novembro 17, 2005

O Ministro dos Pinguins

O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social garantiu ontem que os centros de emprego vão fazer um esforço de aproximação às empresas, até ao final do ano, para ajudar a combater o desemprego. Faz-me pena ver tanta incompetência e ausência de pensamento estratégico de um governante, ainda por cima sobraçando a pasta de uma área sensível. Com estas afirmações, o ministro apenas mostrou que não tem qualquer ideia, está sem rumo e está confrontado com um problema que ultrapassa o seu entendimento.

As empresas não contratam pessoal porque sentem o conchego da proximidade dos centros de emprego. Contratam-no porque precisam. A questão actual é que as empresas não precisam de pessoal porque a economia está estagnada. E onde esse défice de emprego se nota mais é nos jovens licenciados, mesmo em cursos técnicos.

Por exemplo, as firmas de engenharia (estudos, projectos, project management e fiscalizações, etc.) eram um factor chave no recrutamento de jovens licenciados, principalmente engenheiros, mas também arquitectos, economistas e mesmo sociólogos. Eram centros importantes de know-how técnico, provavelmente os mais importantes do país. Com a desindustrialização do país, as firmas de projecto industrial foram falindo ou definhando (Profabril, Lusotecna, etc.). Restaram as firmas ligadas à área do ambiente suportadas pelo investimento público (muito apoiado pelos fundos comunitários). De há 4 ou 5 anos a esta parte, a indefinição na área ambiental e os cortes no investimento público (apesar deste constituir apenas 15% a 40% do investimento total, pois o resto é comparticipado a fundo perdido pela UE), estão a conduzir ao definhamento deste sector que está em retracção, com diversas firmas, outrora de grande projecção, à beira da falência.

As empresas investem e criam empregos quando sentem que existem oportunidades de sucesso. Quando sentem que existe um ambiente favorável à sua acção. Quando sentem que a justiça funciona; que o mercado laboral tem alguma flexibilidade; que a burocracia estatal não emperra o seu funcionamento; que o Estado é uma pessoa de bem e não está constantemente a mudar as regras do jogo a meio do campeonato; que o ónus fiscal não é asfixiante. Quando as condições favoráveis enunciadas atrás se conjugam todas pela negativa, como sucede no nosso país, não há volta a dar: as empresas não investem.

Entre 1998 e 2003 a participação dos rendimentos de trabalho (por conta de outrem) no PIB passou de 55% para 58,6%. Em 2003 passou de 57,8% para 58,6%. Ora os salários ou estavam congelados, ou cresciam a valores inferiores à taxa de inflação, portanto com crescimento real negativo. Se a sua participação no PIB aumentou foi porque os lucros e dividendos desceram em termos reais. Como o sector financeiro continua de boa saúde, isto significa que muitas empresas, nomeadamente as industriais, se estão a descapitalizar. Significa que continuaremos a ter mais falências, deslocalizações, encerramentos, etc.

E é isto que é grave na economia portuguesa e não se cura com aconchegamentos. ...

O ministro está a confundir o emprego e as empresas com as colónias de pinguins da Antártida que se aninham uns contra os outros, para melhor resistirem ao frio.

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julho 15, 2005

Firmeza Governativa

Um sindicalista policial afirmou hoje que uma das formas de luta que estão a ponderar seria um bloqueio às pontes que servem Lisboa. Como se sabe esse bloqueio constitui crime. Portanto o Sindicato dos Profissionais da Polícia está a pôr a hipótese de que os polícias, que foram recrutados com a intenção de combater a criminalidade, cometam um crime.

Mas podemos ficar tranquilos. O Secretário de Estado da Administração Interna, José Magalhães, foi peremptório na TêVê: Trata-se de um crime impensável! O que o Governo garante é que esse limite nunca será ultrapassado.
Bloquear as pontes ... é um crime impensável ... mas vá que não vá. Mais que isso ... Nunca! Terão então a oposição feroz do Zé Magalhães.

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junho 23, 2005

Cretácico Inferior

Já não bastava o fiasco do boicote aos exames. Agora o outro bastião do nosso sindicalismo Cretácico, os Transportes, também já não é o que era. Outra greve, outro fiasco. As greves dos transportes são greves de conteúdo altamente classista. Quanto mais desfavorecido economicamente for o utente, ou quanto mais baixo for o seu estatuto laboral, mais prejudicado é. Na greve dos transportes o utente não passa de um indefeso refém. Duas greves em que se pretendeu tomar o utente como refém, duas greves que falharam. Sector público e transportes eram os últimos redutos do nosso sindicalismo obsoleto. Também aqui a credibilidade sindical está em refluxo. Os trabalhadores não querem servir de tropa de choque de um sindicalismo falido.

Publicado por Joana às 07:46 PM | Comentários (102) | TrackBack

junho 21, 2005

Sindicato contra a Classe

Os sindicatos dos professores, nomeadamente a FENPROF, têm dedicado as suas energias e “talentos” na ingente tarefa de degradar a imagem pública dos professores. Sabe-se o estado lastimoso da educação em Portugal – quanto nos custa e os serviços que nos presta – mas a avaliação das responsabilidades por essa situação, se não isenta os professores, também não os torna os únicos responsáveis. Todavia os sindicatos têm-se batido denodadamente para transmitirem para a opinião pública uma imagem de irresponsabilidade, de falta de brio, de incompetência e de laxismo dos professores. Desta feita falharam.

O objectivo desta greve era, sem sombra de qualquer dúvida, o boicote aos exames. Os sindicatos evidenciaram o mais completo desprezo pelos interesses dos alunos, para os quais estes exames serão uma etapa crucial que irá condicionar a sua vida activa e profissional, o seu futuro, enfim; pelas expectativas dos pais, que lhes haviam entregue os filhos para terem uma instrução e formação adequadas; e pela própria reputação dos professores, já de si posta pelas ruas da amargura, dado o estado lastimoso da educação.

Quando se aperceberam que o boicote não teria os resultados ambicionados, além de ser em extremo impopular, os sindicatos começaram a enfatizar a greve em si, afirmando que o boicote aos exames não era o objectivo principal … o facto das datas das greves coincidirem com as datas dos exames era uma mera e inesperada coincidência.

Os resultados estão à vista. Poucas dezenas de alunos, em várias centenas de milhares, foram afectados. Apesar da maioria dos professores estar descontente com as medidas anunciadas pelo governo, que transtorna as expectativas de muitos, os exames realizaram-se.

Relativamente aos números apontados pelos sindicatos sublinho dois factos. O primeiro, escolhido cirurgicamente pela SIC, na Escola Gil Vicente, cuja Presidente do CE é filha do Coronel Varela Gomes, que estava claramente transtornada pelo facto dos exames se terem realizado, deu umas explicações esfarrapadas e adiantou uma percentagem de grevistas de 84%!? O segundo, na escola da minha mãe, onde, em cerca de 140 professores, houve 15 que fizeram greve. Estes números são facilmente verificáveis, visto haver registo de comparências, desde que os Conselhos Executivos funcionem como devem. Ora não há razão para 2 escolas estabilizadas, da mesma cidade, apresentarem números tão díspares, embora a capacidade de um Conselho Executivo manobrar no sentido de incentivar à greve não seja de desprezar. O número avançado pela Geninha deve estar, portanto, completamente fora da realidade.

Portanto, os números de 70%, até agora avançados pelos sindicatos são completamente fantasistas. Isto apesar dos professores se considerarem muito prejudicados pelas medidas do governo, legítimas porque visam acabar com situações diferenciadas socialmente injustas, mas que goram expectativas alimentadas pela classe. Veremos como a situação evolui nos próximos dias, mas não me parece que haja diferenças muito significativas.

Ou seja, há material para um conflito social entre professores e governo. Os professores não terão razão em termos do todo social, mas têm as “suas razões”. Os sindicatos, ao precipitarem esta greve, com o intuito perverso de tomarem como reféns alunos e respectivos pais, fragilizaram a sua margem de manobra. Prestaram um mau serviço àqueles que dizem representar, fragilizando a sua posição negocial e tentando degradar a sua imagem pública.

Mas os sindicatos portugueses têm uma longa tradição de conduzirem os seus sindicalizados a situações de impasse.

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junho 19, 2005

Desespero Hílare

Não me levem a mal, mas a manifestação nacional da função pública deu-me um enorme gozo. Aqueles filas de funcionários públicos arrebanhados por todo o país, trazidos em camionetas e absolutamente furiosos por terem votado em Sócrates, convencidos que este tinha um remédio milagroso para mudar o país mantendo tudo na mesma, são o exemplo acabado do estado mental de uma parcela significativa do sector público e da mentalidade dos dinossauros do Parque Jurássico do sindicalismo.

Todas as armas das justas lutas dos trabalhadores foram utilizadas a preceito. A greve foi marcada para uma 6ª feira e tomaram como reféns aquilo que nos é mais querido: os nossos filhos, para os quais estes exames eram um dos momentos supremos que decidem a sua vida profissional futura. Tomar como reféns miúdos que passaram um ano de trabalho e stress para conseguirem o melhor possível para o seu futuro, e os pais que sofreram durante um ano para que tal pudesse acontecer, é uma arma senão tão sanguinolenta como as usadas pelos terroristas da Al-Qaeda, pelo menos de efeito psicológico não menos devastador. O salazarismo caracterizou-se mais pelo temor psicológico que pelos efeitos sangrentos que foram praticamente irrelevantes. Os nossos sindicalistas pertencem à mesma geração e aprenderam com aqueles mestres.

A comunicação social, sempre adepta das generosas lutas dos trabalhadores, politicamente correctas por convenção, prestou-se a dar o seu apoio mediático. Para aconselharem os professores sobre a legalidade da requisição e o bom fundamento da tomada de reféns de menoridade, a comunicação social consultou juristas eminentes e neutrais como Garcia Pereira. Para as análises económicas, mostrando que a capacidade da bolsa do contribuinte português, individual ou colectivo, é matematicamente inesgotável, a comunicação social desenterrou um economista de reconhecido mérito científico e neutralidade política – Eugénio Rosa. As avaliações dos estimadores de manifestantes das autoridades policiais foram proporcionais à insatisfação provocada naquela corporação pelo anúncio recente das medidas governativas.

Tudo isto seria muito triste, se o ridículo não ultrapassasse, em muito, essa tristeza. A hilaridade sobrepôs-se ao nojo. Só tontos, ignorantes ou desesperados por se drogarem na ilusão, poderiam supor que Sócrates estava a falar verdade durante a campanha eleitoral. A situação económica e financeira e as obrigações internacionais do país impediam que a política dele fosse muito diferente da que está a ser. Várias vezes referi essa evidência neste blog, antes das eleições, perante aqueles que julgavam que “dali para a frente, tudo seria diferente”. Os dois governos anteriores conseguiram suster o descontrolo de custos do guterrismo, mas não tiveram coragem de implementar as medidas indispensáveis para começar o saneamento da economia e das finanças portuguesas. Não o conseguiram, parte por incompetência própria e parte porque sofreram uma guerrilha permanente da oposição (incluindo o PS que agora as começou timidamente a aplicar) e dos sindicatos, apoiados pela comunicação social.

As medidas até agora anunciadas por Sócrates são mais emblemáticas que eficazes. São mais de saneamento moral, que de saneamento económico e financeiro. São importantes, na medida em que não é possível aprofundar o saneamento económico e financeiro, sem um prévio saneamento moral, mas são uma gota no oceano do que há a fazer. E não há outra saída para o país. Se o governo actua do lado da receita com mais rigor, agrava a crise económica e diminui as receitas efectivas, portanto terá que actuar do lado da despesa, ou seja, no sector público.

Os manifestantes de 6ª feira estavam furiosos porque se sentiram traídos. A maioria dos cartazes alcunhava Sócrates de mentiroso. Na verdade Sócrates mentiu. Mas todos aqueles desesperados que se manifestavam acreditaram porque queriam acreditar, porque precisavam de acreditar, porque queriam continuar a viver de ilusões. Eles queriam que lhes mentissem. Sócrates apenas lhes fez a vontade.

Uma manifestante declarava, furiosa, que o governo fosse buscar dinheiro onde pudesse, que aumentasse impostos, mas que não mexesse nos seus “direitos adquiridos”.

Que hipocrisia! Os trabalhadores da têxtil, do calçado, da construção civil, etc., que diariamente vão para o desemprego não tinham “direitos adquiridos”? Os seus “direitos adquiridos” não teriam tanto merecimento quanto os “direitos adquiridos” do serviço público? E no entanto estão no desemprego. E estão no desemprego porque os governos andaram uma década a criar “direitos adquiridos” no sector público à custa da progressiva perda de competitividade do sector privado. À custa da perda dos “direitos adquiridos” desses trabalhadores.

Publicado por Joana às 04:59 PM | Comentários (27) | TrackBack

maio 18, 2005

Abaixo os Moscovitas!

Estou chateada! Os meus vizinhos do lado oposto da 2ª circular perderam. Inicialmente pensou-se que era eu que tinha a culpa, pois das 2 únicas vezes que me ausentei da sala, o CSKA marcou um golo. Foi-me imposta a medida de coacção de assistir ao resto do jogo (a malta cá de casa prefere o clube aqui do bairro, deste lado da 2ª circular, mas hoje torcíamos pelos vizinhos!). Infelizmente fui ilibada, pois os moscovitas marcaram o 3º golo, comigo a assistir. Julgo que todos concordarão que o Ricardo devia ser impedido de “dar frangos” fora dos jogos contra o Benfica.

Para castigo vou desancar alguém ... quem? É fácil ... as centrais sindicais, antes mancomunadas com os moscovitas, que só fazem, e dizem, disparates ... e depois, no post seguinte, numa velhinha que foi professora de um tio meu ... que julgo deva ter ainda assistido à revolução bolchevique.

Soube-se hoje que taxa de desemprego em Portugal atingiu 7,5% no primeiro trimestre deste ano, o valor mais elevado em nove anos, representando um agravamento de mais de um ponto percentual face ao registado no mesmo período do ano passado. Em Abril desceu, relativamente a Março, mas trata-se de uma redução sazonal, como é habitual nesta época do ano.

Obviamente que as Centrais sindicais, que têm concorrido para o clima económico propício ao desemprego, exigiram imediatamente medidas de combate ao desemprego

"Estes níveis de desemprego são claramente insustentáveis. A prioridade do Governo deve ser o crescimento do emprego", afirmou João Proença da UGT: "é fundamental criar um clima de confiança para o futuro", e como? Considerando que "é possível recorrer a receitas extraordinárias, como a alienação de património que não está a ser usado". Será que João Proença está a querer utilizar receitas extraordinárias para criar um asilo para desempregados? Eu não sou contra a venda de património, quando justificável, mas como é possível criar um clima de confiança através da alienação do património? Quando os governos anteriores andaram a vender o património, não foi essa uma das medidas mais chocantes para a opinião pública? E das mais criticadas pelas Centrais sindicais?

Enquanto isso uma dirigente da CGTP afirmou que o problema do desemprego não é novo, pelo que "é necessário acautelar o aparelho produtivo e evitar as reestruturações e deslocalizações das empresas". Como? Pondo grilhetas nos pés das empresas?

E o paradoxal nestas afirmações é que, para evitar deslocalizações são normalmente necessárias reestruturações das empresas. Graciete Cruz não quer reestruturações? Então terá apenas deslocalizações.

Uma solução que tem sido encontrada é serem os trabalhadores a negociarem directamente com os gestores, mantendo os sindicatos fora do circuito. Será a isto que a CGTP se refere?

Se é, Graciete Cruz está cheia de razão: Os sindicatos têm apenas revelado habilidade para conduzirem os trabalhadores a situações de impasse e depois os mobilizarem para ficarem às portas das fábricas a vigiarem a sucata e a serem filmados para as Têvês em horário nobre.

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abril 22, 2005

Os meus agradecimentos

De partida para um fim de semana prolongado não pude eximir-me em vir aqui apresentar os meus mais comovidos e veementes agradecimentos ao pessoal da RTP membro do Sindicato dos Jornalistas (SJ), do Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual (STT) e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual (SINTTAV), pela greve que continua a ter, segundo eles, uma participação de quase 100%, “inclusive com a adesão dos trabalhadores da televisão pública que estavam de folga nos dias 18 e 19 e que hoje, dia 20, não retomaram o serviço".

Os meus agradecimentos só pecam pela insuficiência da prosa, mas os senhores sindicalizados desculpar-me-ão certamente, dada a premência da minha partida. E pecam porque aqueles sindicalizados deram uma tremenda lição ao país: aqueles sindicatos englobam a maioria dos trabalhadores da RTP, conseguiram uma adesão de 100% e permitiram que o país verificasse que a RTP continuava a funcionar e, inclusivamente, que aumentava as audiências.

Assim sendo, seria imperdoável o país esquecer que deve um favor enorme ao pundonor com que estes sindicalizados se esforçaram, durante 3 longos e empolgantes dias, a provar de forma irrefutável que são completamente desnecessários e que o país pode poupar 150 milhões de euros/ano, mais as derrapagens orçamentais e mais os 6 milhões que custariam as suas reivindicações actuais.

Espero, ansiosa, que os sindicalizados (hesito em chamar-lhes trabalhadores) de outras empresas públicas, que nos custam os olhos da cara e que nos tornaram nos campeões da Europa da caridade público-empresarial, exasperados pelo facto dos governos não sanearem e reestruturarem as suas empresas, sigam este exemplo e se empenhem igualmente em mostrarem, de forma tão decisiva, que são supérfluos e que essas empresas escusam de continuar a viver da caridade forçada dos contribuintes portugueses.

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abril 20, 2005

Conservação Destrutiva

... em vez da Destruição Criativa

É um dado adquirido que o principal motor do crescimento económico é a inovação tecnológica (e a concomitante melhoria da qualificação laboral). E a experiência do último século e meio provou que essa inovação assenta num permanente movimento de substituição e/ou reafectação dos factores de produção – Capital e Trabalho. Sem essa Destruição Criativa, utilizando a terminologia de Schumpeter, não teria havido crescimento, ou esse crescimento teria sido muitíssimo mais lento. Em Portugal, Governos e sindicatos têm apostado, preferencialmente, na Conservação Destrutiva.

Há dias, a CGTP e a UGT exigiram ao ministro do Trabalho e da Solidariedade que procedesse à revalorização do Salário Mínimo Nacional (SMN) numa perspectiva económica e não pelo impacto que vai ter no Orçamento de Estado. Exigiram igualmente a revisão do Código do Trabalho, obviamente numa perspectiva de uma maior rigidez. Isto é, os sindicatos privilegiam os “insiders”, face aos restantes; privilegiam a rigidez dos factores de produção, face à sua mobilidade; privilegiam a “conservação” do statu quo face à Destruição Criativa; em suma privilegiam a Conservação Destrutiva.

O progresso económico só se consegue com uma contínua renovação e reafectação dos factores de produção. No caso do Capital, todos estão de acordo. É mais simples ... é o empresário a pagá-lo. No caso do Trabalho há uma forte oposição. Governos e sindicatos não perceberam que sem mobilidade laboral não há inovação, ou esta é muito lenta. Governos e sindicatos não perceberam que sem mobilidade laboral não há incentivos ao investimento e à renovação do factor capital. Nenhum empresário está disposto a fazer investimentos vultuosos, a arriscadas rupturas tecnológicas, com efectivos cuja imobilidade não incentiva à requalificação. A rigidez laboral desincentiva a Destruição Criativa do Capital.

Li há tempos que na década de 1990 foram criados, nos EUA, cerca de 330 milhões de postos de trabalho e destruídos cerca de 305 milhões. Ou seja, o número de postos de trabalho aumentou cerca de 25 milhões. Sem aquela enorme “Destruição” não teria sido possível a criação de uma tão grande quantidade de empregos e o elevado ritmo de progresso económico dos EUA. Aqueles números indicam que um trabalhador americano mudou, em média, duas vezes de emprego durante a última década

A rigidez do mercado do trabalho torna o desemprego friccional das economias dinâmicas, em desemprego estrutural, de longa duração, nas economias “conservativas”, como a nossa.

Quanto ao SMN, se ele se mantém baixo, a sua influência sobre o nível de emprego é despicienda. Todavia, se ele aumenta, a partir de certo nível torna-se um travão ao aumento do nível de emprego, nomeadamente no segmento dos menos qualificados. E, na actual situação da Economia global e da baixa qualificação laboral portuguesa, pode ser um incentivo à deslocalização e ao aumento do desemprego. É uma protecção envenenada aos menos qualificados. Os sindicatos acenam com ilusões, atrás das quais se perfilam as duras realidades.

No caso português coexistem dois mercados de emprego: um rígido e outro pouco ou nada regulado (contratos a prazo e recibos verdes). É este último mercado que, apesar dos disparates económicos que se têm cometido, serve de travão a um aumento mais acelerado do desemprego. É esse mercado que propicia alguma Destruição Criativa. Também é neste mercado que há os comportamentos mais indecorosos de alguns empresários (conjuntamente com o banditismo fiscal do Estado sobre os trabalhadores em regime de recibo verde) que são tomados como manifestações da impiedade neoliberal, quando eles resultam de uma política cobarde e deliberada do Estado que, incapaz de regulamentar o mercado de trabalho de forma eficiente, deixa continuar a rigidez excessiva no mercado “normal” e é obrigado a permitir uma total desregulação no mercado “lateral” de forma a incentivar o emprego e evitar que o nível de emprego caia drasticamente devido à rigidez dos “insiders”. Uma obrigação com que ele, aliás, não deixa de lucrar abusivamente.

Mas não é só no mercado do trabalho que prevalece a Conservação Destrutiva. Portugal é o segundo país da União Europeia (dos 15) que mais ajudas concedeu às suas empresas em 2003, com 1,24% do PIB, atrás da Finlândia (1,41%) e muito à frente da Alemanha (0,77%), para uma média da UE (dos 15) de 0,57%. Não é apenas o ónus para a despesa pública e para os bolsos do contribuinte que tal representa. Proteger empresas ineficientes desvirtua a concorrência, provoca uma deficiente afectação dos recursos e conduz a um nível menor do bem estar social. E leva a que os empregados dessas empresas percam a noção de que estão a servir uma clientela e se julguem numa sinecura.

Ao pôr entraves à Destruição Criativa, em nome de uma “Conservação” ilusória, o nosso país protege o que é obsoleto, avesso ao risco e à mudança. É uma Conservação Destrutiva, porquanto julga conservar, mas cria as condições para a destruição progressiva do nosso tecido económico.


Sobre esta matéria ler:
O Caso Bombardier
Construtores de Pirâmides
Estado de Silêncio

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maio 27, 2004

A Perversão dos Efeitos Colaterais

A greve é um direito que os trabalhadores conquistaram mercê da sua acção solidária e persistente e que se tornou uma aquisição consensual para todo o espectro político e social.

Todavia, e à medida que o movimento sindical enfraquece e vai perdendo base social de apoio, a greve tem mudado perigosamente de formato. Deixou de ser o resultado da adesão de largas massas de trabalhadores e da sua generosidade militante, para se especializar, cada vez mais, em greves de pequenos segmentos laborais, de reduzidas dimensões, mas de elevados efeitos colaterais.

A greve actual não busca o protesto dentro da sua esfera de actividade. Esse protesto existe, mas é despiciendo na estratégia global. A greve actual procura o efeito colateral, ela visa tomar, como reféns da sua causa, parte significativa da população e assim potenciar os seus efeitos.

Sucede porém que esta estratégia é uma arma de dois gumes. Se é verdade que, enquanto ocorre, potencia em muito os seus efeitos, pelos incómodos e instabilidade que causa, a médio e a longo prazo vira-se contra os seus autores, retirando-lhes, progressivamente, a base social de apoio. E é uma estratégia perversa porque é sucessivamente causa e efeito do declínio sindical.

Tomemos o caso das greves de transporte. Têm, como se sabe, elevados efeitos “colaterais” mas, paradoxalmente, são efeitos “classistas” – prejudicam mais quem é mais desfavorecido economicamente. São dramáticas para quem trabalha e não tem carro; são penosas para quem, tendo carro, tem que cumprir horários; são epidérmicas para quem não está sujeito a horários; e são completamente inócuas apenas para quem vive dos rendimentos.

Desconheço se as greves de transportes têm permitido conseguir os objectivos que o pessoal que as promove pretende atingir. Há porém um efeito que foi obtido e que não esteve, nem está, seguramente, na mente dos seus promotores – degradar a imagem do movimento sindical, levar a um progressivo distanciamento entre a classe trabalhadora e os sindicatos e enfraquecer o sindicalismo.

Esta estratégia da procura de efeitos colaterais é, sublinho, perversa porque, quanto mais o movimento sindical enfraquece, mais a imaginação dos sindicalistas se empenha em encontrar formas de produzir o máximo estrago com cada vez menos efectivos e com cada vez menos apoio popular.

Quando os trabalhadores de um dado sector se começam a interrogar sobre o facto das lutas laborais os estarem a levar a um beco sem saída e diminuem a sua militância e a sua adesão, os dirigentes sindicais passam à fase seguinte: utilizarem um segmento desse sector, eventualmente pequeno mas indispensável ao seu funcionamento, para obterem o mesmo efeito colateral.

Regressando ao caso dos transportes, esta fase acontece quando as greves são feitas apenas pelos maquinistas, motoristas ou por outros segmentos dos trabalhadores dos transportes, reduzidos, mas indispensáveis ao seu funcionamento. Neste caso, a greve de um minúsculo segmento laboral leva à quase total paralisação de todo o sector e à exasperação de centenas de milhares de utentes dos serviços.

Tomemos o caso das greves nos estabelecimentos de ensino secundário. À medida que os professores foram perdendo o entusiasmo pelas greves, os sindicatos criaram incentivos: passaram a marcar as greves às sextas-feiras! Com o tempo, também este incentivo se começou a revelar insuficiente. Os sindicatos apostaram no pessoal auxiliar, pouco numeroso, mas indispensável para as escolas se manterem abertas. Actualmente a adesão dos professores às greves é muito fraca. Todavia a expressão dessa fraca adesão é potenciada pela muito maior adesão do pessoal auxiliar. E assim diversas escolas fecham, não pela adesão dos professores, mas pela adesão do pessoal auxiliar.

Há década e meia, ao que julgo, que o pessoal dos museus faz sistematicamente greve nos dias em que se prevê um grande afluxo de turistas estrangeiros. Esta greve tornou-se num dos nossos mais impressivos elementos folclóricos das festas da Páscoa. Desconheço se essa greve sazonal e persistente trouxe algumas vantagens para os grevistas. Provavelmente já nem serão os mesmos que, em época tão remota, a iniciaram. Provavelmente já a fazem apenas por instinto atávico, um impulso sazonal similar aos comportamentos com que os documentários da vida animal do National Geographic Magazin nos deliciam e instruem. Há uma coisa que seguramente conseguiram: a incompreensão e o desagrado das pessoas, quando não suscitam mesmo o ridículo.

Agora foi a vez dos inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteira que haviam agendado greves para 27 e 28 de Maio e 11, 12, 16 e 17 de Junho, exactamente os dias mais problemáticos do Rock in Rio e do Euro 2004, exactamente os dias em que a conjugação da ameaça terrorista e da realização de espectáculos que concitam o interesse e a adesão de milhões de pessoas em todo o mundo, maior impacte têm sobre a tranquilidade da população. A precisão com que os dias foram escolhidos não deixava qualquer margem para dúvidas – o sindicato dos inspectores do SEF procurava apenas a maximização dos efeitos colaterais.

Simplesmente, o SCIF foi, na sua malevolência primária, de um extrema ingenuidade. Mesmo admitindo que as suas reivindicações fossem justas, os dias escolhidos para a greve configuraram uma situação de chantagem e de utilização da população do país como refém dos 575 funcionários que agendaram as greves. Dificilmente algum governo aceitaria negociar numa situação destas.

Por outro lado, os inspectores colocaram-se na mira da contra-ofensiva governamental, que exploraria a inoportunidade da greve e os receios da opinião pública. Os grevistas ficariam responsabilizados, perante a opinião pública, por algo que pudesse acontecer com a segurança daqueles eventos e tornaram-se um alvo fácil e credível. Mesmo um governo inábil como o nosso conseguiria fazer arcar os grevistas com todo o ónus da situação e retirar-lhes qualquer capacidade reivindicativa após o fim dos eventos.

O SCIF compreendeu, tarde demais, que tinha perdido em todos os tabuleiros e que urgia retirar para minimizar as perdas. Assim, um dia após ter ameaçado, em conferência de imprensa, recorrer aos tribunais caso o Governo avançasse com uma requisição civil para enfrentar as greves dos inspectores, desconvocou a greve.

E para o desastre ser mais evidente, essa desconvocação foi feita apesar do comunicado do MAI que desmente que haja horas extraordinárias em dívida e que afirma que o que existe são «expectativas criadas pelo anterior executivo» que, segundo esse comunicado, iriam criar «inaceitáveis disparidades de remunerações relativamente a outras forças e serviços de segurança». Ou seja, o SCIF desconvoca a greve após o endurecimento da posição do MAI sobre as suas reivindicações. O comentário do SCIF é que as afirmações do MAI são «ofensivas e totalmente absurdas» e que «vêm ... desvirtuar dois anos de negociações com a tutela, já que ao longo de todas as reuniões o Governo nunca pôs em causa a existência da dívida». Afirmações que não convencem ninguém – o SCIF colocara-se num impasse, já não tinha espaço de manobra e apenas sobejou a retórica.

Sempre que as lutas dos trabalhadores são conduzidas com estratégias erradas, que as levam a um impasse, a um beco sem saída, é o movimento sindical que sai ferido, que perde força. São as estratégias erróneas, tais como as que descrevi atrás, que debilitam o movimento sindical e lhe retiram o apoio popular. A liderança sindical, à medida que sente diminuir o apoio, aposta na fuga para a frente – tentando com os meios cada vez mais exíguos de que dispõe, obter um impacte significativo com os efeitos colaterais. Mas é a vertigem pelo abismo, pois este é um processo que em vez de levar ao fortalecimento do sindicalismo, leva ao seu enfraquecimento progressivo

Publicado por Joana às 09:24 PM | Comentários (23) | TrackBack