novembro 27, 2005

O Kitsch do Possível

Adenauer disse que “a política é a arte do possível”. Sócrates está a reescrever aquela frase. Há uma evidente impossibilidade (ou, mais propriamente, dificuldade) governativa. O Condicionamento Industrial e o Corporativismo acabaram, mas foram substituídas por outras instituições, de facto e já não de jure, como os diferentes grupos de interesses que se criaram no sector público, à sombra do laxismo governativo e das ilusões públicas. Manteve-se apenas uma instituição: a Constituição – antes coarctava a liberdade política e económica, agora coarcta apenas a liberdade económica. Em face destas dificuldades, o que Sócrates tem mostrado é que “a política é o kitsch do possível”. Ou em português vernáculo, “a política é a pirosice do possível”.

Sócrates, quando está a ver qualquer bandeira do seu programa a ser derribada pelo empecilho da realidade, dá o golpe de rins do “reality show”. Convida as forças vivas eventualmente interessadas na matéria em apreço e monta uma operação de charme. Há técnicos que produzem estudos mediante complexos e laboriosos mapas de Excel, repletos de rotinas em Visual Basic e socorrendo-se de gigantescas bases de dados em Access. Tudo isto acompanhado de um volumoso texto explicativo, processado em Word. Sócrates só conhece o Power Point.

O preâmbulo do Plano Tecnológico reconhece «que o mercado tem um papel fundamental como mecanismo dinamizador das actividades económicas. A maioria das inovações é fruto de trocas complexas de ideias, de produtos e de experiências, de projectos que dão frutos no tempo, de interacções entre agentes, num ambiente de concorrência que leva cada um a procurar a sua própria superação. A inovação envolve agentes variados, mas importa que chegue ao mercado e favoreça a modernização administrativa. Contudo, reconhece-se a existência de falhas de mercado, nomeadamente ao nível do investimento em capital humano e nas actividades de Inovação, Investigação e Desenvolvimento (II&D). Essas falhas, motivadas pelo facto de os benefícios associados aos investimentos em educação e às actividades de investigação, desenvolvimento e inovação serem insuficientes ou não serem totalmente apropriados pelos agentes que os executam, conduzem a um sub-investimento nessas áreas que, no entanto, são críticas para o crescimento económico. No nosso país, essas falhas são tão mais importantes quanto se reconhece que entre os maiores entraves ao crescimento económico estão precisamente a qualidade dos recursos humanos, a capacidade tecnológica e a permeabilidade à inovação

Ora o que o Governo continua a fingir ignorar é o nó górdio do nosso sub-desenvolvimento, como eu escrevi há dias: «o país precisa, prioritariamente, de uma justiça célere e eficiente, uma completa desburocratização da administração pública, uma fiscalidade eficiente (e simplificada) e tendencialmente menos pesada e uma progressiva privatização de actividades que o Estado desenvolve mas para as quais não tem vocação nem as realiza com um mínimo de eficiência.». Sem desatar esse nó, o Governo não consegue «que o mercado tenha um papel fundamental como mecanismo dinamizador das actividades económicas». Não há mercados que funcionem com eficiência quando uma justiça não obriga ao cumprimento dos contratos em tempo oportuno (e, às vezes, em tempo algum); não há «trocas complexas de ideias, de produtos e de experiências, de projectos que dão frutos no tempo, de interacções entre agentes, num ambiente de concorrência que leva cada um a procurar a sua própria superação» com uma máquina administrativa que emperra tudo, que não toma decisões em tempo útil, nunca toma decisões ou, pior ainda, toma as decisões erradas.

Sócrates julga (julgará?) que as «falhas de mercado, nomeadamente ao nível do investimento em capital humano e nas actividades de Inovação, Investigação e Desenvolvimento» se devem às razões que aponta. Nuns casos essas razões não colhem, noutros, as razões que indica têm, elas próprias, causas mais profundas. Portugal não tem, actualmente défice de licenciados e de doutorados. Portugal tem défice de empresas que utilizem os licenciados e doutorados actuais, para além do défice em utilizar licenciados e doutorados que temos a menos que os outros países da UE.

Há imensos licenciados em áreas científicas e tecnológicas que, ou estão desempregados, ou têm empregos precários como trabalhadores independentes. Há imensos doutorados que, ou estão desempregados, ou se arrastam pelo país e pelo estrangeiro, com bolsas sucessivas, fazendo investigação apenas para manter as bolsas, sem horizontes de emprego em Portugal e mesmo lá fora.

Nós, os contribuintes portugueses, andamos a pagar, há mais de uma década, bolseiros, doutorandos, etc., que, na situação em que o nosso tecido económico está actualmente, só servem para gastar o nosso dinheiro. Não têm qualquer utilidade.

Nós não precisamos de licenciados e de doutorados para compor as estatísticas. Precisamos deles para desenvolver o país. Mas para precisarmos deles, temos que ter empresas que precisem deles, e para termos essas empresas precisamos de lhes criar um ambiente favorável.

Há evidentemente algumas metas práticas que terão um eventual efeito dinamizador, se forem atingidas: desenvolvimento de um cluster eólico, a incrementação das novas centrais de biomassa, generalização da banda larga e acesso à Internet, banalização da informática nas escolas e serviços públicos, etc. Mas serão efeitos sempre muito limitados. Também é importante a criação de um conselho consultivo de fiscalização, que ficará responsável por fazer propostas e monitorizar a execução do Plano, integrando gente ligada ao mundo empresarial e um grupo de consultores liderado por Philippe Aghion, da Universidade de Harvard. Esperemos que esses consultores façam propostas pertinentes e não se fiquem apenas por tentar conciliar o grau de pertinência das propostas e a manutenção das avenças que recebem. Porque, como todos reconheceram, o que é importante é passar da teoria à prática.

Já por diversas vezes vi reportagens televisivas de departamentos públicos onde os entrevistados apontavam para as caixas de cartão e reclamavam: «compraram computadores que estão para aqui há muitos meses e ainda ninguém os veio cá ligar». Quando vejo essas entrevistas penso sempre «se nenhum de vocês, ao fim desses meses, teve curiosidade em abrir a caixa, tirar o computador para fora, ligá-lo à corrente, pô-lo a trabalhar e ver como funciona, é porque esses computadores não vos irão servir para nada». Este comportamento representa, felizmente apenas em parte, o estado do nosso país e da nossa mentalidade perante a inovação.

Sócrates citou uma frase da Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol. É sempre interessante ver um político a citar clássicos. Esperemos que ao citar eventos de um mundo virtual, não esteja a ter uma premonição subliminar. Quem será que está no País das Maravilhas? Alice ou Sócrates?

Publicado por Joana às 06:24 PM | Comentários (88) | TrackBack

novembro 23, 2005

Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer

Mais ein presidente do BP, ein do TC, ein do INE, und so, und so, und so …

A síntese de conjuntura do Instituto Nacional de Estatística é um espanto. No que respeita ao mercado de trabalho, o INE identificou um ligeiro crescimento do emprego, apesar do agravamento da taxa de desemprego, que atingiu o máximo dos últimos anos, nos 7,7 por cento, devido ao "aumento da população activa". Isto é, a taxa aumentou mas o INE identificou um ligeiro crescimento do emprego devido ao aumento da população activa. O INE desconhece que, quando o desemprego aumenta, a taxa de desemprego aumenta proporcionalmente menos, porque há uma percentagem que desiste provisoriamente de procurar emprego e não se regista como desempregada. Igualmente, quando o emprego aumenta, a taxa diminui menos que seria de esperar, porque há gente que regressa à procura activa de emprego.

A caracterização deste fenómeno vem em todos os manuais de macroeconomia e é estranho que o INE o ignore. Ora este fenómeno tem uma incidência certamente bastante maior que um alegado crescimento da população activa num país em estagnação demográfica há mais de 2 décadas.

A síntese de conjuntura do INE refere igualmente que a economia portuguesa deu alguns sinais de recuperação no terceiro trimestre deste ano, suportada pelo desempenho das exportações! Ora o BP tinha, há dias, revisto em baixa as exportações para 2005. É claro que o relatório do INE é subtilmente vago, referindo uma «aparente» recuperação das exportações ... Ou seja, agora o INE não divulga números ... divulga feelings ... passou a ser o Instituto Nacional de Sensações (ou de Palpitações).

Esta frase é de antologia num serviço de estatística: «Durante o terceiro trimestre verificaram-se alguns sinais de recuperação da actividade, embora sem reflexos no andamento dos indicadores de clima e de actividade». Posta numa linguagem mais clara, o INE (ou o INS) tem uma sensação difusa e inexplicável que há «sinais de recuperação da actividade», embora os números não reflictam essas sensações e digam mesmo o contrário.

E o que se verifica, quanto a números, foi que o indicador de clima recuou dos 0,3 pontos negativos no segundo trimestre, para 0,8 pontos negativos no terceiro trimestre e o indicador de actividade económica desceu dos 1,5 para os 0,9. Mas o INE (ou o INS) abandonou o materialismo desumanizado dos números. O INE (ou o INS) enveredou pelo caminho da espiritualidade, onde as sensações e as visões prevalecem sobre o mesquinho mundo material.

Eu não excluo que haja no INE (INS) alguém com excepcionais capacidades divinatórias capaz de abarcar muito para além da frieza dos números. O futuro o dirá.

Todavia o açambarcamento pelo PS das chefias de organismos que deveriam ser independentes do poder político, mercê da delicadeza dos respectivos âmbitos de acção, retira bastante credibilidade a um relatório que apresenta números acompanhados de um parecer que contraria esses números.

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novembro 16, 2005

Plinonasmos

Mário Lino afirmou na AR, sobre a questão do Metro do Porto, que se pretendia apenas fazer uma “reestruturação da estrutura empresarial da empresa”. É notável como numa singela frase com apenas 3 desventurados substantivos e 1 despiciendo adjectivo, o ministro tenha produzido 2 pleonasmos. Bastava-lhe ter dito uma “reestruturação da empresa”. Há um persistente desgoverno em Mário Lino na afectação perdulária dos recursos. Tem muitas palavras: desperdiça-as em pleonasmos; tem muitos euros: desbarata-os em obras faraónicas.

Publicado por Joana às 11:00 PM | Comentários (22) | TrackBack

novembro 11, 2005

Aí vai ele como se fosse um extremo

O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, disse hoje que já existem sinais de retoma na economia portuguesa, mas rejeitou a ideia de que a retoma já está aí. É importante ser o ministro dos Negócios Estrangeiros a produzir estas afirmações financeiras e económicas. Os ministros das Finanças e da Economia estão muito marcados, nunca sabem o que hão-de fazer à bola, apesar da falta de jeito dos defesas da oposição, e a irrupção na grande área política de um defesa lateral, ou mesmo colateral, por muito desajeitada que seja, causa sempre perturbação na equipa adversária.

Embora o lance fosse uma surpresa, o passe foi muito denunciado, pois desde há muito que aquela jogada tem sido ensaiada com resultados cada vez menos credíveis. Retoma e aumento do emprego são matérias que passaram para as calendas gregas. Todavia foi uma novidade na equipa governativa, depois do desastre que tem sido um dos avançados onde se depositavam mais esperanças, o ponta de lança Mário Lino, andar a marcar golos na própria baliza. O próprio Manuel Pinho não acerta uma: ou chuta no vazio, ou atira a bola para o pinhal. Já consultaram os melhores ortopedistas, porque se julga que ele tenha os pés tortos.

Foi a táctica possível por um Sócrates em desespero, porquanto Freitas do Amaral só actua em zonas inesperadas do relvado. No seu sector demarca-se completamente e nenhuma bola o encontra. Ainda ontem disse que não tinha nada a ver com as afirmações do seu secretário de Estado, Cravinho filho, sobre a UNITA.

Enfim ... o fim de semana vem aí e com ele o futebol ...

Publicado por Joana às 07:32 PM | Comentários (171) | TrackBack

novembro 10, 2005

Tiro no Pé

Falemos claro: o OE 2006 é um orçamento que assenta em hipóteses frágeis que dificilmente se irão realizar, como, por exemplo, nas previsões sobre a variação das exportações (+ 5,7%), quando em 2005 a variação das exportações foi de + 1,2%. Não aproveita a possibilidade de haver uma forte corrente na opinião pública favorável a cortes na Despesa e de os sindicatos do sector público estarem isolados perante a sociedade civil. E continua a ter a vertigem da receita, aumentando o ónus fiscal e diminuindo a nossa competitividade por via disso. Finalmente o Governo não promete reduzir o défice de 6,2% para 4,8%, mas sim de 6,2% para 5,9%, porquanto as privatizações concorrem com 1,1% do PIB.

Falemos ainda mais claro: se neste OE a contracção na Despesa é mínima, nos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes ela não existiu. Esses governos congelavam vencimentos e cortavam na Despesa e esta subia sempre. E para manterem o défice no patamar fatídico dos 3% recorreram a aumentos de impostos e às receitas extraordinárias. Portanto, Marques Mendes pisava um terreno muito pouco sólido quando atacou o OE 2006 pela via do aumento de impostos e da baixa contenção da Despesa. Pois se o governo de que Marques Mendes fazia parte teve que aumentar os impostos e nem sequer conseguiu conter a Despesa Pública de uma forma sustentável!

Por isso, Sócrates estava à vontade para afirmar que "Pela primeira vez nos últimos anos a despesa desce", o que constituía uma crítica à actuação dos anteriores governos e, igualmente, de Marques Mendes.

O que Marques Mendes deveria ter dito era: Meus senhores, vocês têm uma situação mais favorável que aquela com que nos confrontámos; como vocês não estão na oposição, a capacidade de protesto social é quase nula; a UE deu-vos uma moratória a que nós não tivemos direito, portanto seria de exigir que vocês fizessem melhor que nós. Ora isto é insuficiente. E deveria assinalar as fragilidades do OE que podem comprometer os valores dos principais parâmetros.

Em vez disso envolveu-se em questões menores e arriscadas para ele, trouxe à colação a questão das SCUT’s que é uma questão insolúvel, como eu aqui já frisei diversas vezes, enganou-se nos números (o que poderá ser um bom prenúncio para ele, atendendo ao precedente Guterres), falou da OTA e do TGV(*) como projectos faraónicos inventados por este governo, quando são projectos que todos os últimos governos têm trazido ao colo e inscrito as respectivas verbas nos seus orçamentos, etc.

Finalmente, o PSD não pode, numa primeira leitura, declarar que o OE 2006 é "globalmente positivo" para agora, durante o debate final, o considerar "globalmente negativo" e votar contra. Houve alguma coisa referente ao OE 2006 que mudou entretanto? Que eu saiba não. Marques Mendes prestou-se, desnecessariamente ao remoque de Sócrates "Os senhores é que são globalmente inconstantes". Enfim … um desastre.


(*) Insisto novamente em que a questão OTA é totalmente diferente da do TGV. A OTA é uma solução que atenta contra as preferências dos utentes, que não vai ter a procura que esperam, e onde há soluções alternativas mais económicas e mais satisfatórias para os utentes. O TGV (refiro-me à ligação Lisboa-Badajoz) desde que seja projectado como deve ser, pode ser um factor estruturante muito importante para o nosso país. O TGV Lisboa-Porto é desnecessário porque se o Alfa funcionasse como deveria, a diferença de tempos de percurso seria cerca de meia hora, o que não tem significado.

Sobre estas questões, ler:
Consenso Orçamental

Fragilidades do OE 2006

Benefício ou Prejuízo da Dúvida

A Vertigem da Receita

Ou consultar, no arquivo ao lado a secção Economia Portuguesa

Publicado por Joana às 06:45 PM | Comentários (89) | TrackBack

novembro 03, 2005

O (Mau) Estado do País

1 – O caso Jorge Coelho é o exemplo da justiça quarto-mundista que temos. Em primeiro lugar, a busca feita em casa de Jorge Coelho nunca deveria ter chegado ao domínio público. A presunção de inocência obriga a que estas questões sejam tratadas com discrição. Em segundo lugar é completamente despropositado o comunicado da Procuradoria-Geral da República garantindo que o dirigente socialista não é suspeito. Se não havia suspeitas o que foi a PJ fazer a casa de Jorge Coelho? Se lá foi é porque tinha um mandato de busca e se esse mandato foi emitido é porque havia suspeitas, fundadas ou não. Ou seja, o estado desgraçado da justiça obriga-a a cometer erros sucessivos, cada um tentando servir de camuflagem ao erro anterior.

Se o caso não tivesse transitado para o domínio público, a PGR não se veria obrigada, dado o protagonismo político do visado, a emitir um comunicado despropositado e que a compromete com os resultados de uma investigação que ainda está em curso.

2 – O secretário de Estado da Administração Pública, João Figueiredo, afirmou ontem, em entrevista ao Jornal de Negócios, que os funcionários públicos com mais de 60 anos vão ter mais dias de férias e que esta medida seria uma forma de compensar o aumento da idade de reforma para os 65 anos. Esta medida, a ir avante, vai ao arrepio de todas as intenções anunciadas pelo governo e que têm servido de base às políticas seguidas. O governo anunciou a convergência dos diversos sistemas como medida de justiça social. Então agora vai introduzir diferenciações entre público e privado quanto a dias de férias? E sob a alegação que se trata de uma compensação?

Se o fizer dá à sociedade civil uma indicação que a convergência dos sistemas não era uma medida de justiça social, com coerência, mas apenas uma medida avulsa destinada a poupar dinheiro.

Se o governo queria fazer cedências, que o fizesse no número de anos que dura o período de convergência ou em qualquer outra área das medidas que tomou. Nunca introduzindo novas diferenciações entre público e privado.

Não ter em conta os efeitos colaterais das medidas que tomam é o pecado mortal dos nossos governos. A tentação para a asneira é irrevogável e fatal.

3 – Já aqui escrevi diversas vezes que o aumento dos impostos é uma medida perversa: Diminui a competitividade da economia e o aumento da massa colectável é sempre inferior às expectativas, quer por travagem da actividade económica (perda social - o peso morto), quer pelo “Efeito Say” – Um imposto exagerado faz decrescer a base sobre que incide. Demasiado imposto mata o imposto. O aumento do imposto é como um balde com um buraco no fundo. Enchem-no, mas quando chega aos cofres do Estado, parte já se escoou irremediavelmente. As autoridades descobriram agora que a subida do preço do tabaco está a provocar um aumento da criminalidade associada ao transporte de maços de cigarros. Ainda não descobriram, mas lá chegarão, que o contrabando do tabaco deve ter igualmente subido. Ou seja, o aumento de imposto aumenta sempre a fuga ao imposto, pelos mais variados processos, porque o aumento da carga fiscal torna mais atractivo correr o risco de infringir a lei. Os prevaricadores não farão estudos de viabilidade económica segundo as boas regras da arte, mas têm o feeling suficiente para avaliar o rácio benefício-custo de enveredarem por uma actividade fraudulenta.

Para além do aumento da fuga ao imposto, há o aumento de despesa para aperfeiçoar a fiscalização, combater o aumento da criminalidade, etc. Ou seja, as receitas são inferiores às expectáveis e há despesas adicionais geradas pela medida.

Portanto, mesmo quando se aumenta a carga fiscal sobre bens sobre os quais há um relativo consenso social, como o caso do tabaco, há efeitos perversos que contrariam a vontade do legislador. O nível fiscal sobre o tabaco não depende de critérios de saúde pública, mas do equilíbrio entre arrecadação de receitas, de um dos lados da balança, e evasão fiscal e aumento do custo do combate à criminalidade, no outro prato da balança.

4 – Como havia previsto, a cimeira de Hampton Court não deu em nada. Blair adoptou a divisa: já que não os podes convencer, deixa tudo na mesma. A Europa continental mais desenvolvida (e não só … basta ver Portugal) está enredada nos mitos que construiu durante meio século, percebe que algo terá que mudar, mas receia mexer no que quer que seja. Números agora divulgados pelo departamento do Trabalho dos EUA mostram que produtividade dos trabalhadores norte-americanos aumentou 4,1% no terceiro trimestre deste ano, superando as previsões dos analistas, enquanto os custos de trabalho caíram 0,5%. O aumento dos custos de energia levou as empresas americanas a apostarem em medidas de aumento de eficiência na utilização dos recursos. Enquanto isso a economia europeia crescerá 1% este ano, a britânica crescerá acima dos 2%, a americana superará provavelmente os 4% e a chinesa atingirá os 7,5%. Quanto ao desemprego a situação é semelhante. O desemprego na Zona Euro é o dobro do desemprego no Reino Unido e bastante superior ao desemprego nos EUA. E a diferença é abissal no que toca à duração médio do desemprego. Este é um cenário que se repete há vários anos. A Europa artrítica do eixo franco-alemão mais a Itália e outros sócios menores não é sensível a este cenário tenebroso. Prefere zelar pelos direitos adquiridos. Esquece-se que os direitos adquiridos não são eternos. Duram enquanto houver dinheiro para os pagar. Aliás, muitos já não têm direitos adquiridos – estão no desemprego. Um Estado que se diz social e que gera mais desemprego, é uma contradição.

Publicado por Joana às 08:59 PM | Comentários (34) | TrackBack

outubro 23, 2005

Os Poderes do Presidente

Bizantinices eram os debates fúteis e furiosos a que se entregavam as elites e a população de Bizâncio, em vez de resolverem as tarefas urgentíssimas que tinham pela frente, entre elas a de conterem a ameaça turca. E continuaram esses debates estéreis enquanto os turcos já assediavam a cidade. A palavra bizantinice alargou entretanto o seu conteúdo semântico às discussões fúteis a que se entregam elites e povos quando, incapazes de resolverem o essencial, se deixam fascinar pelo supérfluo. Por exemplo, a questão dos poderes presidenciais, é uma bizantinice.

A actual constituição prevê um sistema híbrido, cuja delimitação nem sempre é rigorosa e que se tem prestado a interpretações e coabitações diversas. Basta lembrar o último mandato de Soares, que foi passado a criar embaraços a Cavaco Silva, ou as relações de Sampaio com Santana, que depois de lhe condicionar o elenco do executivo, o empossou com um discurso destabilizador, armadilhou-lhe o percurso governativo e levou-o à demissão na altura que julgou adequada. Conferir mais poderes ao presidente irá criar mais situações de conflitualidade, numa altura em que o país precisa de estabilidade.

Dar mais poderes implicaria o PR assumir tarefas governativas. É compreensível que, na crise em que o país está imerso e na falta de confiança que o povo tem na classe política, surjam tentações de apostar numa autoridade forte, com capacidade de decisão. Todavia, comprometer outro órgão de soberania nas tarefas da governação é banalizá-lo progressivamente.

O eleitorado tem tendência a privilegiar o curto prazo e em evitar soluções que prejudiquem os seus interesses mais imediatos. Neste entendimento, a aposta num maior presidencialismo não decorre de uma visão racional da vida política e democrática, mas de um messianismo que se revelaria estéril e contraproducente para a solução dos problemas nacionais. Estéril porque logo que o PR fosse implicado na tomada de decisões governativas, deixaria de ser o Messias e passaria à figura banal de ser mais um governante cuja imagem se degradaria quotidianamente nos painéis de sondagens.

O PR, actualmente, em matéria de decisões governamentais, é uma Vestal da política. Assim que se assumir como decisor governativo, perde a virgindade política. Sai do Templo de Vesta e cai na Rua do Benformoso.

A capacidade de intervenção do PR em matéria governativa deve fazer-se de forma indirecta, pela chamada “magistratura de influência”. Apenas isto. Mais do que isso seria criar dois órgãos com os mesmos poderes e igualmente legítimos, cuja coabitação se poderia revelar conflituosa.

O povo português tem que se convencer que escolher uma maioria, e portanto um governo, implica responsabilidades. E responsabilidades mútuas. Essa maioria deve resolver os problemas do país e o eleitorado deve ser responsabilizado pela decisão que tomou. O eleitorado vira-se para o messianismo como para uma varinha mágica. O eleitorado quer tomar uma decisão e acordar no dia seguinte com os problemas do país resolvidos, sem ter que passar pela via dolorosa das medidas que irão solucionar esses problemas.

O povo português tem que se convencer que terá que ser ele próprio a criar condições para resolver os seus próprios problemas. Nesse entendimento, nestas eleições, deverá escolher o PR que assegure que usará a sua magistratura para criar um clima de estabilidade e credibilidade nas instituições e que agirá no sentido de corroborar, ou de influenciar, se for caso disso, a tomada de decisões que sejam positivas para a saída da crise. Mas não deve esperar, nem pretender, mais que isso.

Não quero com isto afirmar que a questão do regime deva estar encerrada. De forma alguma. Mas a questão do regime, como outras que envolvam matérias constitucionais, ou simplesmente legais, devem ser dirimidas de cabeça fria, sem a pressão dos acontecimentos. A actual questão da possibilidade do aumento dos poderes presidenciais pôs-se mercê do clima de depressão política e social que o país atravessa. E esse clima não é propício a soluções constitucionais ou legais satisfatórias e coerentes.

Colocar agora esta questão, é uma bizantinice.

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outubro 13, 2005

Prescrever Morfina ao Estado Terminal

Os próceres dos partidos políticos com assento na AR mostraram ontem uma enorme preocupação pelas candidaturas independentes e “pela emergência de um populismo autoritário que provoca o Estado de direito”, pois que “constituem um factor de desconfiança nas instituições”. Os partidos com assento na AR não mostraram preocupações pela situação de descrédito a que chegaram os políticos, a Justiça e as instituições. A sua preocupação é que as candidaturas independentes possam avivar essa situação de descrédito. Os próceres políticos devem ter desistido de curar as maleitas do Estado. Limitam-se a prescrever morfina para iludir o sofrimento.

As intervenções de ontem na AR mostraram duas tentações que se complementam. Uma, é a de tentar assegurar aos partidos o monopólio de intervenção política. Essa tentativa é feita em nome dos imortais princípios de evitar a “emergência de um populismo autoritário que provoca o Estado de direito” e a “desconfiança nas instituições”. Outra é “aprimorar o regime de inelegibilidades e impedimentos” para “devolver a credibilidade à acção política”, impedindo o aparecimento de candidatos que “não cumprem as suas obrigações com a justiça”.

A primeira tentação filia-se na hipocrisia da classe política e no seu receio de perder o monopólio dos empregos políticos que todos usufruem, sem excepção, embora num grau que depende dos lugares que ocupam no poder central e autárquico. Perca de monopólio que iria acarretar a prazo uma perda de influência política e um eventual reordenamento do espectro partidário. E os “insiders” querem, a todo o custo evitar que tal possa ocorrer.

A segunda tentação pode revelar-se perversa porque conduz à instrumentalização da justiça com objectivos políticos. Os ziguezagues do processo Casa Pia, provocados pela interferência da classe política, é o caso mais recente. Mas existem numerosos exemplos, nas últimas décadas, em que processos judiciais foram utilizados como armas de arremesso político. Por outro lado, pessoas podem ser constituídas arguidas nas vésperas de actos eleitorais, por denúncias não fundamentadas, falsas, ou interpretadas cavilosamente por agentes judiciais, denúncias que depois não têm sequência, mas que numa primeira fase podem impedir essas pessoas de se candidatarem.

E a perfídia desta tentação de instrumentalização política através da justiça é que ela se refere apenas aos candidatos independentes. Os candidatos do sistema estão fora desta fúria justicialista. Por exemplo, a candidata PSD por Leiria e a candidata BE por Salvaterra estavam constituídas arguidas, mas ninguém se ralou com isso, tirando uma intervenção apenas destinada, infrutiferamente, a meter na ordem a obsessão predicante do BE. A “crise profunda de valores” resulta apenas de candidatos independentes a contas com a justiça. São estes que têm que ser impedidos de concorrer para “devolver a credibilidade à acção política”. Os candidatos partidários constituídos arguidos não provocam qualquer “crise profunda de valores”, nem falta de “credibilidade da acção política”.

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outubro 12, 2005

E agora, Sócrates?

O recuo autárquico do PS face à sua derrota humilhante de 2001 e o desmoronar das expectativas criadas pelos resultados das legislativas têm sido interpretados em numerosos quadrantes, com especial ênfase entre os comunistas, que apostaram forte no voto de protesto, como a rejeição eleitoral da política do Governo de Sócrates. Este raciocínio linear é um erro e a sua aceitação como bom seria perversa e poderia revelar-se calamitosa para o futuro do país. Pelo menos mais calamitosa que a continuação da actual política.

Em primeiro lugar, e como já referi aqui várias vezes, estas eleições eram para as autarquias e as derrotas foram, essencialmente, dos candidatos escolhidos ou que se escolheram. Isto é evidente em muitos casos, com especial relevo para MM Carrilho, João Soares, Rui Barreiro (Santarém) e outros. No caso dos dois primeiros constituiu mesmo uma vitória “interna” de Sócrates sobre dois potenciais adversários que caminham irreversivelmente para a liquidação política.

O grande derrotado do PS foi Jorge Coelho. Ele era o coordenador autárquico e das escolhas dos candidatos e foi ele o responsável pelas expectativas delirantes criadas nas hostes socialistas e amplificadas pela comunicação social. Mas a derrota de Jorge Coelho, ao fragilizá-lo, também é positiva para Sócrates, na correlação de forças dentro do PS. No Governo houve uma derrotada – a Ministra da Cultura, cuja empáfia antipática e obtusa deve ter trazido muitos dividendos a Rui Rio (para além da própria fragilidade de Assis).

Em segundo lugar uma legislatura é para durar quatro anos. Um Governo, nomeadamente quando tem que tomar medidas duras por via da situação financeira e económica em que o país se encontra, não pode ser despedido ao fim de 6 meses, porque as pessoas não estão a gostar do incómodo que essas medidas causam. O Governo tem que ser julgado pelas medidas que toma e pelo resultado dessas medidas. Para isso é necessário tempo.

A política de Sócrates, até à data, tem-se pautado pelo ataque às mordomias e às situações de privilégio de sectores da função pública, ataque que tem em comum a exasperação dos sectores atingidos, o concitar o apoio generalizado do resto do corpo social e ter efeitos diminutos sobre a Despesa Pública e sobre o funcionamento do sector público. Ou seja, tem havido muita pirotecnia, mas pouca substância. A queda de popularidade do Governo não é por tomar medidas difíceis. É por tomar medidas insuficientes e ter um comportamento desastrado quer na implementação das medidas, quer na sua ânsia de distribuir sinecuras por amigos, compadres e clientela política. Um Governo que gere uma situação de crise tem que dar um exemplo de contenção. Infelizmente não é isso que tem acontecido.

Os problemas da Justiça são gravíssimos, mas não têm a ver com a questão das férias judiciais, embora essa ideia tenha sido transmitida, de forma subliminar, à opinião pública. Muitos dos problemas nem sequer têm a ver com o próprio (péssimo) funcionamento da Justiça, pois resultam de legislação complexa e contraditória e de procedimentos legais que só servem para dilação dos prazos. Ou seja, o Governo tem que agir sobre o funcionamento daquele sector e sobre o edifício legal.

Na questão do ensino, a obrigatoriedade da permanência dos professores na escola, a exemplo do que sucede nos outros países, é uma medida justa mas que se for aplicada de forma atrabiliária arrisca-se a tornar-se letra morta. A maioria das escolas não tem, de momento, condições logísticas que permitam que os professores permaneçam na escola a exercer uma actividade útil. Não é fácil passar de imediato de 22 horas (sem falar dos professores com redução de horário) para as 35 horas. Também bole com os compromissos pessoais e familiares dos professores. Muitos tinham a sua vida organizada em face de um determinado horário e, de um momento para o outro, tudo é alterado. Parecia-me preferível que esta alteração fosse faseada em dois anos, de forma a permitir que escolas e professores se adequassem à nova situação. Provavelmente é isso (ou muito pior) que vai acontecer na prática. Todavia, os problemas do ensino não se resolvem apenas com estas medidas. Nós temos dois problemas: um ensino que é o pior da Europa e um ensino que é um dos mais caros da Europa.

Não se conhece a política de contenção de despesa no sector da saúde (se é que ela existe), um dos maiores sorvedouros de dinheiro do Sector Público. Portugal tem um sector de saúde completamente ineficiente, de que uma parte importante da população não se serve, dada a sua má qualidade (com algumas, poucas, honrosas excepções), mas que consome uma parte substancial da riqueza pública. O Governo está emparedado entre o ícone ideológico da estatização da Saúde e a realidade prática de um sistema em roda livre, ineficiente e financeiramente descontrolado. O Ministro da Saúde, que na oposição era um comunicador nato, eclipsou-se entretanto.

Os dados que existem sobre a evolução da despesa pública e das nossas contas com o exterior são assustadores. Felizmente que, ultimamente, não têm vindo dados a lume – o Governo não deve ter querido preocupar os portugueses enquanto estes estavam empenhados na campanha e pré-campanha para as autarquias. Cada coisa de sua vez. Mas agora vão ser disponibilizados dados mais recentes, porquanto o OE 2006 é apresentado na próxima 6ª feira. Pelos dados existentes, a nossa conta com o exterior (corrente e de capital) entre Janeiro e Julho agravou-se, face ao ano anterior, 52% (-4 343 milhões de euros para -6 619 milhões de euros) e tudo indica que se tenha continuado a agravar. Segundo a DGO, o défice da Administração Central até Agosto teria aumentado 24,6%. Como o défice da Administração Local deve ter aumentado, por influência da fúria “obreirista” das vésperas eleitorais, é de esperar o pior no que respeita à evolução da Despesa Pública.

Portugal não pode dar-se ao luxo de aumentar os impostos. Os países da Europa do “nosso campeonato” têm uma carga fiscal menor que a nossa. A Espanha é um deles. Apesar disso, o governo espanhol já anunciou que vai reduzir os impostos para as empresas e para os contribuintes individuais no Orçamento de 2006. Os países do Leste da Europa enveredaram por sistemas simplificados de impostos, como a flat-tax, por exemplo, que lhes está a permitir acelerar a competitividade, enquanto nós estagnamos.

Portanto nós temos que reduzir a Despesa Pública. Todavia essa redução é um problema complexo. Há a administração central, mas também há a administração local e regional. O emagrecimento da administração central (em paralelo com a sua requalificação) é urgente, mas não é possível esquecer a administração local cuja necessidade de emagrecimento é porventura maior. Essa tarefa incumbe às autarquias, mas elas não estão dispostas a fazê-lo, a menos que sejam obrigadas a isso através do corte do financiamento central.

Outra vertente é a das compras e fornecimentos de terceiros. Têm que se estabelecer procedimentos que assegurem que as aquisições são mesmo necessárias, são aquelas e se fazem ao melhor preço. Esses procedimentos só são viáveis com uma administração requalificada e eficiente. Outra vertente a rever é a política de outorga de subsídios. O país gasta generosamente o dinheiro dos contribuintes para subsidiar artistas que produzem espectáculos para se verem entre si. Quem é juiz sobre se os espectáculos têm qualidade e/ou interesse é o público e não o Estado. Mesmo que se ache que o público possa não ser um bom juiz, o Estado será certamente pior, pois não resiste ao compadrio sob diversas formas.

O Governo tem muito que trabalhar se quiser equilibrar as contas públicas e criar as condições para melhorar a competitividade do sector privado. Essas condições criam-se com um sistema fiscal de melhor qualidade e menos oneroso, mas também com menor intervenção do Estado. O Estado tem que alienar algumas empresas públicas que ainda detém e imiscuir-se menos na actividade económica. Tem que regular a actividade no sentido de impedir estratégias anti-concorrenciais, mas não deve assumir o papel de “segurador” dos agentes económicos. Esse papel perverte as mentalidades empresariais, distorce a concorrência e prejudica a economia globalmente.

A ideia que este Executivo dá, ao fim de quase 8 meses de governação é que não tem uma estratégia definida, não tem uma ideia do que pretende para o país, e vive à mercê da evolução das contas das Finanças Públicas, retocando o défice com medidas avulsas, com muita pirotecnia mas sem grande substância. É este estilo que tem que ser invertido, sob pena do Governo continuar, até ao fim da legislatura, a tomar medidas impopulares, sem resultados visíveis e com o país em empobrecimento contínuo.

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E agora, Sócrates?

O recuo autárquico do PS face à sua derrota humilhante de 2001 e o desmoronar das expectativas criadas pelos resultados das legislativas têm sido interpretados em numerosos quadrantes, com especial ênfase entre os comunistas, que apostaram forte no voto de protesto, como a rejeição eleitoral da política do Governo de Sócrates. Este raciocínio linear é um erro e a sua aceitação como bom seria perversa e poderia revelar-se calamitosa para o futuro do país. Pelo menos mais calamitosa que a continuação da actual política.

Em primeiro lugar, e como já referi aqui várias vezes, estas eleições eram para as autarquias e as derrotas foram, essencialmente, dos candidatos escolhidos ou que se escolheram. Isto é evidente em muitos casos, com especial relevo para MM Carrilho, João Soares, Rui Barreiro (Santarém) e outros. No caso dos dois primeiros constituiu mesmo uma vitória “interna” de Sócrates sobre dois potenciais adversários que caminham irreversivelmente para a liquidação política.

O grande derrotado do PS foi Jorge Coelho. Ele era o coordenador autárquico e das escolhas dos candidatos e foi ele o responsável pelas expectativas delirantes criadas nas hostes socialistas e amplificadas pela comunicação social. Mas a derrota de Jorge Coelho, ao fragilizá-lo, também é positiva para Sócrates, na correlação de forças dentro do PS. No Governo houve uma derrotada – a Ministra da Cultura, cuja empáfia antipática e obtusa deve ter trazido muitos dividendos a Rui Rio (para além da própria fragilidade de Assis).

Em segundo lugar uma legislatura é para durar quatro anos. Um Governo, nomeadamente quando tem que tomar medidas duras por via da situação financeira e económica em que o país se encontra, não pode ser despedido ao fim de 6 meses, porque as pessoas não estão a gostar do incómodo que essas medidas causam. O Governo tem que ser julgado pelas medidas que toma e pelo resultado dessas medidas. Para isso é necessário tempo.

A política de Sócrates, até à data, tem-se pautado pelo ataque às mordomias e às situações de privilégio de sectores da função pública, ataque que tem em comum a exasperação dos sectores atingidos, o concitar o apoio generalizado do resto do corpo social e ter efeitos diminutos sobre a Despesa Pública e sobre o funcionamento do sector público. Ou seja, tem havido muita pirotecnia, mas pouca substância. A queda de popularidade do Governo não é por tomar medidas difíceis. É por tomar medidas insuficientes e ter um comportamento desastrado quer na implementação das medidas, quer na sua ânsia de distribuir sinecuras por amigos, compadres e clientela política. Um Governo que gere uma situação de crise tem que dar um exemplo de contenção. Infelizmente não é isso que tem acontecido.

Os problemas da Justiça são gravíssimos, mas não têm a ver com a questão das férias judiciais, embora essa ideia tenha sido transmitida, de forma subliminar, à opinião pública. Muitos dos problemas nem sequer têm a ver com o próprio (péssimo) funcionamento da Justiça, pois resultam de legislação complexa e contraditória e de procedimentos legais que só servem para dilação dos prazos. Ou seja, o Governo tem que agir sobre o funcionamento daquele sector e sobre o edifício legal.

Na questão do ensino, a obrigatoriedade da permanência dos professores na escola, a exemplo do que sucede nos outros países, é uma medida justa mas que se for aplicada de forma atrabiliária arrisca-se a tornar-se letra morta. A maioria das escolas não tem, de momento, condições logísticas que permitam que os professores permaneçam na escola a exercer uma actividade útil. Não é fácil passar de imediato de 22 horas (sem falar dos professores com redução de horário) para as 35 horas. Também bole com os compromissos pessoais e familiares dos professores. Muitos tinham a sua vida organizada em face de um determinado horário e, de um momento para o outro, tudo é alterado. Parecia-me preferível que esta alteração fosse faseada em dois anos, de forma a permitir que escolas e professores se adequassem à nova situação. Provavelmente é isso (ou muito pior) que vai acontecer na prática. Todavia, os problemas do ensino não se resolvem apenas com estas medidas. Nós temos dois problemas: um ensino que é o pior da Europa e um ensino que é um dos mais caros da Europa.

Não se conhece a política de contenção de despesa no sector da saúde (se é que ela existe), um dos maiores sorvedouros de dinheiro do Sector Público. Portugal tem um sector de saúde completamente ineficiente, de que uma parte importante da população não se serve, dada a sua má qualidade (com algumas, poucas, honrosas excepções), mas que consome uma parte substancial da riqueza pública. O Governo está emparedado entre o ícone ideológico da estatização da Saúde e a realidade prática de um sistema em roda livre, ineficiente e financeiramente descontrolado. O Ministro da Saúde, que na oposição era um comunicador nato, eclipsou-se entretanto.

Os dados que existem sobre a evolução da despesa pública e das nossas contas com o exterior são assustadores. Felizmente que, ultimamente, não têm vindo dados a lume – o Governo não deve ter querido preocupar os portugueses enquanto estes estavam empenhados na campanha e pré-campanha para as autarquias. Cada coisa de sua vez. Mas agora vão ser disponibilizados dados mais recentes, porquanto o OE 2006 é apresentado na próxima 6ª feira. Pelos dados existentes, a nossa conta com o exterior (corrente e de capital) entre Janeiro e Julho agravou-se, face ao ano anterior, 52% (-4 343 milhões de euros para -6 619 milhões de euros) e tudo indica que se tenha continuado a agravar. Segundo a DGO, o défice da Administração Central até Agosto teria aumentado 24,6%. Como o défice da Administração Local deve ter aumentado, por influência da fúria “obreirista” das vésperas eleitorais, é de esperar o pior no que respeita à evolução da Despesa Pública.

Portugal não pode dar-se ao luxo de aumentar os impostos. Os países da Europa do “nosso campeonato” têm uma carga fiscal menor que a nossa. A Espanha é um deles. Apesar disso, o governo espanhol já anunciou que vai reduzir os impostos para as empresas e para os contribuintes individuais no Orçamento de 2006. Os países do Leste da Europa enveredaram por sistemas simplificados de impostos, como a flat-tax, por exemplo, que lhes está a permitir acelerar a competitividade, enquanto nós estagnamos.

Portanto nós temos que reduzir a Despesa Pública. Todavia essa redução é um problema complexo. Há a administração central, mas também há a administração local e regional. O emagrecimento da administração central (em paralelo com a sua requalificação) é urgente, mas não é possível esquecer a administração local cuja necessidade de emagrecimento é porventura maior. Essa tarefa incumbe às autarquias, mas elas não estão dispostas a fazê-lo, a menos que sejam obrigadas a isso através do corte do financiamento central.

Outra vertente é a das compras e fornecimentos de terceiros. Têm que se estabelecer procedimentos que assegurem que as aquisições são mesmo necessárias, são aquelas e se fazem ao melhor preço. Esses procedimentos só são viáveis com uma administração requalificada e eficiente. Outra vertente a rever é a política de outorga de subsídios. O país gasta generosamente o dinheiro dos contribuintes para subsidiar artistas que produzem espectáculos para se verem entre si. Quem é juiz sobre se os espectáculos têm qualidade e/ou interesse é o público e não o Estado. Mesmo que se ache que o público possa não ser um bom juiz, o Estado será certamente pior, pois não resiste ao compadrio sob diversas formas.

O Governo tem muito que trabalhar se quiser equilibrar as contas públicas e criar as condições para melhorar a competitividade do sector privado. Essas condições criam-se com um sistema fiscal de melhor qualidade e menos oneroso, mas também com menor intervenção do Estado. O Estado tem que alienar algumas empresas públicas que ainda detém e imiscuir-se menos na actividade económica. Tem que regular a actividade no sentido de impedir estratégias anti-concorrenciais, mas não deve assumir o papel de “segurador” dos agentes económicos. Esse papel perverte as mentalidades empresariais, distorce a concorrência e prejudica a economia globalmente.

A ideia que este Executivo dá, ao fim de quase 8 meses de governação é que não tem uma estratégia definida, não tem uma ideia do que pretende para o país, e vive à mercê da evolução das contas das Finanças Públicas, retocando o défice com medidas avulsas, com muita pirotecnia mas sem grande substância. É este estilo que tem que ser invertido, sob pena do Governo continuar, até ao fim da legislatura, a tomar medidas impopulares, sem resultados visíveis e com o país em empobrecimento contínuo.

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setembro 27, 2005

Escolhas Simples

Não há escolhas múltiplas na política portuguesa: Socialistas e conservadores revelam-se estatizantes convictos, na oposição, e liberais à força e envergonhados, no Governo. Há diferenças: entre os socialistas o liberalismo é diabolizado, sempre, enquanto o socialismo é metido na gaveta durante a governação; entre os conservadores o liberalismo faz parte do seu inventário (pelo menos em algumas áreas), mas está prudentemente fechado na gaveta, com receio de causar alarido público. Marques Mendes está a fazer uma campanha eleitoral clamando por investimento público e exigindo saber, antes das eleições autárquicas, os números do OE2006, para criticar os eventuais cortes na despesa pública. Marques Mendes meteu o liberalismo na gaveta, se é que alguma vez o tirou de lá.

As próximas eleições destinam-se às autarquias. É evidente que o OE2006 condicionará a despesa autárquica, mas esse condicionamento não será afectado (ou pelo menos não o deveria ser) pelo resultado das eleições, porquanto estas não irão afectar a composição da AR. O Governo actual sabe que terá de fazer um OE de contenção e todos os que desejam o melhor para o país esperam que essa contenção se faça unicamente do lado da despesa. Tentar que haja interacção entre os resultados das autárquicas e o OE2006 é uma forma perversa de encarar a democracia. Sou favorável a que se cumpram as legislaturas. Sempre fui. Esse cumprimento implica que os resultados das outras eleições – autárquicas, europeias e presidenciais – não condicionem, nem sejam usados para condicionar a política do governo. Aliás, sobre esta matéria, Marques Mendes não pode mudar de parecer, consoante está no Governo ou na oposição.

Este Governo tem gerido uma política de eliminação de alguns privilégios com incidência na despesa, temperando-a com demagogia. O caso mais típico foi o da redução das férias judiciais, criando na opinião pública a ilusão que eram as férias judiciais as responsáveis pelos atrasos dos processos, quando a questão da reforma da justiça em Portugal passa, em primeiro lugar, pela acção governamental na reforma dos procedimentos judiciais e, em segundo lugar, pela reforma da organização judicial, também da responsabilidade do Governo em conjunto com todo o pessoal da justiça.

Todavia, esse tempo está-se a esgotar. O Governo tem, obrigatoriamente, que passar a acções mais enérgicas e profundas de reestruturação do sector público. O Governo tem que diminuir a despesa pública, mas não pode fazer cortes às cegas. Os cortes terão que ser feitos em simultâneo com a reestruturação dos procedimentos e orgânicas internas. Sem isso, os únicos cortes que o Governo pode fazer é o congelamento dos salários e do investimento público. Simplesmente mesmo estas medidas têm limites. Não há organização que consiga funcionar, tendo os seus efectivos os salários congelados, independentemente do mérito de cada um. E há um investimento mínimo para a conservação da operacionalidade dos activos públicos.

Ou seja, deve ser dado ao Governo um prazo de 4 anos para ser julgado pela sua política (a menos que se tenha caído numa situação de ingovernabilidade evidente). Em contrapartida a oposição deve usar esse período para construir alternativas credíveis e viáveis que serão também objecto de julgamento no fim da legislatura. Neste entendimento, não me parece que Marques Mendes esteja a construir uma alternativa credível, ao ter contestado, e bem, durante a discussão do OE Rectificativo, que o principal esforço fosse do lado das receitas (aumento dos impostos) e não do lado da despesa, e agora, poucos meses volvidos, vir clamar pelo aumento da despesa pública, porque julga que isso lhe poderá trazer dividendos eleitorais, certamente efémeros.

Nem pode agora reclamar investimento público e, daqui a 3 semanas, debater o OE2006 exigindo a contenção da despesa. Um político credível não deve ter uma política nos dias pares e outra nos dias ímpares. O PS pode, na oposição, exigir mais despesa. Faz parte da lógica socialista malbaratar o dinheiro dos contribuintes. Não julgo prudente que Marques Mendes tente pescar nas águas ideológicas socialistas e faça, na oposição, o que o PS andou a fazer enquanto lá esteve. Não ganha nada com isso e só se descredibiliza.

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julho 22, 2005

Questão para o FdS

Pensem nas seguintes questões (ou na questão seguinte e respectivas variantes):

Até quando Portugal aguentará esta situação?

1 – Até à bancarrota do Estado e insolvabilidade das famílias sobre-endividadas, incapazes de suportarem os aumentos dramáticos das taxas de juro decorrentes indirectamente da falência do Estado? Que acontecerá então?

2 – Se puser termo a esta situação entretanto, como será? Cavaco ganha as presidenciais e ao fim de 6 meses (ou mais, dependendo do grau de apodrecimento da situação) dissolve a AR e convence os portugueses a aceitarem uma solução tecnocrata, de reestruturação profunda à irlandesa? Solução diabolizada como neoliberal, mas que levou à Irlanda tornar-se o 2º pais mais rico da Europa.

3 – As presidenciais são ganhas por um candidato da ala esquerda do PS e Portugal cai na miséria populista, mas igualitária, tipo América Latrina Guevarista? Neste caso as famílias não terão que pagar as dívidas, anuladas por decreto revolucionário, mas não terão acesso a bens de consumo, mesmo alimentares, pois o país nem alimenta 1/3 da população (nem agora, nem nunca). Não haverá problemas de poluição, porque como o país está insolvente, só compra “cash” e não vai importar crude, para além de 1 barril mensal que Chavez oferece a título de solidariedade internacionalista e proletária. As pensões de reforma serão substituídas pela sopa dos pobres.

4 – Outras soluções serão possíveis? Quais?

Publicado por Joana às 07:11 PM | Comentários (111) | TrackBack

Eu e Campos e Cunha

Campos e Cunha estava cansado e farto dos desconchavos dos seus colegas do Governo. Foi de férias. Eu estou cansada e farta dos desconchavos dos colegas de Campos e Cunha no Governo e dos lapsos de aritmética do próprio Campos e Cunha. Vou de férias.
Campos e Cunha foi substituído por um keynesiano serôdio. Não há liberalismos serôdios ou temporões. Não me vou substituir. Mas prometo produzir-me por aqui uma vez por outra (a menos que o roaming pregue alguma partida). E, para já, é apenas uma semana.

Publicado por Joana às 01:39 PM | Comentários (19) | TrackBack

julho 21, 2005

Confiança? Em quem?

Não sei se foi Sócrates que demitiu Campos e Cunha, se foi este que se quis demitir, ou se esta demissão resultou de um consenso entre ambos. Mas não me parece que esse facto seja relevante. A verdade é que as posições do ex-ministro em matéria de política económica e financeira, que coincidem, aliás, com as recomendações de Bruxelas, estão em contradição com as posições públicas de alguns ministro e com os pregões que o Arqui-1º-ministro, essa figura que é um paradigma do que há de mais abjecto e bacoco na classe política portuguesa, anda a fazer pelo país fora.

A saída de Campos Cunha ocorre depois do ministro demissionário ter escrito um artigo de opinião no «Público» no passado domingo em que colocava em causa algum do investimento público realizado em Portugal nos últimos anos e sugeria uma crítica implícita ao Programa de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias (PIIP) apresentado na semana passada pelo ministro Manuel Pinho. Muitos analistas poderão ver aqui uma relação de causa e efeito.

Eu preocupo-me mais pelo facto do anúncio da demissão ter ocorrido poucas horas depois de Bruxelas ter dado um prazo recorde de 3 anos para equilibrar as contas públicas e ter feito recomendações sobre a forma como tal deveria ser feito (pelo lado da despesa e não pelo aumento da carga fiscal) e chamado a atenção para o cuidado a ter com os investimentos públicos. Ou seja, Bruxelas deu o aval ao plano de 3 anos (embora monitorizado periodicamente) na presunção que as teses de Campos e Cunha constituíam os objectivos do Governo, ou seja, a importância da redução do défice de forma rápida, o dever de evitar operações financeiras que aumentem a dívida, o controlo da despesa, melhorando a sua qualidade e a garantia da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas.

Sócrates, empolgado, declarou imediatamente que tal era uma prova de confiança de Bruxelas no programa do Governo … e demitiu (ou deu azo a isso) o ministro que sustentava essa confiança. Aliás, à hora em que proferiu aquela alocução já saberia certamente da demissão do ministro. Resta saber se Bruxelas continua a confiar (embora publicamente, e antes da próxima avaliação do desempenho financeiro do Governo português, não possa, nem deva, pôr em causa essa “confiança”).

A presença de Campos e Cunha à frente das Finanças ficou marcada por algumas medidas de austeridade propostas para combater o défice (como o aumento da idade da reforma dos funcionários públicos, o congelamento das carreiras ou o aumento da taxa máxima do IVA), na origem de fortes protestos da oposição e sindicatos, apesar de, na minha opinião, ainda serem muito insuficientes. Aliás o próprio ministro já avisara publicamente que as medidas de contenção de despesa seriam aprofundadas no OE 2006, o que não deve ter agradado ao chefe dos boys, o Arqui-1º-ministro, mais preocupado com os resultados do PS nas autárquicas que com o futuro do país.

Essa presença também ficou marcada por situações que o fragilizaram politicamente. Os erros do OR 2005, que lhe deram o aspecto de um orçamento auto-regenerável, e a questão da reforma. Ser-se governante em Portugal exige uma profissão de fé no desapego aos bens terrenos e um certificado de indigência. Isso não invalida que a forma como é atribuída a pensão de reforma no sector público seja um escândalo e uma injustiça face ao sector privado. Mas é escândalo geral, que só toma proporções maiores quando os vencimentos em causa são elevados. Portanto, quando os sindicatos protestam contra a alteração do sistema de reforma da função pública, estão a querer manter uma situação que conduz a estes escândalos.

O substituto de Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, é um insider. Não tem a “pele de elefante” que Silva Lopes assegurava ontem ser essencial para um ministro das Finanças. Colaborou no despesismo guterrista, embora digam que ele é um especialista em Macroeconomia (!?), talvez menos por convicção do que por ser um factotum das chefias do aparelho. Não sei se a passagem dele por outras funções lhe trouxeram uma maior solidez e firmeza.

Esperemos para ver.

Publicado por Joana às 01:21 PM | Comentários (42) | TrackBack

julho 20, 2005

Double O' Zero

Mas não põe liminarmente de parte essa hipótese...?
Never say never. É um princípio fundamental da vida. My name's Amaral... Freitas do Amaral.

Publicado por Joana às 08:08 PM | Comentários (67) | TrackBack

junho 21, 2005

Ministros Saudáveis

É bom termos, pelo menos, um ministro com uma saúde de ferro. Ele e toda a sua família. Um executivo saudável é do que precisamos neste momento difícil, em que o país tanto necessita de uma equipa governativa robusta.
Ou pelo menos com tratamento VIP e prioritário no SNS.

Publicado por Joana às 11:27 AM | Comentários (11) | TrackBack

maio 01, 2005

Alguém me explica?

O Governo anunciou hoje a criação de centros de emprego móveis até ao final de Maio, após o Conselho de Ministros “descentralizado” em Amares. O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, descreveu estes centros de emprego móveis como "núcleos de intervenção rápida e personalizada”.

Alguém me explica? Trata-se de uma força de elite de intervenção rápida? Uma vítima fica no desemprego, faz uma chamada para o número de emergência e aparecem, rápidos como um relâmpago, ninjas especializados em luta anti-desemprego? Sócrates não andará a ver doses excessivas do Lusomundo ACTION?

Publicado por Joana às 07:46 PM | Comentários (28) | TrackBack

abril 27, 2005

Realizar com fé para estudar com fé

Ou como a fé move trapalhadas ...

Tinha que acontecer. Estou sem assunto. Mas para quê preocupar-me? O país está anestesiado, amodorrado no sofá, olhos fechados, imune a pensamentos complexos que perturbem a sua quietude. Espera que estas coisas bizarras da globalização, défice orçamental, deslocalizações passem e não dêem por ele. E vai-se anichando no sofá, almofada sobre a cabeça, tentando passar despercebido, à espera que a crise passe.

Está mesmo imune às trapalhadas. Ainda hoje o ministro da Administração Interna admitiu que o anunciado projecto de acompanhamento de operações policiais por elementos do Ministério Público pode ter resultado de um erro de interpretação jurídica do Governo sobre algumas competências da polícia. “Pode” ter resultado ... António Costa, com a experiência que se lhe reconhece, porquanto já havia sido ministro da Justiça de Guterres, vai continuar a estudar este assunto. Por isso advertiu que pode ter resultado de um erro de interpretação. Uma pessoa com o traquejo de António Costa em matérias de justiça, não comete erros ... foi apenas uma atrapalhação de momento.

Quando se falou na possibilidade de Bruxelas abrir, contra Portugal, um procedimento por défice excessivo, o comentário de Campos e Cunha foi "Não ficarei surpreendido". Campos e Cunha não foi interrogado na qualidade de analista de temas financeiros. Ele é o ministro das Finanças. Não se espera que um ministro das Finanças, em face de uma possibilidade de procedimento por défice excessivo, apenas nos revele os seus estados de alma, ou nos indique os valores da sua tensão arterial quando confrontado com a notícia. Esperava-se que revelasse as medidas que tencionava tomar. Atrapalhou-se ... provavelmente.

Já anteriormente, ou ele ou Sócrates (ou ambos) se haviam atrapalhado sobre a eventualidade de uma subida de impostos – um negando-a peremptoriamente e outro achando que “não ficaria surpreendido se tal acontecesse”.

Estava estabelecido como dado adquirido a realização de exames no 9º ano. A ministra, recentemente, lançou a confusão sobre esta matéria, “relativizando” o papel do exame. Tudo indica que este ano haverá mesmo exames. Para o ano ... logo se vê ... enfim ... uma trapalhada. Ontem foram lançadas algumas “ideias” completamente avulsas e outras (aumento do horário lectivo) que já não serão aplicadas este ano lectivo (que está perto do fim) e que a ministra espera que as pessoas se tenham esquecido (as escolas esquecer-se-ão seguramente) na reabertura do próximo ano lectivo. Trapalhadas ...

O Governo decidiu acabar com os hospitais SA e transformá-los em os hospitais EPE. Entretanto nomeou uma comissão para efectuar uma avaliação dos seus resultados. Expliquem-me uma coisa: não é normal, num processo decisório, estudar-se primeiro, fazer os diagnósticos e decidir no fim? Como é que se integra, nesse encadeamento lógico, decidir primeiro e estudar no fim.

Salazar disse num seu discurso, nos alvores do seu longo consulado, que deveríamos “Estudar com dúvida para realizar com fé”. Sabe-se como ele afinal acabou por “Estudar com fé para realizar com fé”. Sócrates inverteu os termos e decidiu-se a “Realizar com fé para estudar com fé”, porque depois de “Realizar com fé”, se estudasse “com dúvidas” poderia perder a “”. Assim sendo, terá que “estudar com fé”.

Trapalhadas ... Ainda bem que o país e a comunicação social estão amodorrados.

Publicado por Joana às 11:28 PM | Comentários (27) | TrackBack

abril 08, 2005

A Mão Invisível estrangula o PSD

O PSD está a agir como o empresário estilizado da Teoria Neoclássica. O seu objectivo é único – maximizar a percentagem eleitoral. As suas regras de cálculo são lineares – presumindo ter uma informação perfeita sobre a sua clientela política e interpretando liminarmente os sinais do mercado (as intenções de voto) julga ser conduzido a uma solução eleitoral óptima conseguindo um score eleitoral tal que o ganho político com o último voto seja igual ao custo político da transigência ideológica.

Este PSD (tal como o empresário da teoria neoclássica) reage de forma automática aos estimulantes. É um comportamento apriorístico, pois pode ser mecanicamente deduzido das características do enquadramento em que se move. Esta teoria política (ou microeconómica) reduz um partido (uma empresa) a um ponto sem espessura nem dimensão temporal, realizando continuamente ajustamentos imediatos e reagindo de forma automática a estímulos. Não é uma estrutura provida de ideologia, é uma bola de bilhar.

A Teoria Neoclássica é um instrumento de uma lógica maravilhosa, simples, maleável e de uma elegância matemática notável. Todavia só serve para explicar tendências gerais de comportamentos. Não serve para gerir empresas. A forma como se geram equilíbrios levou a que, antes das equações matemáticas os deduzirem, se criasse a metáfora da Mão Invisível para idealizar aquele processo. Mas metáforas, por muito sugestivas que sejam, não chegam para construir um projecto economicamente viável, ideologicamente sólido, socialmente coerente e politicamente corajoso. É preciso uma sólida base ideológica por detrás.

O empresário atomizado reagindo automaticamente a estímulos é uma abstracção para criar as equações de partida do sistema. Os modelos explicativos vão-se refinando à medida que são introduzidas variáveis, parâmetros, restrições, etc., adicionais e deverão ser interpretados tendo em conta as limitações dos mesmos. Por exemplo, uma empresa real tem que planear a sua actividade a longo prazo. Uma nova unidade industrial pode demorar 3 a 5 anos a ser construída e ter uma vida útil de 15 a 20 anos, portanto o decisor terá que interpretar o mercado de forma estratégica e a longo prazo, visto uma decisão que ele tomar agora só será validada pelo mercado ao longo da próxima década.

Do mesmo modo um dirigente político tem que analisar a sociedade, diagnosticar as suas necessidades e conceber e equacionar as soluções e tudo isto inserido num sistema coerente de ideias e valores adequado. E este “mercado” tem que ser avaliado a longo prazo e a estratégia estruturada e planeada a longo prazo. O político não pode reagir automaticamente a estímulos. Não pode planear as suas decisões como um empresário planeia uma nova linha de lingerie.

Ora o próximo congresso do PSD mostra que não existe no espectro político ali presente qualquer base ideológica relativa à liberdade do funcionamento da economia, à assumpção do risco, da inovação e da mobilidade, que é indispensável à tarefa de reformar o Estado e a sociedade portuguesa para os preparar para os desafios com que estão confrontados. Pelo contrário, sugestionados por uma análise superficial do “mercado”, recolhida na noite eleitoral, preparam-se para pescar nas mesmas águas turvas da política da ilusão consumista, no projecto da segurança medíocre e sem futuro do Estado asilo, que tem caracterizado a nossa vida económica e social na última década.

O posicionamento ideológico dos principais protagonistas deste congresso, de acordo com o Público (posicionamento cujas bases de cálculo ignoro o fundamento), está muito próximo dos actuais dirigentes do PS – estão no mesmo quadrante estatizante-libertário, na zona social-democrata. Nada os distingue. Marques Mendes não é alternativa a Sócrates, pois estão ideologicamente colados.

Ao iludir-se com os sinais do mercado, o PSD está a estrangular-se com a Mão Invisível que criou, ao não conseguir interpretar o “mercado político” para além dos sinais superficiais que detectou na noite eleitoral.

A situação é catastrófica, mas ... não inquietante ... A experiência tem mostrado que todas as medidas de liberalização do tecido económico, e que têm permitido diversos países ultrapassarem situações de estagnação, foram tomadas sob a premência inadiável dessas situações e contrariavam as promessas eleitorais feitas pelos respectivos governos, socialistas, sociais-democratas, centristas, democratas-cristãos, etc., quando em campanha. Os programas vendidos em campanha estão normalmente viciados pela ideologia pretensamente social que está nos genes do pensamento estatizante. E pretensamente social, porque sob o álibi do igualitarismo e justiça social, esconde-se o caminho que conduz à estagnação económica e ao nivelamento pela mediocridade.

A solução não é boa. É como passarmos da carroça para o automóvel, substituindo algumas peças de cada vez – rodas, motor, partes da carroçaria, caixa de velocidades, etc. Quando chegarmos a ter um automóvel completo, será uma figura compósita com peças de séries diferentes, que se encaixam mal umas nas outras e com uma performance inferior à desejada.

É a consequência, como escrevi acima, de não haver um projecto coerente.

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abril 05, 2005

Estado de Silêncio

É normal os governos terem um período de estado de Graça. Os dois últimos governos nunca tiveram “estado de graça” (ou seja, o estado governativo livre de pecado mortal).Começaram a governar sem prudentemente terem lavado o pecado original através da profissão de fé no Moloch-Social. Pior, o primeiro desses governos blasfemou publicamente ao afirmar que a gulodice do Moloch havia levado o país ao “estado de tanga”. O actual governo, mais prudente, que não está seguro da indulgência de um Moloch cada vez mais ávido do sangue de crentes e incréus, optou por se antecipar a um duvidoso estado de Graça, e preferiu o estado de Silêncio.

Escolha avisada. Nas poucas vezes em que ministros abriram a boca, foi para entrarem em contradições uns com os outros, ou para dizerem inconveniências, como a de que o rácio agricultores/funcionários era de 4/1 mas era preferível continuar na mesma ...

Com o governo em estado de Silêncio, obtêm-se diversos ganhos: 1) quem não fala, está seguro de não dizer asneiras; 2) os portugueses sempre detestaram governos, logo o estar calado cria a percepção de que não existe governo, o que tranquiliza a população; 3) as exacções fiscais que se avizinham (algumas já começaram) poderão ser lançadas a crédito do excesso de zelo fiscal, das exigências de Bruxelas, da seca, dos fogos florestais ... nunca de um governo que está em total silêncio; 4) apesar das previsões da UE e da OCDE serem cada vez mais sombrias, os indicadores de confiança pelo INE, revelaram que a confiança das empresas recuperou na indústria transformadora (onde se espera um aumento significativo de mortalidade de empresas no têxtil e no calçado!), na construção (onde se espera uma diminuição significativa no nível de emprego, aproximando-o da média europeia!!) e no comércio (onde o aumento do desemprego nos dois sectores anteriores irá levar fatalmente à diminuição do volume de negócios!!!), degradando-se nos serviços (talvez por ser onde há gente mais clarividente?).

Até quando, estado de Silêncio, abusarás da nossa credulidade? Será possível o governo continuar a alimentar o Moloch em silêncio? Será possível alimentar em silêncio um monstro cada vez mais voraz?

Durante anos a Comunicação Social tem lançado queixas pungentes sobre as centenas de milhares de empresas que não têm lucro. Sempre achei aquele número absolutamente disparatado. Agora soube-se que "A Direcção-Geral dos Impostos identificou 11.260 sujeitos passivos de IRC que apresentaram prejuízos fiscais em 2002 e 2003 e enviou uma carta a essas empresas alertando para o facto de que se repetirem a mesma situação fiscal em 2004 serão alvo de uma fiscalização(...)".

11 mil?? Então não eram 200 ou 300 mil?

Durante anos as profissões liberais foram imprecadas como não pagando impostos. Números fabulosos foram avançados. A mais intensa perseguição fiscal foi movida a essa classe relapsa. Resultado: os médicos e advogados com maior clientela constituíram empresas com contabilidade organizada e os profissionais independentes de magros proventos estão hoje sujeitos ao roubo mais descarado – colectas mínimas, elevadas quotizações mínimas para a Segurança Social (sem direito a baixas), etc..

Pequenas empresas que foram constituídas mas que ficaram entretanto inactivas, há 10 e 20 anos atrás, estão hoje a ser perseguidas pelo fisco para apresentarem declarações e pagarem as colectas mínimas inventadas pelo Pina Moura. Os Jaquinzinhos postaram hoje uma história “O Estado Ladrão”, que muitos julgarão ter sido ficcionada, mas que eu sou testemunha de um caso que se passou com um colega do meu pai que era sócio de duas empresas constituídas por ele a 3 amigos. Uma delas nunca chegou a exercer actividade e a outra exerceu-a durante 2 ou 3 anos (faziam projectos nas horas vagas). Após uma década de inactividade, julgo que em 1995, esse sujeito fez duas declarações de cessação de actividade para efeitos fiscais, para evitar estar a entregar declarações anuais do IRC e trimestrais do IVA em branco (só com zeros). Há cerca de um ano recebeu uma intimação das finanças (a sede social das empresas era no domicílio dele) para apresentar declarações e ... pagar as colectas mínimas. Segundo o funcionário da repartição, a declaração de cessação de actividade era só válida para efeitos do IVA!!

Ora o que há de surrealista nisto, é que com a entrada do euro, todas as empresas foram obrigadas a fazerem a redenominação do Capital Social e das respectivas contas em euros, e entregar nas Conservatórias do Registo Comercial as respectivas actas e documentos contabilísticos. Empresa que não o fizesse seria automaticamente extinta. Portanto as empresas em causa estariam de facto extintas! Pelo menos perante o Ministério da Justiça.

No fim do ano passado Bagão Félix acabou com esta situação vergonhosa, dando à administração fiscal a capacidade de fazer cessar oficiosamente a actividade das empresas “inactivas” e eliminar todo esse lixo (lixo que parecia ir tornar-se num tesouro para a avidez fiscal) das bases de dados do fisco. Provavelmente por isso é que em vez das tais centenas de milhares de empresas virtuais que a Comunicação Social trazia debaixo de olho, só apareceram onze mil!

Quando um Estado atinge a situação em que o nosso se encontra: ou se reforma ou aumenta a espoliação dos seus súbditos. A experiência histórica desta segunda escolha não se tem revelado muito frutuosa: revoluções, incêndios dos registos cadastrais, assassinatos de agentes do fisco, etc.. Enfim ... eram outras épocas, embora não tão distantes quanto isso. Hoje há formas mais sofisticadas: colocar os activos líquidos longe, fora do alcance dessas mãos ávidas e esperar pela ruína do país e do Estado e que essa ruína resolva, por ela própria, aquilo que os nossos governantes não conseguiram resolver - a chamada destruição criativa.

Quanto aos bens imóveis o risco é grande, mas menor – a maioria dos portugueses possui bens imóveis – e um aumento excessivo da carga fiscal sobre esses bens seria o dobre a finados do regime.

Tenhamos sangue frio: chegará o dia em que o estado de Silêncio será ensurdecedor.

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março 22, 2005

Questão Inútil

A altercação na AR entre Freitas do Amaral e Marques Guedes sobre as afirmações produzidas pelo primeiro, comparando Bush a Hitler, ou mais rigorosamente, "Dá dez razões para considerar Bush um político de extrema- direita. Em quatro delas expressa uma equiparação a Hitler, em três a Salazar, em duas a Pinochet e numa ao generalíssimo Franco" é completamente despicienda. Quem poderia considerar-se ofendido seria o PR dos EUA. Ora os presidentes americanos têm uma longa, gloriosa e invejável tradição de lidarem com políticos europeus que, nas respectivas juventudes, queimaram as efígies dos seus antecessores nas praças públicas das respectivas capitais. Alguns chegaram inclusivamente a Secretários Gerais da NATO.

Pode alegar-se que os outros o fizeram na juventude, enquanto Freitas o fez na senectude. Mas isso apenas mostra um espírito buliçoso, jovem e lúdico. Poderia inclusivamente alegar-se que o fez relativamente ao presidente americano actual e não a um seu antecessor, mas tal não é relevante porque Bush certamente se acha no mesmo direito e com a mesma estatura dos seus antecessores. Para além de “queimar” a efígie do presidente americano como instituição, Freitas personalizou o serviço – fê-lo relativamente ao presidente americano com cuja administração irá conviver diplomaticamente. Não foi qualquer antigo presidente americano cujo nome se perde nas brumas da memória. E esse “toque” pessoal será certamente apreciado na Casa Branca.

Depois da crise juvenil em plena senectude, Freitas fez imediatamente agulha para uma idade mais provecta. Em poucos dias o seu pensamento percorreu dezenas de anos e regressou ao futuro. Vi há tempos um filme onde Mel Gibson passou pelo mesmo fenómeno macabro – o tempo a recuperar o seu ciclo inexorável. E assim apressou-se a afirmar que «Hoje a situação é muito diferente, sobretudo depois da vinda de Bush à Europa».

Portanto a «vinda de Bush à Europa» constituiu para Freitas o encontrar Cristo na Estrada de Damasco a questioná-lo pungente «Freitas, Freitas, porque me persegues?». E Freitas de rojo, no chão poeirento da estrada, a balbuciar palavras de contrição enquanto ao longe uma cáfila de camelos se alongava no horizonte, na direcção de Palmira (ou de Bruxelas ...).

Tão alanceada e arrebatada foi a sua contrição que não reparou que Bush havia indicado Paul Wolfowitz, o falcão da administração Bush, o actual número dois do Pentágono e que é considerado o principal arquitecto da Guerra do Iraque, como candidato à presidência do Banco Mundial. O próprio Financial Times comentou que "Colocar o arquitecto unilateral da Guerra do Iraque à frente da primeira agência de desenvolvimento multilateral no mundo, pensam muitas pessoas, é colocar uma raposa aos comandos de um galinheiro". Mas Freitas, por uma questão de coerência, não pode ligar às opiniões de um órgão que, quando se soube da sua nomeação, havia escrito que a "doutrina anti-EUA" do recém-nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros "pode minar as estreitas relações que Portugal mantém tradicionalmente com Washington". Portanto esta questão de Paul Wolfowitz tem que ser analisada sob o mesmo prisma que a questão Freitas do Amaral ... mudam-se os cargos ... mudam-se as vontades.

E o Financial Times a falar em doutrina ... e o Freitas a rebolar-se no chão rindo de gozo ... doutrina!? Desde quando uma crise juvenil serôdia constitui uma doutrina?

O mesmo sucederá certamente com a nomeação recente de John Bolton como embaixador junto das Nações Unidas. Bolton tem opiniões muito curiosas sobre as Nações Unidas, entre elas a de achar que, na realidade, as Nações Unidas ... não existem. Outra a que se tivesse que remodelar a orgânica do Conselho de Segurança, este apenas deveria ter um membro permanente ... os EUA. Bolton é o “falcão entre os falcões” e foi nomeado embaixador junto de um organismo que despreza.

Mas para Freitas, Bush mudou ... pois veio à Europa e Freitas encontrou-o na Estrada de Damasco. E os camelos ao longe, na linha do horizonte, ajudaram a compor a paisagem bíblica.

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março 21, 2005

Fé, Esperança e Caridade

O programa do governo apresentado hoje no hemiciclo parlamentar tem 3 características principais e, subjacentes a elas, as virtudes teologais, ou sejam, as virtudes com nos põem em relação íntima com o Moloch estatal que divinizamos:

1 – Mantém rigorosamente, na forma e no conteúdo, aquilo que, na campanha eleitoral, foi designado por metas indicativas. Tendo em conta a aceitação entusiástica do eleitorado, Sócrates decidiu nem mexer sequer uma vírgula;
2 – As metas indicativas mais exaltantes e com maior contributo para o desenvolvimento do país, investimentos de mais de 20 mil milhões de euros até 2009, ficarão a cargo dos privados, ou seja, não são propriamente metas indicativas, mas metas “aspirativas”;
3 – As metas indicativas mais concretas, ligadas ao aumento da despesa pública, como as SCUTs, colocar mil jovens formados em gestão e tecnologia nas PMEs, etc., serão do âmbito do governo, ou seja, são metas “concretas”.

Portanto não houve qualquer concretização das metas indicativas já constantes no manifesto eleitoral. Mas o governo tem que no próximo Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2008 e no próximo Orçamento Rectificativo de 2005 haverá “metas indicativas” mais consistentes.

As coisas boas, as que têm impacte nas receitas e no nosso desenvolvimento, essas espera o governo que os privados as façam. São aspirações. O governo tem esperança que apareçam beneméritos da coisa pública que invistam 20 mil milhões de euros em “projectos de modernização de redes de infra-estruturas energéticas, rodoferroviárias, portuárias, aeroportuárias, ambientais, de telecomunicações e de equipamentos turísticos”

As metas que implicam aumento da despesa pública, essas podemos contar com o engenho do governo para as concretizar. Mas como as ressarcir? Aumento de impostos? Todavia, no que se refere a esse eventual aumento, Sócrates disse que ele «vai ser evitável justamente porque estamos cá para garantir que vamos conter a despesa, apostar no combate à fraude e evasão fiscal e no crescimento económico». E entretanto afirmou com uma clareza pitonísica que “A chave do problema da consolidação das contas públicas está do lado da despesa, onde se verifica uma extrema rigidez estrutural que retira margem de manobra a qualquer Governo”.

Vários charadistas já se estão a debruçar sobre esta última frase tentando adivinhar-lhe o sentido, ou melhor como é possível aceder a uma chave que está onde o governo não consegue manobrar, ou seja, aceder a algo que está não se sabe onde, nem se seremos capazes de aí aceder, se o soubermos. Uma possibilidade seria a de organizar entre a equipa governativa e assessores e, porque não, toda a população do país, o Rally Paper Rota da Chave para descobrir a localização de uma chave que, sem ela, deixa de ser evitável o aumento de impostos. Terá que ser uma tarefa nacional, porquanto se não a conseguirmos descobrir ficamos obviamente entregues à caridade.

Resumindo, o programa do governo assenta na que as metas indicativas do manifesto eleitoral socialista ganhem contornos mais precisos nos futuros programas que concretizem o que este continua a evitar fazer, na esperança na realização de investimentos vultuosos a efectuar por outros, que ingenuamente estão na doce ignorância do tremendo esforço financeiro que o governo (e todos nós!) espera deles, e na descoberta de uma chave, sem a qual ficamos entregues à caridade, pois vamos ter que pagar do nosso bolso o aumento da despesa pública, que foi o que de mais concreto saiu do debate.

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março 13, 2005

As Fêmeas do Parque Jurássico

Mário Mesquita e Ana Sá Lopes dedicaram-se hoje, no Público, a formar um «contra-governo feminino, com o declarado objectivo provocatório, de contrapor à misógina constituição do XVII Executivo Constitucional uma alternativa imaginária, embora dotada de credibilidade suficiente».

Ora este exercício foi uma ofensa pública e indelével à mulher portuguesa, ou a qualquer mulher, em qualquer latitude ou longitude. Francamente nós não merecíamos isso! Estão lá todas. Toda a tralha guterrista do “Segundo Sexo”. Todas aquelas que se guindaram à política ou a instituições corporativas não pela sua competência, mas apenas por serem mulheres, foram criteriosamente escolhidas pelo guru Mesquita e pela sua ex-aluna.

À medida que aqueles nomes ... Elisa Ferreira (como primeira-ministra!!), Maria de Belém, Edite Estrela (!!!),Helena Roseta, Maria Carrilho, Ana Gomes (!!), Ana Benavente(!!), Leonor Coutinho, ... se perfilavam ante os meus olhos, eu fui-me apercebendo da diversidade e da vetustez das espécies femininas que povoam o Parque Jurássico socialista.

Apenas um último aceno de simpatia para 2 ou 3 dos nomes citados no artigo, que não mereciam terem sido capturadas pelos articulistas para figurar naquele Parque. Isto se estivessem, como calculo, entre aquelas que o guru e a sua aluna julgam que “recusariam, por motivos políticos ou profissionais”.

E o que é mais espantoso é o guru e a aluna escreverem que aquela equipa era «dotada de credibilidade suficiente». Eles lá sabem ... de há tanto viverem naquele Parque, saberão certamente as espécies mais credíveis que por lá habitam.

O Blasfémias comenta que se trata certamente de “uma espécie de filme de terror com que os autores quiseram justificar a composição do actual Governo e a sua falta de alternativa em razão do género”. É uma interpretação plausível ...

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março 06, 2005

Reescrever a História

A História não se reescreve. Interpreta-se. Os dirigentes soviéticos ficaram célebres por retocarem fotografias e assinaturas em documentos, à medida que dirigentes políticos, cujas caras apareciam nas primeiras e cujas assinaturas estavam apostas nos segundos, caíam em desgraça. Já aqui exprimi a minha opinião sobre a estrutura óssea de Freitas do Amaral. Também por isso, sinto-me com autoridade para dizer que esta atitude “moscovita” da Direcção do CDS/PP é ridícula, insensata e inútil. A História não se reescreve. Interpreta-se.

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março 04, 2005

Temos que viver com o que Temos

O problema socialista é o de não ter pessoas que estejam por dentro do tecido produtivo português. Portanto acaba por virar-se para os meios universitários ou para gente do sector público em geral. Em qualquer dos casos, os nomes apontados para as Finanças, Campos e Cunha, e para a Saúde, Correia de Campos, são fortes. Já aqui escrevi, por diversas vezes, que a diferença entre Correia de Campos e o actual ministro, no que respeita à política de Saúde, é que ... têm boys diferentes. No resto têm a mesma visão sobre a reforma do SNS. Resta saber se Correia de Campos tem apoio político para continuar as reformas.

Campos e Cunha é um nome sólido no que respeita à política orçamental. Todavia há um desafio importante: a reforma da administração pública, que é vital, pelas razões que já aqui escrevi diversas vezes. Só se conseguem cortar despesas no sector público se ele for reorganizado e reestruturado. Ora do lado dos especialistas do despesismo temos Vieira da Silva, no Trabalho e Solidariedade Social, que pertence ao Parque Jurássico do Socialismo. É um nome que, só por ele, pode comprometer toda a política económica e financeira do governo, a menos que lhe metam uma grilheta no tornozelo.

Na Economia e Inovação temos Manuel Pinho, que tem sido um personagem politicamente errático e sobre o qual se têm colocado dúvidas sobre o currículo académico, não sei se justificadas ou não. Via-o mais na área financeira que na área económica. É um homem que não conhece o tecido produtivo, o que não é um bom currículo para esta pasta.

António Costa parece-me bem na Administração Interna e como nº 2 do Governo. Mário Lino, que conheço bem, foi um bom Administrador da CDL, não gostei dele à frente das AdP e acho que não tem qualquer currículo para a pasta que sobraçará (ou ... sossobrará?). Parece-me o percurso do Princípio de Peter.

Já dizem, por piada, que com Diogo Freitas do Amaral nos Estrangeiros, teremos que cortar relações com os EUA ... É blague. Freitas do Amaral é caracterizado pela ausência de coluna vertebral que, pensava-se, distinguiria os vertebrados dos outros animais. Logo, adaptar-se-á ao que tiver que ser. Desde que teve que pagar do bolso dele, e dos sogros, as despesas da candidatura perdida, Freitas do Amaral resolveu que princípios, ideologias, etc., eram luxos despiciendos.

O resto é a gente do sector público do costume. Mudam-se os nomes ... o resultado é o mesmo.

Quanto a Vitorino, é a incógnita. Será o nome a propor pelo PS para PR? Veremos.

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março 01, 2005

Tempos Muito Difíceis

A única coisa que transpirou do que está a acontecer com a futura estratégia e o futuro governo de Sócrates é que «vêm aí tempos difíceis». O problema é que não vêm aí, estão aí. O desemprego continua a crescer, e de forma “sustentada”, pois os efectivos que caíram no desemprego têm uma qualificação (e idade) que dificilmente permite que encontrem nova colocação. E se o encontrarem será com um salário significativamente inferior. A economia está estagnada e o desequilíbrio das contas públicas continua insanável. A nossa sociedade e a nossa estrutura produtiva estão anquilosadas.

O governo tem duas alternativas (embora se admitam alguns “paliativos” intermédios que apenas adiam o desfecho inevitável):

1) Corta a despesa até ao limiar aceitável, e isso exigirá uma reforma profunda do sector público, pois não basta “por cada 2 que se reformam (ou saem), admite-se1”. Num serviço desorganizado “por cada 2 que se reformam (ou saem), entram 3”. É a lógica das burocracias desorganizadas e ineficientes. Foi essa lógica que impediu uma contenção da despesa pública apesar dos cortes de Manuela Ferreira Leite.

2) Aumenta as receitas. Todavia este aumento está limitado pela própria situação económica. As empresas públicas, exceptuando talvez a EDP, vão entregar muito menos dividendos ao Estado do que se previa. Obviamente que o IRC liquidado (pelas empresas públicas e restantes) será igualmente menor. A estagnação salarial e do volume estacionário de emprego não augura nada de bom para o IRS. O governo pode optar pelo fundamentalismo fiscal. Mas é uma opção que pode ter custos sociais graves. A punção fiscal já é muito elevada para quem não está na “economia paralela”. Os trabalhadores independentes (refiro-me àqueles que são obrigados a passarem recibos de tudo o que ganham) estão a ser duramente atingidos. O eventual (e magro) aumento de receitas no combate à evasão fiscal deve ser aplicado em diminuir o peso fiscal dos que são obrigados a cumprir. Se o governo pretender aumentar as receitas pelo lado fiscal é capaz de ter a surpresa desagradável de ver as receitas descerem com taxas maiores, quer pelo efeito J.-B. Say, quer pela perda de competitividade das empresas, quer pela diminuição da base de incidência fiscal.

O governo e o país estão igualmente confrontados com a globalização e a liberdade de escolhas e de movimentação. O estado da nossa economia e este projecto mesquinho de empobrecimento em segurança que é defendido nos nossos areópagos políticos e sociais afugentam aqueles que têm mais potencial, porquanto estes podem obter resultados muito superiores, e intelectualmente mais estimulantes, com o mesmo esforço, em espaços económicos no estrangeiro. Não me refiro apenas aos empresários, mas aos quadros técnicos qualificados, quer tenham ou não instrução superior.

E se restarem apenas aqueles que estão conformados com a mediocridade e estão empenhados no “projecto de empobrecimento em segurança”, não percebo como irá sobreviver o Estado. Os paladinos estatizantes diabolizam aqueles que pretendem ganhar dinheiro, ter lucro, ter êxito financeiro. São émulos dos escolásticos da Alta Idade Média no que respeita ao horror pelo pecado do lucro. Mas lançam-lhes olhares cobiçosos para lhes tentarem extrair os lucros para se subsidiarem a si próprios e às suas actividades ineficientes ou mesmo estéreis. Todavia apenas conseguem matar a galinha dos ovos de ouro. É isso que os distingue do pensamento liberal, que prefere tratar a galinha o melhor possível, alimentá-la e robustecê-la, para lhe melhorar a postura, e não matá-la por um misto de ódio pelo êxito da postura e para sacar de uma vez todos os ovos.

Não amam o dinheiro produtivo, cobiçam-no apenas para o tornar estéril.

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fevereiro 28, 2005

O Futuro do CDS/PP

Como já escrevi anteriormente, não existe no espectro político português um projecto liberal sólido e coerentemente assumido. Há razões que têm séculos: a nossa aversão ao risco e à inovação e a inveja mesquinha que se instalou na nossa sociedade, em vez do incentivo pela afirmação pessoal. Outras têm a ver com a génese do actual sistema político.

Como se sabe, da nossa história dos últimos dois séculos, cada regime que se instaura “cria” o seu próprio espectro político, que, com pequenas flutuações, se mantém invariável até ao seu próprio aniquilamento. A III República foi instaurada sob inspiração dos militares da ala da esquerda radical, que a “obrigaram” a votar uma constituição estatizante, “via ao socialismo”, e a tutelaram durante os primeiros anos. Essa parto político modelou o arranjo do espectro político subsequente. Com este figurino, o pensamento liberal era diabolizado por todo o espectro político como condição da sua própria sobrevivência. O CDS/PP foi apenas a direita “consentida”.

É difícil presumir o que teria sido o percurso do CDS/PP se não fosse a morte prematura de Amaro da Costa. Em vez de um político sólido, o CDS/PP ficou sob a liderança de um político errático, de uma Maria-vai-com-as-outras e órfão de líderes com estatura política, acabando dominado por um populismo de direita sem qualquer consistência ideológica. Tornou-se o Partido do Táxi.

A emergência de Paulo Portas deu maior solidez ao populismo de direita, mantendo no partido alguns históricos, com qualidade, mas aglutinados num todo sem uma estrutura ideológica coerente. Actualmente vemos um social-cristão, Bagão Félix, que de liberal tem pouco, coexistir com um populismo radical, que foi menorizado durante a governação e nesta campanha, em contrapartida de uma postura de Estado, e um pensamento liberal que não consegue afirmar-se devido à pequenez do partido e à necessidade de apostar numa imagem populista para se manter no palco político.

Assim, apesar da prestação dos ministros do CDS/PP e da “postura” de Estado do partido nos últimos 3 anos, o CDS/PP continua confrontado com a busca de uma identidade e de uma imagem de marca que lhe permita ocupar um espaço político onde consiga sobreviver e afirmar-se. Paulo Portas buscou essa imagem num populismo de direita, que lhe pode render algum espaço político, mas que lhe dificulta a ascensão ao governo, como se viu aquando da formação da coligação e da celeuma que esta levantou dentro do PSD. Nestas eleições tentou apostar na imagem de “postura” de Estado e de distanciamento face às fragilidades do governo. Não o conseguiu: se ganhou alguns votos ao PSD, perdeu muitos mais para a esquerda, nomeadamente para o pregador Louçã, que apostou forte nas feiras. A história tem mostrado que o radicalismo de direita e de esquerda são vizinhos eleitoralmente. Foi entre os radicais de esquerda que Hitler, nos primeiros tempos, pescou eleitoralmente e a quem deveu a sua subida e a arrigementação dos SA. É sabida a flutuação eleitoral entre Le Pen e a extrema-esquerda francesa. Portugal não foge esta regra.

Que se perspectivará para o CDS/PP, fora da área do governo? Uma nova aposta no populismo? Uma aposta numa imagem social-cristã? Um partido de índole marcadamente liberal?

Muito depende dos resultados da governação de Sócrates. Suponhamos que Sócrates aplica as medidas correctas e as reformas certas, o que me parece difícil, mesmo descontando a oposição interna do PS, porque a reforma da administração pública exige gente de elevada competência a geri-la, e não vejo que Sócrates disponha dessa matéria prima. Nesse caso, o espaço do CDS/PP reduzir-se-á e P Portas, ou quem lhe suceder, terá que regressar às feiras e manter a feição populista radical.

Suponhamos que Sócrates falha. Ora um falhanço agora, na nossa situação actual, é uma catástrofe económica. Nesse caso será a própria III República que estará condenada a curto prazo e a sua ruptura conduzirá a um novo arranjo do espectro político, como é habitual em Portugal. Nestas circunstâncias só o futuro dirá que novas formações poderão emergir da implosão de uma parte significativa do nosso actual espectro político. As eleições em Portugal, desde Cavaco Silva, têm mostrado um centrão cada vez mais amplo que flutua, ao sabor dos acontecimentos e ressentimentos governativos. O alargamento desse centrão pode ser a rastilho que promova aquela ruptura.

Mas o CDS/PP tem, ao lado, um partido catch-all, o PSD, que vai desde os liberais aos sociais-democratas, tudo amalgamado sem qualquer coerência ideológica, mas que tem uma grande capacidade de captação dos despojos políticos. Pretendeu ingressar na Internacional Socialista, já foi da união europeia dos reformistas e liberais e agora é da união europeia dos conservadores e democratas-cristãos e da união mundial dos conservadores. Todavia, o PSD ficou com uma imagem degradada e levará tempo a reencontrar um líder ganhador, ou pelo menos não-perdedor, que nas actuais condições políticas já se viu que pode ser o suficiente. Se Sócrates não chegar ao termo da legislatura, ou chegar com a nossa economia em estado calamitoso, todo o centrão pode levar a uma implosão do espectro político e a um novo arranjo das formações políticas. Neste novo arranjo, nem o radicalismo “chique” do BE, nem o radicalismo jurássico do PC teriam margem de manobra, pois o país tenderá a verificar que a aposta no projecto de empobrecimento em aparente segurança social não tem qualquer futuro.

Mas a área do CDS/PP só poderá aproveitar este eventual terramoto político, se estiver preparada para o fazer. Pese embora a boa prestação de Paulo Portas como ministro da Defesa, ele não tem imagem política para o protagonizar, pois está demasiado ligado a um populismo que a maioria do eleitorado rejeita e continuará a rejeitar. Também não se vê, entre os que o rodeiam, quem, a curto prazo, o possa protagonizar.

O futuro do CDS/PP está dependente do desempenho do governo de Sócrates, da evolução do PSD e de encontrar um líder que permita a chamada “refundação da direita”. São três restrições muito fortes e que fazem de qualquer previsão sobre o seu futuro uma aposta arriscada.

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fevereiro 24, 2005

Indigência Política

O que é aflitivo no panorama actual do PSD é a sua pública indigência política. Todos os protagonistas que se produzem na ribalta, desde Menezes a Marques Mendes, passando por JP Pereira, o intelectual que atira (no próprio pé) mais rápido que a sombra, não mostram ter qualquer projecto político para a governação do país, para além da (óbvia) necessidade de remodelar o aparelho do partido para se afirmar como alternativa ... para ganhar as próximas eleições. Pior, sugestionados pelas ilusões falanstéricas vendidas pela esquerda quando na oposição e durante a campanha e que julgam terem sido a causa do vendaval eleitoral, falam no regresso à visão social-democrata portuguesa, ou seja, em pescar nas mesmas águas turvas da política da ilusão consumista, no projecto da segurança medíocre e sem futuro, que tem caracterizado a nossa vida económica e social na última década.

Li algures, não me recordo onde, que a vantagem do liberalismo é “estar sempre na oposição”. Nada mais verdadeiro. Todas as medidas de liberalização do tecido económico, e que têm permitido diversos países ultrapassarem situações de estagnação, foram tomadas sob a premência inadiável dessas situações e eram contrárias às promessas eleitorais feitas pelos respectivos governos, antes de eleitos, quando em campanha. E este fenómeno tem acontecido com governos socialistas, sociais-democratas, centristas, democratas-cristãos, etc.. Todo o leque político português (e, até certo ponto, o europeu) está colonizado pelo pensamento pretensamente social que está nos genes da esquerda. E pretensamente social, porque sob o álibi do igualitarismo e justiça social, conduz à estagnação económica e ao nivelamento pela mediocridade.

Muitos políticos reconhecem, na intimidade, que a eficiência da economia depende da eficiência dos mercados, e que esta só existe removendo os entraves à liberalização desses mercados. Todavia, em público, prometem mezinhas sociais que normalmente consubstanciam violações das condições estruturais de funcionamento eficiente desses mesmos mercados. São como o médico que, para conservar o paciente que precisa de uma intervenção cirúrgica complicada para obter a cura, lhe vai ministrando analgésicos e mescalina, para o manter feliz.

A revitalização do país exige um projecto economicamente viável, ideologicamente sólido, socialmente coerente e politicamente corajoso. Não se compraz com politiquices sem conteúdo, que vêem as disputas políticas como desafios da Liga de Clubes. A esquerda pode prometer um discurso de facilidades e de ilusões. É o que costuma fazer antes de chegar ao poder. Mas quem quiser modernizar a sociedade portuguesa e tornar Portugal num país próspero, não pode alinhar nesse jogo de embustes.

Estes 3 anos mostraram que não havia esse projecto alternativo. Apenas existiam paliativos revestidos de palavras sonantes. Em 16-12-2003 escrevi aqui: «o governo está cheio de razão ao regozijar-se pela sua visão política. Só não faz aquilo que julga que está a fazer. Isto é, tem razão no que diz, mas não no que faz … ou deixa fazer. Mas continua ... arrebatado pelo entusiasmo de estar a fazer uma obra meritória, que só existe na sua imaginação, garantindo entretanto que a sua política está já a dar frutos. Mas que política? A enunciada em teoria, ou a que está a acontecer na prática?
Por sua vez, a oposição ataca o governo por ele estar a fazer coisas que de facto não faz e pretende que ele faça coisas … que de facto estão a acontecer na prática. A oposição ataca a obra meritória do governo, que também só existe na imaginação dela, considerando-a sem mérito e errónea, propondo uma teoria oposta, mas que corresponde, afinal, à prática quotidiana. ... nada mudou. O país continua a viver acima das suas posses, continua a ser incapaz de reformar os seus serviços públicos, continua a ser incapaz de saber o que está a acontecer

Esta comédia de enganos conduziu à situação actual. Aparentemente o PSD não aprendeu nada com ela. É catastrófico ... mas não é inquietante. Afinal, actualmente, não se ganham eleições ... basta esperar que o adversário as perca.

Publicado por Joana às 10:56 PM | Comentários (22) | TrackBack

fevereiro 17, 2005

As condições objectivas

Quando estiverem criadas as condições objectivas e subjectivas imprescindíveis e inevitáveis, os portugueses farão a escolha certeira e necessária:

Apocalipse.jpg

Publicado por Joana às 06:44 PM | Comentários (66) | TrackBack

fevereiro 15, 2005

Sócrates e os Aprendizes de Feiticeiro

As afirmações de Sócrates na entrevista que deu ao programa "Diga lá Excelência" são preocupantes, menos pelos objectivos enunciados, que são vagos, que pelo que significam de incompreensão relativamente aos erros cometidos pelo guterrismo e as suas consequências. Vejamos algumas afirmações:

António Guterres foi um bom primeiro ministro, fez um bom trabalho no Governo. Nesse Governo, nós sempre crescemos mais que na Europa. Sempre enriquecemos em relação à Europa... Não é verdade. Sócrates e os guterristas confundem crescimento do rendimento com crescimento da riqueza medida em termos físicos. Injectar dinheiro na economia aumenta o rendimento disponível, mas tarde ou cedo ter-se-á que pagar a factura. Distribuir dinheiro sem ter como contrapartida riqueza produzida, cria uma falsa sensação de prosperidade, falsa duplamente porque esse rendimento adicional induz outras actividades, e a ressaca retalia duplamente também, pois induz a redução das actividades entretanto criadas e aumenta o desemprego. Como escrevi no post anterior: Injectar dinheiro na economia é como consumir droga: quando acaba o efeito ilusório é preciso mais, cada vez mais. Considerando o exemplo doméstico, cada um de nós pode promover uma situação de bem estar em casa recorrendo ao crédito ao consumo. Porém, tarde ou cedo terá que pagá-lo. Com a agravante de que entretanto se criaram hábitos perdulários e se compromete o futuro com a obrigação de pagar os encargos das dívidas contraídas.

É muito triste chegarmos a este momento, três anos depois, e vermos um líder político cujo argumento que lhe resta é queixar-se da pesada herança. O problema é que é mesmo uma pesada herança, cujas causas estruturais não foram resolvidas, que transita para a próxima legislatura. Por exemplo, a construção das SCUT’s que foi então uma importante fonte de receita (IVA das transacções, IRC das empresas que trabalharam directa ou indirectamente na sua construção, IRS e remunerações sociais dos trabalhadores envolvidos, e efeitos induzidos no restante tecido económico) só vai começar a ser ressarcida este ano. É um encargo para décadas. O excesso de funcionalismo público admitido naqueles anos não se resolve com despedimentos, pois a lei actual não o permite. É uma herança que continuará a transitar até se conseguir fazer uma reforma a sério na administração pública. Mas para a fazer vai ser necessário alterar (ou eliminar) algumas disposições constitucionais. Como Sócrates, pelo que disse, não revela que tenha a noção da gravidade da situação, é mais que provável que herança que irá deixar quando sair seja muito mais pesada.

Foi um erro concentrar todos os esforços da política económica apenas nas finanças públicas, porque o rigor nas finanças públicas, que é absolutamente essencial, apenas evita que se criem novos problemas na economia. Não resolve os problemas da economia. . ... Tem razão. A questão é que qualquer governo vive em estado de sufoco: o défice público rígido herdado de Guterres (e de Sócrates) e a quase impossibilidade de tomar medidas de fundo.

Vejamos porém como Sócrates se prepara para resolver os problemas da economia: Qual é a área estratégica na qual o país deve apostar ? É a área do conhecimento, da ciência e da tecnologia, a área da política educativa, da reorientação do nosso sistema educativo pondo-o ao serviço da maior competitividade país. Por isso as nossas propostas para o inglês, para a duplicação da frequência no ensino tecnológico e profissional.

Quando é que estas medidas, se forem tomadas e se conseguirem vingar, num sistema educativo que é o mais caro da Europa e o que produziu piores resultados, irão ter efeito? Daqui a décadas. E haverá país nessa época? O Estado não terá entretanto entrado em colapso? Não podemos desdenhar das medidas imediatas e prometer em troca medidas que só surtem efeito daqui a décadas. E até lá? Como resolvemos a situação difícil em que estamos?

Os entrevistadores entretanto fizeram “umas contas: jovens nas empresas, mais prestações sociais para 370 mil idosos, aumento de 0,5 por cento do PIB no crescimento científico, aumento de 0,5 por cento no orçamento da cultura, mais 500 a 700 milhões de euros anuais para as SCUT. Tudo junto e somado isto corresponde a um agravamento do défice em muito mais de um por cento face à situação actual.
Eu não me resigno a essas contas de quem acha que não é possível fazer nada.
Isto é apenas matemática.
Não é apenas matemática. A maior parte dessas contas está mal feita porque não se trata de mais despesa. Trata-se de reorientar a despesa. Pô-la ao serviço de outros programas. O programa dos mil jovens licenciados em ciência e tecnologia em pequenas e médias empresas vai puxar pelo crescimento económico.
Mas reorientar como? Onde é que Sócrates vai buscar dinheiro? Ao orçamento de Estado? É natural que haja uma flexibilização do PEC, mas nunca para a despesa corrente. Sócrates apenas está a prometer aumentar a despesa pública. É a “droga” que referi acima. A droga que vicia. Sócrates e o seu séquito de guterristas continuam viciados na droga da “injecção de dinheiro na economia”. Seis anos de guterrismo e três anos austeridade não serviram de ensinamento nem de desintoxicação.

Quando os entrevistadores interrogaram se o Estado iria pagar parte do salário dos jovens licenciados e se 60% ou 70%, Sócrates refugiou-se no seu habitual não comprometimento e no panegírico estatizante:
Não vou dar pormenores, não me peçam para fazer o regulamento. Já faço um decreto-lei, genericamente. Isso não está definido. Eu não me resigno à ideia de que para combater o desemprego o melhor é esperar que passe. Para esperarmos um maior crescimento económico o melhor é sentamo-nos e esperar que o mundo melhore. Na saúde, serviços mínimos, na educação, quanto mais barato melhor. Eu não me resigno a isso. Acho que é preciso vontade e o Estado tem um papel a desempenhar.
Sócrates pode não se resignar a isso, mas arrisca-se a que os portugueses não se resignem a pagar a ineficiência do Estado. Primeiro saem (ou deslocalizam-se) as empresas e depois os trabalhadores (mas apenas os mais válidos e os menos resignados, que os outros ficarão cá a receber os subsídios). Depois veremos onde o Moloch estatal vai sacar dinheiro para saciar a sua voracidade.

Quando os entrevistadores falam na redução do peso do Estado na economia de 48 para 40% do PIB e do peso dos salários da administração pública de 15% para 11% (proposta do PSD) o pensamento estatizante de Sócrates é claro:
Nos últimos três anos foi feito um discurso ideológico contra tudo o que é público, que é negativo para o nosso país. Isso não tem o mínimo sentido. Nós precisamos do nosso sector público. Precisamos dele é mais eficiente. E remata dizendo que a matéria das finanças públicas foi uma questão ideológica!?

Claro que precisamos do sector público, claro que precisamos dele mais eficiente. Só não precisamos de um sector público que é 20% a 30% superior à média europeia e presta um serviço muito pior.

Finalmente afirmou uma coisa que é um completo disparate. A economia vive muito da confiança. E o que país não tem é confiança, nunca teve desde o discurso da tanga. Ora os empresários não ganham confiança pelas tretas que ouvem dos governantes. Os empresários, pelo menos aqueles que vingam, vivem da confiança que lhes inspira o clima económico, o enquadramento legal e administrativo em que laboram, o estado das carteiras de encomendas e a sua evolução, etc.. As conversas dos governantes sobre o país estar ou não estar de tanga, entram-lhes por um ouvido e saem-lhes por outro, excepto para aqueles cuja principal actividade são os contratos públicos (empreitadas e fornecimentos). Mas este caso é o que referi antes sobre as carteiras de encomendas. Todavia, mesmo que o Governo declame que o país está a avançar com firmeza, desde que eles não vejam concretizar-se esse pregão em encomendas “sólidas”, continuam sem confiança.

O resto, dizer que A nossa mensagem é de exigência, de rigor, de apelo ao trabalho, mas é também uma mensagem de ambição, de energia, de vontade de optimismo. O meu objectivo é que a mudança não seja apenas de cor política, mas que seja uma mudança no estado psicológico do país, não passa de banalidades que qualquer um poderia dizer. Da extrema-direita à extrema-esquerda.

Sócrates exaltou-se hoje porque não gostou das críticas feitas por empresários ao programa do PS na conferência promovida pelo Diário Económico, onde o acusaram de ser muito vago. E afirmou peremptoriamente: Quando tiverem insónias leiam o programa de Governo do PS. E tem razão. Se o reduzido conteúdo das suas propostas causa preocupações, a leitura de tantas páginas pejadas de banalidades apenas causa uma enorme sonolência.

Parece que nem sequer a conversa de Sócrates traz confiança aos empresários.

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (42) | TrackBack

fevereiro 14, 2005

Quatro Casamentos e um Funeral

Transcrito dos Jaquinzinhos com a devida vénia

O António afiançara à Maria que a vida seria um mar de rosas e cheia de prosperidade. O casamento foi feliz e despreocupado. O António era um gastador compulsivo mas a Maria não queria saber nada dessas coisas de dinheiro. "A família não são números", proclamava o António a quem lhe chamava a atenção para os excessos. O que interessava era a qualidade de vida, as grandes festas e as aparências.

Quando um dia, repentinamente, o António fugiu de casa deixando apenas as prestações das dívidas por pagar, a Maria entrou em desespero. Estava de tanga. Atemorizada, casou com o Zé Manel, depois de um curto namoro. Afinal, o Zé Manel parecia ser bem mais ajuízado que o António e talvez trouxesse alguma ordem às finanças lá da casa.

Os rapazes sentiram logo algumas diferenças. As semanadas foram congeladas, o Zé Manel não lhes dava dinheiro para o autocarro e o discurso mudara: "Temos que poupar, não podemos gastar o que não temos", dizia o Zé Manel. Mas aquilo era só da boca para fora. Os costumes da família estavam bem enraízados e, no essencial, tudo continuou como no tempo do António.

Apesar das dívidas cada vez maiores, não se cortava na cozinha, nem nas férias, nem nas contas da água, da luz ou do telefone. Nunca se dizia que não a um livro, a um disco ou a uma ida ao cinema. Não se mexia em direitos adquiridos. Por vezes o gerente da Caixa telefonava, inquietado com o saldo do cartão de crédito. E de vez em quando vendiam algumas jóias antigas para acalmar os credores.

Até que um dia o Zé Manel anunciou que se ia embora. Arranjara um emprego no estrangeiro, muito bem pago. E disse à Maria: "Não te preocupes, eu vou-me embora mas arranjei-te marido novo. Casas-te com o Pedro. Ele cuida de ti."

A Maria assim fez mas o enlace durou pouco. O Pedro era um bocado estouvado e tinha alguns amigos pouco recomendáveis. O pai da Maria não gostava dele nem um bocadinho e fez-lhe a vida negra. E um dia, o Pedro chegou a casa e descobriu que tinha a mala nas escadas.

Agora a Maria vai casar com o José. Foi o pai dela que arranjou o casamento. O José faz-lhe lembrar o António, de quem era muito amigo. O José propõe-se gerir as finanças familiares de outra maneira. Quando a Maria lhe pergunta como é que ele vai fazer ele explica: "É fácil, o objectivo é sermos felizes."

O José já prometeu que as semanadas das crianças vão ser aumentadas, porque é uma vergonha que os nossos filhos tenham menos dinheiro que os filhos dos outros. Vai comprar um computador lá para casa e ligá-lo à Internet, em banda larga. Vai haver telemóveis para todos. "É um choque tecnológico", explica ele. E promete à Maria, que continua a ser a única a trabalhar lá em casa, que não vai precisar de lhe dar nem mais um tostão. O José vai gerir a casa com o que tem. E daqui para a frente, quem paga o café e os cigarros é ele. Essa mania do consumidor-pagador já era.

Soa a banha da cobra mas a Maria quer marido e os bons pretendentes não aparecem. A família da Maria gosta do José. Parece que vem aí um tempo novo e os rapazes já estão fartos de más notícias. O José é recebido lá em casa de braços abertos.

As más surpresas vão começar a chegar lá para o fim da Primavera. E um dia, alguém vai reparar que o título desta história é "Quatro Casamentos e Um Funeral".


Nota: Este “conto” foi transcrito também no Público de hoje. É interessante que um jornal de referência, para ter opiniões alternativas se tenha que socorrer de um ou outro colunista e da blogosfera.

Publicado por Joana às 02:58 PM | Comentários (44) | TrackBack

fevereiro 13, 2005

As Eleições e a Processionária

Estamos perto da época em que 2 fenómenos vão ocorrer no país. As eleições legislativas e o abandono dos ninhos pela processionária. A sequência deste último fenómeno é conhecida. As lagartas descem o pinheiro em procissão e enquanto não se enterram e mudam de estado, os seus pêlos urticantes são mortíferos para animais e humanos. As alergias que contactos directos causam podem ser mortais, mas mesmo os pêlos que deixam pelos ramos, transportados pelo vento, podem causar alergias de gravidade variável.

A sequência das eleições não é ainda conhecida, mas a avaliar pelas promessas dos candidatos, a alergia de que padecem as nossas finanças agravar-se-á. Apenas a gravidade dessa alergia depende dos resultados. Pode ser a continuação da alergia moderada com tendência a agravar-se pela ausência de tratamento adequado. Pode ser a ingestão maciça de pêlos urticantes, a necrose dos tecidos e o colapso das finanças.

Têm ambos algo em comum. Os ninhos da processionária têm o aspecto de flocos de algodão macio, lá no alto, dependurados das extremidades dos ramos. Parecem de uma brancura diáfana inofensiva. Se não fosse a experiência vivida anualmente , ninguém acreditaria em tamanha nocividade. As promessas dos candidatos são igualmente atraentes quanto à forma, dependuradas lá no alto, na criativa imaginação dos nossos políticos. Quando abandonam o “ninho” e descem à terra é que se revela a sua nocividade. Nesta praga, o que é grave é que nunca se sabe como vão descer, que tipo de alergia irão produzir e como camuflarão a sua acção para que as vítimas não aprendam com a experiência.

Há nove anos assumiram a forma da construção de um país solidário, a caminho da prosperidade pela via do diálogo; afinal não passaram de uma praga de gafanhotos que devastou o erário público e deixou o país à beira da falência. Há três anos, assumiram a forma de um anti-alérgico vigoroso que liquidaria a praga: afinal era um produto frouxo, pusilânime, que deixou as causas da devastação praticamente incólumes e o país receoso do gosto amargo do remédio. Agora, após o país ter degustado o sabor amargo do remédio, o mais provável é o regresso dos gafanhotos para retouçar o pouco que deixaram, sob a camuflagem de que “o país tem que mudar”; e a alternativa é a continuação da administração de paliativos sem efeitos decisivos.

A alternativa mais provável tem contudo uma faceta que se pode revelar vantajosa: quando não houver mais nada para devorar, os gafanhotos desaparecem e o país ficará consciente que não tem qualquer alternativa senão tomar os remédios que forem necessários, sorver os eméticos mais repugnantes ao paladar e sujeitar-se às intervenções mais dolorosas. A menos que prefira o colapso como Estado viável.

E se acontecer o colapso das finanças públicas, o facto de Portugal estar na eurolândia vai permitir a ocorrência de uma situação paradoxal – serão os mais endinheirados a sofrerem menos, pois a livre circulação de pessoas e bens assegura-lhes sempre o bem estar, ou pelo menos um relativo bem estar; e serão os mais desfavorecidos e os directamente dependentes do Estado, ou seja, aqueles cuja ânsia de se agarrarem às ilusões que lhes são vendidas é mais desesperante, que irão pagar a crise. Será a justiça imanente.

Para a semana aqueles dois fenómenos começarão a ocorrer. A processionária tem um período de nocividade limitado e a sua acção é conhecida. O mesmo não se pode garantir das próximas eleições e da duração e gravidade dos seus efeitos.

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janeiro 21, 2005

Calúnias

O líder do Partido A acusou o líder do Partido B de, na anterior legislatura, enquanto governo de gestão, ter nomeado o Sr. X para um cargo público.

O líder do Partido B reagiu indignado e exigiu desculpas públicas de tão monstruosa acusação.

Na realidade, o Sr. X havia sido injustamente acusado. O líder do Partido B , quando membro do tal governo de gestão, havia nomeado para cargos públicos o Sr. Y, o Sr. W, o Sr. Z, ...etc. O Sr. X nunca!

O Partido A , cujo líder é um rotinado useiro nos lapsus linguae, pediu, ao que parece, desculpas pelo lapso ao Partido B : Este recusou-as obviamente. O Partido A deveria ter pedido desculpas ao Sr. X. Foi este que foi acusado injustamente.

O Partido B nunca! É como o delinquente que é apanhado à saída do lugar da fruta e perante a acusação de ter roubado maçãs, reage indignado:

- Maçãs!? Que calúnia! Exijo uma reparação! O que eu trago aqui, debaixo das dobras da camisa, são laranjas, mangas, bananas, diospiros, pêssegos ... tudo menos maçãs! Isso não passa de uma infame calúnia!

E a indignação é proporcional à quantidade e diversidade de fruta que transporta debaixo da camisa.

Quanto ao líder do Partido A continua a treinar os lapsos disléxicos com Bush na convicção que a dislexia de Bush foi uma das mais poderosas armas políticas que o presidente americano utilizou para ultrapassar as sondagens desfavoráveis.

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janeiro 20, 2005

Senadores da República

Repórter descobre os Senadores da República para o próximo Prós e Contras

Tintin encontra os Senadores red.jpg

Publicado por Joana às 07:55 PM | Comentários (49) | TrackBack

Constituições

A Constituição dos EUA tem 7 artigos e teve 27 emendas, o que é natural, atendendo a que tem mais 200 anos que a portuguesa. No conjunto, artigos iniciais e emendas, são cerca de 6.800 palavras e 35.000 caracteres. A Constituição portuguesa, na sua actual forma, tem 295 artigos, mais de 32.000 palavras e cerca de 170.000 caracteres. E seria muito mais palavrosa, se as revisões tivessem tido a forma de emendas adicionais.

Como é possível instaurar uma economia de mercado a funcionar de forma eficiente, com uma constituição que afirma, logo no preâmbulo, pretender “abrir caminho para uma sociedade socialista”? E como é possível essa frase permanecer lá, mesmo após se ter visto na prática o que aconteceu às sociedades socialistas do Leste europeu?

A Constituição portuguesa actual, em todo o seu articulado, tem um cunho marcadamente ideológico, começando com declarações de intenção, que normalmente não concretiza, até porque se as concretizasse poderia colocar a nossa economia e a nossa vida social num impasse, mas que podem sempre servir de fundamento para arguir qualquer nova lei aprovada pela AR de inconstitucional.

Por exemplo, no Artigo 58.º (Direito ao trabalho), a Constituição prescreve:
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego
;

O primeiro ponto não passa de uma boa intenção, não concretizável na prática. Isto é, nas antigas sociedades do Leste europeu, concretizou-se, mas sabe-se qual foi o resultado: a sua implosão após o tempo suficiente que demorou a levar as respectivas economias à ruína total. Quanto à execução de políticas de pleno emprego é uma opção macroeconómica que depende da conjuntura económica. Nem sempre é a política mais adequada à melhoria do bem estar social e económico. É uma questão técnica, embora com reflexos políticos e sociais. Não é matéria que deva figurar numa constituição.

Outra herança do PREC que figura na constituição, mas que não é aplicada nas empresas privadas (e não só) por razões óbvias: Artigo 54.º - 5. Constituem direitos das comissões de trabalhadores: ... b) Exercer o controlo de gestão nas empresas;

Outra prescrição que não passa de uma boa intenção moralista: Artigo 65.º (Habitação e urbanismo) 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

O objectivo da governação é promover o bem estar geral. É inútil, e frequentemente contraproducente, enxamear uma constituição de intenções moralistas. O preâmbulo da Constituição dos EUA sintetiza toda essas intenções moralistas:

Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América. E nem mais uma palavra!

Por alguma razão os EUA se tornaram na nação mais próspera do mundo e continuam a conseguir resolver e a ultrapassar as crises de crescimento económico que se vão levantando no seu caminho, enquanto nós não saímos da cepa torta e estamos permanentemente paralisados pelos entraves que nós mesmos criamos ao nosso percurso.

Mas a nossa constituição leva a sua perversidade ao ponto de, para além da necessidade de dois terços dos deputados para a rever, ter ela própria estabelecido limites à sua revisão: Artigo 288.º (Limites materiais da revisão):
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;
f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção
;

Embora alguns daqueles limites sejam princípios basilares aceites pela sociedade ocidental, outros são apenas circunstanciais. Como é possível os constituintes levarem o seu medo pelo comportamento das gerações futuras ao ponto de estabelecerem limites que, mesmo estando todos os deputados de acordo, não é possível transpor?

Este medo do futuro indicia a insegurança dos constituintes de 1975/6, o sentimento de que estavam possuídos de estarem a fazer um texto de circunstância, que iria levantar fortes objecções no futuro e decidiram farisaicamente precaver-se aferrolhando-o ... pondo-lhe um cinto de castidade e atirando a chave fora, algures, a meio do Mediterrâneo, a caminho da cruzada da Terra Santa ... ou a meio caminho dos paraísos do Leste, onde os amanhãs cantavam.

Publicado por Joana às 07:12 PM | Comentários (74) | TrackBack

janeiro 14, 2005

Despesa Insultuosa

Há nomes que se forjam pela política. Nunca seriam mais que profissionais desinteressantes e ignorados, se a política não os tivesse projectado para a ribalta. Helena Roseta é um deles. Como política, não passa de uma arquitecta inexperiente; como arquitecta, o que é, deve-o à política. É um círculo virtuoso (para ela) e vicioso, para o resto da sociedade. Mas, num ápice, arrisca-se a libertar-se da lei da morte ... a imortalizar-se ... a ser mais um ícone para encimar o Arco da Rua Augusta!

Helena Roseta afirmou ontem na Visão que "A austeridade de que precisamos em Portugal não é apenas uma exigência do nosso saneamento orçamental - é um dever moral à luz das carências tremendas de dois terços da humanidade.".

Sublimes palavras. Um frade franciscano do século XIII não teria proferido declarações mais virtuosas. É comovente como a ala obreirista do PS chega ao objectivo patriótico de redução da despesa pública e de consolidação orçamental pela via da solidariedade. Não a solidariedade banal com uma função pública excessiva e parcialmente inútil. Melhor e mais exaltante: a solidariedade absoluta com a humanidade mais desvalida. Temos que eliminar o excesso de despesa, porque a nossa despesa pública é um insulto social a dois terços da humanidade.

Portugal deve encetar uma política de austeridade por solidariedade com os desfavorecidos do Bangla-Desh que, para além de não terem que comer, passam a vida empoleirados nas árvores de maior porte, para escaparem às cheias da monção; Portugal deve fazer uma rigorosa política de austeridade por solidariedade com os somalis, entalados entre as secas e os senhores da guerra; Portugal tem que ser intransigente numa frugal política de austeridade por solidariedade com todos os deserdados do mundo: Erguei-vos ó vítimas da fome, que nós partilharemos convosco a vossa abstinência!

No cumprimento desse sublime dever moral, o país teria, além de uma excelsa satisfação espiritual, que nenhum ouro (ou euro) do mundo consegue pagar, o magnífico superavit material resultante de remunerar a função pública, e as actividades de baixo valor acrescentado, com rações parcimoniosas de arroz, milho, feijão e óleo. Certamente Carvalho da Silva, João Proença e Bettencourt Picanço estariam na primeira fila para aplaudir esta medida e receber as sóbrias e parcas rações diárias.

E seria o boom económico. Todas as multinacionais dos têxteis e do calçado, que têm demandado terras longínquas, fariam marcha atrás e estabelecer-se-iam num país de tanto merecimento e tão virtuoso e solícito em dádivas espirituais. Sócrates falou em 150 mil empregos? Só 150 mil? Seriam 500 mil ... 1 milhão ... Portugal teria que importar mão de obra em fornadas gigantescas, descomunais. Claro que teria que ser mão de obra trabalhadora mas, acima de tudo, com a sublime capacidade de entrega ao seu semelhante que Helena Roseta possui.

Portugal está em dívida com Helena Roseta. Ela resolveu, provavelmente sem se dar conta, o nosso problema das outras dívidas, grosseiramente materiais – dívida pública, dívidas com o exterior, etc..

Com a vantagem que as dívidas espirituais pagam-se com um olhar embaciado pela gratidão ... apenas assim. Helena, obrigada!

Publicado por Joana às 07:54 PM | Comentários (60) | TrackBack

janeiro 13, 2005

Desaprender nas Tascas

Um comentarista afirmava ontem que em vez de ler as entrelinhas dos jornais, eu deveria frequentar as tascas suburbanas para adquirir um conhecimento mais profundo do país. Mesmo sem essa frequência instrutiva e embriagante, tem-se verificado que, normalmente, antecipo os acontecimentos. Por exemplo, no dia anterior à entrevista de PSL com o PR, em que este comunicou a dissolução da AR, eu havia escrito que o PSL se deveria demitir porque não tinha condições para governar. Quem ler o artigo que escrevi sobre o discurso do PR, dando posse ao governo de PSL, verificará que retratei então todo o clima de instabilidade que se iria gerar na sequência desse discurso e que culminou na dissolução da AR. Estes são apenas dois exemplos entre muitos.

Ontem escrevi aqui que “o país apenas anseia que lhe sirvam a próxima dose de ópio”, que os portugueses “preferem a tranquilidade ilusória da mentira” e que uma solução seria o colapso da nossa economia e sociedade criando as “condições para que o eleitorado aceite o tratamento de choque que o país necessita”. E o que escrevi ontem reflecte uma preocupação que sinto pela incapacidade do eleitorado português, ou uma parte significativa dele, perceber a situação dramática que o país atravessa e reparar no abismo por onde resvalamos, e que aceite apoiar soluções dolorosas mas indispensáveis. Preocupação que tenho transmitido ao longo de diversos textos que tenho colocado aqui (*).

Igualmente ontem no JN, embora só hoje eu tivesse tomado conhecimento, diversos e conhecidos economistas opinavam que “Portugal ainda não está preparado para aceitar uma verdadeira reforma da Administração Pública”, que “não existe na sociedade portuguesa um clima que permita ao Governo, qualquer que ele seja, reestruturar os fundamentos do Estado”, pois “pela simples força do número de famílias que poderiam ser atingidas por encerramentos ou restruturações de serviços, avaliações de desempenho, deslocações de uma zona do país para outra, ... o custo político de uma real reforma será insustentável, enquanto a sociedade entender que o actual estado de coisas é sustentável”

Medina Carreira concordou com aquelas afirmações e afirmou que "o primeiro passo é consciencializar a sociedade". Mas, "infelizmente, ainda não há pânico suficiente" para ultrapassar a actual "fase caricata de imobilismo e sequer começar a pensar em levar a cabo as medidas propostas por Miguel Cadilhe, que fazem todo o sentido", mas que "são bloqueadas logo à partida pela sociedade", e concluiu “Enquanto Portugal não sentir dificuldades sérias, não vai fazer nada para ultrapassar a actual bandalheira, relaxe e desordem”.

Portanto, todos estes distintos economistas concordam com o que tenho escrito aqui desde há muito tempo. E Medina Carreira foi ministro socialista.

Quem apreende a realidade nacional nas tascas suburbanas apenas vê os anseios, sociologicamente compreensíveis, mas economicamente insensatos, de uma população que, maioritariamente, se tenta drogar com ilusões, que foge desesperadamente da crueza dos factos, que contesta a política e os políticos dando socos no ar, pois nem quer acreditar que os verdadeiros alvos estão nela própria, em interesses ilusórios e ruinosos que não passam de ícones ocos, sem substância, mas aos quais sacrifica o bem estar nacional e os seus interesses mais essenciais e mais a longo prazo.

E a caminhada para o colapso é inevitável, e visível, para quem não se inebrie pelas tascas suburbanas, pois a nossa economia já não tem a possibilidade da desvalorização cambial para repor as condições de competitividade. E essa inevitabilidade é reforçada pelas promessas absurdas de Sócrates, o mais provável vencedor das eleições, que se desfaz em declarações avulsas, sem coerência entre si, tirando a despesa avultada que elas representam para o erário público, excepção feita à promessa, a longo prazo, de elevar o crescimento para um ritmo de 3% ao ano e criar 150 mil empregos. Só não explicou como pensa consegui-lo.

E seria igualmente importante que Sócrates, e também Santana, explicassem que medidas irão tomar para evitar o desemprego gerado pelo próximo colapso dos têxteis de baixo valor acrescentado, face à liberalização do comércio internacional dos têxteis, e na construção civil, face à estagnação continuada do sector imobiliário e das obras públicas.

Mas uma economia para gerar emprego, tem que ser competitiva e a competitividade não se estabelece por decreto, nem com declarações para eleitor ver. Consegue-se com medidas de longo prazo relativas à qualificação e formação, e estímulos diversos, nomeadamente aliviando o sector privado do pesado ónus de sustentar a ineficiência pública e de sofrer os seus efeitos.

(*) Cito, por exemplo:
A questão que se coloca é saber até quando Portugal sobreviverá sem uma revolução completa do seu actual modelo económico e financeiro. A questão que se coloca é saber o que sucederá primeiro: se um pacto de regime, ou se a convulsão e a destruição do actual espectro político.

às vezes, a iminência da morte leva a actos desesperados, e um deles pode ser o doente mandar às urtigas ... a constituição ... que lhe espartilhava a sua conduta, mandar passear sinapismos e emplastros emolientes, e fazer a cura que a ciência médica impõe.

Hoje toda a gente aceita as reformas ... desde que não belisque os seus interesses individuais. Toda a gente está convencida que é imprescindível fazerem-se reformas, mas quando elas se perfilam no horizonte, todos os argumentos valem para impedir que elas se façam. ... Elas hão-de se fazer, quer queiramos, quer não e quanto mais tarde acontecerem, mais sacrifícios teremos que suportar, mais custos haverá em desemprego, falências, insolvências. Será o preço acrescido a pagar pelo nosso desleixo.

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janeiro 12, 2005

A Frase do Dia

Sócrates dixit: «Só com políticas de conhecimento se conseguem empregos qualificados e sustentados

É uma verdade irrefutável. Em Portugal, a maioria dos empregos bem sustentados, quer no sector privado, quer no sector público, foi conseguida mediante activas políticas de conhecimento. Ter conhecimentos, quer o próprio, quer familiares chegados ou padrinhos, é imprescindível para arranjar empregos bem sustentados.

Em gíria também se designa por políticas de cunha. E em vernáculo, empenho político...

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janeiro 11, 2005

Ministro Equivocado

O Ministro Morais Sarmento foi um estouvado e um leviano. Onde julgaria ele que estivesse? De que governo pensaria ele que era a pasta que sobraçava? E que país acharia ele que era governado pelo executivo que integrava? Qualquer político avisado tem que conhecer os hábitos, costumes e idiossincrasias dos povos que pretende servir e o Ministro Morais Sarmento equivocou-se lamentavelmente.

O ministro da Presidência tinha que ir a S. Tomé assinar um protocolo de cooperação no domínio da comunicação social. Ora o Ministro deveria saber que o seu lugar era na Portela, à espera de lugar num dos 2 voos semanais para S. Tomé, em classe turística. Deveria esperar pelo chek-in, com a postura resignada que convém a um ministro português que se preze. Alugar um avião a pretexto que, caso contrário, perderia mais de uma semana por causa das ligações? Que ministro mais bronco! Então ele não sabe que em Portugal só se contabilizam as decisões? As omissões não são contabilizadas. Mesmo que ele estivesse 2 ou 3 semanas no aeroporto dessas ilhas longínquas, roendo as unhas, à espera do voo de regresso, isso não constituiria qualquer prejuízo. Em Portugal, no sector público, só o fazer pode redundar em prejuízo. O não fazer passa totalmente desapercebido.

E ao chegar, a noção de serviço público deveria tê-lo constrangido a alojar-se na Pensão A Estrela do Batepá (estrela de nome, mas meia estrela na classificação turística). Mas que imprudência o "Resort" Bom Bom? Só esse nome compromete irremediavelmente a adequação do estabelecimento ao alojamento de um ministro português em visita oficial. Além do que, num clima tropical, até uma tenda seria suficiente. Mesmo um mosquiteiro seria despiciendo. Um ministro em visita oficial deve sacrificar-se pelo serviço público. E que imagem melhor desse desprendimento público o ministro da Presidência poderia mostrar senão, na manhã seguinte, face e corpo entumecidos pelo convívio nocturno com todos aqueles insectos tropicais sedentos de provar o sangue de ministros da antiga potência colonial.

O ministro foi acompanhado por um administrador da Galp. Que desperdício! Quando o Presidente Fradique de Menezes apelou, há cerca de um ano, à colaboração dos países lusófonos na extracção do petróleo são-tomense estava obviamente a pensar enviar emissários a Portugal para negociar essa colaboração. Nunca lhe passou pela cabeça que homens de negócios portugueses tivessem a frivolidade de acompanharem uma delegação governamental portuguesa para avaliar a situação in loco. Isso fazem americanos, franceses, alemães, chineses, ... mas portugueses, nunca! Dos portugueses espera a Pátria – contenção. Em Outubro passado, na Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros, o governo foi inquirido como estava a questão do petróleo de S. Tomé e as possibilidades de colaboração portuguesa. Mas isso são matérias técnicas, que se passam na obscuridade de exíguas comissões trabalhando na clandestinidade. A Pátria passa displicentemente por esses pormenores, apenas lhe interessa questões substanciais, e a questão substancial não era que ia um administrador da Galp, mas um familiar de Morais Sarmento.

As autoridades locais, habituadas a obsequiar comitivas governamentais estrangeiras, convidaram Morais Sarmento para participar num programa de mergulho na ilha do Príncipe. Que presente envenenado! A resposta do ministro da Presidência deveria ter sido intransigente e severa:

- Mergulhos? Nunca! Impossível! O estado das nossas finanças só permite que flutuemos ... mesmo um crawl enérgico nos está vedado, quanto mais mergulhar. Fluctuat nec mergitur ...Estamos com défice de fôlego!

E acrescentaria – Além do que estou aqui em serviço permanente. Um membro do governo português tem que trabalhar sábados e domingos, para servir de contraponto aos nossos escribas acocorados da função pública, que despendem os dias úteis a acumularem energias para fins de semana trepidantes. Portanto, se V Exas me permitem, flutuarei com o traje que trago ... pois um fato de banho poderia induzir interpretações falsas, injustas e malévolas.

E o ministro da Presidência chegaria daqui a 2 ou 3 semanas, com o fato a pingar, mas com o dever cumprido perante a Pátria comovida e agradecida.

Eça escreveu nas Farpas, há mais de século e meio que, em Portugal, “Quer-se geralmente o prestígio da realeza e a majestade do poder; mas deseja-se que el-Rei se exiba numa sege de aluguel e que Sua Majestade a Rainha não tenha mais que dois pares de botinas.”. Esta mesquinhez miserabilista mantém-se como uma das mais imutáveis e gloriosas virtudes da grei.


Nota: Santana Lopes está uma sombra do enfant terrible que era anos atrás. Cada vez mais se produz perante as câmaras em estado de compungida penitência, olhando os algozes com a humildade de quem teme pela punição dos pecados que terá, segundo o que o braço secular presume, cometido. Escusava de afirmar que a notícia sobre Morais Sarmento “lhe causava incómodo” ... ele anda, desde há alguns meses, com o cariz de quem sofre de um incómodo crónico.

Santana Lopes ostenta, actualmente, a catadura do condenado que, tendo a execução marcada para 20 de Fevereiro, subiu já ao patíbulo e daí olha, resignado e com uma pungente ânsia de misericórdia, a populaça que se vai ajuntando para assistir ao suplício.

Publicado por Joana às 06:52 PM | Comentários (27) | TrackBack

janeiro 10, 2005

Portugueses e Alemães

Não deixa de ser curiosa a diferença entre aquilo que empresários portugueses e alemães preconizam para melhoria da competitividade da economia portuguesa. Parte dessas diferenças resultam do facto de que uns são portugueses e vêem a economia portuguesa como algo de um todo em que estão inseridos – o nosso país, enquanto os alemães a vêem apenas como um meio de rendibilizarem os seus investimentos. Não quero com isto desmerecer a qualidade do investimento alemão, que tem sido, desde há muitas décadas, um dos mais sólidos sustentáculos da nossa economia, mas apenas sublinhar a génese da diferenciação de algumas motivações.

Os empresários alemães, de acordo com declarações de um representante da Câmara de Comércio Luso-Alemã, consideram indispensável um melhor funcionamento da administração pública e desburocratização de muitos procedimentos (penso que incluem aqui as questões relacionadas com uma justiça mais célere) e uma diminuição da carga fiscal.

Empresários (ou Decisores) portugueses inquiridos pelo Jornal de Negócios destacam de uma forma quase unânime, como temas principais, a reforma da Administração Pública e a celeridade da justiça. Bastante atrás vem a simplificação fiscal e, muito mais atrás, a redução das taxas de IRC.

Estas diferenças são interessantes. Os decisores portugueses conseguem conviver com a complexidade fiscal portuguesa e a carga fiscal excessiva. Adquiriram “manhas” bastantes para tornearem aqueles obstáculos e reduzirem a carga fiscal a valores “aceitáveis”. É o princípio de J.-B. Say: aumentos da carga fiscal só parcialmente geram aumentos de cobranças fiscais – uma parcela cada vez maior “evade-se”. E os portugueses estão entre os mais pertinazes fundamentadores deste princípio com mais de 2 séculos.

Num ponto estão em sintonia: celeridade da justiça. Na verdade, a celeridade da justiça e a simplificação dos processos de cobrança coerciva de dívidas e de resolução dos casos de incumprimento contratual são essenciais para um bom funcionamento da economia.

Já no que respeita à reforma e emagrecimento do sector público, os empresários alemães são omissos. As razões são evidentes. Eles apenas precisam de um bom funcionamento da Administração Pública e de uma carga fiscal mais leve. Não lhes interessa como isso é conseguido. Tal é um problema das autoridades portuguesas e manda a urbanidade que na casa dos outros, sejam os outros a mandar. Portanto, mesmo que empresários alemães achassem que o sector público português tivesse efectivos em excesso e custasse uma exorbitância, isso seria uma análise pessoal que a cortesia não aconselharia a divulgar.

Mas mais que os resultados do inquérito ao painel dos 60 decisores do Jornal de Negócios, as declarações de Miguel Cadilhe, publicadas este fim de semana no Jornal de Notícias, são uma “pedrada no charco”. Aliás, o ex-ministro das Finanças afirma mesmo que "Estado só lá vai com um abanão". Cadilhe pretende que se atinja “Uma meta difícil - mas plausível nos quatro anos de uma legislatura - deveria ser reduzir para dois terços a actual escala de actividade corrente do Sector Público Administrativo. Ao mesmo tempo, dever-se-ia acelerar e completar a modernização das principais estruturas administrativas, como as que servem a justiça, a educação, o fisco, entre outras”. ... “O rácio despesas correntes/PIB desceria assim por efeito de duas forças confluentes. Como o rácio ronda os insuportáveis 40%, a meta apontaria para 27% em 2008”.

Ora isto significa diminuir a despesa corrente pública em cerca de 7% ao ano, nos próximos 4 anos. Implicaria diminuir substancialmente os efectivos do sector público. Cadilhe começaria pelo mais fácil: Governo e Assembleia da República, que não têm contrato de trabalho e não estão sindicalizados. Mas Governo e AR seriam apenas o começo exemplar, exemplar, porque são uma gota de água no oceano. Tal implicaria rescisões (muitas), reconversões e reafectações de funcionários.

Para subsidiar esta revolução e esta hecatombe de escribas acocorados seria criado um Fundo de Investimento. E com que recursos? Bem, os que fossem destinados às requalificações poderiam provir, parcialmente, dos fundos estruturais da UE, e o restante, que seriam muitos milhares de milhões de euros, proviria de mais privatizações, alienações e da venda das reservas de ouro (avaliadas em cerca de 5 mil milhões de euros).

Portugal recuperaria assim, em 4 anos, o que andou a desperdiçar em 14 anos, visto que regressaria aos rácios orçamentais de 1990. E para isso, o Estado teria que vender todos os seus activos ... seria o preço do seu laxismo e da sua leviandade financeira.

Mas que político se atreveria a propor este “abanão”, considerado "plausível" por Cadilhe? Apenas algum que quisesse ser expulso da política activa, já com um chorudo contrato assinado para analista televisivo, especializado em comentários devastadores, mortíferos e politicamente incorrectos.

Publicado por Joana às 11:59 PM | Comentários (30) | TrackBack

janeiro 07, 2005

Política, para que te quero ...

As listas dos candidatos estão quase terminadas e a comunicação social encontrou finalmente matéria para saciar a sua voracidade. Uma caterva de substantivos terminados em ismo foram cunhados e postos a circular profusamente: nepotismo; aparelhismo; cinzentismo; carreirismo; oportunismo; incondicionalismo; fidelismo; estalinismo; viuvismo; etc ... ismo. Outros, mais imaginativos, escreveram sobre a impreparação, o «baixo gabarito», a tacanhez, que são uns sandeus, etc.. A mim, parece-me que os senhores jornalistas mais uma vez se precipitaram.

Os senhores deputados devem possuir as seguintes qualidades: boa dicção; capacidade de verbalizar longas sequências de frases; fôlego bastante para sustentar o verbo; ausência do sentido de ridículo para que, durante o discurso, não se apercebam que só estão a dizer banalidades e coisas insensatas; e muita ... muita falta de memória, pois um político nunca se deve lembrar do que afirmou no dia anterior. O resto, além de despiciendo, pode ser inconveniente.

E tem sido sempre assim, com algumas inúteis excepções, felizmente cada vez menos numerosas.

Nós temos um sistema eleitoral em que elegemos deputados que desconhecemos. Quando depomos o voto num dado partido, alguém sabe em que deputado está a votar? Talvez o próprio e mais alguns amigos e familiares. Apenas alguns eleitores de partidos marginais, que elegem somente um deputado aqui e outro acolá, podem saber quem elegem. Neste entendimento, nós não nos identificamos com eles. Há, obviamente, o conceito mítico e politicamente correcto de representação nacional. Eles foram eleitos por nós. Mas nós não os elegemos. E esta interessante ruptura semântica entre a voz activa e a voz passiva é introduzida pelo nosso processo eleitoral, que faz com que não nos reconheçamos neles.

Adicionalmente, Portugal sofre de uma doença genética conhecida por rigidez partidária. A partir de uma dada ruptura política e social, cria-se um espectro político que se mantém praticamente inalterado até à sua exaustão. Todos temos consciência que caminhamos para a exaustão do modelo político. Todos temos consciência que esse modelo está ultrapassado, mas nós não o conseguimos superar de dentro do próprio modelo. Têm que ser acções exógenas.

Foi assim em 1820, e nas rupturas até à estabilização constitucional – 1823, a Vila-francada; 1826, outorga da Carta; 1828, revogação da Carta; 1833-4, triunfo liberal; 1836, Setembrismo e reposição do vintismo; 1842, Cabralismo e reposição da Carta Constitucional; 1846, Patuleia (Maria da Fonte), derrotada e subsequente fortalecimento do cabralismo; 1851, Regeneração.

Com a Regeneração inicia-se um ciclo assente no rotativismo que, com pequenos ajustes, se manteve inalterável até à queda da monarquia. O sistema eleitoral estava modelado para esse rotativismo. Esse modelo durou muito para além de todos terem reconhecido que o país estava num impasse. Em 1910, com o triunfo da república, a reformulação da lei eleitoral favoreceu os segmentos sociais mais “republicanos”. Criou-se um novo ciclo, com partidos totalmente novos, apenas republicanos, que duraria até 1926 (com a excepção do período sidonista, que aumentou a base eleitoral, eliminando algumas restrições republicanas, conseguindo superar o espectro político da 1ª República, legislação eleitoral que, aliás, foi logo eliminada após o assassínio de Sidónio Pais).

Ao fim de 16 anos a 1ª República, que já tinha passado o prazo de validade, mas não se conseguia regenerar de dentro, caiu perante o alívio da maioria da população. Alívio que redundou em tragédia, quando a democracia foi extinta, e o sistema eleitoral foi remodelado para permitir o triunfo permanente de um único partido. No fundo, nada que fosse muito diferente do sistema anterior, em que as eleições conduziam sempre, mais ou menos, ao mesmo resultado. Todavia, havia a mais a censura e a polícia política. Mas os bandos de arruaceiros das facções da 1ª República assassinaram certamente bastante mais gente que a polícia política da Ditadura. A diferença é que o assassínio político da ditadura tinha objectivos precisos, enquanto as bombas e os assassinatos dos arruaceiros eram, na prática, indiscriminados.

Com o 25 de Abril iniciou-se um novo ciclo. A forma como o regime nasceu e a tutela inicial dos militares que chefiaram o golpe, modelou novamente o espectro político, que se manteve inalterado desde então. Houve uma tentativa de ruptura com o PRD, de índole bonapartista, de um populismo transversal, que pareceu surtir inicialmente efeito, mas que se liquidou a si própria por ingenuidade política. A união de diversos agrupamentos da esquerda no BE não é propriamente uma ruptura, mas uma sinergia resultante dessa união e do anquilosamento do PCP. Aliás o BE vive da publicidade dos média, dominados por uma esquerda que ostraciza o PCP, pois já não se revê nele, e aposta numa esquerda mais mediática, que o Bloco protagoniza.

Não me parece que estes deputados sejam substancialmente piores ou melhores que os anteriores. São todos da mesma colheita – a colheita dos aparelhos partidários. Enquanto não houver uma ruptura no nosso sistema político-partidário, com especial ênfase no sistema eleitoral, só haverá diferenças de pormenor. Na substância está tudo na mesma.

Continuaremos a ouvir os apoiantes do governo a elogiar as qualidades da sua governação, e as oposições a descreverem o estado apocalíptico do país. Exactamente o mesmo que disseram nas eleições anteriores, excepto no facto, irrelevante, de terem então os papéis trocados.

O caso mais gritante da irracionalidade política e de como um político se esquece facilmente do que disse, ou fez, horas depois de tudo ter acontecido, sucede com o PR Sampaio, que acabei de ouvir na SIC, no início do Jornal da Noite. Sampaio espera que saia uma maioria das próximas eleições, pois o país precisa de uma maioria estável!!. Mas se o país tinha uma AR, que ele dissolveu, com maioria estável!!

O.K. ... ele não gostava daquela maioria ... Mas imaginemos que o próximo PR não goste da maioria que surja destas eleições! Será que ele tem um septo craniano que lhe impede que estes conceitos, gerados em lóbulos cerebrais diferentes, afluam ao mesmo processador?

Mas o meu ídolo é agora a Ministra da Educação! Herdou uma situação absolutamente desastrosa, perdeu dois ou três meses, enquanto pensou que os serviços do ministério serviam para alguma coisa, e quando descobriu que o ministério não funcionava, arranjou uma solução expedita e resolveu o problema o melhor que era possível na altura. Pediram-lhe agora para ir à AR explicar a questão, e ela achou “desinteressante” essa ida. Para quê? Explicar àqueles incompetentes coisas que eles obviamente não entendem?

Maria do Carmo Seabra já havia dito a uma amiga, há uns meses atrás, que se soubesse onde se ia meter nunca teria aceitado o convite para ministra. Mulher de elevada craveira intelectual e científica, mandou agora os talassas de S. Bento às urtigas. José Magalhães exaltou-se: "Por Deus, isto não é o cabeleireiro". Pois não, Zé. No cabeleireiro é mais relaxante e ouvem-se notícias frequentemente mais interessantes que os entediantes e improdutivos debates parlamentares.

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janeiro 05, 2005

Suécia e Portugal

Há cerca de 2 mil suecos desaparecidos na catástrofe do maremoto no Golfo de Bengala, presumivelmente mortos. Há 8 portugueses desaparecidos, dos quais três luso-franceses e cinco habitantes de Macau.

Na Suécia houve vozes que se levantaram alegando eventuais atrasos das instituições suecas no apoio às vítimas. Mas imediatamente prevaleceu a unidade nacional para enfrentar a catástrofe e apoiar as vítimas. Essas vozes recriminadoras emudeceram.

Em Portugal aconteceu que o embaixador português na Tailândia estava de férias em Lisboa. Teve a pouco mediática ideia de não tomar o primeiro avião para Banguecoque. É certo que a embaixada deveria funcionar quer o embaixador estivesse lá ou não. A presença do embaixador seria meramente simbólica. Talvez por isso ele não tenha partido no mesmo dia, mas no dia seguinte. E, com a duração da viagem, chegou ao local três dias depois.

Foi fatal. O embaixador foi assaltado pelos jornalistas que nem o deixavam falar, apenas o criticavam pelo seu atraso em chegar ao local da tragédia. Todavia os únicos portugueses oriundos da República Portuguesa que se encontravam no local eram ... os jornalistas. Nem sei se os portugueses desaparecidos seriam matéria do foro da embaixada portuguesa ou da embaixada francesa e da China.

A administração pública funciona mal em Portugal, como sabemos. Não seria ofensivo para a administração pública do nosso rectângulo que os serviços da embaixada portuguesa na Tailândia funcionassem na perfeição?

Mas o problema não é esse. O problema está na atitude. Em Portugal os jornalistas vivem na ânsia de encontrarem culpados, de arrastarem instantaneamente para o pelourinho o primeiro herético que apanhem na rede, com o veredicto de culpado carimbado imediatamente na testa. Perdura em Portugal o espírito da Inquisição e este é vivaz e palpitante no jornalismo.

A Suécia é uma democracia tolerante a avançada. Os fantasmas da intolerância e da persecução já se desvaneceram há décadas. Se houver culpados eles serão certamente punidos, não precisam de julgamentos instantâneos para as câmaras, não precisam de insolências nem de processos de intenção.

É isto que é o exercício da cidadania. Em Portugal julga-se que o exercício da cidadania é insultar ou enxovalhar na comunicação social figuras públicas.

Publicado por Joana às 11:47 PM | Comentários (65) | TrackBack

janeiro 03, 2005

Haverá vida para além do Pacto?

No editorial de hoje do DN critica-se, embora com a forma velada adequada à deferência devida às vacas sagradas, a sugestão feita pelo PR, ainda que com sua a proverbial ambiguidade, na mensagem de Ano Novo. Outros matutinos discorrem sobre o mesmo alvitre.

O editorialista afirma que há vida para além do pacto. A minha resposta é não. E não de forma liminar. Com o actual espectro político, não há vida para além do pacto. A questão que se coloca é se há condições para esse pacto se concretizar. A questão que se coloca é saber até quando Portugal sobreviverá sem uma revolução completa do seu actual modelo económico e financeiro. A questão que se coloca é saber o que sucederá primeiro: se um pacto de regime, ou se a convulsão e a destruição do actual espectro político.

Na actual conjuntura como é possível haver um pacto de regime quando o PS não reconhece os erros financeiros que cometeu durante o governo de Guterres? Se nem sequer reconhece que as SCUTs foram um erro e, pior que não reconhecer, pretende persistir nesse erro?

Como é possível pactos de regime entre partidos que continuam a utilizar os Resíduos Industriais Perigosos, uma questão puramente técnica, como arma de arremesso político, inviabilizando em cada legislatura o que estava praticamente implementado na legislatura anterior?

Como é possível pactos de regime entre partidos que têm opiniões tão opostas sobre, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde? Embora haja, dentro do PS, opiniões muito minoritárias favoráveis à reforma que estava a ser implementada, porém contestando-a por preferirem boys diferentes (cf. Correia de Campos).

Como é possível estabelecer um pacto de regime sob os auspícios de um PR que viciou as regras do jogo, dissolveu uma AR com uma maioria estável e comportou-se como alguém que estava a fazer um favor partidário?

Como é possível que após dois anos e meio de crispação política, primeiro com o terrorismo parlamentar do PS, no período da sua deriva esquerdista, e depois com a crispação provocada pelas manobras do PR já aqui descritas noutros locais, com as feridas e traumas que tal terá deixado, estabelecer um pacto de regime?

Qualquer tentativa actual de promover um pacto de regime seria olhada com suspeição. Todas as suspeitas são possíveis: Será que o PR tem receio que o PS não consiga uma maioria absoluta e ele seja acusado de desestabilizar o país? Será que querem que o “meu partido” se alie ao “outro partido” para ser responsabilizado pela impopularidade da política do “outro partido”? Será que querem que o “meu partido” se alie ao “outro partido” para este ficar com os louros finais de uma política que ele havia impedido que “meu partido” fizesse enquanto governo?

Para haver um pacto de regime teria que haver uma pacificação na esfera política. Essa pacificação é possível? O PS não tem condições internas para um pacto de regime. O espectro político dentro do PS é demasiado amplo para permitir tal. Sócrates poderia subscrever muitas das reformas que a república necessita. Todavia Sócrates está à direita do espectro político do PS e só foi eleito por ele ser o portador da miragem do aparelho socialista em regressar às sinecuras do poder.

Sócrates não conseguiria resistir, internamente, a uma política reformista. Só conseguiria fazê-lo se comprasse o aparelho com prebendas públicas, como o que Guterres andou a fazer. Mas ao fazê-lo, compraria essas adesões com o empolamento da despesa pública. Seria uma contradição: Sócrates fazer reformas para diminuir a despesa pública e pagar essas reformas com o aumento da despesa pública necessário para subornar a sua clientela partidária. E como reagiria o “outro partido” do pacto?

Portanto, no futuro próximo as pontes estão cortadas entre os dois maiores partidos. Todavia, de uma forma ou de outra, a constituição terá que ser revista de modo a adequá-la ao funcionamento eficiente de uma economia de mercado; o sector público terá que ser emagrecido substancialmente; a justiça e o funcionamento da administração pública profundamente desburocratizados; a cidadania ser entendida como um contrato entre o cidadão e o Estado que o representa e assegura as condições para o exercício eficiente da sua actividade, e não uma relação entre um Estado omnipresente, tutelar, gastador, um Moloch devorador, e um cidadão indefeso e que só sobrevive capazmente enganando esse mesmo Estado.

Assim sendo, fatalmente acabará por haver em Portugal uma maioria suficientemente lata para que tal suceda. Só assim se ultrapassarão os actuais impasses. Como tal poderá vir a suceder é uma previsão que não ouso fazer. Só prevejo que não será num futuro próximo. Nas actuais circunstâncias não existem condições políticas para isso.

Publicado por Joana às 09:56 PM | Comentários (30) | TrackBack