dezembro 31, 2003

Ferro Processa Menores

Segundo a Comunicação Social, Ferro Rodrigues processou, ou vai processar “quem o caluniou”, ou seja, as testemunhas que teriam referido o seu nome no caso da pedofilia.

Ora processar menores (ou que eram miúdos à data da ocorrência dos factos) vítimas de abusos sexuais, se estes forem representados por advogados habilidosos, pode revelar-se uma tarefa espinhosa e contraproducente, mesmo que os testemunhos sejam equívocos. Como pretende Ferro Rodrigues sustentar durante meses ou anos um processo sórdido, no papel de acusador de vítimas de práticas pedófilas que, à partida terão a compaixão pública, com “revelações” saindo a conta-gotas na comunicação social? Seria um desgaste de imagem terrível.

Um arguido pode defender-se deste tipo de testemunhos, em tribunal, desacreditando-os, exibindo alibis ou lançando dúvidas sobre a sua veracidade. Quem não é arguido, mas está referenciado no processo, pode asseverar que está à disposição da justiça para o que esta entender, dado estar seguro da sua inocência por os depoimentos não passarem de erros ou calúnias, explicando porquê e o caso morre ali, pois não foi deduzida acusação. Processar menores, alegadas vítimas da rede pedófila, será sempre, e nomeadamente se se tratar de um político, um acto desastrado.

Porém, Ferro Rodrigues pretende mais que processar menores. A sua pretensão última é pressionar a justiça e atemorizar as testemunhas do processo. Ferro Rodrigues que enquanto Ministro da tutela da Casa Pia (de que também foi Paulo Pedroso), não fez nada para pôr cobro ao que então se passava, pretende agora pressionar e atemorizar testemunhas, que são os menores que foram vítimas de abusos enquanto ele tutelava a Casa Pia.

Não é a primeira vez que Ferro Rodrigues aparece com uma truculenta e pretensa autoridade moral a alijar responsabilidades. Fê-lo vergonhosamente na questão da Metropaço, onde agiu com uma grande irresponsabilidade e ligeireza, sendo politicamente responsável por o erário público ter sido “aliviado” de 40 milhões de contos e se comportou na Comissão de Inquérito com a desfaçatez de quem sabe que em Portugal a gestão danosa da coisa pública não sofre punição.

Nestes dias, como já o tinha sido em fins de Maio, Ferro Rodrigues foi igual a si próprio: um líder sem estatura política que tenta protagonizar uma inocência através da truculência e de falar grosso. Um líder que tenta transformar um caso do domínio privado, trazendo-o para o domínio político, arrastando o próprio partido, como se fosse todo o PS que estivesse envolvido na rede pedófila, ou que este caso fosse um caso político.

Jaime Gama também aparece referenciado nas notícias com idêntica pretensão. Jaime Gama tem sido dos poucos dirigentes socialistas que tem sabido manter alguma sensatez no desastre que tem sido o PS na oposição. Espera-se que mantenha a cabeça fria e que não enverede pelo mesmo registo de truculência e de pseudo-autoridade moral de Ferro Rodrigues.

Mais grave: este desenvolvimento é referido nas notícias como o “PS contra-ataca”. Ainda antes da TVI avançar com as notícias, Vera Jardim, convertido em porta-voz do partido para as questões da pedofilia, divulgou o comunicado, em nome de Ferro Rodrigues, manifestando «violenta indignação contra tal patifaria».

Ora o PS não está envolvido nos casos de pedofilia. Estarão, alegadamente, alguns dirigentes socialistas, mas a título individual. Não se percebe como Vera Jardim aparece agora como pedofilista de serviço.

Corrijo: o PS não está, à partida, envolvido no caso da pedofilia, mas os seus dirigentes estão a fazer os possíveis para o envolver, como instituição, naquele caso.

O processo da pedofilia vai ser muito sórdido. Haverá erros nos depoimentos, alguns enganos, erros de datas, etc.? Esses erros poderão fragilizar a acusação, suscitarem dúvidas e levarem à absolvição de alguns dos arguidos? Pode acontecer. Mas as testemunhas foram vítimas de abusos sexuais, trazem no corpo e no espírito o sofrimento físico e moral desses abusos. Irão descrevê-los e a opinião pública irá sofrer com essas descrições. Irão identificar os seus agressores e narrar, ao pormenor, como eles praticaram esses abusos. Todos esses depoimentos aparecerão nos horários nobres das TV’s, com a repugnante sordidez em que essas estações são exímias. Ligar o PS a todo esse estendal de podridão será um crime contra o partido e contra a democracia portuguesa que precisa do PS, não do PS do Ferro Rodrigues, mas de um PS que aja com o sentido de Estado de um partido da área do poder.

Ferro Rodrigues julga que arrastando o PS para este caso sórdido, ficam, ele e os seus amigos, mais protegidos das eventuais consequências do mesmo. É um equívoco. Juntar política e sordidez moral é uma mistura explosiva. Não diminui o risco, antes o portencia.

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dezembro 28, 2003

Portugal é um sítio

Portugal não tem condições subjectivas para ter forças armadas, forças para-militares, forças de segurança, etc., etc.. Tem condições objectivas, visto precisar delas. Um sítio (estou com dificuldade em lhe chamar país) com uma zona marítima tão extensa, na encruzilhada dos caminhos entre o velho e o novo mundo, entre o oriente e o ocidente, deve ter forças armadas. Um sítio (continuo com dificuldade em lhe chamar país) que quer ter estabilidade social e uma economia desenvolvida tem que ter forças de segurança, pois não é possível actividade económica sem garantias de estabilidade, ordem e salvaguarda da propriedade e dos bens de cada um.

O que não existem entre nós são as condições subjectivas para suportar essas forças porquanto quando há necessidade de lhes comprar equipamentos e meios, e de orçamentar verbas para lhes pagar os vencimentos, meios de comunicação, comentadores e blogosferenses questionam acintosamente a prioridade de lhes outorgar verbas tão avultadas; quando, em contrapartida, face a ocorrências dramáticas, elas mostram as suas deficiências e carências, os mesmos meios de comunicação, comentadores e blogosferenses riem-se e troçam dessas deficiências e incapacidades. Como têm septos nos cérebros e as informações não circulam entre os diversos compartimentos da massa encefálica, não discernem o nexo de causalidade entre aquelas duas situações.

O caso da ida dos 120 GNR para o Iraque é o mais recente exemplo de como o sítio em que vivemos não tem condições subjectivas para suportar tamanho desafio.

Nas vésperas da GNR ir para o Iraque foi assinado um protocolo estabelecendo as condições em que a GNR operaria no Iraque. Nesse texto está tudo previsto, desde quem fornece a comida e os combustíveis até às condições em que se pode disparar a matar. E prevendo-se, por exemplo, que os militares portugueses gozem de imunidade perante as leis iraquianas.

Nas negociações, Portugal foi representado pelo adido militar em Londres, comandante Augusto Ezequiel, o homem que a comunicação social glorificou como exemplo de competência, rigor e capacidade de previsão (enfim … tudo o que escasseia no nosso sítio) durante o caso «Prestige».

Portugal e os oito países signatários do protocolo com o governo britânico colocaram diversas condições. O Ministério da Administração Interna português impôs que Portugal não faria nada contrário à Constituição portuguesa e às leis internacionais, indicando que só aceitava participar se actuassem apenas em missões de estabilização da ordem pública, protecção das populações e formação da polícia iraquiana.

Esse protocolo confidencial, aparentemente inócuo, teve ultimamente desenvolvimentos surpreendentes (bem … surpreendentes se Portugal fosse um país … mas tratando-se de um sítio …):

1 – Veio-se a saber. Era inevitável. Não é por termos jornalistas mais argutos. Foi apenas porque em Portugal os detentores de cargos da administração pública, ou parte significativa deles, não sentem quaisquer pruridos em contar aos jornalistas tudo o que lhes apraz, para satisfazerem vinganças mesquinhas, pessoais ou políticas, ou apenas a sua sede de protagonismo. Basta ver como os despachos e autos cobertos pelo segredo de justiça são conhecidos na íntegra ou em partes importantes, cá fora, ainda antes que os interessados deles tenham conhecimento. No nosso sítio a confidencialidade vende-se por um prato de lentilhas.
A próxima vez que alguma potência estrangeira assinar protocolos confidenciais com outros países e nesse grupo estiver incluído o nosso sítio, haverá 2 protocolos: um confidencial, onde nós não estaremos incluídos por manifesta incapacidade de mantermos a boca calada, e outro público, apenas assinado por nós.

2 – Os meios de comunicação, comentadores, etc. surpreendem-se estupefactos perante a extrema minúcia com que direitos, deveres, procedimentos, logística, etc., estão descritos e previstos. Trata-se evidentemente de uma circunstância altamente suspeita. No nosso sítio não suportamos semelhantes equívocos. Quando enviamos pessoal, ele vai ao “Deus dará”, como foi o caso dos jornalistas que invadiram no Iraque no encalço dos GNR. É pois natural que jornalistas e políticos fiquem desconfiados perante a alegada necessidade de tais minúcias e planeamentos e vejam com um olhar de sofisma o documento “confidencial”.

3 – O memorando foi assinado pelo Ministério da Administração Interna do Governo de Portugal pois, segundo os meios de comunicação, as divergências entre Durão Barroso e Jorge Sampaio sobre esta matéria impediram que Portugal aparecesse referenciado como um Estado, tal como surgem os oito países que assinaram conjuntamente o acordo em Inglaterra. É certo que este documento foi assinado a 6 de Outubro e a resolução 1511 da ONU é apenas de 16 de Outubro. É certo que Sampaio diz coisas divergentes dependendo do sítio onde fala: em Lisboa comove-se com a dedicação e competência dos heróicos 120 GNR’s enviados para o Iraque, em Argel refere-os como força intoleravelmente opressora, em Londres … bem, em Londres ainda não se sabe. Tudo isso é certo. Todavia, julgo que as verdadeiras razões de Portugal não ter sido “referenciado como um Estado” resultam obviamente de Portugal, como todo este caso exemplarmente demonstra, não ser um Estado, mas apenas um sítio.

4 – E tratando-se de um sítio, não há que estranhar não termos políticos com sentido de Estado. Temos, no máximo, políticos com sentido de sítio. Sampaio foi o que se viu - mudou de sítio ... mudou de discurso. Ana Gomes, ao declarar que o protocolo é “totalmente incompatível com a Constituição portuguesa e com o direito internacional a que Portugal está obrigado”, referindo a ida da GNR para o Iraque como a “participação portuguesa numa guerra” mostra que não leu, não percebeu ou não quis perceber o protocolo, a resolução 1511 da ONU, a indicação que se tratava de uma “força de manutenção da paz”, o manual de procedimentos para políticos com sentido de Estado, o manual de boas maneiras, enfim … qualquer texto posterior ao último discurso político do Grande Educador do Proletariado Arnaldo de Matos.


P.S. E nem quero referir o drama horrendo da falta do bacalhau que se vive nas cozinhas do valoroso contingente da GNR. Portugal tem-se comovido às lágrimas com a pungente tragédia glosada, em diversos tons e métricas, pelos nossos jornalistas. A GNR desmuniciada de bacalhau é presa fácil nas areias escaldantes que marginam o Eufrates. A carência do bacalhau desmoraliza os ânimos mais intrépidos, faz “fraca a forte gente”. É uma situação patética e aviltante que tem que ser superada com o pundonor que nunca escasseou na alma lusa quando estão em causa os imortais símbolos pátrios. Portugal, o nosso sítio, tem que se mobilizar para enviar bacalhau para aquelas terras inóspitas, esquecidas de Deus e do bacalhau. Podemos falhar como Estado, como país … mas como sítio amante do bacalhau não falharemos!

Já metemos uma lança em África … havemos de meter um fardo de bacalhau na Ásia!

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dezembro 22, 2003

Hoje não vou dizer nada

Para quê escrever quando não há nada a dizer?

Falar novamente no euro e no dólar? Mas se ninguém está de acordo sobre o que vai acontecer! Uns falam do colapso do dólar em 2004; outros que o dólar poderá, no máximo, cair para 1,70US$/€; alguns, mais prudentes, asseguram que apenas cairá até 1,30US$/€; em qualquer dos casos, já ronda os 1,25US$/€, embora se diga que tal se deveu ao “alerta laranja” e ao receio das consequências de eventuais ataques terroristas em território norte-americano.

E que consequências isso trará para a UE? Não se sabe … ou melhor, há diversas entidades que sabem. Infelizmente têm todas opiniões divergentes umas das outras. Logo, a resultante desse saber é nula. Como entidade colectiva, a UE não tem qualquer ideia das consequências da apreciação do dólar.

Li algures que a questão da competitividade se resolveria, entre os nossos exportadores, pela adopção de listas de preços em euros, em vez de dólares, impondo aos clientes/mercados de países terceiros a conversão das listas de preços para euros. Para além de reconhecer que listas de preços em euros, numa época de grande fluidez do dólar, teria um efeito psicológico positivo, sugeria também ao analista autor daquele artigo que persuadisse igualmente os “clientes/mercados de países terceiros” a deixarem de usar máquinas de calcular.


Uma outra não-notícia é a proposta de decreto lei que a secretária de Estado da Habitação vai levar a um próximo Conselho de Ministros para criar o "regime jurídico excepcional de reabilitação urbana de zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística". Este diploma, segundo os jornais, deve ser promulgado no início do próximo ano e permite criar as aguardadas "Sociedades de Reabilitação Urbana", estruturas compostas exclusivamente por capitais públicos e dotadas de poderes de expropriação e de facilidades administrativas que permitam agilizar o processo.

Durante décadas o mercado do arrendamento (habitacional e comercial) esteve congelado ou semi-congelado. Essa violação das leis do mercado criou a descapitalização dos senhorios dos edifícios antigos, a aquisição de direitos pelos arrendatários, cuja revogação era completamente impossível, do ponto de vista social e humano, e à degradação progressiva do parque habitacional e da qualidade do comércio nos centros históricos.

E digo não-notícia, porque estou com imensa curiosidade em conhecer o articulado do decreto para saber como “captar o interesse dos privados (empresas de construção civil, entenda-se) a avançar com as obras, ponderando e protegendo os direitos e obrigações dos proprietários e do equilíbrio dos direitos dos arrendatários, que, em larga maioria, ocupam estas habitações”. Ora os privados quererão ser remunerados, os arrendatários pagarão rendas de acordo com o rendimento do agregado familiar, os proprietários serão “protegidos”, mas, a menos que o governo tenha descoberto a quadratura do círculo, alguém terá que pagar para que os interesses acima enunciados sejam todos “protegidos”.

Há que reconhecer que há uma necessidade urgente de intervenção nos bairros degradados, quase todos nos centros históricos, e que essa intervenção terá que contar com investimentos a fundo perdido, pois não se vê outra forma de resolver a questão.

Todavia, se não houver uma política relativamente às rendas antigas que tente repor, pouco a pouco, mas de forma consistente, os valores de mercado, daqui a algumas (poucas) décadas estar-se-á outra vez a decretar uma solução de emergência paga por toda a sociedade.

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dezembro 11, 2003

Pacheco Pereira e os carneiros de Panurgo

Pacheco Pereira publicou hoje um extenso artigo no Público sobre as presidenciais ao estilo que lhe é peculiar: diz o que pensa, com frontalidade, sem procurar dividendos políticos, sem mostrar ambições por cargos públicos, preferindo o reconhecimento a longo prazo ao triunfo imediato. Pacheco Pereira não enfileirará nunca na extensa fila dos carneiros de Panurgo.

Todavia, uma das pequenas misérias da democracia é que governar exige compromissos, exige que, muitas vezes, se engulam sapos vivos. O critério é saber avaliar se os benefícios são superiores ou inferiores aos custos.

Tomemos o caso da coligação do PSD com o PP. Partilho com JPP as dúvidas que ele tem sobre Paulo Portas. Só não partilho as suas certezas e apenas por não conhecer suficientemente o líder do PP para as validar ou não. JPP foi denodadamente contra a coligação. Em tudo quanto era tribuna pública ele perorou contra ela e atacou Portas.

Todavia não era possível um governo do PSD sozinho, sem o PP. O país estava (e continua) numa situação lastimável. Eram indispensáveis reformas urgentes e, na sua maioria, altamente impopulares no curto prazo. Não era viável um governo minoritário fazê-las. (Infelizmente o governo maioritário também não as está a fazer, mas isso é outro assunto). Um governo minoritário seria a catástrofe a curto prazo e implicaria rapidamente eleições antecipadas. E o principal coveiro desse governo seria provavelmente o PP. Não me parece que o PSD tivesse alternativa à coligação com o PP. Nem o pareceu à oposição, que centrou todos os seus ataques na figura do Portas, sabendo que a sua queda poderia arrastar a do governo.

Agora, JPP tem razão no facto de haver um excessivo protagonismo de Santana Lopes no que respeita à corrida para as presidenciais. Tem razão em muitas das coisas que afirma. Não há dúvida que é vital para Santana Lopes marcar desde já terreno se quer ser uma opção viável quando chegar a altura das decisões, e que ele o faz sem ter em conta, aparentemente, possíveis efeitos colaterais. E, adicionalmente, esse protagonismo de Santana Lopes pode vir a revelar-se um estorvo nas relações governo-PR.

Agora imaginemos, dentro do PSD, um cenário onde Cavaco Silva não se candidata. Nesse cenário, actualmente, apenas se prefigura a candidatura de Santana Lopes. Que fará JPP nesse caso? Dirá na campanha eleitoral que “seria um desastre para a estabilidade política em Portugal se tivéssemos um presidente populista”? Fará campanha contra o candidato do seu próprio partido? E, se o não fizer, como lidará com as boutades que as candidaturas adversárias não perderão a oportunidade de lançar, citando estas e outras afirmações suas?

JPP está certo quando afirma que “Criou-se no PSD um adormecimento facilitista, tomando por adquirido que o partido não consegue maiorias sem o apoio do PP, pelo que nem sequer luta por elas e parte já menorizado para eleições. Ninguém se iluda que a situação actual, gerada por um obscurecimento da oposição devido aos erros do PS no caso Casa Pia”. Mas esse “adormecimento facilitista” tem tido mais visibilidade no marasmo que se nota em muitos sectores da acção governativa, com as repercussões gravosas que se notam no curto prazo, mas que serão igualmente uma herança pesada, a médio e a longo prazo, do que na questão das eventuais futuras coligações, relativamente às quais o país e a opinião pública é, actualmente, muito menos sensível.

Há 2 maneiras de não partilhar a sorte dos carneiros de Panurgo. Uma é a recusa sistemática em alinhar, é a opção de JPP. Outra é avaliar se, borda fora, há o oceano, profundo e fatal, ou uma solução alternativa, porventura mais aceitável do que a recusa liminar. É a realpolitik. E JPP não estaria sozinho entre os pensadores políticos. Teria a companhia ilustre de Tucídides, Maquiavel, Cavour … para já não falar de nomes mais discutíveis e incómodos, como Bismarck e Kissinger …


Nota: no Adufe foi afixado um post sobre este artigo do JPP, com o qual eu concordo em alguns aspectos e cuja leitura recomendo.

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novembro 11, 2003

Escolhas…

Os portugueses, a classe política, os meios de comunicação, entidades públicas e privadas, têm que escolher: queremos um país moderno, civicamente evoluído, ou um enxerto terceiro-mundista numa Europa desenvolvida?

Pois foi dada agora à classe política a oportunidade de explicar ao país o que pretende, de fazer uma escolha. Os dados estão lançados e o cenário montado. O presidente do F.C.Porto definiu as regras do jogo: só vão à inauguração do meu estádio aqueles políticos que mostrarem total subserviência perante mim.

É evidente que Pinto da Costa não enunciou aquela condição linearmente, de uma forma clara e inequívoca. Enunciou-a de uma forma oblíqua: quem não foi subserviente, não é convidado et pour cause.

Esse circunlóquio dá alguma margem de manobra a políticos subservientes que não o queiram mostrar de forma demasiado evidente. Podem fingir que não percebem o que está em jogo. Afinal trata-se apenas da inauguração de um estádio de futebol … não tem nada a ver com políticas. Como? … Pinto da Costa insultou a AR pela forma como tratou o seu presidente? Claro! Inadmissível! Também discordo ... mas ir à inauguração é apenas uma coisa de futebóis ... algo de tão enraizado na alma lusa! É o estádio dele, que diacho! Pode convidar quem quiser! E eu fui convidado(a)!

O estádio foi pago, parcialmente com dinheiros públicos? Do orçamento que nós aprovámos? Ora ... minudências ... não levemos o assunto tão a peito ... o Estado gasta tanto dinheiro mal gasto ... mesmo daquele que nós aprovamos anualmente, no OGE! E nós só lá vamos porque gostamos de futebol. A minha política é o futebol!

Mas esta escolha tem uma virtude: ficaremos a saber quais são os deputados subservientes. Não todos. Ir à inauguração do estádio do Pinto da Costa é condição suficiente para se ser subserviente, mas não necessária. Haverá subservientes que não irão por outras razões. Mas alguns ficarão identificados indelevelmente: os que forem.

Os que forem estarão irrecusavelmente, inevitavelmente, por opção própria, no lado do país bacoco, subserviente, medieval, terceiro-mundista. Do país que não quer sair do atoleiro onde o meteram.

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outubro 04, 2003

Notas da rentrée – Paulo Portas

O discurso de Portas sobre a imigração é de uma grande superficialidade e serve apenas para agradar a uma direita pouco avisada, que vê na imigração a origem de todos os males.

A questão fulcral é que, na sua quase totalidade, os portugueses que estão no desemprego não aceitariam exercer as actividades que os imigrantes executam. E isso é reconhecido pela maioria dos empresários, de direita ou sem ser de direita. Portanto, é um discurso estéril, pois se for posto em prática terá contra ele a quase totalidade dos agentes económicos.

Poderá dirigir-se aos desempregados. Quando o desemprego cresce a insegurança é má conselheira, mas estou convencida que a maioria dos desempregados se apercebe que nunca iria aceitar empregos que estão ocupados por imigrantes: ou são pouco atractivos, ou não tinham qualificação para os preencher.

Por outro lado, P Portas não tem sabido exercer o cargo de Ministro de Defesa como se esperaria de um político com as ambições dele. Tem sido bastante melhor que os anteriores, mas isso não é um grande elogio, dada a extrema fraqueza daqueles.

Portas tem sido salvo pelos ataques pessoais, cegos e estúpidos, que a esquerda lhe tem movido, e que têm obscurecido a avaliação do seu desempenho como ministro.

Julgo que, de facto, se trata de um erro de casting. Portas tem uma imagem que não cola com a imagem que se espera de alguém que superintende militares. Uma pasta em que fizesse sobretudo intervenções de caracter político seria mais adequada. Manter-se apenas como Ministro de Estado ou, por exemplo, ir substituir Figueiredo Lopes, como sugere o JAL, embora tal possa causar engulhos no PSD. Em qualquer dos casos, P Portas tem um discurso com tendência para a superficialidade que terá que corrigir.

Todavia, é de sublinhar que a pasta da Defesa é muito ingrata: quando se discute a atribuição de verbas orçamentais, a multidão de tontos que anda pela comunicação social, por aqui e por outros locais de má língua, considera que qualquer dinheiro atribuído às Forças Armadas é deitado à rua. Depois quando se verifica que as Forças Armadas não conseguem cumprir as suas missões por falta de verbas, troçam do estado delas.

Parecem que têm um septo no crânio que não permite que as sensações e as percepções que chegam a um dos lobos do cérebro (se é que conseguem chegar), transitem e seja confrontadas com as que chegam aos lobos restantes.

17 de Setembro de 2003

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outubro 03, 2003

Os Estábulos de Áugias

Sempre considerei P Portas, enquanto político na oposição, um cabotino. Enquanto ministro fui todavia obrigada a reconhecer que tem tido um desempenho que me parece razoável, embora fique sempre incomodada com o cabotinismo de algumas das suas intervenções públicas … porventura intelectualismo meu em excesso ….

Porém, sempre me insurgi contra a campanha de maledicência contra P Portas, campanha veiculada pelo Expresso e outros órgãos de Comunicação Social e amplificada pelo PS e oposição em geral.

E insurgi-me porque lançar torrentes de lama, repetidamente, sobre um político, em vez de discutir o seu desempenho como estadista, inquina todo o debate político português, fragiliza as instituições democráticas e é um boomerang que acabará sempre por atingir quem lança a lama e, por acréscimo e infelizmente, todo o mundo político e a democracia portuguesa.

Recuando ao mundo da Grécia Clássica, diria que esta questão faz lembrar um dos trabalhos de Hércules: A limpeza dos estábulos de Áugias.

Áugias era um rei grego que possuía grandes rebanhos de gado, cujos currais nunca tinham sido limpos. Assim o estrume e as bostas tinham vários metros de profundidade e hectares de área. Eristeu, outro rei, ao tempo patrão de Hércules e pouco respeitador da legislação laboral, ordenou ao herói que limpasse os estábulos num dia. Hércules analisou a forma como os excrementos se tinham acumulado, desviou o curso de um rio para os locais exactos e uma enxurrada de água, imensa e purificadora, varreu toda a imundície para longe. Foi assim como se tivesse ido depor, em Monsanto, sobre a Moderna.

Regressando à Cultura Lusitana Actual, vemos que o resultado de uma estratégia de maledicência política, e de teorias de conspiração absurdas, levou a oposição, após a “limpeza dos estábulos de Áugias”, à mais completa astenia política e um político sem carisma e que, há pouco mais de um ano, ninguém dava nada por ele, à confortável posição de líder incontestado. Pior era impossível!

Mas, apesar dos resultados negativos, a falta de siso dos “que-se-julgam-fazedores-de-opinião” não tem limites, como se vê continuadamente por alguns parágrafos aqui e além. Por exemplo, Miguel Veiga diz que Portas “mostrou um «comportamento inqualificável e desleal», revelador de «falta de carácter e dignidade», «quase canalha»”. Estas declarações de Veiga são, para Nicolau Santos, no seu texto de hoje no Expresso online, uma “verdade absoluta”. No que se refere a Portas não há “contraditório”. O homem tem sempre o “prejuízo da dúvida”, como já o tinha tido quando as afirmações de um arguido, acusado do desvio de milhões de contos, é que faziam fé.

Não sei se P Portas e Nogueira de Brito terão um problema de carácter. Eventualmente tê-lo-ão. Mas Nicolau Santos, J.A.Lima e outros, esses têm-no seguramente.

24-Junho-2003

Publicado por Joana às 08:41 AM | Comentários (0) | TrackBack

outubro 01, 2003

Incompetências – o acordo com a Metropaço

Começo pela questão base: a do acordo.

Numa empreitada pública, em que o Dono da Obra é uma entidade pública, nunca devem ser feitos acordos deste tipo, com a alegação de que seria pior a questão ir para tribunal.

Uma empresa privada pode fazer isso, que só tem que prestar contas a si própria, mas uma entidade pública tem que prestar contas ao Estado e aos contribuintes e, agindo assim, fica sempre a suspeita sobre a bondade da sua decisão.

Obras que incluam túneis são obras complicadas em que a atribuição de responsabilidades não é fácil. Os empreiteiros defendem-se com o facto das zonas geológicas serem diferentes das expectáveis (normalmente as sondagens efectuadas durante os estudos são insuficientes) e as propostas estão “armadilhadas” para conseguirem, durante a execução, adicionais em virtude da insuficiência da informação constante da consulta.

Neste entendimento, o despacho de Jorge Coelho também não fazia lei. Um ministro não pode, por despacho, mesmo baseado num parecer de LNEC, substituir-se aos tribunais (ou às comissões de arbitragem).

Mas da mesma maneira, quer Ferro Rodrigues, quer o seu secretário de Estado não deveriam ter tomado a atitude de validarem a decisão do CA do Metro. Essa aceitação custou 40 milhões de contos a todos nós.

Foi muito deselegante a forma como o ministro e o seu secretário de Estado alijaram as suas responsabilidades para o CA do Metro, mas foi apenas falta de estatura política, pois tal não constitui crime.

Em face disto, entendo que, na questão do acordo com a Metropaço há 2 vertentes que são distintas:

1 – A administração do Metro tem autonomia e, portanto, se se verificar dolo no acordo, só esta é criminalmente responsável.
A maioria, ao enviar as actas da Comissão de Inquérito ao PGR devia estar equivocada. Gestão danosa é de quem gere e quem gere é o CA do Metro.

2 – Os ministros do Governo PS agiram com uma grande irresponsabilidade e ligeireza em todo este processo, são politicamente responsáveis por o erário público ter sido “aliviado” de 40 milhões de contos e comportaram-se na Comissão de Inquérito com a desfaçatez de quem sabe que em Portugal os disparates políticos não sofrem punição.

Quanto à maioria foi de uma inabilidade extrema. O que é que ela esperava do PGR?

Se acreditavam que o PGR poderia ter tomado outra atitude, são de uma extrema incompetência.
O PGR não é o Supremo Tribunal Administrativo, nem o Tribunal de Contas. Analisam as situações de diferentes ângulos e com competências diferentes.

20-Fevereiro-2003

Publicado por Joana às 11:53 PM | Comentários (3) | TrackBack

Portas diaboli

Portas está para os intelectualóides urbanos, assim como o Belzebu medievo para o Torquemada.

Não há nada a fazer!

Há óleo derramado: Imprevidente Portas! Não te demites?
Há óleo recolhido: Despesista Portas! Para quando a demissão?
Condecora postumamente: Portas celerado! Lá estás tu a lançar poeira nos olhos … e se te demitisses?
Não condecora: Portas injusto! E não te demitem?
No julgamento da Moderna, alguém cita tê-lo visto a tomar uma bica no bar: Portas relapso! Não tens condições políticas para continuar! Rua!
Ninguém o cita: Portas corruptor! Subornas as testemunhas e não te demites! Fora!
Abre Arquivos: Portas perverso! Essa é para inglês ver! Apresenta a demissão e pira-te!
Fecha os arquivos: Portas censor! Estás a mais! Sai!
Portas explica: Portas pavão! Lá estás tu em bicos dos pés! Demissão, já!
Portas não explica: Portas esquivo! Que fazes no Governo? Não tens vergonha em não te demitires?
Há chuva: E este nefando Portas que não larga o tacho!
Há sol: Ah, Portas malvado! Demite-te!

É bom termos um Portas.

Redime os nossos pecados. É o exutório dos nossos medos e ódios. É o nosso bode expiatório, “le bouc émissaire”. É o pharmakos da Atenas clássica.

É o cordeiro de Deus (ou Portas do Diabo): “Portas Diaboli, qui tollis peccata portucallensis, miserere nobis

É por não ter um Portas que Bush acabou por ganhar uma fixação em Saddam e enviar toda a parafernália militar para o Golfo Pérsico.

Portas abominável, torpe, depravado, cruel, traiçoeiro, facínora … Belzebu escapou ao Torquemada, mas tu, Grande Satã, não escaparás ao José António Lima!

27-Janeiro-2003

Publicado por Joana às 06:39 PM | Comentários (7) | TrackBack