janeiro 15, 2006

Abriu a Época de Caça ao PGR

A questão do envio pela PT ao MP do registo de chamadas de mais de 200 telefones tem todos os condimentos que caracterizam o Portugal de hoje: A ligeireza de procedimentos de uma empresa pública; a incompetência e o desleixo da administração pública, neste caso do MP; a falta de ética que com que se devassa a privacidade em busca de audiências; a incoerência de um PR que num dia defende que o «respeito pela protecção de dados pessoais» nunca pode servir «para impedir o cruzamento de informações através do qual podem ser detectados delitos» e no dia seguinte se arma em vítima por o nome dele constar de uma lista de registo de chamadas; a tentativa de liquidar o PGR que, desde que Paulo Pedroso foi indiciado, se tornou a Némesis do PS; a fragilidade de uma justiça que, quando confrontada com acusados politicamente poderosos, capitula perante eles; etc..

A forma desproporcionada como o PR reagiu à questão, evidencia que estava na calha uma tentativa de substituição do PGR em “tempo útil”. Por isso diversos publicistas se apressaram a declarar que a nota da Procuradoria (complementada pelo esclarecimento da PT) não fora considerada convincente pelo PR. Ora o que se sabe até à data é que o Ministério Público, a coberto de despacho do Juiz de Instrução Criminal competente, havia solicitado à PT a facturação detalhada, exclusivamente, do telefone fixo de Paulo Pedroso, o qual, à data, estava a ser investigado. A PT enviou todos os dados referentes aos telefones do cliente Estado, mas encriptando aqueles que não se referiam a Paulo Pedroso. Este procedimento é de uma grande ligeireza. É simples, num ficheiro Excel, através de uma simples query, exportar para outro ficheiro apenas aquilo que se pretende. Mas se os registos estão encriptados é complicado para juízes e procuradores, certamente pouco habilitados em informática, os destruir. Em primeiro lugar teriam que saber que eles existiam, depois retirar-lhes o filtro e finalmente apagá-los. Ou, em vez de os apagar, processo moroso e que poderia conduzir a erros, fazer o que a PT deveria ter feito, e que seria muito mais simples: exportar para outro ficheiro apenas os dados relevantes e destruir o ficheiro primitivo. Mas isto parece-me muita areia para a camioneta dos funcionários da justiça.

Tudo o resto será objecto de inquérito e, portanto, só se poderão fazer suposições. Houve certamente desleixo dos serviços. Os dados foram entregues para consulta de advogados da defesa, sem se saber que eles continham mais informação que a que deveria existir e/ou os suportes informáticos terão sido copiados e cedidos ao jornalista do 24 Horas, ou sabe-se lá o quê, mas certamente algo que nunca deveria ter acontecido.

A pressa do PS em que Souto Moura fosse à AR esclarecer o assunto, já na terça-feira, sublinhando que «não é benéfico um atraso no esclarecimento da situação», uma vez que «é necessário saber o que correu mal e o que realmente aconteceu», é de uma hipocrisia total. Certamente que o PGR não consegue fazer nenhum inquérito apenas num dia útil. O PGR já cometeu diversas gaffes devidas à fragilidade dos seus serviços. O PS apenas pretende que o PGR dê respostas antes de as ter, para que ele saia da AR com uma imagem de irresponsabilidade e de pouca credibilidade, na tentativa de arranjar munições para haver apoio político para a sua demissão.

Estas listas tiveram entretanto um resultado interessante. Ficámos a conhecer uma série de borlistas que não pagam telefone, apesar de já não exercerem cargos públicos. Por exemplo, Mário Soares, que possui três residências e não paga telefone em nenhuma delas. Foi encontrada, finalmente, uma razão para votar nele. Se for eleito PR, poupa-se a conta telefónica de um novo inquilino de Belém.

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setembro 23, 2005

Teoria e Prática

O secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, José Magalhães, avisou hoje que "Qualquer apelo à violação da Constituição por parte de membros de uma força de segurança coloca-os fora da lei, com todas as consequências jurídicas e práticas". José Magalhães é licenciado em Direito pela FDL e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. É pois uma opinião reputada. Assim sendo, constatámos de fonte fidedigna algo que já sabíamos: as consequências jurídicas não são práticas. Não passam de jurisprudência avulsa que, após encadernação meia-inglesa em pele escura com titulos e ferros a ouro na lombada, passa a decorar os escritórios dos advogados e juízes. Por isso o licenciado e mestre José Magalhães ameaçou, doutamente, prudentemente, que também haveria consequências práticas.

Publicado por Joana às 09:07 AM | Comentários (172) | TrackBack

setembro 22, 2005

Justiça das Bananas

Comentadores televisivos estão abespinhados com a falta de ética de Fátima Felgueiras que esteve dois anos e meio fugida à justiça e agora regressa com pompa e circunstância. Eu estou abespinhada pelo facto de alguém poder ter estado dois anos e meio em prisão preventiva e afinal a medida de coacção ser agora substituída pela impossibilidade de se ausentar do país. Fátima Felgueiras é apenas uma cidadã. Se praticou delitos, presume-se que a lei a punirá por isso. Uma justiça que funciona assim, é a justiça de uma República das Bananas. Ninguém a responsabilizará pelos dislates. Pelo contrário, somos nós todos que estamos à mercê do seu arbítrio.

Eu não tenho medo de Fátima Felgueiras; tenho, sim, medo desta justiça. Não tenho vergonha de Fátima Felgueiras (se foi corrupta, outros o foram, e são, noutros países); tenho, sim, vergonha desta justiça terceiro-mundista; não estou abespinhada com Fátima Felgueiras – limitou-se a pôr-se a salvo da justiça, o que faz parte do instinto humano de sobrevivência; estou, sim, abespinhada com a justiça portuguesa, com a sua incompetência e com a sua arbitrariedade. Quando vejo políticos na TV indignados com a falta de ética de Fátima Felgueiras, penso que fariam melhor se criticassem o funcionamento da justiça e lançassem ideias para a sua reforma total. O problema da justiça portuguesa tem uma dimensão incomensuravelmente mais grave que o de Fátima Felgueiras.

Mas a “Justiça das Bananas” não se esgota neste caso. No julgamento da Casa Pia, os advogados dos arguidos devem andar a rebolar-se de gozo pelo facto das testemunhas incriminarem os arguidos presentes a julgamento e igualmente Paulo Pedroso, que aguarda há dois anos que o Tribunal da Relação decida sobre se vai ou não a julgamento. O Tribunal da Relação está numa terrível indecisão. Se dá provimento à não inclusão de Paulo Pedroso no despacho de pronúncia que acusou os restantes arguidos, está a dar armas poderosíssimas à defesa – deve haver um lamentável equívoco: então os meus constituintes estão aqui a serem julgados, enquanto um outro, que segundo as testemunhas praticou os mesmos crimes não foi pronunciado? Se um testemunho não faz fé num caso, como o poderá fazer nos outros? Isto é uma cabala e os meus constituintes são umas vítimas de um terrível erro judiciário, pelo qual pagaram vários anos de perda de liberdade. Se não dá, vai destruir muitas amizades ...

Receio bem que, dentro de alguns anos, estejamos a pagar milhões de euros de indemnizações às vítimas do processo da Casa Pia. Não aos miúdos ... aos actuais arguidos.

Publicado por Joana às 12:10 AM | Comentários (61) | TrackBack

junho 29, 2005

Justiças e Injustiçados

O relatório sobre a libertação dos suspeitos (Gang do Vale do Sousa) do homicídio do inspector da PJ João Melo, por esgotamento do prazo de prisão preventiva, concluiu que "não houve responsabilidade disciplinar de magistrados". Era esperado. Não apenas pela defesa de interesses corporativos, que certamente terá ajudado. Era esperado por termos uma justiça com procedimentos obsoletos, burocráticos, ronceiros e mais dirigida para assegurar os direitos dos alegados criminosos, do que para proteger os direitos das efectivas vítimas.

Publicado por Joana às 06:55 PM | Comentários (30) | TrackBack

abril 29, 2005

Verba non Res

Na continuação do meu post de ontem, a prestação de hoje do PM Sócrates apenas reforçou o que então escrevi – muita retórica, mas nada de substância.

Sendo o debate sobre a justiça, esperar-se-ia que fossem anunciadas, mesmo que estivessem em embrião, medidas para combater o actual flagelo de uma justiça morosa, inoperante e cujas principais vítimas são ... as vítimas.

Ora o que foi anunciado são medidas que trazem, é certo, algum alívio os tribunais, mas apenas porque descriminalizam os infractores pela actualização dos plafonds, como o caso da emissão de cheques até um valor máximo de 150 euros. Quanto à medida anunciada por Sócrates "o Executivo avançará com um diploma que permitirá que o procedimento da injunção seja utilizado para crédito até ao valor de 15 mil euros", o que "ampliará substancialmente o limite actual, que é de cerca de 3700 euros". "Cerca de 15 mil processos passarão a ser tramitados por esta via mais expedita, libertando os tribunais para outras tarefas", julgo que deve ser confusão.

Ora segundo me parece, embora leiga nestas matérias, o Decreto-Lei n.º 32/2003, que transpôs para o direito nacional uma Directiva Comunitária, já permitia o recurso à injunção, independentemente do valor da dívida (ou seja, mais que os anunciados 15 mil euros). Anteriormente a esse decreto a possibilidade de recorrer ao processo de injunção estava limitada à cobrança de dívidas cujo valor não fosse superior a 3.750 euros. Sublinho que não sou jurista e pode-me estar a escapar algo, mas aparentemente Sócrates equivocou-se.

Quanto à questão da redução para um mês das férias judiciais, julgo que não terá quaisquer efeitos práticos nos andamentos dos processos. Os juízes argumentam que o mês em que os tribunais estão encerrados é usado para avançarem no estudo dos processos mais complicados que têm entre mãos. Se for isso que acontece, então não há rigorosamente diferença nenhuma no andamento dos processos.

Sem querer meter a foice em seara alheia, julgo que a agilização da justiça passa pela simplificação de todos os procedimentos judiciais. Um deles, por exemplo, seria o caso dos despejos por não pagamento da renda que poderiam ser apenas um caso de polícia. Para além disso deveria haver um controlo rigoroso dos procedimentos da justiça. O caso do Gang do Vale do Sousa é sintomático (principalmente porque estava em causa um homicídio de um elemento da PJ ... de alguém da casa) de que muita coisa não funciona, quer na lentidão da investigação, quer no comportamento e lentidão dos tribunais.

O mau funcionamento da justiça portuguesa constitui um pesado ónus para os agentes económicos portugueses e prejudicam o nosso desenvolvimento. Mas medidas baseadas principalmente na descriminalização das dívidas não tranquilizam os agentes económicos que vivem de transacções de baixos montantes, como os comerciantes. O cheque passa a ser um meio de pagamento ainda menos fiável.

Instado sobre as medidas que está a tomar para equilibrar as contas públicas, Sócrates não disse rigorosamente nada de concreto, limitando-se a evidenciar surpresa pelo PSD questionar uma matéria que, alegou, este não fora capaz de resolver. Diversas vezes, quando na oposição, parlamentares socialistas mostraram-se indignados pela referência de Durão Barroso à «pesada herança guterrista» alegando que essa herança já havia sido julgada e penalizada nas urnas. O que interessava era o presente e o futuro, não o passado. Sócrates já se esqueceu dessas épocas. As perguntas eram concretas e deveria ter havido respostas concretas, mesmo que “apimentadas” com críticas à governação da coligação PSD/PP.

A afirmação de Sócrates de que está "surpreendido" com a possibilidade aberta pelo anterior Governo PSD/CDS-PP de os clubes de futebol com dívidas fiscais só acertarem as suas contas com o Estado em 2010 é ... surpreendente. O governo de Sócrates tem praticamente 2 meses. Sócrates deveria estar a governar baseado no estudo dos dossiers existentes nos ministérios, e não estar a comentar baseado em notícias de jornais.

Se não está de acordo com o parecer que fundamentou a decisão do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e do actual director-geral dos Impostos, decida de outra maneira e lide com as consequências dessa decisão. Não precisa de fazer comentários – decida de outra maneira, porque tem poder para o fazer. Não venha agora alegar surpresas, pois teve 2 meses para se inteirar dos dossiers.

Todavia enquanto manifestava a sua surpresa, Sócrates, instado pelos jornalistas, eximiu-se a dizer algo de concreto ... o assunto estava a ser estudado pelo Ministério da Finanças. Se o assunto está a ser estudado há semanas, e já anteriormente havia sido objecto de pelo menos 2 pareceres contraditórios, então o assunto é complexo e a surpresa manifestada por Sócrates não passa de hipocrisia.

Esperemos para ver a decisão (se a houver) e as consequências dessa decisão (caso haja).

Publicado por Joana às 09:15 PM | Comentários (32) | TrackBack

janeiro 16, 2005

Custas Judiciais

Portugal, pouco a pouco, começa a tomar consciência e a avaliar os custos da ineficiência do seu sector público. Um estudo de uma investigadora da investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, cujas conclusões principais foram publicadas no Jornal de Notícias, faz uma estimativa calamitosa do impacte, no PIB do país, da ineficiência da Justiça portuguesa. E o que é grave, é que os governantes não percebem porquê. O actual ministro, apesar de ser considerado pessoa de bastante valimento, apressou-se a declarar que “é preciso racionalizar os meios humanos. Nos tribunais, onde há mais serviços, deve também haver mais funcionários e magistrados”. É desesperante os governantes não se aperceberem que o que está errado são os dispositivos legais para combater o incumprimento contratual e conseguir a cobrança atempada das dívidas. Não discuto que não deva haver uma reafectação e requalificação de recursos humanos. Mas o que é indispensável é a simplificação dos processos legais.

Quando debati aqui a Lei do Arrendamento Urbano escrevi que “Desde 1990 que o arrendamento é livre e a prazo (5 anos). Portanto os fogos actualmente devolutos estão em mercado livre. O primeiro estudo que o governo deveria ter feito seria o de investigar porque é que há 544 mil fogos devolutos (359 mil, se descontarmos os que alegadamente estão à espera de comprador ou arrendatário) num mercado livre. Enquanto o governo não perceber as razões porque tal acontece, não vale a pena dar o passo seguinte, pois irá certamente fazer asneira. ... Sabe-se que há um diferencial, estimado em mais de 40%, que é uma espécie de prémio de risco para o senhorio. O empolamento das rendas deve-se ao receio do senhorio face ao imprevisível comportamento do inquilino e não a outro motivo”.(*)

Ora nesta lei havia apenas uma ligeira, e inócua, simplificação do processo de despejo por não pagamento da renda. Portanto numa lei que se pretendia estruturante e vital para fazer funcionar esse mercado, o Governo atirou ao lado. É óbvio que uma simplificação deste processo, e de todos os que conduzam a um cumprimento contratual mais efectivo, iria fazer diminuir os réditos dos advogados ... mas contribuiria em muito para o bom funcionamento daquele mercado e de toda a economia em geral.

Desconheço se a simplificação legal será plenamente compatível com a actual Constituição. Em Portugal os mecanismos legais preocupam-se mais em assegurarem protecção aos infractores do que às vítimas. Todavia, neste caso, as vítimas não são apenas aqueles a quem foram pregados calotes, somos todos nós, indirectamente, pelo efeito perverso para a economia que resulta do receio de empresários e investidores do não cumprimento dos contratos.

O trabalho da investigadora Célia Costa Cabral baseou-se num inquérito junto dos empresários portugueses sobre o funcionamento da justiça portuguesa, e concluiu que a justiça é "muitíssimo lenta” e que a sua "morosidade leva a uma natural contracção do investimento em Portugal e funciona como um obstáculo ao crescimento do País", pois "os empresários não arriscam investimentos, se não estiverem absolutamente seguros do cumprimento dos contratos".

Segundo o estudo uma justiça mais célere levaria os empresários a investir mais, a arriscar mais emprego e a baixar os preços das transacções. É óbvio que esta conclusão poderia ser tirada, mesmo sem inquéritos, por qualquer pessoa sensata que olhasse para o país em que vive. Mas Célia Costa Cabral foi mais longe e estimou que "um melhor desempenho do sistema judicial levaria a um crescimento da produção de 9,3 por cento, o volume do investimento cresceria 9,9 por cento e o emprego 6,9 por cento", o que tudo conjugado se traduziria num acréscimo de 11% na taxa de crescimento do PIB. Ou seja 13 mil milhões de euros.

Estes números valem o que valem. Não me custa a acreditar que, se houvesse uma justiça mais rápida e uma maior simplificação legal, o crescimento do nosso PIB fosse significativamente superior ao normal e que, ao fim de poucos anos, esses sucessivos diferenciais fossem 11% ou mais.

Muitas das transacções que se realizam em Portugal, das rendas de casa (no regime livre) às comissões e taxas bancárias, desde que não sejam no sistema de pagamento a pronto, contêm um diferencial devido ao prémio de risco associado à transacção, por receio de incumprimento contratual.

Mas o que é mais perverso em todo este esquema de incumprimentos contratuais é ser o próprio Estado – administração central, autarquias locais e institutos – quem se revela o devedor mais recalcitrante e incobrável, quer pelos prazos de pagamento (3 e 4 meses e, às vezes, anos), quer por, pura e simplesmente, se recusar a pagar. Nem sempre é por ter esgotado as verbas orçamentais, por erro, má afectação ou ausência de transferência. Sucede, com frequência, que as Câmaras, ou outras entidades públicas, incorrem, numa obra, em custos excessivos, por erro de projecto ou má supervisão. Neste caso, se essa verba adicional for cobrada coercivamente, através de acção judicial, é menos penalizadora para os órgãos gestores dessa entidade, que se concordarem pagá-la por mútuo acordo. Penalizadora não apenas do ponto de vista legal, como do ponto de vista de imagem pública.

Portanto, a simplificação da justiça teria que atingir, igualmente, o Estado que, em matéria de pagamento de dívidas tem dado um péssimo exemplo aos agentes económicos.

A questão que se põe é saber se a ineficiência da justiça pode ser resolvida pelos protagonistas da nossa actual classe política, visto o Estado e os advogados que constituem maioritariamente a classe política, estarem, aparentemente, interessados em manter essa situação. As declarações do Ministro da Justiça, mesmo demissionário, não prenunciam nada de bom ...

(*) Ler igualmente O Arrendamento Urbano

Publicado por Joana às 08:52 PM | Comentários (24) | TrackBack

novembro 26, 2004

Corro risco de vida

O Supremo Tribunal de Justiça atenuou a pena de prisão de um homicida que estrangulou a própria mulher até à morte por considerar que as atitudes desta terão contribuído para o desfecho fatal. Nesse acórdão os juízes do STJ referem que não terão sido alheias ao crime as condutas anteriores da vítima, designadamente a de deixar algumas vezes esturricar a comida que confeccionava; sair e a chegar a casa de noite; ir tomar café a um estabelecimento de cafetaria sem dar conhecimento ao arguido, etc.

Uma dúvida me assalta e aterroriza: e manter um blogue? Não será considerada uma atenuante fortíssima em caso de uxoricídio? Esturricar a comida não me incomoda, pois se tal acontecer com frequência, a nossa ucraniana terá que procurar outros patrões: será ela a única vítima. As restantes condutas malévolas da assassinada já estão consignadas nos direitos dos casais modernaços e de mentes abertas. Mas o blogue é que me está a incomodar.

Se este blogue acabar de repente e uma mancha vermelha alastrar sinistramente pela sua página de abertura, estejam atentos ao Jornal Nacional da TVI e aos acórdãos do SJT.

Publicado por Joana às 02:49 PM | Comentários (29) | TrackBack

agosto 16, 2004

Alegadas Cassetes

Reina grande agitação na Comunicação Social e nos meios judiciais acerca das alegadas gravações ilícitas entre um jornalista do Correio da Manhã, Octávio Lopes, e diversos interlocutores ligados aos meios judiciais que, alegadamente, teriam violado o segredo de justiça. Alegadamente as cassetes foram roubadas ao jornalista que as tinha em seu poder por razões alegadamente desconhecidas.

O Independente publicou alegados excertos das alegadas cassetes, violando, alegadamente, o sigilo do jornalista e o direito à protecção das alegadas fontes. Alegações diversas sugerem uma alegada conivência com um alegado crime de informação de um alegado segredo de justiça e de um alegado roubo de informação.

A Directora do Independente justificou a publicação, alegando o interesse público, uma opção do Estatuto do Jornalista de salvaguarda a tudo o que um jornal pretender publicar para dinamizar a procura e aumentar as tiragens.

Estas alegadas ocorrências levaram à demissão de Adelino Salvado, Director da PJ. Adelino Salvado alegou que apenas estava a travar uma conversa informal com um jornalista sobre uma matéria (o processo Casa Pia) que nem conhecia, visto não ter tido, segundo alegou, acesso ao processo. Segundo ele, está apenas a ser vítima de uma cabala que lhe causou a mais insensata incontinência verbal. Todavia, é deveras preocupante saber-se que, em Portugal, os Directores da PJ falam «informalmente» ao telefone com jornalistas sobre processos a cujo conhecimento têm possibilidade de acesso, mesmo que depois assegurem que o não tiveram. Provavelmente Adelino Salvado, pela sua incontinência verbal, estará actualmente mais vocacionado para ser um fazedor de blogue do que para continuar à frente da PJ. Por sua vez, Sara Pina, a assessora de imprensa da Procuradoria Geral da República que alegadamente teria falado com Octávio Lopes sobre o processo, e cujas conversas este havia gravado, está à espera de Souto Moura para apresentar a sua demissão. Provavelmente também irá dedicar-se futuramente à blogosfera.

Quanto a Octávio Lopes é, na interpretação mais lisonjeira, um alegado jornalista. Um jornalista a sério nunca poderia gravar conversas sem o conhecimento dos seus interlocutores; nunca perderia tempo a travar conversas ociosas com pessoas, como Adelino Salvado, que asseguravam não ter nada a ver com o processo; destruiria o material áudio logo que o tivesse transcrito ou deixasse de o utilizar; nunca o abandonaria à mão de semear no seu local de trabalho. Segundo fontes próximas, Octávio Lopes estaria a ser vítima de uma cabala que o levaria a cometer todos estes disparates e ilícitos.

A emoção foi tal que extravazou da Comunicação Social e dos meios judiciais para algumas cúpulas partidárias. O próprio PR, que participava, em Atenas, na Maratona dos 300 metros sob escolta desportiva, foi chamado à colação e vai começar a semana de férias a reunir-se com os alegados protagonistas destas alegadas ocorrências, para escutar as suas alegações.

Os dirigentes do PS estão excitados pelas mais variadas razões. Ferro Rodrigues, o inspirador da magnífica e inovadora tese da vitimização pela cabala, assegura que para ele não é importante a «perspectiva jurídica» mas sim a ocorrência de uma «abjecta violação do segredo de justiça». Sobre esta qualificação, Ferro Rodrigues é a pessoa mais habilitada a opinar, pois sabe que desde que ele se começou a ca*ar no segredo de justiça, tudo aquilo se terá tornado numa matéria obviamente abjecta. Por sua vez, João Soares pede a divulgação das cassetes roubadas e que se dê conhecimento do seu teor à opinião pública, porque é preciso apurar até às últimas consequências o que se passou. Como é de norma no funcionamento de um Estado de Direito, não é preciso dar conhecimento dos pormenores de um crime à opinião pública, para se apurar o que se passou até às últimas consequências. São as instâncias judiciais que se ocupam disso e não a justiça popular. João Soares pretende apenas queimar definitivamente Ferro Rodrigues.

Como nós só vemos o mundo através do reflexo cavernoso que a comunicação social nos transmite, é normal que permaneça no olvido o alegado jornalista Octávio Lopes. Nunca mais ninguém ouviu falar nele. A comunicação social mantém-no escondido da curiosidade malsã da opinião pública. Afinal ele apenas fez gravações ilícitas, usou-as ilicitamente, guardou-as ilicitamente e deixou-as negligentemente acessíveis, para serem ilicitamente publicadas por outro jornal. Mas os ilícitos jornalísticos estão protegidos pelo seu Código Deontológico: desde que haja interesse público nunca há ilícito. O interesse público prevalece sobre tudo. E quem define o interesse público? – os jornalistas e os seus critérios jornalísticos. Os jornalistas são uma classe que se julga e se absolve em causa própria. Aliás o Director do Correio da Manhã assegura que Octávio Lopes e todo o jornal estão a ser objecto de uma cabala que os teria levado a cometer todos aqueles ilícitos e negligências eventualmente dolosas.

A própria assessora de imprensa permanece numa meia obscuridade. Afinal, uma assessora de imprensa é uma jornalista «indirecta». Escreve nos jornais por interpostas pessoas. Só se fala dela quando se exige a cabeça de Souto Moura. Segundo alguns políticos, a assessora de imprensa é inimputável: não passa de um objecto que só se mexe animado pela tensão muscular ou cerebral de Souto Moura. Provavelmente foi vítima de uma cabala urdida por Souto Moura para a fazer discorrer junto de jornalistas sobre assuntos confidenciais de forma incontinente.

Louçã, por exemplo, sempre o primeiro a adiantar-se a pedir a cabeça dos outros políticos, neste caso optou por exigir a cabeça de Souto Moura. A razão é óbvia: este drama da Casa Pia foi um dos principais factores que levaram à queda de Ferro Rodrigues e ao desvanecimento da possibilidade de Louça integrar um próximo elenco governativo e sabe-se como os «princípios» resistem mal ao charme discreto do poder. Aliás, normalmente são aqueles que mostram mais «firmeza» e «arrogância» na defesa de «princípios» que depois os ignoram discretamente.

Quanto ao país ... está em férias. As teorias das cabalas foram banalizadas pelas truculências verbais do Ferro Rodrigues: ninguém lhes liga nenhuma. Quando alguém diz: deixem a justiça funcionar, o país ri-se baixinho. Só quem nunca teve necessidade de recorrer à justiça ignora que esta ou não funciona em tempo útil, ou não funciona de jeito nenhum. Só quem, por motivos profissionais, tem conhecimento das sentenças dos tribunais sobre uma dada matéria, sabe que, para a mesma tipologia de incidente, os juízes emitem as sentenças mais díspares e hílares. E frequentemente recheadas com alegações de âmbito científico que devem resultar de algum copy&paste, feita ao acaso do Google, sem base consistente, pois estão em absoluto fora das suas habilitações e dos seus conhecimentos.

Publicado por Joana às 01:21 PM | Comentários (7) | TrackBack

abril 04, 2004

Controlo Inovador da Despesa Pública

Ou como Jorge Ritto foi colocado sob vigilância popular

A luta contra o défice orçamental está a ter contornos inovadores. Já que o governo tem lutado contra o défice mais com o coração do que com a cabeça, outros órgãos de soberania começaram, eles próprios, a agir nesta matéria com mais objectividade e determinação.

O Tribunal da Relação apreciando uma recurso da defesa de Ritto ordenou a sua libertação apesar de reconhecer que « pela própria natureza das coisas, o perigo de continuação da actividade criminosa existe». E isto porque ocorre «a circunstância de sendo ele agora, por motivos óbvios, um alvo apetecível da observação e censura públicas, aqui se incluindo os media, é razoável admitir que tal facto lhe imponha alguma contenção quando e se for tentado a reincidir em actos semelhantes aos aqui indiciados».

Portanto o Estado deixou de tomar a seu cargo a custódia de Jorge Ritto e de arcar com os respectivos custos: alimentação, água, electricidade, gás, dormitório, instalações sanitárias, pessoal adstrito à sua custódia, etc.. E isto porque o Tribunal da Relação, apesar de concordar na perigosidade do ex-detido, considerou esse custo supérfluo e ordenou que Ritto fosse entregue à vigilância popular e à custódia dos mídia.

E o que este acórdão tem de extremamente inovador é o Tribunal da Relação reconhecer que os mídia estão perfeitamente aptos a executarem esta tarefa. Este reconhecimento abre um horizonte de oportunidades, cujas potencialidades ainda só muito remotamente se começam a esquissar.

Não estará longe o dia em que o noticiário nobre da TVI abrirá com Manuela Moura Guedes a anunciar que o conhecido e perigoso traficante X foi capturado após movimentada perseguição, constituído arguido e que o juiz de instrução lhe havia imposto como medida de coacção o termo de identidade e residência sob a vigilância dela mesmo, Manuela Moura Guedes. Entretanto os defensores haviam apresentado um imediato recurso, alegando o excessivo rigor da medida e pedindo que ela fosse comutada em prisão preventiva.

Finalmente começam a aparecer medidas imaginativas de contenção da despesa pública.

Publicado por Joana às 08:34 PM | Comentários (12) | TrackBack

março 26, 2004

Entre-os-Rios

Ou de como é da Natureza das Coisas a culpa morrer solteira em Portugal

A decisão do juiz de instrução Nuno Melo, de não pronunciar nenhum dos 29 arguidos no processo da queda da ponte de Hintze Ribeiro era previsível. Para haver culpados de um crime, tem que haver provas. Como em Portugal há uma negligência geral no exercício da administração da coisa pública e, na maioria dos casos, a inexistência de procedimentos adequados para fiscalizar a acção quer dos agentes económicos, quer dos agentes da administração pública, resulta quase sempre impossível provar a culpa.

A culpa em Portugal morre solteira não por ausência de leis, não por ausência de justiça, mas pelo mau desempenho da administração pública e pela inexistência de procedimentos adequados para que esse desempenho possa ser melhorado, se torne eficaz e as responsabilizações e esferas de competência sejam inequívocas.

O processo tinha 29 arguidos: cinco técnicos da antiga Junta Autónoma de Estradas, o responsável por uma empresa projectista, 22 areeiros e o antigo presidente do Instituto de Navegabilidade do Douro, Mário Fernandes.

Quando li que os areeiros tinham sido indiciados, pensei logo que este processo não iria a sítio nenhum. É certo que uma das razões da queda do pilar deveu-se à extracção excessiva de inertes do leito do rio. Mas os areeiros estavam licenciados para extraírem os inertes pelas entidades competentes. Os areeiros não têm obrigação de perceberem de Hidrologia ou de Ordenamento Fluvial. Quem tem essa obrigação foi quem os licenciou.

Poderão dizer que, provavelmente, os areeiros extraíram inertes em demasia relativamente ao que as licenças previam. É provável que sim, mas onde estão as provas? Onde estão os autos de notícia das irregularidades nas extracções? Onde estão as contra-ordenações? Era obrigação do Instituto de Navegabilidade do Douro fiscalizar. Fez essa fiscalização em condições?

Por muito delituoso que possa ter sido o comportamento dos areeiros no que respeita a um eventual excesso de extracção de inertes, eles nunca poderiam ser condenados porque têm as suas licenças em ordem e ninguém pode provar o excesso de extracção.

Aliás, não é líquido que tenha havido excesso de extracção de inertes. Um relatório indicava que a extracção de areia tendia a ser autorizada "sem conta, nem peso, nem medida". Se era assim, o conceito de excesso de extracção da parte dos areeiros perde validade.

Um outro factor concorreu igualmente: a redução da alimentação do caudal sólido provocada pela retenção de sedimentos nas albufeiras existentes a montante no Douro e afluentes. Mas isso competia ao INAG, que tutela o domínio hídrico em Portugal, e ao Instituto de Navegabilidade do Douro avaliarem. Há poucos anos fizeram-se estudos sobre os Planos de Bacias, para todos os rios portugueses. E há um estudo sobre o Plano da Bacia do Douro feito por um consórcio privado para o INAG. Esse estudo deveria obrigatoriamente conter elementos sobre o fluxo de inertes ao longo do rio e seus afluentes e a situação do leito do rio. O estudo será fiável? Os seus resultados tiveram aplicação na apreciação dos licenciamentos aos areeiros?

Ora estas indefinições não permitem esclarecer se houve excesso de extracção de inertes, se houve redução da alimentação do caudal sólido, ou se houve o cúmulo dos dois efeitos. Deveria haver um sistema de monitorização, que permitisse determinar o nível das areias e a localização dos fundões. Todavia, não há nenhum sistema desses no nosso país, ao que julgo.

A entidade com mais responsabilidades parece ser o Instituto de Navegabilidade do Douro. Simplesmente o IND é uma amalgama difusa dos municípios da bacia do Douro, com fronteiras de responsabilidades igualmente difusas no que respeita à sua delimitação perante a DRA do Norte, o INAG e a CCRN. Basta ver que enquanto se discutia a responsabilidade política dos governos no atraso da construção da nova ponte, o berreiro dos autarcas da região era ensurdecedor. Assim que começaram a aparecer relatórios técnicos alertando para a responsabilidade do IND, o coro dos autarcas no branqueamento do IND foi imediato.

Depois temos as responsabilidades da ex-Junta Autónoma das Estradas (JAE) e dos institutos que lhe sucederam, como o Instituto de Estradas de Portugal (IEP) ou o Instituto de Conservação das Obras Rodoviárias (ICOR) ou o Instituto de Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), na qualidade de organismos responsáveis pela conservação de pontes. A JAE e o IEP teriam por diversas vezes sido aconselhados a proceder a obras de reparação da Ponte de Entre-os-Rios, com as primeiras recomendações nesse sentido a datarem de 1986, altura em que mergulhadores fizeram uma vistoria aos pilares da ponte. Mas quem responsabilizar na JAE? E no IEP? Quanto muito responsabilizar João Cravinho pela ideia irresponsável de destruir a JAE, reformar os seus técnicos de topo e criar institutos em que parte do acervo do know-how da ex-JAE se perdeu. Mas essa é uma responsabilidade política, não criminal. Aliás, ficou demonstrado que em 1998 e 1999, quando a JAE foi extinta, nem se sabia qual era o instituto que seria responsável pela manutenção das pontes. Isto diz do disparate da decisão do ministro Cravinho.

O atraso da construção da nova ponte também não configura qualquer responsabilidade criminal, mas apenas política, dos sucessivos governos desde 1986.

Finalmente temos as causas naturais: a sucessão de cinco cheias intensas nesse Inverno, o que constitui uma probabilidade baixíssima. Ora todos sabem que as obras são dimensionadas tendo em conta a periodicidade de catástrofes naturais. A existência dessas causas naturais também dificultaria o incriminar de alguém.

Conclusão: houve um cúmulo de causas, quer naturais, quer devido a negligência de diversos serviços. Em relação à responsabilidade civil ela foi assegurada: o Estado é o principal responsável e avocou a ele o ressarcimento dos prejuízos.

Em relação à responsabilidade criminal, não parece que haja possibilidades de incriminar, de uma forma consistente, seja quem for.

Ensinamentos: Definição clara das fronteiras de intervenção e de responsabilidade entre os diversos institutos e entidades públicas; estabelecimento de procedimentos de actuação que responsabilizem, individualmente, os agentes públicos pelas suas acções ou omissões nos seus domínios de actividade, nomeadamente, neste caso, as outorgas de licenças, a fiscalização dos trabalhos de extracção, a monitorização da situação dos leitos dos rios, a inspecção periódica do estado das obras públicas, a resolução atempada de deficiências, etc., etc..

Alguém, para ser punido criminalmente, teria de ter conhecimento concreto da situação da ponte, dos pilares e respectivas fundações e do leito do rio no local. É assim que funciona um Estado de Direito. Mas, um Estado de Direito, para que a culpa não morra solteira, tem que ter procedimentos adequados para que essas responsabilidades sejam apuradas sem margem para dúvidas. E isso não existe, por enquanto, em Portugal.

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fevereiro 17, 2004

O Estado dos Direitos

Se há matéria onde os meios de comunicação e a opinião publica(da) estão unanimemente de acordo é sobre a descriminalização do aborto. Há uma completa e absoluta unanimidade. Quem se atreve a emitir uma opinião contrária àquela é um troglodita fundamentalista, fanático, contumaz e medieval.

Infelizmente essa opinião unânime não coincidiu com a opinião da população expressa em referendo. Mas, pela leitura que tem sido feita e repetida por vários líderes políticos, os resultados do referendo indicam, sem ambiguidades, que uma parte significativa da população portuguesa é troglodita e a maioria, a que se absteve, está à beira do trogloditismo. Ah! Mas havemos de fazer os referendos que forem necessários até os trogloditas abandonarem as cavernas mentais, onde a ignorância os mantém, e se lhes revele a luz da verdade.

Para essa opinião poderosa e imperiosa, a lei é a sua verdade.

Por exemplo: quando populares se juntam perto do local onde Carlos Cruz está preso, ou fazem almoços de solidariedade, logo vozes se elevam para protestar contra as pressões inaceitáveis que se estão a fazer sobre a justiça. E logo a comunicação social se enche de gente afadigada a censurar tamanho desconchavo e desrespeito pelo funcionamento da justiça.

Todavia, dezenas de pessoas lideradas por individualidades com responsabilidades políticas como Odete Santos, Ilda Figueiredo (ambas do PCP) e Miguel Portas (Bloco de Esquerda) manifestaram-se no exterior do Tribunal, enquanto decorria a audiência do Tribunal de Aveiro que julgava arguidos do processo de aborto clandestino, sem quaisquer escrúpulos sobre se estariam ou não a pressionar a justiça, nomeadamente tratando-se de representantes da nação, gente que deveria ter especiais cuidados no respeito pelos fundamentos do Estado de Direito.

Uma acção que, segundo o próprio juiz, não perturbou a audiência nem pressionou o tribunal, decorrendo, ao que afirmou, com o devido respeito. Tratou-se, disse, de "um saudável sinal de vitalidade da sociedade, que vale como impulsionador de tomada de posição do poder político sobre a matéria".

Portanto, em Portugal, há dois tipos de opinadores:

Aqueles cujas opiniões são as verdadeiras, mesmo que sejam minoritárias e, para os quais, as leis do Estado de Direito não são aplicáveis, se da sua aplicação resultar contrariedades para que as suas opiniões tenham o relevo que merecem e vinguem como é imprescindível. É uma regra evidente porquanto as opiniões contrárias às suas são próprias de trogloditas e indignas de uma sociedade civilizada.

Os trogloditas que, mesmo que sejam maioritários nas urnas, não passam, segundo os detentores daquela verdade, de meia dúzia de fanáticos fundamentalistas que têm que se cingir às estritas normas do Estado de Direito e, por acréscimo, aceitarem que, os que os tomam por trogloditas, não cumpram essas normas. É o castigo por terem opiniões fanáticas, fundamentalistas e medievais.

E, castigo maior, hão de fazer os referendos que forem necessários até acertarem com o raio do «sim»! E enquanto eles não acertarem com esse advérbio monossilábico, qualquer referendo não passará de um treino para o referendo final, aquele que irá valer definitivamente, o referendo do «sim».

Publicado por Joana às 11:46 PM | Comentários (23) | TrackBack

fevereiro 05, 2004

A Justiça Fiscal ou o caso do Juiz Publicano

É ponto assente que existe uma enorme evasão fiscal no nosso país. Também é consensual que essa evasão deve ser combatida.

O problema é saber como. Há dias, num matutino, um Juiz de Tribunal Administrativo de Círculo e de Tribunal Tributário escrevia um artigo sobre justiça fiscal deveras interessante, nomeadamente provindo de um juiz.

Entre outras coisas, este juiz propunha que a lei deveria sancionar publicamente os infractores das leis fiscais, por forma a implementar a censura social: assim, todos os contribuintes que, após sentença, tivessem de pagar ou devolver à Fazenda Pública montante elevado de impostos, seriam condenados também a custear a publicação em jornal de grande circulação de um extracto da parte decisória da sentença. Assim, além da censura social, também o ideal da concorrência leal seria beneficiado, porque as empresas infractoras seriam conhecidas pelas outras empresas e pelos consumidores.

O douto juiz sabe que esta medida não é inovadora. Por exemplo, nos autos da fé os acusados ostentavam dizeres que informavam os assistentes dos pecados que haviam cometido. Também quem cometia qualquer crime era enforcado publicamente, tendo pendurado algures, no respectivo cadáver, um elucidário pormenorizado do crime. Mesmo um pequeno delinquente era passeado publicamente, ostentando a lista delituosa e parando a cada esquina, por entre o rufar dos tambores e as vozes dos arautos. Era uma prática interessante que as perniciosas ideologias liberais e as filosofias do século das luzes baniram dos nossos costumes, mas que o juiz Paulo H. Pereira Gouveia quer ver ressuscitadas e novamente consagradas.

Mas o juiz Paulo H. Pereira Gouveia acresceria ainda que aquela prática mediática teria ainda a vantagem de eliminar o excesso de litigância fiscal: os infractores das leis fiscais pensariam duas vezes antes de recorrerem aos tribunais tributários. O que é evidente: Se cada vez que uma sentença é lavrada, o condenado for passeado publicamente, por entre rufares de tambores e o vozeirão dos arautos, ostentando reclamos de gosto duvidoso sobre os seus alegados actos pecaminosos, ele desistirá de litigar. Provavelmente desistirá de muitas coisas mais. Entre elas de viver num país em que o juiz Paulo H. Pereira Gouveia julgue.

É óbvio que com medidas destas o juiz Paulo H. Pereira Gouveia vai conseguir arrecadar muitos milhões. Logo que esta legislação entrasse em vigor a população acotovelar-se-ia às portas das tesourarias das finanças a entregar os seus teres e haveres para evitar as pesadas penas e o enxovalho público decretados pelo juiz-inquisidor.

E para que queria o émulo fiscal do Torquemada tantos milhões? Porque esses milhões dariam para equipar melhor os hospitais e as universidades, informatizar uniformemente toda a máquina fiscal, remunerar melhor os bons funcionários públicos e os políticos em regime de exclusividade e até para reduzir um pouco o défice público (comove até às lágrimas ver como o juiz Paulo H. Pereira Gouveia se preocupa, mesmo que “apenas um pouco” com o nosso défice público).

Porque, na opinião do juiz Paulo H. Pereira Gouveia, o que o Estado necessita é de investimentos privados e públicos extraordinários na formação de quadros técnicos superiores e médios, bem como na inovação tecnológica e na gestão moderna e racional na administração pública.

Senhor Doutor Juiz Paulo H. Pereira Gouveia, meretíssimo Juiz de Tribunal Administrativo de Círculo e de Tribunal Tributário, venho por este meio corroborar e certificar que o Estado precisa de um investimento extraordinário e vultuoso na formação de um quadro técnico e na sua inovação e modernização. E este quadro técnico, Senhor Doutor Juiz Paulo H. Pereira Gouveia, que necessita urgentemente dessa formação indispensável, é justamente Vossa Excelência.

Publicado por Joana às 11:12 PM | Comentários (22) | TrackBack

janeiro 27, 2004

Do que falamos quando falamos de uma decisão do Tribunal Constitucional (des)favorável a Fátima Felgueiras

Ou de como Semiramis resolveu pedir, novamente, um parecer jurídico

Se o mediático processo Casa Pia já teve algum efeito positivo na relação dos cidadãos com o nosso sistema de justiça, esse efeito será, por certo, um maior conhecimento de alguns dos ‘meandros’ do processo penal português. A pressuposição deste maior esclarecimento poupa-me algum trabalho na exposição do meu raciocínio.

Na aplicação de uma medida de coacção, o julgador atravessa uma série de etapas lógicas, as quais não são mais do que os pressupostos ou fundamentos legais da decisão.
Assim, antes do mais, o juiz de instrução tem que julgar indiciariamente provados os factos que integram o crime - para algumas medidas de coacção, tem mesmo que julgar os factos “fortemente” indiciados.

Como a mediada de coacção não visa punir o arguido, mas sim acautelar um dos três afamados perigos - fuga, continuação da actividade criminosa ou perturbação do inquérito ou da tranquilidade pública -, o julgador tem que apurar se algum destes existe.
Constatada a existência de um perigo, o juiz deve procurar entre as medidas de coacção aquela que, evitando a concretização do perigo, se revelar como menos gravosa para o arguido.

Finalmente, deve o juiz verificar se a medida de coacção pode ser aplicada, atenta a natureza ou gravidade do caso concreto. Por exemplo, não se pode aplicar uma prisão preventiva a um crime punível com menos de 3 anos de prisão. Neste caso, mesmo que haja perigo de fuga, e mesmo que a prisão preventiva seja a única medida adequada a evitar tal fuga, não é admissível prender o arguido. Se, neste caso, de facto, a prisão preventiva for a única medida adequada a evitar a fuga, nenhuma medida, para além do termo de identidade e residência, será aplicada.

Consideremos, agora, um caso concreto.
Temos alguém fortemente indiciado da prática de um crime.
Este crime, atenta a sua moldura penal, admite a medida de coacção de prisão preventiva.
Existe o perigo desta pessoa perturbar o decurso do inquérito, pressionando testemunhas e, sobretudo, ocultando provas. Existe, ainda, o perigo de esta pessoa praticar ilegalidades idênticas àqueles relativamente às quais existem fortes indícios de ser sua autora.
O juiz vê duas medidas de coacção adequadas a evitar este crime. Tem que decretar uma das duas.
Uma delas é a medida mais gravosa - a prisão preventiva. Esta medida afastará a pessoa dos locais e das pessoas que lhe permitiriam concretizar os referidos perigos.
A outra medida tem este mesmo efeito prático, mas permite que o arguido permaneça em liberdade.
O juiz aplica a medida menos grave, permitindo que o perigo seja debelado e que o arguido permaneça em liberdade.

O Tribunal Constitucional entende que todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas que ao arguido dos autos não pode ser aplicada a medida escolhida pelo juiz.
A medida do Tribunal Constitucional não viola o princípio constitucional da igualdade por privilegiar injustamente este arguido, mas sim por lhe retirar o ‘direito’ a ser-lhe aplicada uma medida menos gravosa do que as medidas alternativas.

Em cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional, o juiz retira a medida inicialmente escolhida do elenco daquelas que pode aplicar ao arguido em causa.
O elenco das medidas adequadas fica reduzido a uma: a prisão preventiva.
O juiz, em cumprimento do decidido pelo Tribunal Constitucional e por força da lei, aplica a prisão preventiva.

Por força da decisão do Tribunal Constitucional, um arguido que não ‘precisava’ de ser preventivamente preso terá que aguardar nesta situação os ulteriores termos do processo.

Autor: Pseudo Éter

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janeiro 05, 2004

Do que falamos quando falamos de escritos anónimos

Ou de como Semíramis se muniu de um parecer de um jurista para evitar incorrer nos dislates dos jornalistas

Um escrito contendo uma declaração de ciência, sem identificação do declarante, pode ter dois ‘significados’ jurídico-processuais.

Com efeito, tal escrito pode consubstanciar uma ‘denúncia’, trazendo ao conhecimento das autoridades a chamada ‘notícia do crime’, tal como pode corporizar a prova documental de um facto - ou, melhor, uma prova a um tempo documental e testemunhal.

Como denúncia, o escrito anónimo é perfeitamente válido, devendo merecer das autoridades competentes a atenção que o mesmo imponha - cfr. o art. 246.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen. (que reza assim: “A denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito e não está sujeita a formalidades especiais”). Se, por meio de escrito anónimo, for dado conhecimento às autoridades que, dentro de uma semana, terá lugar um assalto a uma concreta dependência de uma instituição de crédito, tais autoridades competentes - Ministério Público e órgão de polícia criminal - não podem, obviamente, deitar a denúncia para o lixo, devendo, antes, autuar a mesma como inquérito e tomar as medidas necessárias a evitar a consumação do anunciado crime.

Esta denúncia anónima deve permanecer nos autos - embora a sua publicidade possa ser vedada a pessoas estranhas ao processo (cfr. o art. 86.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen.) - , não tendo, todavia, qualquer valor probatório. Ou seja, a denúncia anónima serve para dar início ao processo, mas não serve como meio de prova - um facto não pode ser dado por provado com fundamento em constar ele de um documento (denúncia) anónimo.
Diferente da denúncia, é o documento anónimo que visa demonstrar a realidade de um facto, que visa ser um meio de prova. Se o processo já adquiriu a notícia do crime, uma carta anónima remetida aos autos relatando tal crime não tem a natureza de denúncia, mas sim de meio de prova do mesmo.

Todavia, como escrevi, este relato anónimo não pode servir de prova, pelo que não pode ser admitido, devendo ser recusada a sua junção aos autos, sendo tal ‘expediente’ arquivado separadamente nos serviços do Ministério Público - cfr. o art. 164.º, n.º 2, 2.ª parte, do Cód. Proc. Pen..

Se, no âmbito de um processo pendente, é remetida aos autos a denúncia anónima da prática de crimes diferentes dos investigados, mas com eles relacionados, o titular do processo não pode eliminar esta denúncia, sendo certo que a mesma não tem qualquer valor ou préstimo probatório - quer quanto aos factos agora denunciados; quer quanto aos factos já anteriormente objecto do processo. O titular do processo deve tomar tal denúncia na devida consideração.

Se ao processo Casa Pia Noticiado - que é, certamente. diferente do real - chegou uma denúncia anónima, era vedado ao Ministério Público destruir tal denúncia anónima ou entregar a mesma ao visado - esta segunda solução, se não estivéssemos a falar do Presidente da República, pareceria absolutamente insólita: entregar a denúncia ao putativo criminoso...
A denúncia deve ser sumariamente analisada, avaliada e, se for caso disso, investigada.
Nos casos de a denúncia contenha factos respeitantes à intimidade da vida privada, se o processo entrar numa fase pública, não deve a mesma deixar de estar sob o segredo de justiça, apenas podendo ter conhecimento da denúncia o Ministério Público, a Defesa, o Assistente e o Tribunal.

Concluindo: no caso Casa Pia, o procedimento do Procurador titular do processo foi, a este nível, processualmente correcto.

Talvez só um reparo se possa fazer à sua conduta: dizendo a denúncia respeito ao Presidente da República, o processo que a mesma desencadearia deveria, por força da lei, correr os seus termos junto do Supremo Tribunal de Justiça. Assim, poder-se-ia sustentar que o Procurador titular do processo deveria ter remetido a denúncia para o Procurador Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça, para que este investigasse o denunciado crime.
Esta solução, embora processualmente mais ‘aprimorada’, é um pouco excessiva, só se justificando quando o Procurador titular do processo, depois de analisar e avaliar a denúncia, entenda que a mesma merece ser efectivamente investigada - o que não será, certamente, o caso.

Em casos como o vertente, a conduta o Procurador titular do processo foi ajuizada: receber a denúncia, avaliando a mesma, e ordenar que fosse ela desentranhada do processo - por não ser credível e por, por outro lado, não constituir meio de prova válido -, mantendo-se, todavia, ‘anexada’ a este.


Autor: Pseudo Éter

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janeiro 04, 2004

O Curioso Incidente da Carta Anónima

Ou onde Semiramis Holmes tenta decifrar um mistério

Há uma carta anónima anexada ao processo da pedofilia, onde estão mencionadas 12 pessoas, distribuídas sexualmente por 9 homens e 3 mulheres e politicamente por 7 PSD, 3 PS e 2 PP. Ao que parece há perto de uma centena de cartas anónimas anexadas ao processo. Todavia só aquela carta foi citada publicamente e tem merecida a atenção quotidiana de todos os meios de comunicação e, dos 12 nomes, só o PR e o comissário europeu, ambos do PS, foram publica e quotidianamente citados.

Vem-me à memória esta curiosa passagem de Conan Doyle:

– Queria chamar-lhe a atenção para o curioso incidente do cão durante a noite.
– Mas o cão não fez nada durante a noite!
Foi esse o curioso incidente – observou Sherlock Holmes.

Ou, numa versão mais actualizada

– Queria chamar-vos a atenção para o curioso incidente da carta anónima anexada ao processo.
– Mas o carta anónima não tem qualquer significado!
Foi esse o curioso incidente – observa Semiramis Holmes.

O que é relevante neste curioso incidente é justamente a carta não conter acusações fundamentadas, isto é, não ter qualquer significado;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente esta carta sem relevância ter vindo a público, entre a centena de cartas anónimas anexadas ao processo;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente o serem apenas citados publicamente dois políticos do PS, de entre os 12 políticos que constavam da carta;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente essa citação ser usada para alegar que a anexação daquela carta, com aquelas 2 citações, poderá configurar uma violação de uma norma do Código de Processo Penal pelo procurador João Guerra;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente o coro dos meios de comunicação, citando "diversos juristas", afirmar que a atitude do procurador, anexando aquela carta ao processo, com aquelas 2 citações, no meio da outra centena de cartas e de mais de uma dezena de nomes citados, pode sujeitá-lo a um processo disciplinar;

O que é relevante neste curioso incidente é o coro da tragédia casapiana, que cada vez declama mais alto e mais forte, não se sabe se para dar inteligibilidade ou ininteligibilidade aos espectadores sobre o drama que se desenrola no palco e, principalmente, nos bastidores, dar a entender que é pior uma carta anónima caluniosa, mas disponível para consulta, que destrui-la, criando as condições óptimas para fomentar boatos, incontestáveis face à destruição da carta;

O que é relevante neste curioso incidente é os iluminados exegetas do processo que escrevem nos meios de comunicação, sugerirem que “aquela” carta deveria ter sido destruída, por ser irrelevante, acto que a ocorrer, abriria caminho para que se instalasse a dúvida, face a cartas entretanto destruídas no âmbito de um dado processo, se seriam ou não realmente irrelevantes, ou se sendo-o irrelevantes naquele momento, não poderiam tornar-se relevantes mais tarde; ou pior, possibilitar a destruição selectiva de documentos, pois a sua destruição dependeria do entendimento do responsável pela investigação;

O que é relevante neste curioso incidente é o coro da tragédia casapiana não se mostrar minimamente preocupado com o conteúdo da carta, que é irrelevante, nem com os restantes nomes não citados, o que são inúteis, o que indicia que além de inúteis, serão porventura perniciosos para os objectivos do coro;

O que é relevante neste curioso incidente é o coro da tragédia casapiana ter decorado o papel que está a declamar de forma tão determinada, que o PGR foi obrigado a fazer declarações sucessivas, porquanto o coro interpretava cada declaração do PGR de acordo com o papel que desempenha tão devotadamente, e não de acordo com o sentido que o PGR pretendia dar;

Portanto o que é relevante nesta carta é ela não ter relevo, conter o nome de 2 políticos socialistas de nomeada (um deles o PR) e poder, por via disso, ser usada numa campanha contra a equipa do Ministério Público que conduziu as investigações.

Campanha que atingiu tal dimensão que o PGR teve que vir a terreiro sublinhar que "autores da campanha de intoxicação da opinião pública a que temos assistido" são avisados de que não é "descredibilizando artificiosamente o trabalho de investigação feito" e "pondo em causa a correcção de procedimentos levados a cabo pelo Ministério Público" que "atingirão os seus objectivos". E fazê-lo desta forma tão clara para evitar que os meios de comunicação o continuassem a interpretar ao invés.

Elementar, meu caro Watson, este curioso incidente interessa a quem pretende que estejamos a discutir questões processuais do processo da pedofilia e não a questão da pedofilia e da justiça para as suas vítimas.


Nota: o texto de Conan Doyle é o seguinte:
"Is there any point to which you would wish to draw my attention?"
"To the curious incident of the dog in the night-time."
"The dog did nothing in the night-time."
"That was the curious incident," remarked Sherlock Holmes.

Publicado por Joana às 09:55 PM | Comentários (28) | TrackBack

dezembro 31, 2003

Ferro Processa Menores

Segundo a Comunicação Social, Ferro Rodrigues processou, ou vai processar “quem o caluniou”, ou seja, as testemunhas que teriam referido o seu nome no caso da pedofilia.

Ora processar menores (ou que eram miúdos à data da ocorrência dos factos) vítimas de abusos sexuais, se estes forem representados por advogados habilidosos, pode revelar-se uma tarefa espinhosa e contraproducente, mesmo que os testemunhos sejam equívocos. Como pretende Ferro Rodrigues sustentar durante meses ou anos um processo sórdido, no papel de acusador de vítimas de práticas pedófilas que, à partida terão a compaixão pública, com “revelações” saindo a conta-gotas na comunicação social? Seria um desgaste de imagem terrível.

Um arguido pode defender-se deste tipo de testemunhos, em tribunal, desacreditando-os, exibindo alibis ou lançando dúvidas sobre a sua veracidade. Quem não é arguido, mas está referenciado no processo, pode asseverar que está à disposição da justiça para o que esta entender, dado estar seguro da sua inocência por os depoimentos não passarem de erros ou calúnias, explicando porquê e o caso morre ali, pois não foi deduzida acusação. Processar menores, alegadas vítimas da rede pedófila, será sempre, e nomeadamente se se tratar de um político, um acto desastrado.

Porém, Ferro Rodrigues pretende mais que processar menores. A sua pretensão última é pressionar a justiça e atemorizar as testemunhas do processo. Ferro Rodrigues que enquanto Ministro da tutela da Casa Pia (de que também foi Paulo Pedroso), não fez nada para pôr cobro ao que então se passava, pretende agora pressionar e atemorizar testemunhas, que são os menores que foram vítimas de abusos enquanto ele tutelava a Casa Pia.

Não é a primeira vez que Ferro Rodrigues aparece com uma truculenta e pretensa autoridade moral a alijar responsabilidades. Fê-lo vergonhosamente na questão da Metropaço, onde agiu com uma grande irresponsabilidade e ligeireza, sendo politicamente responsável por o erário público ter sido “aliviado” de 40 milhões de contos e se comportou na Comissão de Inquérito com a desfaçatez de quem sabe que em Portugal a gestão danosa da coisa pública não sofre punição.

Nestes dias, como já o tinha sido em fins de Maio, Ferro Rodrigues foi igual a si próprio: um líder sem estatura política que tenta protagonizar uma inocência através da truculência e de falar grosso. Um líder que tenta transformar um caso do domínio privado, trazendo-o para o domínio político, arrastando o próprio partido, como se fosse todo o PS que estivesse envolvido na rede pedófila, ou que este caso fosse um caso político.

Jaime Gama também aparece referenciado nas notícias com idêntica pretensão. Jaime Gama tem sido dos poucos dirigentes socialistas que tem sabido manter alguma sensatez no desastre que tem sido o PS na oposição. Espera-se que mantenha a cabeça fria e que não enverede pelo mesmo registo de truculência e de pseudo-autoridade moral de Ferro Rodrigues.

Mais grave: este desenvolvimento é referido nas notícias como o “PS contra-ataca”. Ainda antes da TVI avançar com as notícias, Vera Jardim, convertido em porta-voz do partido para as questões da pedofilia, divulgou o comunicado, em nome de Ferro Rodrigues, manifestando «violenta indignação contra tal patifaria».

Ora o PS não está envolvido nos casos de pedofilia. Estarão, alegadamente, alguns dirigentes socialistas, mas a título individual. Não se percebe como Vera Jardim aparece agora como pedofilista de serviço.

Corrijo: o PS não está, à partida, envolvido no caso da pedofilia, mas os seus dirigentes estão a fazer os possíveis para o envolver, como instituição, naquele caso.

O processo da pedofilia vai ser muito sórdido. Haverá erros nos depoimentos, alguns enganos, erros de datas, etc.? Esses erros poderão fragilizar a acusação, suscitarem dúvidas e levarem à absolvição de alguns dos arguidos? Pode acontecer. Mas as testemunhas foram vítimas de abusos sexuais, trazem no corpo e no espírito o sofrimento físico e moral desses abusos. Irão descrevê-los e a opinião pública irá sofrer com essas descrições. Irão identificar os seus agressores e narrar, ao pormenor, como eles praticaram esses abusos. Todos esses depoimentos aparecerão nos horários nobres das TV’s, com a repugnante sordidez em que essas estações são exímias. Ligar o PS a todo esse estendal de podridão será um crime contra o partido e contra a democracia portuguesa que precisa do PS, não do PS do Ferro Rodrigues, mas de um PS que aja com o sentido de Estado de um partido da área do poder.

Ferro Rodrigues julga que arrastando o PS para este caso sórdido, ficam, ele e os seus amigos, mais protegidos das eventuais consequências do mesmo. É um equívoco. Juntar política e sordidez moral é uma mistura explosiva. Não diminui o risco, antes o portencia.

Publicado por Joana às 07:00 PM | Comentários (15) | TrackBack

dezembro 29, 2003

Ser ou não ser … consistente

Foi hoje noticiado que 10 dos 13 arguidos do processo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa foram acusados formalmente pelo Ministério Público, entre eles Carlos Cruz, Paulo Pedroso, Hugo Marçal, Herman José, etc., foram acusados de crimes de índole sexual contra menores.

O Ministério Público pediu, de acordo com a comunicação social, que Paulo Pedroso e Hugo Marçal fossem novamente colocados sob prisão preventiva.

Todavia, em 26-12, há 3 dias, ou ontem, se apenas contarmos os dias úteis, o advogado de Paulo Pedroso garantia que o interrogatório do deputado socialista, realizado naquela manhã, não tinha trazido nada de novo descrevendo-o como "uma mera formalidade". Também para João Nabais, o advogado de Hugo Marçal, a diligência teria sido uma "mera formalidade legal", que "não trouxe rigorosamente nada de novo".

Para tornar mais consistentes as suas afirmações, Celso Cruzeiro declarara então que este poderia ser o segundo passo para a confirmação da tese da inocência de Paulo Pedroso, depois do acórdão do Tribunal da Relação de 8 de Outubro. O ilustre causídico teria afirmado ainda que "A investigação não avançou nada em relação ao que já conhecíamos. Os factos que sustentam a incriminação de Paulo Pedroso são os mesmos que o Tribunal da Relação declarou que não tinham consistência",

Celso Cruzeiro concluiria, de forma consistente, que embora havendo 2 possibilidades: a de ser deduzida a acusação ou o arquivamento do processo, o bom senso indicava que o arquivamento poderia ser a solução.

Julgar é um acto humano e, como tal, está sujeito ao erro. Mas como é possível terem-se extraído conclusões tão opostas dos dois interrogatórios? Os advogados, satisfeitos, prevendo como mais plausível o arquivamento do processo e os magistrados do Ministério Público deduzindo acusações contra aqueles arguidos e pedindo que fossem novamente colocados sob prisão preventiva.

Será que há mais indícios, com consistência, que o Ministério Público achou por bem não os dar a conhecer durante os interrogatórios?

Ou seja, será que faltou consistência aos interrogatórios?

Será que o Ministério Público se limitou a considerar sem consistência o acórdão do Tribunal da Relação que tinha considerado sem consistência os indícios existentes?

Será que as declarações dos advogados dos arguidos à saída do DIAP tinham alguma consistência?

Será que há consistência na declaração de Paulo Pedroso ao lamentar que os magistrados do Ministério Público tenham insistido na valoração de indícios de práticas que lhe foram "caluniosamente imputadas” e que na sua quase totalidade já foram apreciados e considerados sem qualquer consistência pelo Tribunal da Relação de Lisboa?

Será que busílis está na consistência dos indícios que estão entre a sua “quase totalidade”, referida por Paulo Pedroso, e a sua efectiva “ totalidade”?

Será que o Ministério Público, em vista de uma possível fragilidade da consistência processual, mas convicto da consistência da veracidade dos indícios, quer “condenar” os arguidos à medida de coacção, bem consistente, da “prisão preventiva” durante um período que poderá ser longo, nomeadamente se os advogados de defesa andarem de recurso em recurso? Esta hipótese é, obviamente, perversa e sem consistência.

Resumindo, a defesa de PP acha que não é consistente o despacho de acusação que considera não ser consistente o acórdão da Relação que considera que os indícios não são consistentes.

Consistente é um rijo e pujante adjectivo, com elevado status, de tal forma espesso e encorpado, que consegue conter ambos os géneros gramaticais. A dúvida é se alguém acha os parágrafos anteriores consistentes?

Publicado por Joana às 07:33 PM | Comentários (24) | TrackBack

outubro 28, 2003

Não à deriva do CPP!

O Código do Processo Penal português não pode andar à deriva, ao sabor das correntes e ventos que sopram dos diversos interesses instalados na sociedade portuguesa.

Não é possível após se terem agravado algumas normas do CPP e dada uma maior amplitude às escutas telefónicas, em face da pressão da opinião pública que clamava por maior segurança, agora que figuras mediáticas e politicamente poderosas estão a contas com a justiça, aparecerem políticos (que haviam sido os principais responsáveis pelo agravamento das medidas), os advogados e o seu bastonários (este advogando em causa própria, após o deslize cometido na sua conversa com António Costa) e, o que é mais espantoso, o próprio PR (contraditando opiniões anteriormente emitidas), a exigirem alterações ao CPP, o desagravamento das medidas de coacção e da latitude das escutas e o aumento dos direitos dos arguidos

A lei é a razão liberta da paixão. Não é pois desejável, e pode revelar-se perverso, legislar sob o império das paixões momentâneas de diversos sectores da sociedade portuguesa. Acresce que a opinião pública poderia ter aquele raciocínio típico do Zé Povinho, desconfiado por séculos de sujeição e de atropelos aos seus direitos: agora que poderosos estão com problemas com a justiça, mudam a lei para os safar.

Legislar ao sabor das paixões é, infelizmente, o que acontece no nosso país. Quando algo provoca celeuma na opinião pública, faz-se uma nova lei. Não importa se já existe legislação sobre a matéria e que apenas não é devidamente aplicada. Faz-se uma lei, o governo aparece no horário nobre com um discurso consabido sobre a sua excelência “legiferoz” e os ânimos ficam tranquilos: há lei! Habemus legem!

Esta prática tem que ser abolida dos nossos costumes legislativos. Temos que legislar com prudência, razão e avaliando os efeitos directos e colaterais da lei a promulgar. Não podemos andar à deriva das paixões do momento. E quando há uma lei, devemos aplicá-la e fiscalizar a sua aplicação.

Sempre fui, desde que me apercebi da situação, contra a escassez de direitos do arguido durante a instrução do processo Ao ser aplicada a prisão preventiva, deve fundamentar-se a acusação incluindo as provas suficientes para tal para que a defesa possa ou não recorrer. Ninguém deve estar preso sem culpa formada, mais do que o tempo indispensável – 2 a 3 dias. Mas a “culpa formada” tem que ser do conhecimento arguido, incluindo obviamente a sua fundamentação, mesmo que possa haver “provas surpresa” posteriormente.

O que está em causa é o instituto da prisão preventiva sem possibilidade dos arguidos e advogados saberem os fundamentos da acusação e a possibilidade dessa prisão durar meses e anos, sem se saberem os fundamentos, “mascarados” sob a designação do segredo de justiça.

Em contrapartida considero as escutas telefónicas, desde que controladas por procedimentos próprios de um Estado de Direito, um elemento indispensável para a investigação e às quais deve ser dada a máxima latitude possível.

Se o suspeito X telefona a Y sobre algo relevante para a investigação, pois que se escute Y e assim sucessivamente, desde que tudo seja devidamente controlado e feito de acordo com procedimentos que evitem perversões na utilização das escutas.

O argumento de dizer que quando se está na intimidade se usam liberdades de linguagem que podem ser mal interpretadas quando transcritas só colhe muito parcialmente.

Muitos portugueses são gente educada e os que o não são, deveriam habituar-se a sê-lo. Não dizer obscenidades aprende-se com o leite materno. Se se evita dizer palavrões apenas porque se está em sociedade é muito mau sinal. Trata-se de alguém que apenas tem um ligeiro verniz por cima da sua ordinarice. Verniz que estalará à mais ligeira mudança de pressão e/ou temperatura.

Concluindo, julgo que o que se está a passar deve ser analisado com prudência e reflexão e, quando as paixões tiverem serenado, e apenas então, repensar esta matéria e limar as arestas que houver a limar. Fazê-lo agora, nunca.

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outubro 25, 2003

Quando os caçadores são as presas

O PR abriu, com a sua alocução, a caça ao PGR. O bastonário da Ordem dos Advogados foi incisivo a disparar a primeira salva: “Ou o senhor procurador-geral da República põe termo a isto ou alguém tem de pôr termo ao senhor procurador-geral da República”. Esta frase, na Chicago dos anos 20, não teria qualquer ambiguidade. Nem na Chicago dos anos 20, nem na Lisboa do início do 3º milénio. Os ânimos agitaram-se nas tertúlias. Esperou-se que se derramasse sangue. Entreviam-se Fords T com meliantes dependurados, rostos façanhudos, de chapéu de coco e metralhadoras crepitantes, entre o Rato e S. Mamede

Mas, após os primeiros momentos em que a cabeça quente afecta o raciocínio, começa a sentir-se a necessidade de se ser mais comedido. O próprio Souto Moura ajudou a esse comedimento ao enviar uma carta a Júdice lembrando-lhe a necessidade de moderar a linguagem.

O bastonário da Ordem dos Advogados, apercebendo-se dos contornos da situação em que se colocara, apressou-se a declarar que “como é óbvio, não pedi, não exigi, não ultimei, não fiz nada que possa ser interpretado como não querendo que o PGR continue”. Obviamente, não. Quem lesse a anterior mensagem, literalmente, deduziria, sem ambiguidades, que o bastonário da Ordem dos Advogados apenas quereria que o PGR fosse eliminado, que acabassem com ele. Nada de demissões ... apenas a liquidação física.

Os ânimos continuaram entretanto agitados: Anunciou-se que o PR iria receber o PGR. Perspectivava-se uma luta sanguinolenta, com o PGR a sair, cambaleando, com uma adaga cravada até aos copos, bem funda, no seu ego, enquanto na mão, tremelicando, um papel amarfanhado com a ominosa demissão escrita a sangue.

Afinal, após uma longa conversa de 40 minutos, Sampaio aparece a acompanhar Souto Moura até à saída do Palácio de Belém, no que foi descrito como um gesto de cortesia inédito.

Um dos erros em política é tomar os desejos por realidade ou, como diriam os clássicos, tomar a nuvem por Juno.

O que transparece claramente é que deve haver muita sujeira no que se refere à forma como a classe política geriu este processo durante aqueles dias horribilis. O que é normal, para quem conheça os hábitos portugueses. Todos se conhecem, bebem as bicas nos mesmos sítios e, quando fora do hemiciclo, quer nos Passos Perdidos, quer em outros passos quaisquer, são todos amigos e fazem-se mutuamente pequenos (e às vezes bem grandes) favores. E isto é um fenómeno que percorre transversalmente a classe política. Não é apenas apor o visto no requerimento da filha de um colega. Não é só um fenómeno intrapartidário, mas também interpartidário.

O Ministério Público deve ter em poder dele, no que toca ao processo Casa Pia, bastante material que indicia pequenas (e porventura grandes) acções de tráfico de influências, em que todos devem ter estado envolvidos, uns de uma forma mais activa, outros de uma forma mais passiva. A um amigo, dificilmente se recusa um pequeno favor …

E o PGR, com o seu perfil baixo e a sua fraca apetência comunicativa, é quem tem actualmente mais poder. Um poder que a lei o inibe de usar, mas que não deixa de ser um poder. É um poder potencial.

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outubro 23, 2003

Virtudes privadas, vícios públicos

Vejamos o rol dos delitos (não os qualifico, nem os diferencio porque me escasseia a formação jurídica) em que incorreu a direcção do PS ou, como diria Leporello:

Madamina, il catalogo è questo
……………………………………
Osservate, leggete com me

Violou o segredo de justiça pois conhecia diversas peças processuais, como resulta das conversas reveladas pelas escutas telefónicas.;

Ao que parece essa violação era sistemática e datava de 2 meses antes da detenção de P Pedroso;

Manteve a candidatura do irmão de Paulo Pedroso para o Conselho Superior de Magistratura, depois de saber dos indícios que pesavam Paulo Pedroso. É irrelevante o facto de João Pedroso ter sido contactado antes ou depois do PS ter conhecimento do caso. O que é relevante é que, quando ele foi empossado, o PS já sabia há algum tempo do caso;

O PS adoptou, nas semanas, dias e horas que antecederam a detenção de Paulo Pedroso uma política de tráfico de influências, de cunha, incompatível com as posições ocupadas pelos dirigentes que a levaram a cabo. Tal atitude pode igualmente ser interpretada como tentativa de obstrução à justiça ou obtenção de favores para indiciados, que julgo ser punível por lei;

Os dirigentes do PS mostraram um completo desprezo pelos fundamentos do Estado de Direito. Alguns desvalorizam as declarações, dizendo que as expressões utilizadas resultam de serem conversas entre amigos. Eu nunca utilizei aquele tipo de expressões em conversas, na intimidade ou não e não costumo ouvir de amigos, colegas ou pessoas com quem me relaciono profissionalmente, expressões daquele tipo. Porém o que está em causa não é a forma, mas o conteúdo das expressões. Pode ser secundário saber que os dirigentes do PS são uns ordinários. Não é secundário saber que acumulam a ordinarice com o desprezo pelo Estado de Direito e pelo princípio da separação de poderes.

Isto para não referir as ofensas à magistratura, porquanto as circunstâncias em que foram proferidas não parecem poderem ser entendidas como públicas.

Como podem agora os dirigentes do PS considerarem-se vítimas da violação do segredo da justiça e ameaçarem com tribunais, se foram eles próprios a admitirem que o haviam violado e utilizaram essa violação para favorecerem Paulo Pedroso?

Como podem, por exemplo, serem compaginadas os comportamentos acima relatados com o pedido sistemático de demissão do ministro Portas, que não era arguido, mesmo que houvesse razões para admitir que teria havido situações menos claras? Ou com os pedidos pontuais de demissão de diversos ministros?

Como podem dirigentes políticos com responsabilidades mostrarem, de forma tão evidente, que os valores que usam para julgar os outros, não se aplicam quando se julgam a si próprios?

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outubro 20, 2003

Aristóteles e a Casa Pia

Escrevia Aristóteles que a Lei é a razão liberta da paixão.

O caso Casa Pia, para a maioria dos comentadores, é a “paixão liberta da razão”.

O Processo Penal português, que no início deste caso era defendido com acendrada devoção pelos que confiavam na justiça portuguesa (todos!), tornou-se, após a prisão de importantes figuras do meio artístico e político, num clausulado ominoso, devassador da privacidade, castrador da liberdade, molesto para a democracia e uma injúria para a tranquilidade e acrisolada devoção pela causa pública de “destacados políticos com uma longa carreira de serviço público”.

Os casapianos Namora e Granja eram, inicialmente, os meninos queridos dos mídia, tornaram-se após aquelas prisões, em narcisistas que aparecem em todas as televisões (como se antes não aparecessem!), opinando para tudo o que é jornal (como se antes não opinassem!), desdobrando-se em “declarações populisto-judicialistas” (como se antes não se desdobrassem!), e desempenhando papéis de inquisidores morais dos tais destacados políticos.

Gente que personificava, ainda há poucos meses, uma justiça em que todos devíamos confiar, o PGR Souto Moura, que foi nomeado quando António Costa era o Ministro da Justiça, etc., não passam hoje, para os mesmos que os elogiavam, de tenebrosos chefes e familiares do Santo Ofício.

Neste on-line, os correligionários de alguns dos detidos (ou visados) desdobram-se em críticas à justiça, à sua idoneidade e à sua equanimidade.

O Nicolau Santos, no Expresso, comparou P Pedroso e Ferro Rodrigues a Sacco e Vanzetti; apoiantes socialistas têm comparado a situação dos detidos a um pogrom, aos cárceres da Inquisição; etc., etc.

Exprimi aqui, por diversas vezes, o meu incómodo pela situação da justiça portuguesa quanto ao segredo de justiça e à forma como são aplicadas as medidas de coacção. Em Portugal prende-se para investigar de preferência a investigar para prender. O segredo de justiça e a prisão preventiva são utilizados para mascarar a pouca eficiência de uma investigação demasiado morosa e provavelmente frágil na obtenção dos elementos de prova. É a administração pública que temos!

Sucede, todavia, que eu tenho essa opinião como matéria de princípio. Outros passaram a tê-la apenas pelo facto de agora estarem detidos dirigentes políticos que idolatram e antes, mortais despiciendos.

Pior, agora a fúria contra a justiça não poupa nada, nem ninguém. Os juizes são parciais, os procuradores são inquisidores persecutórios, a PJ é uma organização que trafica cocaína e que utiliza o pó para corromper testemunhas e jornalistas. Muitos comentadores, na net e fora dela, analisavam o conteúdo de um blog que a si próprio se intitulava “muito mentiroso” comparando as “provas” nele aduzidas com as alegadas provas que têm aparecido na comunicação social.

Se o debate sobre esta questão era, anteriormente, difícil, na situação actual, com figuras públicas e políticos detidos, está completamente viciado.

Espera-se que a justiça consiga que razão se mantenha liberta da paixão, porque no que toca à comunicação social, aos frequentadores deste fórum e de outras tertúlias reais ou virtuais, verifica-se, na maioria dos casos, que a razão não prevalece em face da paixão.

Escrito em 3 de Setembro de 2003

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outubro 13, 2003

O PS foi libertado

Finalmente, depois de inúmeros recursos, infindáveis alegações, incontáveis despachos, réplicas, tréplicas, etc., o PS viu a medida de coacção ser modificada e a prisão preventiva a que estava sujeito, ter sido transformada em termo de identidade e residência. O representante do PS neste drama judicial e nacional é Paulo Pedroso. Foi ele que representou o PS no Estabelecimento Prisional de Lisboa, é ele que deu o BI e o endereço para o termo de identidade e residência.

Como Paulo Pedroso apenas era o representante do PS neste caso, não foi em casa dele que se festejou a sua libertação e ocorreram os abraços efusivos, os beijos, as lágrimas rebeldes, os soluços comovidos. Seria impróprio. Estar-se-ia a fulanizar um caso que é assumido por todo um partido.

Os festejos e as manifestações de desagravo ocorreram na Assembleia da República. Foi aí que o PS, através de Paulo Pedroso, indiciado em nome do PS por mais de uma dezena de crimes de pedofilia, fez uma manifestação de regozijo e desagravo, transmitida em directo por todos os meios de comunicação.

Tenho expresso, por diversas vezes, o meu incómodo pela situação da justiça portuguesa quanto ao segredo de justiça e à forma como são aplicadas as medidas de coacção. Em Portugal prende-se para investigar de preferência a investigar para prender. O segredo de justiça e a prisão preventiva são utilizados para mascarar a pouca eficiência de uma investigação demasiado morosa e provavelmente frágil na obtenção dos elementos de prova. Nesse entendimento, a reformulação da medida de coacção poderá ser um acto positivo.

Todavia, é a primeira vez que uma medida de coacção é imposta a um colectivo. O juiz Teixeira, na inexperiência dos seus verdes anos, julgou estar a impô-la a um indivíduo. O Tribunal da Relação, na sua ingenuidade, ajuizou que estaria a reformulá-la face a alguém indiviso. Equívoco. Paulo Pedroso foi apenas o delegado do PS ao caso Casa Pia. Toda a actuação pública do PS não deixa quaisquer ambiguidades sobre esta matéria.

Como irá evoluir este caso? É normal, em matéria de representatividade, haver substituições. O PS não irá pedir a substituição de Paulo Pedroso por alguém menos cansado por este processo longo e penoso? Se for deduzida acusação, quem será o representante do PS no banco dos réus? Será Ferro Rodrigues? Perfila-se todavia, a figura belicosa de Ana Gomes cujas arremetidas verbais prenunciam que se estará a fazer a tão apetecido e mediático lugar. Será ela a próxima representante do PS?

Só o futuro o dirá. O presente é demasiado repugnante para fornecer quaisquer indícios.

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outubro 07, 2003

Os julgamentos mediáticos têm destes avatares

O Ministro Pedro Lynce exarou um despacho contrariando, alegadamente, a legislação vigente.
As bombardas da comunicação social assestam-se sobre ele: irregularidade! Prevaricação! Crime punível com prisão maior! Grilheta no pé, já! O PGR vai investigar.

O Ministro demite-se imediatamente. Os panegíricos são imensos: homem de grande estatura moral! Foi induzido em erro pelo Director-Geral! Vítima de uma cabala! Pessoa competentíssima! 47 especialistas e docentes de Direito juram que o ministro não violou a lei, antes pelo contrário, podia fazer aquele despacho e ele era legal. O PGR vai investigar.

Rui Trigoso, sem conhecimento do Lynce (desculpa, ó Lynce, este tratamento, mas na situação em estás, ele deve ser o mais polido que recebes…), tentou mudar a lei, obviamente para favorecer a Diana. Mas Trigoso não tem status para ser bombardeado pela comunicação social: É o ministro Martins da Cruz que é o culpado. Tem todas as condições para isso: é profundamente antipático e tem uma filha com 19 nas provas específicas o que é indecente para a nossa mediocridade. O Ministro Martins da Cruz demite-se! O PGR vai investigar.

Amanhã descobre-se que afinal foi a Diana que convenceu o namorado, familiar de Rui Trigoso e de Requicha Ferreira, a congeminar toda esta trama: a comunicação social bombardeia o gang dos 4 e a SIC Notícias faz 10 horas seguidas de emissão sobre esta conspiração que abala os fundamentos do Estado. Diana demite-se de filha de Martins da Cruz. O PGR vai investigar.

Mais meia dúzia de dias volvidos e outra investigação jornalística vem provar que afinal se trata de uma maquinação urdida por um ex-namorado da Diana para se vingar de ela o ter abandonado. Outra investigação, mais aprofundada, exibe, sem margens para dúvidas, que ela o abandonara por ter sabido ter ele tido, anteriormente, uma relação pecaminosa com Paulo Portas. O PGR vai investigar.

Felícia Cabrita vem, finalmente, após uma investigação laboriosa, conduzida conjuntamente com o JAL, descobrir que o ex-namorado da Diana era afinal um traumatizado e que a ligação com o Portas teria ocorrido na mais tenra adolescência. O rapaz não se lembrava da idade porque não costumava andar com o BI. Apenas garantia que os encontros ocorriam numa vivenda chamada “Sodoma e Gomorra” e que uma das posições era o 666. O PGR vai investigar.

Paula Portas não é constituído arguido porque o 666 não é crime público. Aliás, exegetas diversos, consultando tratados da especialidade: o Kamasutra, a Arte de Amar do Ovídio, o Satyricon do Petronius, o Burro de Ouro do Apuleio, o Decameron, toda a vasta obra do divino Marquês, Hilda Hilst, Henry Miller, Anaïs Ninn, mesmo a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica da Natália Correia … tudo, não conseguiram encontrar qualquer referência àquela alegada perversidade. O PGR vai ler toda aquela literatura.

A oposição exige a demissão do Portas porque o facto de ele ter sido arrolado como testemunha do caso do 666 era indício seguro da sua culpabilidade e da inexistência de condições para continuar como ministro. O Expresso enche 35 edições semanais sucessivas com relatos sobre a perversidade do 666. Paulo Pedroso coloca 412.825 comentários no online. pyrenaica passa a paquete da redacção do Expresso e agente da Catherine Deneuve em Portugal. O PGR vai fazer uma post-graduação em Aritmética para aprender a contar até 666.

Balsemão adquire a Besta numa pet-shop, convencido que era um fetiche sexual. Desiludido encarrega o paquete da redacção da tarefa de, todas as 6 horas, levar a Besta à rua, para passear pelos candeeiros e árvores defronte do Expresso. O município aplica uma coima ao Expresso pela quantidade de dejectos da Besta na via pública. O PGR vai analisar o corpus delicti. Todo o corpus delicti é transportado para a Procuradoria em camiões cisterna.

Escrito em 2003-10-07

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outubro 03, 2003

O adereço Ferro Rodrigues

Meios de comunicação escrevem que, segundo consta do processo “Casa Pia”, Ferro Rodrigues esteve presente em sessões pedófilas, mas não teve relações pedófilas.

O processo está, embora não pareça, em segredo de justiça. Como esse sigilo fatal me impede, a mim, desventurada mortal, sem ligações aos omniscientes meios políticos e da comunicação social, conhecer factualmente o porquê daquele aparente paradoxo, vou tentar, aqui, em diálogo com o meu teclado e sob o olhar circunspecto do meu monitor, deduzir razões sólidas que expliquem esta embrulhada.

Estaria como espectador? Não é possível. O horror público que Ferro Rodrigues manifestou por tais actos impedi-lo-ia de assistir a eles, por muito baratos que fossem os bilhetes e confortáveis as poltronas da plateia.

Seria como encenador? Como produtor? Como arrumador? Nunca, pois então estaria indiciado como acusado de lenocínio e sujeito a uma caução.

Então em que circunstâncias Ferro Rodrigues esteve presente? A resposta é liminar: apenas circunstâncias em que ele desempenhasse um papel absolutamente passivo.

Não restam assim dúvidas. A crer no que os meios de comunicação escrevem e no que alguns líderes socialistas temem, Ferro Rodrigues só poderia estar presente como adereço. Não há outra alternativa possível.

Mas que adereço? Um líder da principal força da Oposição não pode ser um adereço qualquer: um jarro com algumas flores murchas, um preservativo abandonado ao acaso da acção, um cigarro que aliciadoramente se estende a uma mão juvenil …

Ferro Rodrigues teria que ser um adereço com um protagonismo à altura do seu estatuto e que tivesse em conta os seus atributos físicos.

O adereço Ferro Rodrigues, com o protagonismo que a sua posição exige e a função que a sua carantonha impõe, só podia ter um uso: o de meter medo aos miúdos.

Está explicado: Ferro Rodrigues foi usado como adereço em sessões sado-masoquistas!

P.S. Comentário a mim própria:
Alguns dos que se derem ao trabalho de ler-me (incluindo eu própria!) poderão achar estas deduções pouco sólidas e porventura cruéis. Estamos no nosso direito. Todavia, depois de um fim de semana de manchetes do Expresso e do CM que violam a ética jornalística (se é que ela existe em Portugal), de sucessivas declarações fluidas do PGR e da “água metida” por alguns dirigentes socialistas, com declarações que são uma pressão inqualificável sobre a justiça e as testemunhas (na sua maioria menores), julgo que as minhas deduções não menoscabam a solidez e a crueldade com que esta questão está a ser tratada pelos meios de comunicação, pelo PGR e por alguns dirigentes socialistas.

26-05-2003 20:45:00

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Sacco, Dreyfus e as cruzadas

Nicolau Santos, no Expresso, compara o caso Paulo Pedroso ao caso que Sacco e Vanzetti.

Houve um caso que certamente mereceria mais ser chamado à colação do que Sacco e Vanzetti. É o caso Dreyfus.

Dreyfus foi acusado, baseado em provas circunstanciais inicialmente frágeis, mas que os inquiridores conseguiram fortalecer com depoimentos sólidos de peritos de grafologia (Dreyfus era acusado de ter escrito um documento que apareceu na Embaixada Alemã).

Dreyfus foi condenado. Tempos depois, o Coronel Picquart, um militar da velha escola, lendo os elementos processuais detectou uma série de incongruências. Isso levantou uma tempestade no serviço de informações militar e Picquart é afastado e enviado para uma missão perigosa no norte de África.

Para colmatar as fragilidades, o novo encarregado do caso, o Major Henry começa a falsificar documentos para “fortalecer” as provas processuais.

O assunto transita para o domínio público, Zola publica J'accuse no L'Aurore, é julgado e condenado por difamação. Mas o assunto começa a ganhar um grande empolamento e o novo Ministro da Defesa assegura no parlamento que as provas são categóricas. E estava convencido disso. Para calar a opinião pública, encarrega um oficial de confiança de analisar o processo.

Rapidamente as falsificações de Henry são descobertas. Este confrontado com as falsificações é preso e suicida-se na cadeia. E o processo esboroa-se. Quem havia escrito o bordereau era Esterhazy e Dreyfus é amnistiado e pouco depois reintegrado.

Este foi um caso típico em que a Justiça (neste caso a Justiça Militar) comete um erro pela forma ligeira com que aborda o processo e, depois, jogando à defesa, tenta tudo para que esse erro não seja descoberto, forjando inclusivamente provas, a coberto do segredo de justiça, naquele caso em virtude de ser considerada matéria confidencial que punha em risco a segurança nacional.

Lembrei-me deste caso quando, após uma carta aberta de Carlos Cruz, juizes e magistrados saíram à liça defendendo a sua dama. Na altura isso constituiu, para mim, motivo de preocupação.

Dizia Aristóteles que a Lei é a razão liberta da paixão. Espera-se que os juizes e magistrados encarregados deste caso tenham a cabeça fria, para evitar cair situações similares. Os jornalistas, os comentadores e afins ... haverá pouco a fazer: é a paixão liberta da razão.


Nota: O caso Sacco e Vanzetti não aconteceu no Massachusetts dos anos 50, como por gaffe escreveu Nicolau Santos, mas sim dos anos 20 e não se pode comparar a crise de valores nessa época, com as revoluções, a ascensão dos fascismos na Itália e noutros países da Europa, a hiperinflação, etc., com a época actual.

A gaffe de Nicolau Santos é monumental. Considero imprescindível, para um economista, saber o que ocorreu na década de 20. A crise económica e social, a hiperinflação na Alemanha, o pagamento de reparações da Alemanha à França (com a ocupação por esta da Renânia como caução) e que teve o efeito paradoxal, para as ideias económicas de então, de promover o arranque da indústria alemã e a estagnação da indústria francesa, os desequilíbrios económicos que concorreram para o crash de Outubro de 1929 e a crise subsequente e que, no conjunto, levaram à reformulação do pensamento económico que culminou na publicação da “General Theory of Employment, Interest and Money” de Keynes e na revolução keynesiana, devem ser do conhecimento obrigatório dos economistas.

Portanto, Nicolau Santos tinha a obrigação de não cometer semelhante gaffe.

Trazer à colação o caso Sacco-Vanzetti pelas razões que referi acima é absolutamente despropositado.

Teria, por exemplo, mais cabimento, como escrevi acima, citar o caso Dreyfus que é um caso paradigmático da justiça (neste caso a Justiça Militar) que, perante a fragilidade do processo e face à pressão de parte da opinião pública se perverte, forjando provas para se defender.

A Justiça Militar francesa teve então, dentro de si, gente honrada que soube distinguir o essencial do acessório e compatibilizar a honra da instituição com o imperativo da verdade. Todavia, se não tivesse havido a pressão da opinião pública exterior, não se sabe se os elementos sãos da instituição militar teriam força para fazerem emergir a verdade.

Infelizmente trata-se de uma gaffe menor no conjunto do artigo. A gaffe maior de Nicolau Santos é a de politizar a honestidade e a virtude definindo estas qualidades como atributos de uma determinada cor política. Foi essa perversão maniqueísta: a de que nós, os do nosso lado, somos, por definição, os bons, os virtuosos e os detentores da verdade, que deu sustentação teórica às carnificinas dos regimes totalitários, de esquerda e de direita, e à perversão da democracia americana, no início da década de 50, com a Comissão de Actividades Anti-Americanas do Senador McCarthy.

26-Maio-2003

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Processar menores

Segundo a Comunicação Social, Ferro Rodrigues intenta processar quem o caluniou, ou seja, as testemunhas que alegadamente referiram o seu nome no caso da rede pedófila.

Portanto Ferro Rodrigues pretende processar menores por alegadas calúnias. Ora processar menores, ainda por cima vítimas de abusos sexuais, se eles forem representados por advogados habilidosos, pode revelar-se uma tarefa espinhosa e contraproducente, mesmo que os testemunhos sejam calúnias ou equívocos. Como pretende Ferro Rodrigues sustentar durante anos um processo sórdido, com “revelações” saindo a conta-gotas na comunicação social? Seria um desgaste de imagem terrível.

Um arguido pode defender-se destes testemunhos, em tribunal, desacreditando-os ou lançando dúvidas sobre a sua veracidade. Quem não é arguido, mas está referenciado no processo, dizer que está à disposição da justiça para o que esta entender, pois está seguro da sua inocência, e que tudo o que vem escrito nos jornais não passam de erros ou calúnias (*). Processar menores, alegadas vítimas da rede pedófila, será sempre, e nomeadamente se for um político, um acto desastrado.

Porém, Ferro Rodrigues não pretende processar menores. Pretende sim pressionar a justiça e atemorizar as testemunhas.

Ferro Rodrigues que enquanto Ministro da tutela da Casa Pia (de que também foi Paulo Pedroso), não fez nada para pôr cobro ao que então se passava, pretende agora pressionar e atemorizar testemunhas, que são os menores que foram vítimas de abusos enquanto ele tutelava a Casa Pia.

Não é a primeira vez que Ferro Rodrigues aparece com uma truculenta e pretensa autoridade moral a ilibar-se de quaisquer responsabilidades. Fê-lo vergonhosamente na questão da Metropaço, onde agiu com uma grande irresponsabilidade e ligeireza, sendo politicamente responsável por o erário público ter sido “aliviado” de 40 milhões de contos e se comportou na Comissão de Inquérito com a desfaçatez de quem sabe que em Portugal os disparates políticos não sofrem punição.

Este fim de semana, Ferro Rodrigues foi igual a si próprio: um líder sem estatura política que tenta protagonizar uma inocência através da truculência e de falar grosso. Um líder que tenta transformar casos do domínio privado, trazendo-os para o domínio político, arrastando o próprio partido, como se fosse todo o PS que estivesse envolvido na rede pedófila, ou que este caso fosse um caso político.


(*) Mas nunca exigir uma certidão do processo, ou uma declaração de inocência, pois seria suposto Ferro Rodrigues não ter sabido do caso há 15 dias, porquanto o processo estava, e está, em segredo de justiça, com a agravante de Ferro Rodrigues ser um dos responsáveis políticos pelo regime de segredo de justiça e de prisão preventiva existente no CPP.

25-Junho-2003

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Justiça anacrónica

Sou uma leiga nesta matéria mas na minha opinião, o advogado da Fátima Felgueiras tem razão no que se refere à justiça portuguesa.

Não estou a defender a atitude de FF, que foi imprópria como cidadã e como política. Já aqui exprimi a minha opinião sobre esta matéria e sobre as acusações que pesam sobre ela, e considero que, para além de FF, trata-se de um problema que afecta todos os partidos com expressão autárquica. Repito, todos, sem excepção.

A justiça portuguesa é anacrónica e o segredo de justiça foi desviado do seu espírito original. Actualmente destina-se a mascarar a incompetência e o desleixo dos juizes e do processo de instrução, evitando que haja acesso ao que está a acontecer no processo.

O instituto jurídico que foi instituído há séculos na Inglaterra, o habeas corpus, não existe em Portugal, onde uma pessoa pode estar detida meses e anos sem que ela e o seu advogado saibam os fundamentos da sua acusação.

É óbvio que depois o representante do Sindicato dos Juizes vem fazer uma defesa corporativa da sua classe, classificando as opiniões do advogado brasileiro de hilariantes. Esse senhor pode falar com toda a sobranceria porque ninguém lhe pode pedir explicações, faz o que entende, como entende e e da forma discricionária que entender, mascarando a sua autocracia sob o nome pomposo de “segredo de justiça”.

Portanto Portugal tem que pôr limitações ao segredo de justiça e à duração da prisão preventiva se pretender ser um Estado de Direito. É evidente que são os casos mediáticos que têm vindo a acontecer que começam a despertar a opinião pública para esta situação calamitosa. Antes o desgraçado, ignoto, que caía nas malhas desta justiça bafienta estava “feito” e nada transparecia para o público.

Presentemente temos uma justiça terceiro-mundista que funciona assim:

Numa primeira fase investiga-se alguém, envia-se o processo a um juiz de instrução e este interroga o investigado, detido com grande aparato mediático, e propõe uma medida de coacção relativamente à qual quer o indiciado, quer o seu advogado de defesa (que não esteve presente) não conhecem os elementos processuais que a fundamentam. E fica em prisão preventiva.
Na fase seguinte, a família e amigos do indiciado (ou arguido) lamentam-se perante os meios de comunicação carreando informações que não são contraditáveis, porque só as instâncias judiciárias conhecem o processo.
Na 3ª fase, elementos das instâncias judiciárias fazem chegar aos jornalistas (ou estes inventam) informações que se destinam a justificar as medidas que tomaram, mas que ninguém sabe se são verdade ou não, visto o processo estar "em segredo de justiça".

E assim se inicia um julgamento na Praça Pública.

14-Maio-2003

Publicado por Joana às 05:59 AM | Comentários (0) | TrackBack

outubro 01, 2003

Estou dividida

É importante e vital para a moralização dos costumes em Portugal e para haver uma relação de maior confiança entre o cidadão e o Estado, que ninguém fique acima da lei, e que os crimes ou delitos perpetrados por qualquer cidadão que seja, não fiquem impunes.
Nesse entendimento, as acusações que têm sido deduzidas contra gente que, anteriormente, gozava do privilégio de uma certa impunidade, constituem um acto importante de higiene social.
Todavia, os métodos que estão a ser utilizados para ouvir as testemunhas, a forma com as testemunhas passam, durante o depoimento, a serem constituídas arguidas, as medidas de coacção utilizadas, todo o espectáculo dramático que está a ser dado a estes processos, releva mais de uma justiça terceiro-mundista, que de um Estado de Direito.
O Pimenta Machado não deve ser flor que se cheire e eu sempre tive muitas dúvidas sobre o comportamento ético dele. Mas uma caução de 1 milhão de euros!?? Porquê uma quantia tão abissal? Não consigo encontrar uma explicação razoável.
A Fátima Felgueiras, em face das acusações que lhe foram deduzidas, deixou obviamente de ter condições para exercer o mandato. Deveria ser ela, ou o PS, ou os restantes vereadores PS a reconhecerem isso e a tomarem as medidas adequadas. Ou então, os restantes partidos da vereação a pressionarem para tal. Mas o juiz não devia poder suspender-lhe o mandato. Ela não é funcionária pública, é uma titular de um cargo para o qual foi eleita pelo povo.

Será que, para finalmente levar os poderosos à justiça, teremos que ter estes métodos primitivos de aplicar justiça?
Será que a magistratura está a tentar obter protagonismo mediático, emulando a Maria José Morgado?
Diz-se que até se ser declarado culpado, beneficia-se da presunção de inocência, como é timbre de um Estado de Direito. Todavia, todo este aparato não cria a imagem de que aquela gente é irremediavelmente culpada?
E imaginemos que alguns deles são, em julgamento, declarados inocentes. Não perderá o povo português confiança na justiça ao ver toda ou parte desta gente, a que já atribuiu o labéu de culpada, ser declarada inocente?

08-Janeiro-2003

Publicado por Joana às 03:50 PM | Comentários (0) | TrackBack