janeiro 19, 2006

Continua o Lodo no Cais

On the waterfront

O Parlamento europeu rejeitou a liberalização dos serviços portuários, como irá rejeitar, no mês que vem, a proposta de directiva geral sobre a liberalização dos serviços. Este PE foi escolhido, há perto de 2 anos, por uma Europa em pânico, com receio das reformas que os governos tentavam, timidamente, introduzir, para melhorar a competitividade da economia mas que se traduziam, a curto prazo, na perda de alguns direitos adquiridos, sagrados e inalienáveis. É um Parlamento cujo lema é … morrer, mas devagar. A maioria dos seus representantes representa o último baluarte de uma Europa defunta. A esperança é que uma seiva vivificadora e revigorante faça reflorescer a árvore em vez desses troncos secos alastrarem, a ressequirem e a fazerem definhar.

Um dos grandes entraves ao comércio europeu e à competitividade dos seus portos é o corporativismo dos estivadores, cujas práticas pouco claras (para não dizer outra coisa) se vão tornando mais sinistras quanto menor é o nível de cidadania do povo e do país. Sucede por isso que países onde os custos laborais médios são menores têm, frequentemente, custos de movimentação de cargas mais elevados. Desde há alguns anos que, um pouco por todo o mundo, se têm desenrolado processos de privatização dos portos, de forma a diminuir a influência dos sindicatos de estivadores e do seu corporativismo improdutivo, com o objectivo de aumentar a sua eficiência e reduzir os custos de embarque e desembarque e a demora em movimentar as cargas dos navios.

O poder das organizações dos estivadores continua a ser obsidiante e torna reféns delas armadores, importadores e todos aqueles, mesmo dentro das suas fileiras, que não partilham dos seus objectivos. Têm autoridade de parar a movimentação de cargas, fazer essa movimentação como entenderem e de definir quais os estivadores que terão os melhores trabalhos. Têm a particularidade, rara em organizações sindicais, de fazerem a intermediação da mão-de-obra.

A estiva é considerada por muitos uma máfia e Elia Kazan utilizou, em “Há Lodo no Cais” (On the waterfront) o seu funcionamento mafioso para retratar, de forma indirecta, o funcionamento de outras organizações igualmente baseadas no uso da dissimulação e no abuso da violência psicológica (ou mesmo física) como instrumento de corrupção para usufruir o poder.

Não sei se foi o poder das organizações dos estivadores que levou o PE a rejeitar a liberalização dos serviços portuários, ou se a maioria do PE partilha, ela própria, da cultura do corporativismo improdutivo. O que não causaria estranheza, visto ele ter sido maioritariamente eleito por corporativismos estéreis e de vistas curtas.

Publicado por Joana às 09:44 PM | Comentários (87) | TrackBack

dezembro 18, 2005

Os Pirros de Bruxelas e os Arrumadores da Europa

A cimeira de Bruxelas saldou-se por diversas vitórias. A França evitou que a PAC fosse, no imediato, posta em causa; os países mais pobres viram aumentadas as suas subvenções, parte devida à diminuição do “cheque britânico”, parte devida a um ligeiro aumento do orçamento comunitário. O próprio Tony Blair, para além de ter conseguido a aprovação do orçamento para 2007-2013, em que já poucos acreditavam, conseguiu a inclusão de uma cláusula de revisão exaustiva e ampla para o conjunto do orçamento no horizonte 2008-2009 e que inclui, nomeadamente, as despesas com a PAC. No campo de batalha de Bruxelas, todos saíram vitoriosos. Nos campos de batalha circundantes, perspectivam-se várias derrotas.

Blair anunciou vitória em Bruxelas, mas é acusado pela imprensa e pela maioria da classe política do seu país de ter capitulado perante a França. Subsidiar os agricultores franceses é a Némesis do povo britânico. É certo que a parcela do cheque britânico cedida foi mais que compensada pelo aumento da riqueza relativa do Reino Unido, face aos restantes parceiros europeus, desde os tempos em que foi negociado por Margaret Tatcher. Nessa altura o Reino Unido estava na fossa e o seu PIB era pouco superior ao da Espanha. Por outro lado, a persistência britânica num orçamento restritivo era mal vista pelos países de Leste que precisam urgentemente de subsídios para modernizarem as suas infra-estruturas. O Reino Unido estava a alienar países cujo apoio precisa, pois seguem políticas externas similares às suas. Todavia a posição de Tony Blair no seu próprio país ficou extremamente fragilizada. O acordo de Bruxelas não foi mau para o Reino Unido em termos de política internacional, mas foi péssimo para Blair em termos de política nacional..

A França ganhou em Bruxelas, mas perdeu em Hong-Kong, onde foi denunciada como o principal obstáculo ao êxito da conferência da OMC. Ninguém compreende que a França, com grande potencial de competitividade no domínio dos serviços e em áreas tecnológicas, se obstine em subsidiar e apoiar os seus agricultores, que apenas sonham darem uma educação suficiente aos seus filhos para eles abandonarem a terra. Assim sendo, e apesar da relutância da França, a União Europeia foi obrigada a aceitar, nessa conferência, a progressiva diminuição das subvenções às exportações, até à sua eliminação em 2013. Essas subvenções representam uma pequena parte da PAC, mas é um sinal importante.

O confronto franco-britânico permitiu que Angela Merkel aparecesse como mediadora, ganhando peso junto dos países de Leste, politicamente contrários à França, mas profundamente irritados com o Reino Unido na questão do orçamento. Se alguém pode reclamar uma vitória, ela caberá certamente a Merkel, que saiu de Bruxelas com um peso político maior do que quando entrou.

Estas vitórias à Pirro ganham contornos ainda mais precisos quando a Europa se confronta com uma situação de estagnação da qual não se vislumbra um horizonte de saída. E são exactamente os países mais aferrados ao modelo económico vigente que estão numa situação de estagnação mais prolongada e profunda. Em Bruxelas discutiu-se o orçamento para o horizonte de 2013, baseado num modelo cujas probabilidades de chegar àquela data sem profundas alterações são muito reduzidas. Pelo que se perspectiva, há muito caminho a arrepiar daqui até lá.

No meio desta peleja, Portugal pode considerar-se beneficiado no que respeita às ajudas comunitárias que vai receber, tendo em conta as perspectivas pessimistas existentes pelo facto de haver muito mais clientes à volta do bolo. Em termos anuais, os fundos comunitários vão representar cerca de 2,2% do PIB actual.

O problema de Portugal é que não consegue potenciar essas ajudas de forma a desenvolver o país. O Estado não sabe usar aquele dinheiro de forma adequada. Não é apenas incompetência dos governantes, é fundamentalmente pela obsolescência das nossas instituições públicas. O país quer dinheiro, não quer, ou não sabe, desenvolver-se. Se gastarmos aqueles fundos em formação, as entidades públicas, e as miríades de entidades privadas que imediatamente se acercarão do bolo, hão-de encontrar maneira de tornar essa formação numa forma de criar empregos precários, enquanto durarem os respectivos fundos. Aliás, é o que se passa actualmente com muitas das bolsas que são atribuídas e que apenas servem para manter jovens licenciados com pseudo-ocupações.

Se o gastarmos em investimentos públicos, havemos de arranjar forma de eles custarem mais do que é devido, demorarem mais tempo a ficarem operacionais do que estava planeado e a funcionarem muito pior do que era expectável.

O nosso problema não é falta de dinheiro. Dinheiro, desde que se saiba rendibilizá-lo, nunca falta. O nosso problema é a desorganização e ineficiência do nosso sector público e a baixa qualificação de uma parcela importante do nosso sector privado. É o excessivo papel do Estado e a excessiva dependência e subserviência de muitos protagonistas privados, relativamente ao Estado. É a nossa secular aversão ao risco. É a nossa subsídio-dependência.

Nós, na Europa, estamos a fazer o papel dos arrumadores de automóveis. Recebemos dinheiro a troco de nada e usamo-lo para comprar droga para ficarmos felizes. Enquanto houver dinheiro há felicidade. Quando deixar de haver ...

Tenhamos fé que tal não venha a acontecer. Enquanto nos mantivermos nesta miséria, a Europa tratará de nos arranjar uns trapos para nosso agasalho e de nos municiar com uns cobres para a droga.

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dezembro 16, 2005

Os Irredutíveis Britânicos Gauleses

E a crise da poção agrícola

Embora seja Blair quem esteja “cercado” pela maioria dos parceiros da UE, no que respeita ao futuro quadro orçamental para 2007-2013 - as Perspectivas Financeiras, a posição da França é, a longo prazo, muito mais frágil. Blair está pressionado pelo núcleo interessado na continuação da PAC, chefiado pela França, e pelos países de Leste, mais os parceiros pobres da antiga UE dos 15, que pretendem fundamentalmente conseguirem subsídios à custa da diminuição do cheque britânico. Todavia, a França está atacada em duas frentes – em Hong Kong, na Conferência de liberalização das trocas mundiais, começada há quatro anos em Doha, no Qatar, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, e na Europa, pois o cheque britânico destina-se a reembolsar o Reino Unido, pelo facto dele não beneficiar praticamente nada das subvenções da PAC, cujo principal benefício vai para a França.

Ou seja, é a PAC que está sempre em jogo. A PAC, a política agrícola comum odiada pelos britânicos, e que absorve 40% das despesas comunitárias. A margem de manobra de Blair é mínima – os súbditos de Sua Majestade detestam alimentar os agricultores franceses e não perdoarão a Blair se ele não for firme. A França pode acusar o Reino Unido de não estar "disposto a assumir a sua quota-parte do fardo financeiro" e classificar o cheque britânico como "anomalia histórica". Todavia o cheque britânico é a resultante de uma anomalia que não é apenas histórica, mas universal; que não é apenas detestada pelos britânicos, mas praticamente por todo o resto do planeta – resulta da PAC.

É verdade que, actualmente, o Reino Unido é, em comparação com os restantes países comunitários, muito mais rico do que era em 1984, quando Margaret Thatcher conseguiu negociar um mecanismo de reembolso das contribuições do Reino Unido, para compensar a PAC. Mas não é menos certo que a PAC é considerada um mecanismo obsoleto, que prejudica não só o comércio mundial, mas também os contribuintes europeus, que a pagam. E o custo da PAC é cada vez mais elevado, pois é o custo da oportunidade de não se aplicarem aqueles fundos em áreas viradas para o futuro, para as inovações tecnológicas, que melhorassem a competitividade europeia num mundo mais aberto e globalizado.

Blair está cercado pela maioria dos parceiros europeus, embora por razões diversas. Mas os sitiantes estão, por sua vez, cercados pelo resto da comunidade internacional. O cheque britânico terá que acabar, mas só acaba quando acabar a PAC. Poderá haver pequenos ajustamentos, mas esta condição é um reduto que o povo britânico não deixará cair. Todavia a PAC é muito mais frágil, pois está assediada pela comunidade internacional. A sua queda é previsível, mais ano menos ano. Resta saber quantos anos mais os europeus vão dissipar dinheiro nesta velharia inútil e contraproducente

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novembro 28, 2005

Borrasca à vista

Segundo parece, na reunião da próxima 5ª feira, o BCE deverá aumentar as taxas de juro para 2,25%, naquela que será a primeira subida dos últimos cinco anos. Actualmente essa taxa está em 2%, o nível mais baixo na Europa nos últimos 60 anos. O presidente do BCE fala em que haverá aumentos moderados, eventualmente progressivos. Todavia, consultores internacionais prevêem que as taxas de juro do Banco Central Europeu deverão atingir 3,5% no final de 2006. Se isso acontecer, poderá produzir-se uma situação muito difícil no nosso país: As prestações mensais relativas ao endividamento privado poderão subir cerca de 25%, o que pesará fortemente no orçamento doméstico já debilitado dos portugueses; as empresas que tenham um grande recurso a créditos de terceiros, terão mais dificuldades financeiras e algumas entrarão em falência; a Despesa Pública irá aumentar, devido ao aumento dos encargos com os juros da dívida pública. Tragédia suprema – com o vício que o Estado português tem em fazer pagar aos contribuintes as suas asneiras, seremos nós todos que nos quotizaremos, à força, para pagar o aumento da Despesa Pública.

Ou seja, seremos nós que pagaremos tudo, quer directamente, quer pela mediação do Estado, quer por mediação das empresas. A empresa é um elemento neutro – quem paga são as pessoas, primeiro os patrões, nos lucros e dividendos, depois os trabalhadores, nos salários (ou frequentemente o inverso).

A moeda única tem sido vantajosa para alguns países, principalmente os de economias mais débeis, como o nosso, mas revela-se de gestão difícil. Em rigor, a Eurolândia deveria ter uma política comum no que se refere à taxa de juro, à moeda e à política fiscal (ou de gestão do défice público), se quisesse influenciar o crescimento e o emprego. Ora o BCE só comanda a política relativa à taxa de juro. É certo que a procura de moeda depende da taxa de juro. Mas depende de outros factores que estão sob a alçada de cada Estado membro, como a expansão da dívida pública, que só parcialmente é controlada através do PEC semi-defunto, e as práticas de facilitação do crédito ao consumo (incluindo a habitação), que variam de país para país, e que geram, em ambos os casos, o aumento do stock de moeda na economia, provocando pressões inflacionistas.

Assim sendo, o BCE vê a sua acção reduzida ao controlo da inflação. As taxas de juro baixas dos últimos 5 anos não serviram para dinamizar a economia europeia globalmente, quer no produto, quer no emprego. Há alguns países, como a Irlanda, Espanha, Finlândia, etc., que têm tido bom um desempenho, mas as economias de maior dimensão estão praticamente estagnadas e Portugal está numa situação muito precária. Portanto o BCE resolveu, e do ponto de vista técnico terá toda a razão, usar a taxa de juro prioritariamente para controlar a inflação e a estabilidade dos preços dos bens e serviços, e deixar que cada Estado assuma os resultados das políticas desastradas que tem levado a cabo. E, neste aspecto, Portugal tem sido um péssimo exemplo, porque tem prosseguido, desde há uma década, uma política desastrosa, que não foi capaz de inverter em 2002 e de que não se vislumbra a possibilidade de a inverter agora, apesar das medidas mais incisivas, mas ainda muito insuficientes, tomadas ultimamente.

O parecer de alguns técnicos é que uma taxa entre 3% e 3,5% era a que asseguraria o carácter neutral da moeda. Abaixo desse nível deixa de haver um prémio pela renúncia à liquidez (actualmente a taxa de juro real é negativa) e podem ocorrer fenómenos perversos na economia, como a armadilha da liquidez, em que os agentes económicos preferem guardar os seus activos monetários, à espera de melhores oportunidades, e o dinheiro dirige-se preferencialmente para créditos ao consumo (e habitação) e não para o investimento produtivo. Ora a outorga de créditos é uma forma de aumentar o stock monetário numa economia, entrando-se num círculo vicioso, de onde só se sairá pela tomada de medidas drásticas.

Parece ser essa a via que o BCE irá tomar. Veremos o que o futuro nos reserva.


Adenda: Algures, por volta das 10 horas da manhã de 6ª feira passada, este blog recebeu a visita nº 500.000. É um número bonito. Isso não significa 500 mil visitantes, como um blog, entretanto desaparecido, apregoaria. Nos cerca de 800 dias que este blog tem, houve netívagos que o visitaram certamente mais de mil vezes, outros, umas boas centenas de vezes. Não é possível saber quantos visitantes diferentes este blog já teve, mas foram certamente alguns milhares. A todos queria endereçar os meus agradecimentos pelo interesse que têm tido em visitar-me, quer elogiando, quer reclamando, quer contrariando, quer apenas visitando, sem deixar qualquer comentário.

Na 6ª feira não referi esta efeméride porque estive fora.

Publicado por Joana às 10:57 PM | Comentários (47) | TrackBack

novembro 22, 2005

Qualidades

Há um ano que Durão Barroso chegou à Presidência da Comissão Europeia. Nesse cargo, como anteriormente como 1º ministro, nunca lhe reconheci grandes qualidades. A única qualidade sólida, poderosa, que eu admiro intensamente, é ele ser odiado por Chirac. Infelizmente é uma qualidade passiva, embora admita que ele tenha dado alguma ajuda.

Publicado por Joana às 02:09 PM | Comentários (37) | TrackBack

novembro 21, 2005

A Tragiconomia das Taxas de Juro

O presidente do BCE dá a entender que o BCE vai aumentar as taxas de juro, após o que o Conselho de Governadores decide que não há aumento, todavia, posteriormente, o BCE afirma-se preparado para, em breve, subir as taxas de juro, contudo, a seguir, o BCE recusa aumento das taxas de juro em série, etc., etc.. Uma telenovela dramática que tem como argumento de fundo a estagnação económica europeia. Sabe-se que, no curto prazo, um aumento da taxa de juro provoca a queda do produto e o aumento do desemprego. Cada vez que ouvem falar em aumentos das taxas de juro, os empresários mostram-se horrorizados e o BCE retrai-se.

Todavia, a UE está naquilo que julgo ser a armadilha da liquidez. A taxa de juro real é praticamente zero (a taxa de juro de referência está próxima da inflação, sendo mesmo inferior, em Portugal). O euro, depois de já ter andado pelos 1,30 dólares, desceu para 1,17 dólares (as taxas de juro nos EUA estão a 4%, o que ajuda à valorização do dólar face ao euro). Isso significa que, apesar das descidas recentes da cotação do crude, a Eurolândia não vai sentir essas descidas, podendo mesmo vir a pagá-lo mais caro. Aumentam assim as pressões inflacionistas. O BCE tem mantido as taxas de juro excepcionalmente baixas desde fins de 2002, mas sem quaisquer efeitos na dinamização da economia europeia.

A principal razão pela qual o BCE não se decide é porque todas as decisões (incluindo o não tomar qualquer decisão) são más. Embora haja alguns países na Eurolândia com economias sólidas e em crescimento, no seu conjunto a Área Euro está estagnada em virtude do mau desempenho das principais economias (Alemanha, França e Itália). Apesar deste cenário negro, fala-se num aumento da taxa de juro de 0,25%. Mas fala-se igualmente que haverá ajustamentos posteriores progressivos. Ver-se-á.

A situação em Portugal é duplamente má. O endividamento das famílias atingiu já 117% do rendimento disponível, percentagem que tem tendência para aumentar, pois o crédito à habitação, que representa cerca de 80% do endividamento, tem crescido a um ritmo de 10% ao ano. Além do mais, em Portugal praticamente todos os empréstimos à habitação estão indexados à Euribor, ligada à taxa de referência do BCE, e têm taxas variáveis a menos de um ano. Portanto qualquer aumento da Euribor vai reflectir-se imediatamente na prestação mensal referente à habitação. Vai reflectir-se imediatamente no orçamento familiar e no consumo privado.

Mas toda a economia portuguesa vai ser afectada: dívida pública, créditos às empresas, etc.. O aumento da taxa de juros também afectará negativamente o investimento. Ou seja, a probabilidade da economia portuguesa sair do pântano em que se encontra irá diminuir.

O gráfico seguido (fonte “O Público”) mostra a variação da Euribor nos últimos anos.
TaxasBCE.jpg

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outubro 27, 2005

Os Fantasmas de Hampton Court

Num castelo povoado de fantasmas, escolhido a propósito pela presidência inglesa, vai-se realizar a cimeira que consagra, pelo menos pelos tempos mais próximos, a incapacidade da Europa encontrar uma via que a faça sair da estagnação económica em que se encontra. Haverá fantasmas para todos os gostos – os que deambulam há séculos por aquelas paragens, e os mais recentes, que a Europa tem porfiadamente criado nas últimas décadas. Os primeiros entusiasmam os turistas; os segundos extasiam o pensamento decrépito da velha Europa. Os primeiros geram receitas; os segundos vão-nos levar à falência.

Tony Blair começou a sua presidência, há 4 meses, afirmando empolgado que a Europa teria que mudar ou morrer. Depois de observar e ajuizar os pacientes, Blair concluiu pelo velho aforismo que celebrizou o pior governante (depois de Guterres) que Portugal teve: Morrer … mas devagar. Os britânicos limitar-se-ão a identificar alguns temas que mostrem que a Europa não está em pane e que pode responder às necessidades dos cidadãos. Ou seja, a locomotiva europeia está aos soluços, praticamente parada, mas lá dentro estamos todos confortáveis, o champanhe corre e acendem-se charutos. Como as janelas estão embaciadas, não se sabe o que se passa lá fora.

Durão Barroso apresentou uma medida que tem tido enorme êxito mediático: a criação de um Fundo de Adaptação à Mundialização destinado a ajudar os assalariados vítimas de reestruturações. O êxito desta medida estava assegurado à partida e a sua proposição revela a clarividência do nosso ex-PM, já demonstrada em Junho de 2004. A Europa não quer tomar medidas no que respeita à redução do peso do Estado, mesmo quando lhe dizem que é a única forma de aumentar a competitividade e enfrentar a globalização. Para quem tem este vício gastador, que outra medida seria mais indicada do que a de despender mais dinheiro num Fundo de Adaptação à Mundialização? O problema está resolvido: combatemos a globalização gastando ainda mais dinheiros públicos.

Os Britânicos não perderam entretanto todo o seu afã inicial … ainda sobejaram réstias. David Blunkett afirmava há dias que há na Europa um mal entendido: muitos têm acreditado, há muito tempo, que o liberalismo destruía os empregos. Nós queremos mostrar que a política social depende do crescimento. Todavia esta declaração, para os ouvidos de Chirac, que já afirmou diversas vezes que o liberalismo é pior que o comunismo, é deitar água num cesto de vime. Nunca lhe conseguirá mostrar nada.

Há que reconhecer que vão ser definidas algumas prioridades, que têm interesse óbvio, no que toca à investigação e ao desenvolvimento tecnológico. É todavia duvidoso que essas prioridades tenham impacto significativo na economia europeia, não porque não sejam importantes, mas porque o próprio modelo de funcionamento europeu tratará de lhes atenuar o impacto. E, qualquer efeito que tenham, será a longo prazo.

E, como se esperava, a questão do cheque britânico versus subsídios da PAC continua por resolver …

Uma coisa que me impressionou foi a mediocridade das afirmações de José Sócrates. O nosso PM tinha adquirido um certo traquejo manuseando a cassete que desde o início do ano tem recitado aos portugueses. Mas sobre a Europa e os problemas europeus apenas balbuciou banalidades, mostrando uma grande insegurança. São problemas que claramente o transcendem. Os problemas de cá também o transcendem, mas consegue disfarçar. Em terra de cegos (ou que julga que sejam cegos) quem é amblíope é rei.

Publicado por Joana às 09:14 PM | Comentários (111) | TrackBack

setembro 19, 2005

Europa Sínica

Paira um espectro sobre a velha Europa. O espectro da concorrência chinesa e do modelo (a)social chinês. É um temor razoável. Para o combater a Europa tem que aumentar a sua competitividade e adequar o seu modelo social para sustentar essa competitividade. Mas a Europa também tem medo dessa mudança.
Terá todavia que a fazer e quanto mais tarde a fizer, mais o modelo necessário para sustentar essa competitividade se aproximará do modelo chinês, pois os protelamentos das reformas têm custos elevados.
No limite, e a longo prazo (em Portugal o prazo poderá ser muito mais curto), a Europa arrisca-se a tornar-se numa China envelhecida.

Publicado por Joana às 10:10 AM | Comentários (163) | TrackBack

setembro 11, 2005

Apelo vicioso

Os ministros das Finanças da UE, durante o conselho informal da Ecofin, lançaram um apelo a acções urgentes com vista ao crescimento e criação de empregos no quadro da Estratégia de Lisboa, destinada a promover a competitividade da economia. A estratégia defendida pelo Ecofin incidiu em "políticas sociais e laborais modernas, que combinem flexibilidade e justiça", a par do empenho na formação e na eliminação de barreiras burocráticas. Também foi defendido um mercado único genuíno de serviços e abertura nas trocas comerciais tanto entre os Estados membros da UE como com os seus principais parceiros mundiais.

Os ministros das Finanças da UE são os principais responsáveis, a par dos respectivos 1º-ministros, pela implementação das acções urgentes, objecto do apelo de Manchester. A directiva Bolkenstein, sobre o mercado único de serviços, ficou em “banho-maria” por causa do “canalizador polaco” (ou será que o “canalizador polaco” tornava o mercado menos “genuíno”?). As "políticas sociais e laborais modernas, que combinem flexibilidade e justiça" têm sido diabolizadas, estiveram na base do Não francês e têm mantido Schröder na corrida para o poder (a crer nas sondagens), apesar da estagnação económica para onde conduziu a Alemanha. Sócrates só ganhou as eleições prometendo exactamente o contrário do apelo de Manchester (ou será que “modernas” é um adjectivo destinado a permitir leituras diversas e contraditórias?). Há adjectivos que os políticos usam, com frequência inusitada, como advérbios, ou seja, para alterar ao significado ao resto do discurso.

Ou seja, os ministros das Finanças da UE apelam a eles próprios para fazerem aquilo que a maioria deles não tem querido ou conseguido fazer. Os ministros das Finanças da UE refugiam-se atrás de si próprios para engrossarem a voz e lançarem apelos que não têm coragem de formalizarem, sozinhos, nos respectivos países. Os ministros das Finanças da UE fazem um apelo circular. É um círculo vicioso. É um apelo vicioso.

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junho 25, 2005

O Tetravô do Modelo de Chirac

O modelo estatizante de Chirac não nasceu com ele. É uma das heranças do modelo jacobino francês que se foi refinando com o tempo. Eça, que conhecia bem a França, dizia que enquanto a Inglaterra exportava colonos para as colónias, a França exportava amanuenses. No número do Je Sais Tout de Junho de 1907, vem uma análise crítica ao excesso de funcionários públicos franceses ... 650 mil! (para uma população de 39 milhões), acompanhada de algumas gravuras saborosas, das quais escolhi duas. Advirto que a sua visão pode ferir algumas sensibilidades manga-de-alpaca.

Ambas as gravuras têm as respectivas legendas. A primeira representa dois funcionários “tipo”: o "rond-de-cuir", que em português se poderia traduzir pelo manga-de-alpaca que “não levanta o traseiro do lugar” e o Sr. Durand que deixa o lugar “marcado” mas que está sempre noutro sítio.

FP-franc.jpg


A segunda é sobre o desporto favorito dos funcionários do ministério, que seria a corrida de caracóis! Trata-se obviamente de uma piada cruel, mas a brincar ... a brincar ...

FP-frcaracol.jpg

Notar que aquele número equivaleria a cerca de 170 mil funcionários em Portugal, para a população actual. Nós temos 4,5 vezes mais. É óbvio que os serviços que o Estado francês prestava em 1907 não são equivalentes aos que o Estado português deveria prestar em 2005, se funcionasse em condições. Mas já havia educação básica gratuita, educação superior a preços moderados, assistência social para os mais desfavorecidos, etc. O Serviço Nacional de Saúde, tal como existe hoje, não existia então.

Contudo, já nessa época o Je Sais Tout se insurgia contra «La loi du rond-de-cuir», a teia burocrática que dificulta a vida do cidadão, em vez de o ajudar, quando o que se esperaria dela, justamente, era que o ajudasse.

Publicado por Joana às 08:37 PM | Comentários (58) | TrackBack

junho 24, 2005

Vacas de Todo o Mundo, Uni-vos

Blair defendeu que «a Europa deve investir em empregos e não em vacas». Esta sentença é demagógica e discriminatória e já está levantar ondas de protesto. Começou com Chirac, seguiu-se o discurso de despedida de Juncker, mortífero para Blair, pois colocou-o perante a incontornável posição do Luxemburgo.
Agora começam as manifestações. A cabeça da manifestação é imponente e possante. Dificilmente será detida:

vacascontraBlair.jpg

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junho 19, 2005

O Novo Waterloo

Exactamente 190 anos depois, os franceses sofreram uma nova derrota decisiva. Foi nas imediações de Waterloo, 15 kms ao Norte, em Bruxelas. Há 190 anos eram comandados por Napoleão e tinham contra eles o pequeno exército de Wellington, que já incluía um corpo holandês, mas apoiado, nas imediações, pelos prussianos de Blücher e, mais longe, pelas restantes potências europeias que discutiam a paz em Viena. Agora eram comandados por Chirac e tinham um apoio impressionante – todas as potências que há 190 anos se opuseram a Napoleão (menos os holandeses, claro). A 18 de Junho de 2005, quem estava isolado era Tony Blair e quem desembocava na Estrada de Bruxelas não era Blücher, como em 18-06-1815, mas Schröder, que se vinha juntar a Chirac na “Belle Alliance”. Inútil … o quadrado de Blair era ainda mais coriáceo que o de Wellington.

Desta feita a manobra do flanqueamento e da ruptura das linhas mais vulneráveis do adversário foi conseguida, brilhantemente, por Blair. Tony Blair evitou, com habilidade, manter o velho hábito britânico de recusar discutir, liminarmente, o “cheque britânico”. De forma alguma ... o Reino Unido desiste desse reembolso, se a obsoleta PAC, que representa 40% dos fundos comunitários, e cujos beneficiários principais são os agricultores franceses, que votaram, em 70%, no Não, for eliminada e aqueles fundos forem desviados para a Europa do futuro: inovação, desenvolvimento tecnológico, investigação e desenvolvimento, etc..

Chirac chegou à cimeira como um vencedor antecipado. Saiu de lá como o defensor de uma Europa obsoleta, avessa à mudança e que apenas quer manter os “direitos adquiridos”. Perdeu, progressivamente, diversos apoios durante a cimeira – Suécia, Espanha, Finlândia, Itália e Dinamarca, para além da Holanda. Blair chegou à reunião isolado, mas soube conquistar aliados ao tornar-se o campeão da Europa da inovação, da aposta no conhecimento e na tecnologia e na recusa de continuar a sustentar os obsoletos agricultores franceses, que consomem a maior parte dos 40% do orçamento comunitário que se destina à PAC. O próprio Cohn-Bendit, o herói estudantil do Maio de 1968, declarou «Il n'y a aucune raison de remettre en cause le chèque britannique sans le faire pour la PAC»

E a derrota de Chirac e da França arcaizante poderá ser mais pesada se se confirmarem as previsões que indicam que Angela Merkel irá suceder a Schröder no próximo Outono. Na Estrada de Bruxelas o novo Blücher que se prefigura é a Dama de Ferro, Angela Merkel, e esse novo Blücher estará declaradamente do lado de Blair, ou pelo menos ao lado das propostas que Blair defendeu agora.

Quanto aos países que precisam desesperadamente de fundos, como Portugal, estiveram alheados destas questões metafísicas – o que eles queriam eram os fundos, quer pela anulação do “cheque britânico”, quer por outro qualquer meio. O resto eram bizarrias de gente rica. Basta ver as nossas TêVês que responsabilizaram ingleses e holandeses pela ausência de acordo, acusando-os de “egoístas” e fazendo coro com Chirac, Schröder e a presidência luxemburguesa, quando a realidade era muito mais complexa e contraditória com essa versão. Mas para os portugueses presentes a realidade era apenas o “vil metal” dos fundos. Estavam na cimeira como o pedinte à porta de um clube de milionários, à espera que eles saíssem contentes e lhe dessem uma esmola generosa. Como isso não aconteceu, ficaram aborrecidos com quem começou a zanga, sem se interessarem pelos fundamentos da questão. No fundo não passam de mendigos contumazes e irrelevantes.

O próprio Nicolas Sarkozy, com fortes possibilidades de suceder a Chirac e que tem, sobre este, a vantagem de ser geneticamente húngaro e economicamente liberal, está contra as políticas sociais defensivas, socialistas e chiraquianas, que falharam sucessivamente nas duas últimas décadas, que acumularam défices e que se traduziram num crescimento insignificante, declarou: «Le travail crée le travail. La vérité en France est que l'on manque de travail. Il faut arrêter de nous glorifier d'un modèle social qui fait que, depuis vingt ans, on a deux fois plus de chômeurs que les autres»

O que há de patético em tudo isto, é que esta manobra de Blair foi facilitada pelo Não francês (e holandês, igualmente). A maioria do Não francês, foi um Não arcaizante, de quem está contra qualquer mudança. Esqueceram-se que o mundo é feito de mudança. Os franceses, ao votarem Não, mandaram com tudo o que os incomodava ao ar. Estão a começar a apanhar com tudo em cima.

O Não francês foi o maior logro político dos últimos anos. Eu votaria Não no referendo, porque esta constituição favorecia as pretensões da França em cristalizar toda a política obsoleta da UE dos últimos anos. O meu Não equivaleria a um Sim francês, pois era um Não contra as pretensões hegemónicas da França. Eu votaria Não, entre outras razões, porque estou absolutamente contra os benefícios recebidos pelos agricultores franceses que, surpreendentemente, votaram 70% no Não.

Como eu escrevi em 30-05-2005, a França escreveu direito por linhas tortas. Ao exorcizarem, pelo Não, os seus temores face a um mundo em mutação, que não compreendiam, de que tinham medo e que não aceitavam, os franceses caíram na armadilha que julgavam montar à UE. A França fragilizou-se e permitiu que fossem postos em causa hábitos, com décadas, que a favoreciam. A França está a ser a primeira vítima do Não francês.

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junho 16, 2005

A UE entrou na Europausa

Tinha que acontecer. A idade não perdoa. A UE perdeu toda a capacidade criativa, está artrítica e invejosa dos êxitos dos outros, mas na impotência de estes lhe servirem de estímulo para a motivar, para a levarem à “concepção” de um projecto de regeneração. Entrou na fase da negação, da recusa do que sai fora dos cânones que estabeleceu in illo tempore. Já se percebera que a Europa começara a sofrer de afrontamentos, insónias, irritabilidade e crises depressivas. Agora é seguro e é título do DN: A UE entrou na Europausa.

A seguir é a perda da massa óssea e a atrofia progressiva.

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junho 05, 2005

Bom Senso e Bom Não

A extensa aliança negativa pelo Não (e esta frase não é um pleonasmo) pode resvalar, se não houver bom senso, para situações muito perversas, não apenas no que respeita à Europa como entidade política mas, sobretudo, no que concerne à prosperidade económica dos países europeus. Os burocratas de Bruxelas sofrem do pecado original de não terem sido directamente eleitos. Mas esse é igualmente o pecado dos governadores dos Bancos Centrais. Essa sua não dependência eleitoral ou das sondagens, permitiu-lhes todavia estabelecer critérios de rigor financeiro, que os que vivem directamente confrontados com os lobbies locais, sindicatos, eleitores, etc., não têm coragem de o fazer, porque sacrificam o bem-estar futuro à eleição presente.

Portugal, se não fosse o PEC, continuaria a assistir impávido aos desvarios guterristas, e hoje estaríamos numa situação semelhante àquela que a Argentina, durante décadas o país mais próspero da América Latina, viveu há poucos anos. Se não fossem as directivas de Bruxelas, Sócrates estaria agora pacificamente a desbaratar dinheiro, de acordo com as promessas eleitorais que andou a fazer, em vez de discursos de austeridade, aumentos de impostos e ténues medidas (mais mediáticas que consistentes) de combate à despesa.

Se não forem as imposições de Bruxelas, Sócrates, ou quem vier a seguir, não tomará medidas sustentáveis de emagrecimento do Estado, quando verificar que as medidas actuais foram apenas droga que injectou no corpo do enfermo e que não constituíram qualquer curativo da sua doença, mas apenas um paliativo passageiro.

As recentes declarações do ministro do Trabalho italiano exprimem uma posição demagógica de culpar o euro pelo laxismo e incapacidade política dos governantes italianos em porem ordem nas finanças e economia. Regressar à moeda antiga por causa da competitividade da economia, é empobrecer o país para o tornar mais competitivo. Em vez de adequar a despesa pública aos interesses do país, sacrificam-se os interesses do país no leito de Procusta da despesa pública sacralizada e descontrolada.

A perversidade é que esse projecto de empobrecimento é contínuo. Como a causa da falta de competitividade é o peso excessivo do Estado, esse empobrecimento (pela desvalorização cambial) continuará sempre até que alguém ponha cobro a isso, ou se atinja uma situação de regresso à economia natural, como sucedeu na Argentina. A desvalorização não é solução. É um paliativo que poderá ser tomado em doses sucessivas, até chegarmos ao nível dos países em vias de subdesenvolvimento.

Dizer Não à criação de uma Europa federal, com uma Constituição megalítica, construída pelos líderes políticos à revelia dos povos é dar um poderoso sinal de alerta à inconsciência desses políticos e à perigosidade desse processo.

Dizer Não na expectativa de que temos via aberta para regressar ao laxismo, de que poderemos manter um Estado monstruoso e ineficiente, de que poderemos continuar a sacralizar as “conquistas irreversíveis” é criar ilusões perversas que conduzem ao empobrecimento progressivo do país.

O primeiro Não é dizer sim a uma Europa moderna, que se pretende competitiva e iconoclasta relativamente aos mitos que criou e acalentou nas últimas décadas.

O segundo Não é dizer sim a uma Europa enferma, nostálgica de glórias passadas, estéril no seu misto de arrogância e inveja bacoca dos americanos, uma Europa sem futuro.

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junho 03, 2005

Ministro Italiano Aumenta a Competitividade Europeia

O ministro do Trabalho italiano, Roberto Maroni, afirmou que a Itália devia considerar a reintrodução temporária da lira como moeda oficial porque o euro teria, segundo ele, originado problemas à economia italiana. Esta medida seria considerada completamente irresponsável por qualquer economista que se prezasse. Todavia está-se a revelar frutuosa. Não a medida em si (completamente louca ... só de um ministro do Trabalho ...), mas o seu anúncio – Depois daquela declaração o euro reagiu em queda, recuando 0,25%

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maio 30, 2005

A França escreve direito por linhas tortas

A votação de ontem em França e, principalmente, o que foi dito durante a campanha, mostraram que não é apenas o modelo social europeu que está em risco – É a própria Europa que está à beira do abismo. A Constituição Europeia não ia trazer qualquer alteração à mundialização e à contínua deslocalização das empresas para o Leste da Europa ou para a Ásia. A Constituição Europeia é contestável em termos da soberania dos Estados membros, nunca em termos de modelo social de cada Estado membro, sobre o qual não é directiva, limitando-se à retórica social aqui e ali. Os franceses não discutiram e votaram a Constituição Europeia: apenas exorcizaram os seus temores face a um mundo em mutação, que não compreendem, de que têm medo e que não aceitam.

O Tratado de Maastricht ou a recente adesão dos 10 países de Leste tiveram impacte na economia europeia, mas são factos consumados: hoje temos a moeda única e 10 novos países com baixos custos de mão de obra e com uma legislação laboral liberal. E a França vai ter que viver com eles, com Constituição ou sem ela. A UE não impediu Mitterrand de nacionalizar empresas em 1981, nem impediu Chirac de as reprivatizar em 1986. A Constituição não passa de um rosário de banalidades repetidas e redundantes, de uma tentativa perigosa de “cristalizar” situações, blindando-as ao longo de centenas de páginas. A Constituição Europeia sofre do mal das constituições de raiz jacobina, estatizante e iliberal (como a portuguesa, aliás) – porque teme o futuro, tenta “imobilizar” o presente.

Os franceses estão contra um grande mercado europeu concorrencial, basta ver como contestaram a Directiva Bolkestein que visava a liberalização do mercado de serviços, inserida na agenda de Lisboa que pretendia fazer da UE a "a zona económica mais competitiva do mundo" no horizonte 2010; os franceses estão contra a globalização e as suas exigências competitivas, a partir do momento em que essa globalização trouxe o reverso da medalha – a emergência dos gigantes asiáticos; os franceses estão contra a flexibilização laboral e contra o regresso ao horário de trabalho anterior à reforma do governo PS, porque não prescindem das “conquistas irreversíveis”; os franceses estão contra as deslocalizações, sem se aperceberem que elas são o resultado de uma legislação laboral incomportável; os franceses estão contra a entrada da Turquia na UE e contra a imigração porque têm medo de um futuro imprevisível. A França está contra tudo o que lhe cheire a mudança.

Quando a sociedade está confrontada com mutações exógenas cujas causas e consequências tem dificuldade em compreender, quando sente que “tudo o que é sólido se dissolve no ar”, entra numa crise de consequências imprevisíveis. Nos alvores da Revolução Industrial, populares irados invadiam as fábricas e escavacavam as máquinas sob a alegação que estas geravam o desemprego. A Grande Guerra e os desequilíbrios económicos provocados pelas destruições maciças e pelas alterações políticas, nomeadamente a implosão da monarquia austro-húngara, levaram a Europa continental a enveredar por uma via totalitária, por uma via de autarcia económica e a deixar-se seduzir por ideologias totalitárias, de esquerda e de direita, que tinham em comum a teoria da conspiração segundo a qual todos os males da sociedade e da economia são devidos a uma conspiração dos poderosos (a «classe dominante» marxista ou a «plutocracia e o judaísmo» nazi), que a sujeitam aos seus desígnios egoístas e tenebrosos. Sabe-se a que é que esta crise de valores e este desatino social conduziram.

Os países anglo-saxónicos e do norte da Europa, onde o pensamento liberal tem raízes mais fortes e onde o centralismo administrativo e a ideia jacobina do Estado centralizado e omnipresente não fizeram história, estão mais imunes ao desatino político e social em que vive a França e em que, mutatis mutandis, vive Portugal.

Quando a esquerda francesa acha a Constituição ultraliberal e a direita acha que o liberalismo é tão perigoso como o comunismo, apenas dão socos no ar. As empresas francesas e alemãs que deslocalizam unidades de produção, fazem incidir essa deslocalização em produções de baixo valor acrescentado ou de valor acrescentado não competitivo, para poder depois exportar para o resto do mundo. A Alemanha é o 2º maior exportador do mundo. A sua grande indústria só conseguirá sobreviver pela deslocalização dessas unidades que perderam a competitividade devido aos elevados encargos fiscais e legais na Alemanha.

A autarcia que alguns anseiam como “panaceia” para uma situação para a qual não encontram remédio por estarem agarrados a velhos ícones, apenas conduzirá à ruína e à disseminação de ideias totalitárias baseadas no “remédio Estado”, que apesar de já ter conduzido a tantos desastres, regressa sempre em roupagens novas.


Sobre a crise francesa ler ainda:
A Eurosclerose da França abril 03, 2005
Chirac e Eastwood abril 15, 2005
Esquerda e Direita? março 29, 2005

Bom Senso e Bom Não Junho 5, 2005

O Novo Waterloo

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maio 29, 2005

Ganha o Não

Sondagem à boca das urnas dá 45%-55%. É altura de agradecermos a todos os idiotas úteis iliberais, tais como Fabius, Chirac, Le Pen, Arlette, "les Paris Stupides: Un certain Blaise Pascal etc etc"

Publicado por Joana às 09:03 PM | Comentários (59) | TrackBack

Estou indecisa

Vou votar Não à Constituição europeia. Mas estou muito indecisa. Estou mesmo em extremo indecisa, sem saber se o meu Não vai ser um voto liberal, conservador, social-democrata, socialista, trotskista, comunista renovador, estalinista, socialista libertário, radical socialista, socialista revolucionário, socialista reaccionário, socialista impopular, neo-conservador, paleo-conservador, liberal-conversadorconservador, ...

... neo-liberal, paleo-liberal, liberal-moderado, liberal-imoderado, liberal-capitalista, neo-hegeliano, fenomenologista, neo-kantiano, desconstrutivista, neo-positivista, estruturalista, pós-estruturalista, proto-prado-coelhista, logocentrista, aporético, positivista lógico, positivista ilógico, neo-platonista, proto-socrático, relativista, anti-capitalista proudhoniano, alteromundialista, proto-mundialista, pseudo-mundialista, personalista cristão, personalista agnóstico, comunalista, monárquico, monárquico absolutista, fascista, nacional-socialista, nacionalista tout-court, anti-Chirac, anti-jacobinista, fundamentalista, anti-fundamentalista, maniqueísta, trogloditista, neo-trogloditista, axiologicamente indeterminado, ...etc. ... Até ao Referendo tenho que me decidir entre os 647 Não que já inventariei.

Ou apenas um voto lúdico, pura e simplesmente

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abril 15, 2005

Chirac e Eastwood

Jacques Chirac, no debate crucial de ontem sobre o referendo europeu, na TF1, obteve um share de 30,8 % contra os 26,6% da France 3, que transmitia Pale Rider (O Justiceiro Solitário), um filme de Clint Eastwood, antigo de vinte anos, onde este faz de pregador, um pregador directo, com pouca retórica, mas muito rápido a sacar da arma e certeiro em atingir os alvos. O que faltou seguramente a Chirac, encurralado entre ser um anti-liberal militante na cena internacional e a necessidade de introduzir reformas liberais no Estado social francês, chez lui. Clint era certeiro com o revolver, Chirac errático com o boomerang.

Chirac, perante um painel de 83 jovens, voltou a fazer a sua profissão de fé anti-liberal, atacando a corrente ultra-liberal, anglo-saxónica, atlantista (!?). Atacou a mundialização desencadeada por uma corrente liberal em proveito dos mais fortes e garantiu que só uma Europa forte e organizada se poderia opor a esta evolução. Só não explicou como o faria. E quando lhe perguntaram porque é que o desemprego no Reino Unido era muito inferior ao francês, Chirac replicou que o modelo social britânico seria inaceitável em França(!!). Ou seja ... a droga está a levar-me ao túmulo, mas não consigo passar sem ela.

É interessante ver Chirac repetir os mesmos argumentos da vasta união popular que vai desde a extrema esquerda (PCF, LCR, Verdes), passando por José Bové e acabando na extrema direita de Le Pen. Só que estes usam aqueles argumentos para pedirem o Não, enquanto Chirac usa-os para pedir o Sim. Talvez por isso Valéry Giscard d'Estaing, o pai da Constituição, tenha declarado que Chirac “não era credível”. Se a França votar Não, os outros 24 Estados terão que nos vir comer à mão, pensam os adeptos do Não; se a França votar Sim, a Europa forte e organizada destroçará a mundialização e o liberalismo, contrapõe Chirac. E dá como exemplo o ter posto a directiva Bolkestein, sobre a liberalização dos serviços, em banho Maria, após ter falado com voz grossa à Comissão Europeia.

O ridículo desta história é que a Constituição Europeia não vai trazer qualquer alteração à mundialização e à contínua deslocalização das empresas para Leste ou para a Ásia. O Tratado de Maastricht ou a recente adesão dos 10 países de Leste tiveram importância nesta matéria, mas são factos consumados: hoje temos a moeda única e 10 países com baixos custos de mão de obra e com uma legislação laboral liberal. A Constituição Europeia pode ser contestável em termos de soberania, nunca em termos de modelo social de cada Estado membro. Os franceses não estão a discutir a Constituição Europeia, estão a exorcizar os seus temores face a um mundo em mutação.

O problema francês é a quadratura do círculo. A França pretende conservar intocável um modelo que, segundo afirmou ontem em Montpellier Nicolas Sarkozy, o ex-ministro da Economia, significa «duas vezes mais desempregados que os outros». Sarkozy, criticando Chirac sustentou que a França não tem lições a dar aos seus parceiros sobre modelos sociais, dado o abismo a que conduziu o seu, finalizando com um mordaz «Felizmente que o ridículo não mata!». Bem ... o ridículo não mata ... mas levou à evicção de Sarkozy da pasta da Economia, para acalmar os temores franceses sobre a invulnerabilidade do seu modelo social.

A França pretende igualmente opor-se às deslocalizações, ao fecho das fábricas, ao aumento do desemprego, etc.. Mas pretende opor-se julgando que tal é possível construindo uma «Muralha da China» à sua volta, ou à volta da Europa (mas de qual Europa? A dos 25? A dos 15? A dos 6?). Ora há mais de 20 anos que governos de direita e de esquerda (inclusive com a inclusão do PCF) tentam medidas para diminuir o desemprego e falharam sempre. O grave, actualmente, é que a mundialização, a emergência dos gigantes asiáticos e os novos 10 Estados membros (e os outros que se perfilam no horizonte), são dados incontornáveis e cada vez mais determinantes. A «Muralha da China» e as profissões de fé anti-liberais de Chirac não levam a sítio nenhum. São apenas retórica. Retórica de tal forma vazia que, perante um debate tão importante, um número quase igual de franceses preferiu ver um velho filme de Clint Eastwood.

O problema francês é, mutatis mutandis, o actual problema português: queremos resolver uma situação que se agrava dia a dia, mas não queremos submetermo-nos às cirurgias necessárias; queremos reformas, mas não as queremos no nosso grupo social ou corporativo – os outros que as façam. Só não queremos uma «Muralha da China» porque sabemos que a nossa reduzida dimensão económica tornaria essa pretensão totalmente ridícula.

O futuro não se constrói tentando congelar o passado. O processo que levou à actual situação europeia e portuguesa entrou numa fase de aceleração. Não a resolvemos olhando nostálgicos para o passado.

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abril 03, 2005

A Eurosclerose da França

O espectro do não francês à Constituição europeia aterroriza a “Velha Europa”. Não há concessões que os líderes da UE não façam a Chirac e à França para inverterem a tendência para o “Não”. Os franceses estão contra um grande mercado europeu concorrencial, estão contra a globalização e as suas exigências competitivas, estão contra as deslocalizações, estão contra a flexibilização laboral, estão contra a entrada da Turquia na UE, estão contra a imigração, estão contra o regresso ao horário de trabalho anterior à reforma do governo PS. A França está contra tudo o que lhe cheire a mudança.

A esquerda francesa acha a Constituição ultraliberal. A direita acha que o liberalismo é tão perigoso como o comunismo. A França é contra ela e, entre o restantes países da UE, paradoxalmente, ela é contestada por ser favorável às ambições de supremacia que a França tem na União Europeia. Por sua vez, os liberais dispersos, que há pela UE, acham a Constituição hiper-reguladora e directiva.

A revisão do PEC, imposta por Paris e Berlim, destina-se a lançar o manto diáfano da “ligeireza” orçamental sobre a nudez forte da falência total dos actuais modelos sociais, o fim inevitável dos Estados-Providência, nos moldes em que estão actualmente. Vai apenas servir para dar uma moratória a uma Europa que se recusa a encarar as realidades sociais de frente.

A directiva Bolkestein, destinada a liberalizar o sector de serviços, eliminando os diversos entraves burocráticos, políticos e jurídicos à circulação das empresas europeias de serviços, foi posta em hibernação – a Europa do “Mercado Comum”, e a França em particular, ficou em pânico com a concorrência dos prestadores de serviços dos países periféricos da UE, menos desenvolvidos, mas com elevado know-how em algumas áreas, e mesmo dos pequenos países mais desenvolvidos da UE, mas dotados de uma alta competitividade. E o mais paradoxal foi a esquerda portuguesa fazer coro com os interesses instalados no centro da Europa, impedindo que as empresas de serviços portuguesas usufruam daquelas vantagens.

A Europa, ou o eixo franco-alemão em especial, vive orgulhosa de ter um modelo social que, em termos relativos, tem uma menor percentagem da população que vive abaixo de um limiar de pobreza que os EUA. Esquece-se que se trata, justamente, de uma medida em valores relativos (metade da mediana do rendimento). Em valores absolutos, e como o PIB per capita americano, em termos de paridade de poder de compra (PPP), é 35% maior que o da França e da Alemanha, por exemplo, os pobres europeus são mais pobres que os pobres americanos.

Esquece-se ainda que a redistribuição que faz, através dos impostos, para evitar a degradação dos baixos rendimentos e providenciar subsídios de desemprego mais generosos e sobretudo mais prolongados que nos EUA, diminui os incentivos, quer à procura de emprego, quer à oferta de emprego. Nos EUA o desemprego é quase sempre temporário, enquanto na Europa é maioritariamente de longa duração. A menor flexibilização laboral e salarial na Europa faz com que os trabalhadores menos produtivos não estejam empregados, o que perverte o modelo social, pois os americanos pobres, na sua maioria, trabalham e criam riqueza, enquanto os europeus pobres, na sua maioria, estão a receber subsídios.

Esquece-se ainda que a ânsia de manter um grafo salarial de menor amplitude e uma elevada carga fiscal para fazer face ao custo cada vez maior do Estado-Providência, e estando confrontada com o aumento do preço do factor trabalho mais especializado nas novas tecnologias, está “entalada” entre dois males: assistir à fuga dos cérebros para os EUA, onde procuram melhores contrapartidas financeiras, e a pressão salarial dos trabalhadores menos qualificados, cujos sindicatos têm os olhos postos nas elevadas remunerações dos estratos laborais mais qualificados. Ou seja, perde competitividade porque investiu em investigação de que depois não tem qualquer retorno, e perde competitividade nos sectores económicos menos qualificados porque os respectivos salários são pressionados a subirem acima da fasquia da sustentação desses sectores.

Esta “eurosclerose” não afecta apenas a França. Nela é mais virulenta porque é potenciada pela nostalgia de “grande potência”, mas existe, em maior ou menor grau, nos principais países do antigo núcleo dos 15. É mais virulenta nos países que não têm conseguido proceder às reformas indispensáveis à sustentação do sistema, naqueles que não fizeram o trabalho de casa antes da actual conjuntura. Em Espanha, por exemplo, o referendo correu sem grandes problemas.

Este pânico face ao futuro tira discernimento à Europa, porque a faz apostar no passado em vez de construir o futuro; tornou-a avessa à mudança, em vez de planear essa mesma mudança. Todavia, se a Europa pode tentar ser avessa à mudança, não a pode evitar, não pode evitar a globalização e o alargamento do mercado mundial. Ao não planear a mudança, a Europa está a comprometer o seu futuro.

E não só nos principais países. Portugal tem um Estado-Providência, que providencia muito pouco, que não satisfaz as necessidades da população, que é uma caricatura de um Estado social, e que só tem uma característica similar à dos Estados-Providência dos países com um modelo social mais desenvolvido: custa proporcionalmente o mesmo. Na Europa central discute-se se vale a pena ter um Ferrari como Estado-Providência. Em Portugal nós pagamos um Ferrari, mas temos um Fiat em 5ª mão, que está permanentemente empanado.

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maio 04, 2004

O Democrata Prodi

Romano Prodi é o presidente da Comissão Europeia. Normalmente um presidente é suposto representar toda a população a que preside, mesmo aqueles que não votaram nele. É a regra dos países democráticos. Escrevi isto em 2 de Janeiro deste ano, quando Prodi ameaçou as «ovelhas negras» da Europa com a «Europa a duas velocidades», casos os países recalcitrantes não cedessem ao «diktat» franco-alemão.

Há poucos dias Romano Prodi, em face da decisão do governo de Tony Blair de referendar a Constituição Europeia, declarou que um «não» britânico à Constituição Europeia terá "consequências graves para a Grã-Bretanha". Não especificou quais. Também não precisava: tratava-se apenas de uma ameaça.

O democrata Prodi estava visivelmente contrariado por Tony Blair pretender consultar o eleitorado britânico sobre matéria que envolve a soberania da nação.

Quando a Irlanda disse não ao Tratado de Nice, Romano Prodi, o estrénuo democrata, não gostou do voto do povo irlandês e foi a Dublin dizer ao Governo da República da Irlanda que o povo deste país «estava a exercer a ditadura das regras da democracia sobre os restantes povos membros». Palavras então de Prodi à Rádio Irlandesa: «Se o Tratado de Nice não for rectificado teremos sérias consequências políticas ... Porque deseja a Irlanda ditar as regras da democracia nos outros países? A ideia da Europa é a única grande ideia do nosso tempo e do futuro. Todas as dificuldades actuais resultam do facto de que a Europa está a viver um processo democrático».

Por outras palavras: para Prodi a democracia só é aceitável e líquida quando o voto surge na convergência com os interesses dos «países grandes» da Europa. Mas se uma nação se nega a esses interesses e vota, livremente, contra eles, então está a submeter os outros à ditadura da sua vontade.

Pleiteando incansavelmente sobre esta matéria, Romano Prodi advertiu noutra entrevista que se a Constituição Europeia não for adoptada, a Europa será "ingovernável". "Se a Constituição não for adoptada, se não conseguirmos progressivamente ultrapassar essa regra da unanimidade para alcançar um número crescente de decisões de maioria qualificada, a Europa será ingovernável a 15 (Estados-membros), 25 ou 35".

Portanto, o presidente da Comissão Europeia, Romano Prodi acha que, actualmente, a UE está ingovernável. Ele deve sabê-lo, visto ser o presidente.

Noutra declaração, Prodi afirmou ainda que “Se tivermos uma Constituição, se tivermos regras, poderemos gerir perfeitamente a Europa e a Europa tornar-se-á uma verdadeira potência mundial”

Resumindo o pensamento Prodiano, quando os países pequenos e médios pretendem exprimir a sua vontade, estão a submeter os outros à ditadura da sua vontade. Nem mesmo a Grã-Bretanha escapa à sua visão totalitária da democracia. Em contrapartida se se aceitar uma constituição que permita que o directório franco-alemão-italiano imponha as suas regras, então haverá a «democracia» e a « Europa tornar-se-á uma verdadeira potência mundial». Aliás, as dificuldades actuais resultam do facto de que a Europa está a viver um processo democrático. Quando se travar esse processo incomodamente democrático, emergirá uma grande potência.

Por enquanto, e no que se refere às relações com os EUA, a Itália ainda não alinha totalmente com o eixo franco-alemão, mas quando Prodi, o líder da «Coligação Oliveira», vencer Berlusconi nas eleições de 2006, então a sintonia entre os 3 grandes será total.

Porque Romano Prodi, embora Presidente da Comissão Europeia, mantém, paralelamente, uma acção política importante em Itália, como dirigente da Coligação Oliveira. Assim, quando fala, nunca se sabe se o faz na condição de Presidente da Comissão Europeia ou de chefe da oposição em Itália.

Há um ponto em que o Presidente da Comissão Europeia Romano Prodi e o dirigente político italiano Romano Prodi estão de acordo: o apoio ao eixo franco-alemão e à política europeia de reforço do papel dos grandes países consubstanciada no projecto da nova constituição europeia e no novo sistema de votação no Conselho por maioria qualificada que permite o bloqueio de decisões naquele órgão, caso aqueles dois países, juntamente com a Itália, se aliem.

Roman Prodi, católico, oriundo da democracia cristã, acabou chefiando, em Itália, um governo integrando comunistas. Tem-se visto que o espírito seminarista temperado no aço do proletariado leva ao totalitarismo mais hipócrita – Stalin havia sido um seminarista. Espera-se que Prodi não vá tão longe.

Publicado por Joana às 09:27 AM | Comentários (16) | TrackBack

abril 26, 2004

A Tia Artrítica e os Irredutíveis

Finalmente havia-se encontrado uma solução para a situação incómoda em que se encontrava a ilha de Chipre. Em 1974 o norte de Chipre foi invadido pelas tropas turcas, numa acção coordenada entre a Turquia, EUA e Grã-Bretanha (cf . Henri Kissinger - Years of Upheaval). Tudo gente amiga da União Europeia. As tropas turcas ocuparam cerca de 40% do território (3.355 km2 num total de 9.250 km2), apesar da população turca constituir menos de 18% da população. Muitos milhares de cipriotas gregos foram expulsos do norte da ilha. Uma centena de milhares de colonos turcos, provenientes da Anatólia, foram ocupando esse vazio. Os turcos proclamaram a RTNC (República Turca do Norte de Chipre), apenas reconhecida pela própria Turquia.

Passaram-se 30 anos. A parte sul de Chipre, tornou-se a pequena Suíça do Mediterrâneo. O Chipre que vai aderir à UE a 1 de Maio é uma pequena nação com um grande dinamismo económico, com um PIB e com um nível educacional superiores aos nossos. Chipre superou o seu passado de colónia britânica e as destruições e as vagas de refugiados provocadas pela invasão turca.

Se para a maioria dos países candidatos à UE a questão económica é que tem pesado, no caso de Chipre sempre se tratou de uma necessidade geoestratégica para a proteger da Turquia. Provavelmente o cidadão cipriota grego será mais um «contribuinte» que um «beneficiário» dos fundos europeus.

A UE e a ONU cozinharam um plano de união para resolver esse problema incómodo. Koffi Annan disse que o seu plano era complexo porque foi elaborado com o principal objectivo de garantir a segurança dos cipriotas de ambos os lados da ilha. Garantia a segurança de cristalizar e reconhecer a ocupação de quase todo o norte da ilha pelos turcos (apenas 7% era retirada); garantia a segurança de que «alguns colonos» turcos seriam repatriados, sabe-se lá quando e quantos; garantia a segurança de que a força ocupante de 30.000 soldados turcos se iria retirar num prazo longo, lentamente, lá para as calendas «cipriotas». E os cipriotas turcos e a maior parte dos colonos tornavam-se cidadãos europeus de direito.

A UE, os EUA, a Grécia, a Turquia e a ONU pediram aos cipriotas gregos para não deixarem escapar esta oportunidade de resolver um conflito de décadas. Bastava desistirem do que era deles por direito. Aos pedidos seguiram-se mais garantias. A estas seguiram-se ameaças de isolamento internacional e ostracização em Bruxelas. A tia, velha e artrítica, não gosta de problemas difíceis de resolver. Os cipriotas que fossem bons alunos!

Mas os cipriotas gregos não quiseram ser bons alunos. Quanto mais os ameaçavam, mais eles ficavam relutantes em aceitarem o plano. As pressões americanas, interessados que a Turquia, uma aliada imprescindível, angariasse um visto para a Europa, caíram muito mal em Chipre. Nem os EUA, nem a Grã-Bretanha, antiga potência colonial, conseguiram convencer os cipriotas gregos que aquelas pressões eram apenas uma prova de amizade e não tinham nada a ver com uma atitude pró-turca. Ninguém os conseguiu convencer porque razão representando os cipriotas turcos perto de 18% da população, tinham que ficar com mais de 30% da superfície da ilha. Ninguém os conseguiu convencer que as garantias que agora lhes davam eram mais firmes que as anteriores resoluções da ONU que ficaram todas no papel.

No sábado, os cipriotas gregos recusaram o plano apresentado pelo secretário-geral da ONU por cerca de 76% dos votos, uma votação maciça. Os cipriotas turcos, apesar da campanha de alguns dos seus dirigentes pelo não, aprovaram o plano com perto de 65% dos votos.

Estes resultados acabaram com as esperanças de que toda a ilha de Chipre pudesse entrar na União Europeia, a 1 de Maio. Estes resultado implicam a manutenção da divisão da ilha, e apenas legitima a adesão à União Europeia, no próximo dia 1 de Maio, da República de Chipre, a "parte grega" da ilha internacionalmente reconhecida.

A União Europeia, a tia velha e artrítica, ficou «consternada». Como é possível, numa pequena ilha do leste do Mediterrâneo, um povo, cercado por 30.000 soldados turcos, cujas únicas armas que tem é a sua férrea vontade de não ceder e a sua capacidade de subir na prosperidade a pulso, sem fundos alheios, fazer uma desfeita destas?

Como é que a tia velha e artrítica vai dirimir esta herança, um imbroglio territorial em que parte do seu território vai ficar ocupada por um exército invasor, ilegalmente? E receber no seu seio, no dia 1 de Maio, um país de irredutíveis, ainda por cima com direito de veto? Que aborrecimento! A União Europeia não merecia isto!

Já se fala em Bruxelas em retaliações. Com toda a razão. Uma a tia velha e artrítica tem mais facilidade em engrossar a voz com um pequeno povo de 600 mil habitantes que com uma potência regional de 70 milhões de habitantes de quem os EUA necessitam, principalmente agora, com a crise iraquiana.

O problema é que estes irredutíveis não precisam de dinheiro. Isso já mostraram que sabem fazer. O que eles querem é protecção e não ficar à mercê da gulodice turca. Ora a Europa apenas sabe dirimir os problemas dando ou retirando dinheiros. Uma a tia velha e artrítica apenas se impõe aos sobrinhos-netos pela chantagem das dádivas. Se há um sobrinho-neto imune ao vil metal lá se vai a força da tia. Ele quer protecção? Mas se a tia está cheia de achaques e mal se consegue mover no sofá! Uma tia que quando tem que se mostrar militarmente forte, precisa de bajular o parente americano.

E a Turquia, que tão prestimosa tem sido em alguns lugares da cena internacional, a troco das potências ocidentais fecharem os olhos sobre a situação dos direitos humanos, da minoria curda, etc., que se vai encontrar, a partir de 1 de Maio próximo, na desconfortável posição de ocupar parte do território europeu, pela força das armas e ilegalmente? E ainda por cima uma Turquia que se apresenta como candidata à adesão?

Dava tanto jeito varrer este problema para debaixo do tapete … Bruxelas está mesmo muito aborrecida!

Publicado por Joana às 10:30 PM | Comentários (19) | TrackBack

janeiro 02, 2004

Prodi engrenou a velocidade errada

Romano Prodi é o presidente da Comissão Europeia. Normalmente um presidente é suposto representar toda a população a que preside, mesmo aqueles que não votaram nele. É a regra dos países democráticos, onde a democracia representativa está alicerçada e desenvolvida.

Todavia, em entrevista ao jornal italiano «La Republica», hoje publicada, Romano Prodi afirma que «é claro que se a situação não for desbloqueada em 2004 então alguns países poderão, e se calhar deverão, tomar a iniciativa e prosseguir em frente».

Portanto, para Romano Prodi haverá várias visões da Europa, mas apenas uma “visão” correcta, a sua, ou seja, a de alguns países que poderão, e se calhar deverão, tomar a iniciativa e “prosseguir em frente”.

Para o presidente da Comissão Europeia, os Estados que podem vir a tomar a dianteira da Europa «podem ser membros fundadores» da UE, mas também, e esta situação é «mais provável e desejável», poderá ser «um grupo misto de antigos e novos Estados que partilhem a mesma visão da Europa».

Romano Prodi está equivocado. Ele é o presidente da Comissão Europeia e não o presidente do Fórum Social Europeu, onde há a visão “correcta”, a nossa, a das vanguardas conscientes, e a “obnóxia”, a dos outros, dos ignaros, das massas transviadas pela sociedade de consumo.

Uma Europa a 2 velocidades é um erro a curto prazo e absolutamente insustentável a longo prazo. Seria a destruição da unidade europeia. E Prodi sabe isso.

Mas Prodi não pretende a destruição da unidade europeia. Pretende apenas chantagear aqueles que se opõem ao diktat franco-alemão. Prodi esquece-se todavia que a própria política “imperial” franco-alemã já começa a ser contestada dentro dos próprios países. Os revezes internacionais sofridos pela França e pela Alemanha no ano passado, fruto das suas nostalgias de grandes potências e de uma grande inabilidade política ainda não penetraram “dans les petits crânes de Paris et Berlin”, mas já agitam as mentes de muitas personalidades influentes daqueles países.

Prodi arrisca-se a ter falado fora do tempo, a estar noutra velocidade, a ter engrenado a velocidade errada.

Publicado por Joana às 07:34 PM | Comentários (7) | TrackBack