Desde menina e moça que me habituei encarar com desdém o Alberto João Jardim. Ele tinha tudo para merecer o meu menosprezo: um populismo folclórico, declarações provocatórias contra os “cubanos” continentais, chantagem independentista, etc.. Era o Idi Amin da Madeira.
Aliás, num texto publicado aqui em outubro 23, 2003, “Oráculo de Belém”, eu apelidava-o, em tom picaresco, “de um bárbaro ignaro, que vivia a expensas do tesouro da anfictionia e cuja proximidade da Ásia lhe dava mais a aparência de um sátrapa do que a de um dirigente de uma pólis”.
Ele tem, na verdade, um estilo insuportável. Todavia, numa república que caiu no cinzentismo mais pantanoso, com políticos sem coragem para tomarem medidas, quando estão no governo, e com demagogia hipócrita quando estão na oposição, a incontinência verbal de Alberto João Jardim acaba por surgir como algo de diferente que, no nosso intelectualismo urbano poderemos achar bacoco e folclórico, mas que poderá começar a colher, se a situação política nacional não sair do ramerrão em que mergulhou e que é tanto ou mais insuportável, quanto a incontinência verbal do Alberto João Jardim.
Esta antinomia entre o insuportável "politicamente correcto" que esteriliza a vida nacional, e o folclorismo incontinente e populista do Alberto João Jardim, faz lembrar a antinomia entre as duas metades do "Visconde Cortado ao Meio" do Calvino, que glosei uns textos atrás, em 24 de Novembro. A certa altura não se sabe como escolher entre o muito mau e o péssimo.
Porque, para além do folclorismo do Alberto João Jardim, há um caso de sucesso que se tem que reconhecer. O PIB da Madeira tem vindo a crescer nos últimos anos com uma taxa superior ao dobro da média do país. Há 30 anos a Madeira era das regiões mais atrasadas do país. Em 2000, o índice de disparidade do PIB per capita da Região Autónoma da Madeira e de outras regiões (NUTS III), em relação à média nacional, era a seguinte:
Grande Lisboa........173
Madeira..................119
Grande Porto..........107
Algarve...................101
Alentejo Litoral.........97
Pinhal Litoral............97 (Leiria-Pombal)
Baixo Mondego.........94
Baixo Vouga.............93
Lezíria do Tejo.........93 (Ribatejo Sul)
Médio Tejo...............91 (Ribatejo Norte)
Beira Interior Sul.....90
..............................
Açores.......................78
..............................
Beira Interior Norte..56
Serra da Estrela........56
Tâmega.....................49
A Madeira só é ultrapassada pela Grande Lisboa, mas está claramente à frente do Grande Porto e do Algarve, as únicas regiões com um PIB regional superior ao PIB português.
Dir-se-á que a Madeira tem sido favorecida na outorga dos dinheiros públicos. Todavia o Alentejo tem sido mais favorecido e, se exceptuarmos o Litoral (por causa de Sines), o seu PIB é menos de 65% do da Madeira.
A convergência madeirense relativamente aos valores nacionais, nos últimos anos, foi a seguinte:
1995.....1996.....1997.....1998.....1999.....2000
...97.......98........104.......109.......110.......119
O PIB da Madeira era em 1995, 97% da média nacional e em 2000, 119%. Em preços constantes, manteve uma média de crescimento de 7%, que é notável.
É evidente que este crescimento também é influenciado por factores específicos, entre os quais o off-shore da Madeira não será de forma alguma despiciendo.
Por outro lado, a baixa qualificação da população activa e o tipo de modelo de desenvolvimento não me parecem muito promissores em termos de desenvolvimento sustentado. É provável que este ritmo de crescimento não se mantenha a médio prazo e que a longo prazo, se o modelo de desenvolvimento não for alterado, possam ocorrer alguns problemas.
Mas para já, o crescimento económico da Madeira é um caso de sucesso e certamente a popularidade de Alberto João Jardim está sustentada nesse êxito económico.
O sátrapa madeirense estará refém da sua ilha e do seu popularismo insular como alguns pretendem? É provável que sim, e que não consiga criar um estatuto de líder nacional. Mas atenção, há muito de calculismo na incontinência verbal do nosso sátrapa. Esse calculismo não se dirige aos intelectuais urbanos “blasés”, dominantes nos meios de comunicação, blogoesferas, etc., mas à população em geral. Os intelectuais urbanos já tiveram muitas surpresas desagradáveis sobre a sua falta de sintonia com o resto da população, sendo a maior, provavelmente, o resultado do referendo sobre o aborto.
Se o país continuar no pântano em que se encontra, dominado por políticos sem coragem para tomarem decisões e pelo insuportável “politicamente correcto”, estarão criadas as condições para a emergência dos Albertos Joões Jardins, o madeirense ou outro que possa emergir, porventura menos “queimado” por um regionalismo redutor.
Publicado por Joana em dezembro 5, 2003 08:01 PM | TrackBackEu também nunca gostei do AAJ, embora, no meu caso, isso se deva a uma questão de higiene mental.
Sempre tive como certo que o mito AAJ assenta na descontrolada torneira dos dinheiros públicos, sempre aberta para a Madeira. Mais do que saber-se se o governo de Jardim recebeu muito ou pouco, era interessante esclarecer por que motivo os governos centrais foram sempre tâo complacentes com os défices orçamentais da Madeira e tão generosos quanto ao (não) pagamento da dívida.
No seu texto faz uma referência, surpreendente, a um eventual benefício do Alentejo relativamente à Madeira.
Trata-se de uma questão que, sinceramente, me interessa e por isso peço-lhe o favor de quantificar essa opinião. Se não quiser documentá-la aqui, agradeço-lhe que me diga em que fontes baseia a sua afirmação.
Em todo o caso, creio que esqueceu um pequeno pormenor: o facto de o Alentejo não ter nenhum governo regional, o que torna absolutamente incomparável com a Madeira a gestão dos dinheiros que lhe tenham sido destinados.
"a incontinência verbal de Alberto João Jardim acaba por surgir como algo de diferente que, no nosso intelectualismo urbano poderemos achar bacoco e folclórico, mas que poderá começar a colher, se a situação política nacional não sair do ramerrão em que mergulhou e que é tanto ou mais insuportável, quanto a incontinência verbal do Alberto João Jardim."
a joana já esteve mais longe de ser a mandatária de AJJ para o novo mandato na Madeira !
Afixado por: zippiz em dezembro 5, 2003 10:32 PMSe o AJJ me escolhesse para mandatária depois de eu o ter apelidado de Idi Amin da Madeira, é porque ela era um modelo de democracia e tolerância.
Nesse caso não teria dúvidas em aceitar!
Afixado por: Joana em dezembro 5, 2003 10:52 PM(M)arca Amarela:
Não tenho à mão documentação sobre o assunto mas sempre que me passam pelas mãos documentos referentes aos fundos per capita distribuídos por região, o Alentejo vem sempre à cabeça destacado.
Por outro lado, a diferença de crescimento entre a Madeira e o resto do país é tão abissal que não pode, de forma alguma ser explicada pela “torneira dos dinheiros públicos”. Aliás, julgo que o off-shore é de longe mais importante que os dinheiros públicos para a formação do PIB madeirense. Mas estou a falar por feeling.
Quanto à capacidade de gestão dos fundos e o poder regional, você está a fazer, sem intenção certamente, um elogio à boa gestão do AJJ em comparação com os continentais.
Quanto ao caso da gestão “regionalizada”, no que respeito ao Alentejo não me sinto segura sobre se seria vantajosa ou não. No que respeita ao Grande Porto que conheço bem (embora menos bem agora que antes da última revolução autárquica), digo-lhe que seria desastrosa. Não me pergunte porquê, porque seria entrar em pormenores sigilosos.
Em qualquer dos casos é apenas a minha opinião. Outros terão opiniões diversas e estão no seu direito.
(M)arca Amarela:
Também há que ter em conta que os investimentos em infra-estruturas no Alentejo são, per capita, necessariamente mais elevados dada a baixa densidade demográfica.
Redes de abastecimento público, saneamento, recolha e valorização do lixo, etc., serão tendencialmente mais caras, por habitante que em zonas densamente povoadas.
Mas mesmo descontando isto, o Alentejo tem tido um bom quinhão dos dinheiros públicos.
Cara Joana,
Porque será que o seu último parágrafo me fez imediatamente lembrar de Ana Gomes, de Santana Lopes ou do guru Vasco Rato?
Ana Gomes, Santana Lopes ou Vasco Rato também à sua maneira, atiraram umas pedras que fizeram agitar o pântano.
Esperemos que depois se esgotarem, quais fogos fátuos, estes "extremados salvadores da pátria", se possa enfim pensar o país.
ps: também eu gostaria de poder plantar uma bananeira no meu quintal e ser considerado produtor de nananas (com direito a subsídio e tudo...)... Em nome do desenvolvimento.
Eu já ouvi diversas vezes referências ao facto do Alentejo ter sido favorecido no que toca à distribuição dos fundos.
O M Sousa Tavares já disse isso várias vezes na TVI e nunca ninguém o desmentiu.
Eu gosto do Jardim. Temm o que falta aos Contenentais: Tomates
Afixado por: Rui Silva em dezembro 6, 2003 11:15 PM"... Havia um dono a mais da Satrapia, mas foi lançado à cova dos chacais..."
Que saudades do Zeca ( Afonso )
Um abração do
Zecatelhado