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maio 13, 2004

Abruptamente ... no passado

Um artigo publicado por Pacheco Pereira no seu blog Abrupto, e citado hoje numa notícia do Público, está a causar muitos incómodos.

Em causa não está, certamente, a similitude dos comportamentos entre a «vanguarda esclarecida e revolucionária» do MFA e os «torcionários com mentalidade fascista» do exército americano no Iraque. Não há qualquer similitude possível, se exceptuarmos os factos em si, ou seja, as sevícias, pois o contexto é completamente diferente. No caso da «vanguarda esclarecida e revolucionária» do MFA não existiu a insuportável componente racista: os torturandos não eram oriundos de um povo do 3º mundo, mas pertenciam ao próprio povo. Nestes casos o contexto é o critério fundamental. Conforme o contexto, assim as sevícias serão revoltantes ou irrelevantes.

Também não há qualquer semelhança entre os protagonistas dos dois dramas. Em Portugal, em 1975, quem praticava aqueles actos era a «vanguarda esclarecida e revolucionária» do MFA, uma vanguarda a quem a teoria política tinha então atribuído, como missão histórica, a redenção do proletariado e a construção de uma sociedade sem classes. Ora pelo postulado da superioridade moral da esquerda radical, postulado que ela própria criou e erigiu em dogma, os seus actos, por mais sanguinários que sejam, inscrevem-se na necessidade histórica de um processo que conduzirá, inexoravelmente, um passo em frente e dois para trás, aos amanhãs que cantam. Enquanto isso, no Iraque, quem pratica aqueles actos insidiosos é o imperialismo americano que não se pode reclamar daquela providência cautelar, porquanto o seu lugar, pelos mesmos postulados teóricos, é a sarjeta da história.

Aliás, o Barnabé, o blog-órgão do pensamento radical, num texto sóbrio, liminar, despojado de adjectivos e impudicamente despido de argumentos, manifestou a sua posição com a certeza tranquila de quem sabe que a teoria, por postulado, lhe dá sempre razão e que, por via disso, qualquer argumento é despiciendo. Pior, é pernicioso, pois pode lançar a suspeita iníqua e desnecessária de que a sua convicção nas certezas foi abalada, suspeita que obviamente não pode ser deixada fermentar por aí, à solta.

E no fim desta sólida in-argumentação, o Barnabé prometeu, ou melhor, condescendeu, que quando “deixarem de tratar toda a gente como idiota, cá estaremos para o debate”.

Mas, Barnabé, será mesmo necessária essa condição tão restritiva? O BE habituou todos os que não comungam dos seus postulados, teoremas e teses, a serem tratados como idiotas. Para o BE toda essa massa informe, viciada pelo canto de sereia da democracia representativa, não passa de um conjunto não-ordenado de néscios que não foram iluminados pela sua sabedoria doutrinal. Se a propriedade de só haver debate quando se deixar de tratar toda a (outra) gente como idiota, se tornar uma função bijectiva, como será possível estabelecer qualquer debate? Não ficarão cortados todos os canais de comunicação entre a elite intelectual do país (o BE, Barnabé und so und so ...) e a massa informe da população vitimada e intelectualmente diminuída pelo vírus da democracia representativa.

Mas quando se têm convicções alicerçadas em teorias tão sólidas, para que serve o debate? E para que servem os argumentos?

Publicado por Joana às maio 13, 2004 11:46 PM

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Comentários

Fiquei com uma dúvida :
Vc também é de opinião de JPPereira e de VGMoura ?
Não se percebe bem se este seu post é para condenar o que se tem passado nas prisões do Iraque ou se é simplesmente para fazer coro com o grupo pró-guerra: "nós condenamos MAS ... "

Publicado por: zippiz às maio 14, 2004 12:53 AM

Eu percebo que ela quer é chatear a esquerda e o Bloco de Esquerda, trazendo coisas de há 30 anos.
O que é umas coisas têm a ver com outras.

Publicado por: Cisco Kid às maio 14, 2004 01:39 AM

Concordo que o Relatório de Sevícias é uma página negra da nossa história.
Mas isso não tem nada a ver com as sevícias no Iraque.

Publicado por: c seixas às maio 14, 2004 01:39 AM

Está excelente esta crítica à hipocrisia dos Barnabés, Louçãs & Cia.

Publicado por: Rui Pereira às maio 14, 2004 02:40 AM

Cínico e mortífero

Publicado por: Rui Silva às maio 14, 2004 10:18 AM

Nunca fui muito à bola com o BE e especialmente o Louçã.
Esta sua cruzada contra a Carlyle cheira-me a esturro. Estará o Louçã a sofrer do síndroma das organizações ambientalistas cujos chefes contestam muito para depois se venderem pelo preço mais alto?
Anda nesta vida de negócios e é evidente que todos os grupos têm lobbys. Uns mais evidentes, outros mais discretos, mas não menos poderosos.
Esta teoria da conspiração do Louçã atiçada contra o concorrente com mais peso não me parece inócua

Publicado por: Novais de Paula às maio 14, 2004 10:47 AM

O seu texto é verrinoso e é cínico.
Infelizmente todos somos cínicos e hipócritas. Não espere por isso um atitude diferente do BE

Publicado por: Nereu às maio 14, 2004 03:08 PM

cá está a amiga Joana mais uma vez a fazer o jogo dos amigos e a tentar distrair os que ainda se indignam com os indignos governantes que temos. sem sucesso,mau grado a prosa, como se tem vindo a verificar.
"voltar para trás?" Não, obrigado!


vindo de quem vem, é preciso ter lata.

Publicado por: dionisius às maio 14, 2004 04:37 PM

Pois é. O seu texto é verrinoso, é mauzinho, é ...
Mas infelizmente é verdade.

Publicado por: Ricardo às maio 14, 2004 05:12 PM

O Barnabé também a lixou que nem lhe deu uma linha de resposta

Publicado por: Cisco Kid às maio 14, 2004 06:15 PM

Como escreviam hoje no Público:
Quando uma criança faz algo de mal, muitas vezes desculpa-se: "Os outros também fizeram" ou "O João fez pior". Por vezes, até argumenta que, como contou o que tinha feito, é melhor do que os outros e deve ter um castigo menor.

Publicado por: Dominó às maio 15, 2004 10:05 AM

E também:
O relatório existe, tem queixas e conclusões terríveis. Foi contestado na altura. Foi esquecido. E, sim, deve ser dado a conhecer, sobretudo porque hoje há muito quem não conhecesse sequer a sua existência. Houve erros no período revolucionário? Claro que houve. Há quem ainda não tenha feito o "mea culpa" e deveria ter feito? Provavelmente. Mas o que é que isso tem a ver com a tortura de iraquiano por militares americanos? Nada.

Publicado por: Dominó às maio 15, 2004 10:06 AM

(...) Mas o que é que isso tem a ver com a tortura de iraquiano por militares americanos? (...)

cara Joana ,
Vc vai responder a esta pergunta do Público , não vai ?

Publicado por: zippiz às maio 15, 2004 10:27 PM

Este assunto levantado pelo JPP está a deixar, pelo que se vê, muito pessoal incomodado.
Porque será?

Publicado por: Gros às maio 15, 2004 11:57 PM

Foi uma pouca vergonha aquilo a seguir ao 25 de Abril

Publicado por: funesto às maio 16, 2004 02:15 AM

Como escrevi atrás: Há sempre no mínimo duas "verdades" opostas sobre qualquer facto.
Aqueles que ficam fascinados por uma dada verdade ficam muito incomodados quando confrontados com as verdades opostas.

Publicado por: Hector às maio 16, 2004 12:19 PM

Discordo que haja duas verdades. O que há são interpretações diferentes de uma mesma verdade.

Publicado por: Nereu às maio 16, 2004 02:21 PM

...por acaso aquilo a seguir ao 25Abril foi uma pouca vergonha ... podiam ter julgado os culpados de 48 anos de fascismo.

Publicado por: zippiz às maio 16, 2004 02:27 PM

Acho que se deve passar uma esponja sobre quer os excessos do salazarismo quer os excesso do PREC.
Não para esquecer, mas para não andar permanentemente a atribuir culpas.
E para os gajos de cada um dos lados não andar só a apontar o dedo aos do outro lado, fingindo não ver os disparates que o seu lado andou a fazer.
Devemos pensar no futuro

Publicado por: Adalberto às maio 16, 2004 02:49 PM

Com este tipo de tricas não vamos a lado nenhum.

Publicado por: Adalberto às maio 16, 2004 02:49 PM

Adalbert, tem a minha completa concordância

Publicado por: Trofa às maio 16, 2004 04:40 PM

este tipo de concersa é muita interessante !
é aliás caracteristica de certa direita.
enquanto as opiniões lhes "favorecem" a cor "clubistica" ,está tudo bem.
quando se lhes mostra o outro lado da questão , aqui del-rei , que se devem esquecer as tricas, passar esponjas, blá,blá,blá ...

Podiam então fazer esse apelo a JOANA , que tenta, num post vergonhoso, deculpabilizar os Americanos no Iraque , com a «vanguarda esclarecida e revolucionária» do MFA !
Haja decoro !

Publicado por: zippiz às maio 16, 2004 05:05 PM

Há gente muito incomodada e irritada.
Porque será?

Publicado por: Adalberto às maio 16, 2004 07:39 PM

zippiz em maio 16, 2004 05:05 PM:
Importa-se de dizer onde desculpabilizei os americanos e o que é que é "vergonhoso" no meu texto?

Publicado por: Joana às maio 16, 2004 08:13 PM

o vergonhoso no seu texto é o "MAS"...

Publicado por: zippiz às maio 16, 2004 08:19 PM

zippiz em maio 16, 2004 08:19 PM:
Encontrei 2 “mas”:
Mas... “pertenciam ao próprio povo”? Não pertenciam?
Mas ... perguntas ao Barnabé ... Então perguntar ofende?

Publicado por: Joana às maio 16, 2004 11:49 PM

dionisius em maio 14, 2004 04:37 PM
Tem a certeza que era este artigo que você queria criticar? Não se terá enganado no post?

Publicado por: Joana às maio 16, 2004 11:50 PM

Dominó em maio 15, 2004 10:06 AM:
Cito esse artigo no meu post de hoje.

Publicado por: Joana às maio 16, 2004 11:52 PM

Como escrevi atrás, em todas as revoluções há excessos. Portanto tem que se dar um desconto às “sevícias” do relatório

Publicado por: c seixas às maio 17, 2004 05:13 PM

Ó Seixas, em todas as guerras há excessos. Temos que dar o desconto!
Em todas as cadeias há excessos, principalmente nas nossas. Temos que dar o desconto!

Publicado por: Nereu às maio 17, 2004 05:35 PM

O Seixas tem toda a razão. Em 1975 havia a necessidade de o povo se defender dos fascistas e evitar que o fascismo regressasse.
Agora querem desenterrar isso?

Publicado por: Cisco Kid às maio 18, 2004 06:12 PM

Cisco: Também não acontecerá isso no Iraque? Os americanos não estão a “lutar” para que o Iraque não regresse ao que era antes?

Publicado por: David às maio 18, 2004 06:27 PM

Mário Tomé escreveu no PÚBLICO sobre o "Relatório das Sevícias", a que chama de nulidade jurídica. Diz que só serviu para afastar das FA, "por processos torpes e enviesados, muitos dos militares que mais se distinguiram na luta pela democracia". O sr. major ou nunca ouviu falar ou aprovou, ou não acredita ou quer-nos fazer esquecer os episódios sórdidos que decorreram entre 11/3 e 25/11/75, a 5ª Divisão do MFA, o Copcon, os mandados de captura assinados em branco. Recordo-me de o meu pai ter passado semanas em total isolamento, transferido entre vários estabelecimentos prisionais na calada da noite, sem que ele ou a família soubessem para onde ia. Recordo-me dos seus insuspeitos advogados, Mendonça Monteiro, Sousa Tavares e Proença de Carvalho, reclamarem, indignados, contra a arbitrariedade da detenção e os maus tratos, os interrogatórios forjados por simulacros, humilhações e ameaças. Recordo a coragem da minha mãe, com as contas congeladas, resistindo a camaradas do sr. major que lhe apareciam a tentar extorquir alguma coisa, com promessas de uma célere libertação. Lembro-lhe que em Abril de 75 havia mais presos políticos do que um ano antes.

Publicado por: Chocante às maio 27, 2004 12:30 PM

Esta gaja é uma reaças da pior espécie

Publicado por: Gaja reaças às junho 5, 2004 12:27 PM

Esta gaja é uma reaças da pior espécie

Publicado por: Gaja reaças às junho 5, 2004 12:27 PM

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