.publico.pt/2003/12/13/EspacoPublico/OCRT01.html

e o tal que não referiu e que me parece ser mais importante que os outros dois juntos, já que foge aos radicalismos dos outros dois (e do do Rosas!):

O Pequeno Mundo dos Apóstolos
Por HELENA MATOS
http://jornal.publico.pt/2003/12/13/EspacoPublico/O02.html

Afixado por: re-tombola em dezembro 13, 2003 08:51 PM

Já que falamos em artigos "infelizes" , fiquem com este naco de prosa do srManuel Brás no Público.

(...)Será isto que eles temem: que se descubra o fio condutor entre o aborto, a contracepção (que também passa pelo aborto), a homossexualidade, a clonagem, a eugenia, a eutanásia, "und so weiter". (...)

Fico à espera que me expliquem esse tal de "fio condutor" .


Afixado por: zippiz em dezembro 13, 2003 11:48 PM

zippiz - o pessoal deve ter ido todo dormir sobre o assunto, sobre o fio condutor.

Afixado por: fbmatos em dezembro 14, 2003 12:26 AM

Cara Joana:
Nunca na minha vida encontrei ninguém que fosse favorável ao aborto. O que encontrei - e nesse número me incluo - é muita gente desfavorável a que se meta na prisão uma mulher que aborta. E é sobre esta questão que a convido a definir-se, já que a outra é pacífica.

Recordo-me (não sei se você se recorda também) que na campanha para o referendo os partidários da criminalização disseram que a sua intenção não era prender ninguém, mas sim, e apenas, dar à sociedade um sinal sobre o que para eles era ou não moralmente aceitável.

Estavam a mentir, como agora se vê.

Entretanto, muitos dos que na altura votaram estão agora mortos, e muitos dos que não puderam votar são agora maiores de idade...

Afixado por: Zé Luiz em dezembro 14, 2003 06:57 PM

Nota
Eu escrevi afirmando que a sobranceria da esquerda tinha levado à derrota do referendo. Foi esse o meu leit-motiv, pois não estava a pensar num debate sobre o referendo, mas si sobre o comportamento de uma certa esquerda. Caracterizei a minha posição e as razões que me levaram à abstenção como acto consciente. Parece-me simples e límpido. Não preciso de me definir mais.

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 12:11 AM

Zé Luiz e outros:
Quanto a dizer-se que “na campanha para o referendo os partidários da criminalização disseram que a sua intenção não era prender ninguém, mas sim, e apenas, dar à sociedade um sinal sobre o que para eles era ou não moralmente aceitável” parece-me completamente surrealista. Não me lembro se alguém o disse ou não. Se o disse não fazia sentido.

Se o aborto não está despenalizado, excepto em determinadas circunstâncias, existe uma lei que o penaliza. Se existe a lei, os tribunais têm que a aplicar. Quem aplica a lei não são políticos que palram nas campanhas (felizmente!), mas os tribunais. Isto parece-me evidente. É completamente destituída de senso aquela afirmação. Então qual seria o resultado prático do referendo?

Quanto à questão do período entre referendos consecutivos, acho que tem que passar um período razoável, nunca menos de 10 anos. A alteração do espectro político não é assim tão rápida. E não esteja tão seguro quanto às idades. Os meus pais, então com 56 anos, julgo que votaram a favor e os meus irmãos mais novos (deviam ter 19, 21 e 23 anos) votaram todos contra e convictamente (o que me surpreendeu, aliás). Eu abstive-me. Portanto, neste caso, foi a geração mais velha a mais “liberal”

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 12:17 AM

Só mais uma nota:
Se o resultado do futuro referendo for contrário ao anterior, vou fartar-me de rir quando a esquerda sobranceira e doutoral se opuser violentamente a novo referendo, passado o tal período razoável.

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 12:18 AM

«Não consigo distinguir a diferença prática entre a liberalização e a despenalização do aborto.» (Joana)

É fácil.
A liberalização significaria que a mulher teria a exclusiva e total capacidade de decisão, sem restrições, para abortar, quando entendesse dever fazê-lo.
A despenalização significaria deixar de considerar como um crime o aborto que muitas mulheres se vêem obrigadas a fazer.
Se você não consegue ver a diferença, não vale a pena adiantar mais.

Afixado por: (M)arca Amarela em dezembro 15, 2003 09:35 AM

«Sinceramente, e perdoa-me por isso, acho pouco inteligente da tua parte dizer que não é importante quando começa a vida humana.» (FILIPE)

Para te facilitar a tarefa, vou transcrever o meu post:

«São muito interessantes as teorias sobre o momento em que começa a vida, a origem da vida e o sentido da vida. Uma das mais interessantes é a dos Monty Phyton.
Só que, neste momento e em Portugal, não é nada disso que está em causa. Nem a liberalização do aborto. Nem sequer se se é a favor ou contra o aborto. Está em causa, tão só, a despenalização do aborto. Ou alguém pensa que as mulheres que abortam o fazem com espírito festivo e leviano?»

Sinceramente, como não escrevi em nenhum lado que "não é importante quando começa a vida humana", acho pouco inteligente da tua parte pores-te a inventar.

Afixado por: ( em dezembro 15, 2003 09:40 AM

(M)arca Amarela dixit "É fácil.
A liberalização significaria que a mulher teria a exclusiva e total capacidade de decisão, sem restrições, para abortar, quando entendesse dever fazê-lo.
A despenalização significaria deixar de considerar como um crime o aborto que muitas mulheres se vêem obrigadas a fazer".

Então, o deixar de se considerar crime não permite "exclusiva e total capacidade de decisão, sem restrições, para abortar"?

Quais são, na prática, as diferenças?

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 10:16 AM

(M)arca Amarela

Disseste (referindo-te ao inicio da vida):

"Só que, neste momento e em Portugal, não é nada disso que está em causa."

E também disseste:

"Está em causa, tão só, a despenalização do aborto."

Ao que eu respondi:

"Imagina que alguém se lembre de despenalizar os homicidios, desde que este se efectuem em serem humanos entre os 10 e os 11 anos de idade. É ridiculo pensar nessa despenalização não é?"

Percebes? É que não existem, para mim, vidas humanas de primeira e de segunda. Ou são vidas humanas ou não são. E quereres passar por cima da discussão do inicio de vida humana é o mesmo que dizeres: "pouco me importa que seja ou não vida humana o que importa é que se despenalize as mulheres (mães) que o fazem".

Bom dia

Afixado por: Filipe em dezembro 15, 2003 12:12 PM

Joana

Disseste:

"Então, o deixar de se considerar crime não permite "exclusiva e total capacidade de decisão, sem restrições, para abortar"?

Quais são, na prática, as diferenças?"

Apesar de não ser a mim que perguntavas penso que na prática a diferença seria:

Continuava a ser crime abortar, não se poderia era condenar uma mulher que abortasse (mãe). No entanto, suponho, condenar-se-ia quem fizesse, clandestinamente, o aborto (médico, parteira, etc). A despenalização não é o deixar de ser crime mas sim o de não ter uma pena criminal associada.

Claro, que enquanto homem eu pergunto: Qual o nosso papel? O filho é propriedade da mãe?

Bom dia

Afixado por: Filipe em dezembro 15, 2003 12:21 PM

Cara Joana:
Não disse, nem digo, que os mais novos são mais favoráveis ao aborto do que os mais velhos. Sobre essa questão, a minha ignorância é total.
Do mesmo modo, não arrisco qualquer previsão sobre o resultado dum referendo que fosse feito amanhã.
E concordo consigo que é preciso que passe mais tempo antes de que se observe uma significativa substituição de gerações na sociedade portuguesa.
Posto isto, gostaria de lhe expor alguns factos e uma opinião.
Os factos são: a despenalização do aborto foi aprovada, com toda a legitimidade legal e política, pelo Parlamento. Por não estar conformado com esta decisão, António Guterres suscitou o referendo. Este, para ser vinculativo, deveria ter uma participação superior a 50%, o que não se verificou.
Num referendo pouco participado, e com margem escassa, foi votado que o aborto não seria despenalizado. Em termos estritamente legais, seria natural que prevalecesse a anterior decisão do Parlamento, mas é evidente que isso seria politicamente impossível.
Quanto à opinião: a sobranceria da esquerda que você refere teve uma ajuda, e não pequena, da perfídia da direita: aquela sondagem da Católica que convenceu as pessoas que a despenalização era favas contadas e que podiam ir tranquilamente para a praia pode muito bem ter feito a diferença.
Ia expor aqui outra opinião (as palavras são como as cerejas), mas prometi que só exporia uma, e cumpro.

Afixado por: Zé Luiz em dezembro 15, 2003 06:21 PM

Filipe:
"A despenalização não é o deixar de ser crime mas sim o de não ter uma pena criminal associada"

OK. Mas eu nunca disse que não via as diferenças teóricas entre uma situação e outra.
O que continuo a não entender é onde estão as diferenças nas consequências práticas.

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 07:55 PM

Zé Luiz, essa da sondagem da Católica ter uma importância decisiva ...

Não tenha dúvidas que as principais razões foram as que eu apontei.

E considerar os abstencionistas como votos "nossos" é uma prática que não me parece muito curial, quer em legislativas, quer em referendos.

E se ia expor aqui outra opinião ... não se prenda ... exponha.

Quanto ao facto do voto não ser vinculativo, tem toda a razão. Sucede que posteriormente não havia condições políticas para avançar com a lei.

A questão do aborto é muito fracturante na nossa sociedade. Talvez por isso Guterres não quis que ela estivesse ao sabor de maiorias parlamentares.

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 08:01 PM


(...)
A questão do aborto é muito fracturante na nossa sociedade. Talvez por isso Guterres não quis que ela estivesse ao sabor de maiorias parlamentares.
(...)

Joana,

Pois aí é que reside a coragem política (coisa que faltou a Guterres que disse "nim" ao aprovar um referendo: passou a bola sem ter a coragem de dizer "não ao aborto!").

Acabava-se de vez com os "rodruiguinhos" de se aprovar isto ou desaprovar aquilo porque é ou não é fracturante.

Quer coisa mais fracturante que a lei de trabalho promovida por Bagão Felix?

Por que não colocá-la a referendo?

Afixado por: re-tombola em dezembro 15, 2003 08:35 PM

Quando falei que era fracturante pensava nos aspectos sociais, nas convicções morais das pessoas. Esta questão não é política. Aliás, na ex-URSS o aborto foi proibido durante muitas décadas, ao que julgo.
Julgo que Guterres não quis arranjar mais uma frente de batalha, nomeadamente sendo ele próprio, ao que julgo, contra a despenalização do aborto.

Afixado por: Joana em dezembro 15, 2003 11:16 PM

gostava d doar esperma e nao sei onde faze-lo! podem m informar?
spcosta69@clix.pt

Afixado por: Sérgio em janeiro 6, 2004 12:06 AM

DA INTERRUPÇÃO ( IN )VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ


Assumo que me não é fácil invadir este terreno do foro íntimo, sobretudo pelo facto de estar minado de hipocrisia. Não deixo, todavia, de correr o risco de pisar alguma mina e, com certeza, sofrer as inevitáveis consequências de estilhaços explosivos.
Não seria mais cómodo me instalar na poltrona do silêncio? Sim. Eu sei. Mas não me
posso permitir, apesar de tudo, mergulhar este meu corpo de mulher nas águas glaucas da covardia, corpo amante de águas límpidas, com cardumes de peixes verdes, sobre-
voadas por asas brancas. Não! Antes prefiro enfrentar todos perigos do que sufocar o
grito ígneo da indignação. Sim! Como sufocá-lo, ao ter conhecimento que os PPs e os
PSDs, no seu amigável projecto comum da revisão constitucional, inseriram um artigo, cuja ambiguidade pérfida visa impedir a viabilidade de descriminalizar a mulher que, voluntariamente involuntária, recorre à interrupção da gravidez, como única saída para um acto não programado, logo, indesejado.
Dado que não gostaria de enveredar por um discurso recorrente, dispenso-me de enu-
merar os múltiplos factores, de todos conhecidos, que pesam, intoleráveis, na decisão de interromper, abruptamente, a germinação de uma vida, como arrancar, cerce, o rebento de uma semente de uma planta que promete vir a ser flor, vir a ser fruto.
Com efeito, os machos hipócritas do PP e do PSD ignoram que nenhuma mulher faz,
com gosto ou prazer, um aborto, acto de um sofrimento psicossomático atroz. Acto, esse, cujo trauma perdurará durante toda a sua vida, e, na pior das hipóteses, a colherá nas malhas que a morte tece, silenciando, cruelmente, dois corações.
Os ditos políticos terão, alguma vez, ouvido as primeiras badaladas, num ventre ma-
terno, do pequeno pêndulo do sangue? Saberão quanto é, indizivelmente, exultante?
Tendo em conta o que acabo de afirmar, aparentemente, paradoxal, perguntar-me-ão, com semblante angélico: como explicar ou justificar, então, que milhares de mulheres pratiquem o aborto? Fazem-no, caríssimos políticos, por razões mais poderosas do que as do coração. Dispam-se, por isso, da sua hipocrisia! Nenhuma mulher, repito, diz
sim à pergunta referendária sobre a interrupção da gravidez. Nenhuma. Pergunte-se, antes, se se é por ou contra a despenalização do aborto. Entre os dois tipos de pergunta
abre-se um abismo semântico abissal, como qualquer cidadão de boa fé compreenderá.
Se os referidos machos hipócritas pretendem que sejam julgadas e condenadas à pri- vação da liberdade, por detrás de grades, as mulheres que não respeitem as leis por eles
cerzidas, manifestam uma crueldade requintada. Estarei a ser injusta? Não! Sou, em muitos domínios, insurrecta, mas, por mais duras que sejam as leis, defendo o seu estrito cumprimento, embora, muitas vezes, delas discorde, com a legitimidade que me assiste como cidadã livre, dotada de espírito crítico. Eis porque pugno pela descrimi- nalização do aborto. Desejarão os PPs e os PPDs pena mais pesada do que o sofrimento atroz, acima afirmado, que todas as mulheres experimentam, ao entregarem o seu corpo a uma mutilação, como considero o acto de interrupção de uma gravidez? Não ousarei responder afirmativamente, mas confesso que declarações e intenções expressas oral -mente ou em suporte de papel jornalístico por aqueles políticos me levam, incrédula e estupefacta, a pensar que sim.
Dou por findo este escrito, com a firme convicção de que a maioria reinante na As-
-sembleia da República, será forçada a deixar cair a coroa e a máscara da hipocrisia.

Violeta Teixeira Poetisa

Afixado por: Violeta Teixeira em novembro 10, 2004 03:35 AM

DA INTERRUPÇÃO ( IN )VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ


Assumo que me não é fácil invadir este terreno do foro íntimo, sobretudo pelo facto de estar minado de hipocrisia. Não deixo, todavia, de correr o risco de pisar alguma mina e, com certeza, sofrer as inevitáveis consequências de estilhaços explosivos.
Não seria mais cómodo me instalar na poltrona do silêncio? Sim. Eu sei. Mas não me
posso permitir, apesar de tudo, mergulhar este meu corpo de mulher nas águas glaucas da covardia, corpo amante de águas límpidas, com cardumes de peixes verdes, sobre-
voadas por asas brancas. Não! Antes prefiro enfrentar todos perigos do que sufocar o
grito ígneo da indignação. Sim! Como sufocá-lo, ao ter conhecimento que os PPs e os
PSDs, no seu amigável projecto comum da revisão constitucional, inseriram um artigo, cuja ambiguidade pérfida visa impedir a viabilidade de descriminalizar a mulher que, voluntariamente involuntária, recorre à interrupção da gravidez, como única saída para um acto não programado, logo, indesejado.
Dado que não gostaria de enveredar por um discurso recorrente, dispenso-me de enu-
merar os múltiplos factores, de todos conhecidos, que pesam, intoleráveis, na decisão de interromper, abruptamente, a germinação de uma vida, como arrancar, cerce, o rebento de uma semente de uma planta que promete vir a ser flor, vir a ser fruto.
Com efeito, os machos hipócritas do PP e do PSD ignoram que nenhuma mulher faz,
com gosto ou prazer, um aborto, acto de um sofrimento psicossomático atroz. Acto, esse, cujo trauma perdurará durante toda a sua vida, e, na pior das hipóteses, a colherá nas malhas que a morte tece, silenciando, cruelmente, dois corações.
Os ditos políticos terão, alguma vez, ouvido as primeiras badaladas, num ventre ma-
terno, do pequeno pêndulo do sangue? Saberão quanto é, indizivelmente, exultante?
Tendo em conta o que acabo de afirmar, aparentemente, paradoxal, perguntar-me-ão, com semblante angélico: como explicar ou justificar, então, que milhares de mulheres pratiquem o aborto? Fazem-no, caríssimos políticos, por razões mais poderosas do que as do coração. Dispam-se, por isso, da sua hipocrisia! Nenhuma mulher, repito, diz
sim à pergunta referendária sobre a interrupção da gravidez. Nenhuma. Pergunte-se, antes, se se é por ou contra a despenalização do aborto. Entre os dois tipos de pergunta
abre-se um abismo semântico abissal, como qualquer cidadão de boa fé compreenderá.
Se os referidos machos hipócritas pretendem que sejam julgadas e condenadas à pri- vação da liberdade, por detrás de grades, as mulheres que não respeitem as leis por eles
cerzidas, manifestam uma crueldade requintada. Estarei a ser injusta? Não! Sou, em muitos domínios, insurrecta, mas, por mais duras que sejam as leis, defendo o seu estrito cumprimento, embora, muitas vezes, delas discorde, com a legitimidade que me assiste como cidadã livre, dotada de espírito crítico. Eis porque pugno pela descrimi- nalização do aborto. Desejarão os PPs e os PPDs pena mais pesada do que o sofrimento atroz, acima afirmado, que todas as mulheres experimentam, ao entregarem o seu corpo a uma mutilação, como considero o acto de interrupção de uma gravidez? Não ousarei responder afirmativamente, mas confesso que declarações e intenções expressas oral -mente ou em suporte de papel jornalístico por aqueles políticos me levam, incrédula e estupefacta, a pensar que sim.
Dou por findo este escrito, com a firme convicção de que a maioria reinante na As-
-sembleia da República, será forçada a deixar cair a coroa e a máscara da hipocrisia.

Violeta Teixeira, in TRIBUNA DA MARINHA GRANDE
Poetisa

Afixado por: Violeta Teixeira em novembro 10, 2004 03:37 AM

DA INTERRUPÇÃO ( IN )VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ


Assumo que me não é fácil invadir este terreno do foro íntimo, sobretudo pelo facto de estar minado de hipocrisia. Não deixo, todavia, de correr o risco de pisar alguma mina e, com certeza, sofrer as inevitáveis consequências de estilhaços explosivos.
Não seria mais cómodo me instalar na poltrona do silêncio? Sim. Eu sei. Mas não me
posso permitir, apesar de tudo, mergulhar este meu corpo de mulher nas águas glaucas da covardia, corpo amante de águas límpidas, com cardumes de peixes verdes, sobre-
voadas por asas brancas. Não! Antes prefiro enfrentar todos perigos do que sufocar o
grito ígneo da indignação. Sim! Como sufocá-lo, ao ter conhecimento que os PPs e os
PSDs, no seu amigável projecto comum da revisão constitucional, inseriram um artigo, cuja ambiguidade pérfida visa impedir a viabilidade de descriminalizar a mulher que, voluntariamente involuntária, recorre à interrupção da gravidez, como única saída para um acto não programado, logo, indesejado.
Dado que não gostaria de enveredar por um discurso recorrente, dispenso-me de enu-
merar os múltiplos factores, de todos conhecidos, que pesam, intoleráveis, na decisão de interromper, abruptamente, a germinação de uma vida, como arrancar, cerce, o rebento de uma semente de uma planta que promete vir a ser flor, vir a ser fruto.
Com efeito, os machos hipócritas do PP e do PSD ignoram que nenhuma mulher faz,
com gosto ou prazer, um aborto, acto de um sofrimento psicossomático atroz. Acto, esse, cujo trauma perdurará durante toda a sua vida, e, na pior das hipóteses, a colherá nas malhas que a morte tece, silenciando, cruelmente, dois corações.
Os ditos políticos terão, alguma vez, ouvido as primeiras badaladas, num ventre ma-
terno, do pequeno pêndulo do sangue? Saberão quanto é, indizivelmente, exultante?
Tendo em conta o que acabo de afirmar, aparentemente, paradoxal, perguntar-me-ão, com semblante angélico: como explicar ou justificar, então, que milhares de mulheres pratiquem o aborto? Fazem-no, caríssimos políticos, por razões mais poderosas do que as do coração. Dispam-se, por isso, da sua hipocrisia! Nenhuma mulher, repito, diz
sim à pergunta referendária sobre a interrupção da gravidez. Nenhuma. Pergunte-se, antes, se se é por ou contra a despenalização do aborto. Entre os dois tipos de pergunta
abre-se um abismo semântico abissal, como qualquer cidadão de boa fé compreenderá.
Se os referidos machos hipócritas pretendem que sejam julgadas e condenadas à pri- vação da liberdade, por detrás de grades, as mulheres que não respeitem as leis por eles
cerzidas, manifestam uma crueldade requintada. Estarei a ser injusta? Não! Sou, em muitos domínios, insurrecta, mas, por mais duras que sejam as leis, defendo o seu estrito cumprimento, embora, muitas vezes, delas discorde, com a legitimidade que me assiste como cidadã livre, dotada de espírito crítico. Eis porque pugno pela descrimi- nalização do aborto. Desejarão os PPs e os PPDs pena mais pesada do que o sofrimento atroz, acima afirmado, que todas as mulheres experimentam, ao entregarem o seu corpo a uma mutilação, como considero o acto de interrupção de uma gravidez? Não ousarei responder afirmativamente, mas confesso que declarações e intenções expressas oral -mente ou em suporte de papel jornalístico por aqueles políticos me levam, incrédula e estupefacta, a pensar que sim.
Dou por findo este escrito, com a firme convicção de que a maioria reinante na As-
-sembleia da República, será forçada a deixar cair a coroa e a máscara da hipocrisia.

Violeta Teixeira, in TRIBUNA DA MARINHA GRANDE
Poetisa

Afixado por: Violeta Teixeira em novembro 10, 2004 03:38 AM
Comente esta entrada









Lembrar-me da sua informação pessoal?