maio 10, 2004

Natália

Natália é uma jovem ucraniana que chegou a Portugal há 3 anos. Entrou para o 7º ano de uma escola da capital. Reprovou esse ano. Era previsível: chegou a meio do ano e não sabia falar português.

Está actualmente no 9º ano. É a melhor aluna da turma e, neste último período, foi, inclusivamente, a melhor aluna a Português. Ficou toda orgulhosa!

Não é uma escola de um bairro problemático. Nos rankings das escolas nacionais é uma das escolas públicas do topo. Natália é uma das melhores alunas de uma escola que é das mais bem classificadas entre as escolas do país.

A diferença entre a Natália é a média dos colegas não parece ser uma questão de QI. É sobretudo uma questão de disciplina, profissionalismo e capacidade de trabalho. Determinada e trabalhadora, rapidamente se apercebeu das regras do funcionamento do nosso sistema escola e das saídas para o superior. Sabe o que quer ser e, provavelmente, vai consegui-lo.

Tem um irmão mais velho que entrou este ano em Engenharia Informática. Queria ir para Medicina mas a média não lho permitiu. Também não admira em face das dificuldades com a língua e dos problemas de adaptação.

Ambos vieram de um sistema de ensino mais exigente. Provavelmente o ambiente familiar interiorizou neles a necessidade do rigor, disciplina e trabalho. Não o foi certamente à custa da presença assídua dos progenitores: o pai, engenheiro civil, é motorista de longo curso e a mãe, engenheira têxtil, é empregada doméstica.

Natália gosta de estar em Portugal e está bem integrada na turma, apesar de estrangeira e de ser um ano mais velha que a média etária da turma (devido ao seu chumbo inicial). Vai a todos os eventos escolares, viagens de estudo, etc..

A baixa qualificação dos portugueses é realimentada pela baixa qualificação dos pais e pela sua demissão como educadores; por um sistema de ensino baseado no facilitismo e no conceito de que é possível a aprendizagem sem esforço. Não admira por isso que as Natálias cheguem ao nosso país e ao fim de poucos anos estejam entre os melhores alunos. Não são elas que são génios – somos nós que não conseguimos sair do círculo vicioso da nossa baixa qualificação.

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outubro 04, 2003

A imigração 4 - Postal alentejano

Tenho estado ligada ao financiamento de alguns projectos que se desenvolvem no Alentejo e tenho verificado a dificuldade em arranjar mão de obra local para a sua execução, apesar do desemprego existente e, pior que isso, a dificuldade em arranjar pessoal para assegurar a exploração.

No caso da exploração, as empresas optam por “importar” pessoal, normalmente técnicos e pessoal qualificado, da zona de Lisboa e, às vezes, também imigrantes. Constróem pequenas moradias nas imediações, dão boas condições e têm o pessoal que querem. Conseguem-se bons níveis de produtividade porque o ambiente de trabalho é bom, conhecem-se todos, a vida é tranquila, há horas para tudo, isto é, parece que o tempo rende muito mais do que em Lisboa, e não há aquele stress urbano que corrói a vontade de trabalhar.

Há gente no Alentejo empreendedora e com espírito de iniciativa. Infelizmente é uma minoria. A população alentejana está envelhecida e, na maioria, não tem espírito de iniciativa … nem para fazer filhos.

Penso que o desenvolvimento do Alentejo passa por investimentos maciços na indústria e agricultura, mas também pela transplantação de populações para lá (senão será dinheiro deitado à rua). E essa população deverá ser procurada principalmente nos nossos centros urbanos superpovoados (mormente Lisboa-Setúbal) mas também, complementarmente, na Europa de Leste. Aliás, já há muito imigrante de Leste a trabalhar em montes alentejanos.

Esse influxo de sangue novo poderá ter, cumulativamente, um efeito sinérgico na população local e fazer com que ela perca os hábitos ancestrais do fatalismo e do deixar andar.

22 de Setembro de 2003

Publicado por Joana às 01:56 AM | Comentários (3) | TrackBack

A imigração 3 - Postal algarvio 2

Este Agosto, aproveitando um dia enfarruscado, menos propício para a praia, fomos dar uma volta pelo barrocal, essa extensa e montanhosa região algarvia que a divide do Alentejo.

É uma região desolada de uma beleza agreste e vazia de gente. Parámos num local que nos haviam indicado onde havia turismo de habitação, um restaurante e venda de artigos regionais – mel, doçaria, olarias, mobiliário regional, etc..

Tirando os proprietários e, eventualmente, alguma velhota que tinha sobejado da debandada geral, tudo o resto era gente do Leste.

A rapariga que nos acompanhou e ia tomando nota do que queríamos era ucraniana ou moldava. Tomava notas, fazia contas com uma máquina de calcular, fazia comentários, etc., tudo com um grande à vontade.

Suspeito que parte daqueles artigos regionais, “bem portugueses” eram feitos pelo pessoal do Leste que fazia girar o negócio.

Aquelas tarefas não eram complicadas nem pesadas. A questão é que os portugueses não querem viver ali por se acharem, ao que julgo, “longe da civilização”. E a civilização para eles é a vida pouco confortável e inóspita que levam nos grandes centros urbanos.

22 de Setembro de 2003

Publicado por Joana às 01:44 AM | Comentários (1) | TrackBack

A imigração 2 - Postal algarvio 1

Há uns 3 ou 4 anos, estávamos no Algarve, num lugar que frequento desde que me conheço, e almoçámos, num restaurante onde somos “habitués”, com os meus pais e um casal amigo deles (e meu), cujo marido era um deputado do PC.

Em conversa com a dona do estabelecimento, o meu pai, por brincadeira, referiu que, para além de já ter 3 ucranianas na cozinha, havia agora uma jovem ucraniana a servir à mesa que, toda despachada, tinha chegado à nossa mesa e dito, interrogativamente: “arrôche de chócoch”, à espera que lhe apontássemos onde devia colocar o tacho de barro com os chocos.

A senhora, pondo a mão em cima do ombro do nosso amigo deputado que ela conhecia não só por ser uma figura mediática mas também por já dever ter ali aparecido mais vezes, disse (… com evidentes segundas intenções!):

- Sabe, com o rendimento mínimo garantido e com o subsídio de renda de casa, muita da malta jovem daqui não quer trabalhar. Além do que estes, eu explico como é e eles aprendem facilmente e fazem bem, enquanto que com os nossos farto-me de explicar e nunca fazem como eu quero!

Fez-se um silêncio. Tememos o pior. Aquele nosso amigo era um homem de convicções fortes e, embora com bastante charme, era conhecido pela capacidade argumentativa e agressividade nos debates televisivos. E não só na TV: eu e ele, apesar da estima que tínhamos um do outro, e eu tive sobejas provas do afecto que ele tinha por mim, havíamos tido discussões bravias sobre os mais variados temas. Estávamos quase sempre em desacordo, mas sempre amigos!

Mas não. Os políticos na intimidade são muito mais tolerantes e abertos do que aparentam nos mídia (nem todos …). Ele fez um sorriso compreensivo, ela afastou-se delicadamente e ele comentou para nós:

- Pois … é muito complicado fazer-se a fiscalização do RMG. Depois há a questão dos ciganos que não têm rendimentos declarados … é de facto muito complicado.

Se os políticos portugueses tivessem a coragem de dizer em público aquilo que dizem em privado aos amigos em quem depositam confiança, Portugal seria um país muito mais tolerante, aberto, civilizado e desenvolvido.

22 de Setembro de 2003

Publicado por Joana às 01:10 AM | Comentários (0) | TrackBack

A imigração 1 - Postal ribatejano

No sábado fomos almoçar a um restaurante numa aldeola algures no Ribatejo. Ao lado estava um numeroso grupo (18 adultos, dos quais 7 mulheres, e 2 crianças) que, pelas conversas, nos pareceram parte de Leste e em parte portugueses. O convívio era animado, a mesa lauta, as relações com a empregada que servia à mesa eram de uma grande camaradagem e, no fim, quase todos tomaram o café à portuguesa. Uma das miúdas devia ser da idade do meu mais velho, cerca de 7 anos, e andaria já na escola. Trocaram olhares curiosos normais nestas idades.

Depois de se irem embora, e em conversa com o patrão, ficámos a saber que apenas um, o “engenheiro” como nos disse, era português. Todos os outros era ucranianos e empregados numa empresa vitivinícola da terra. Estavam há mais de 2 anos em Portugal e tinham trabalho em permanência pois além do amanho da vinha e das vindimas, a empresa tinha linhas de engarrafamento e conseguia uma laboração com uma certa continuidade. Curiosamente a admissão daquele pessoal permitiu expandir linhas de serviço, na área da industrialização da produção, que não existiam anteriormente. Eles viviam em anexos dentro da propriedade e ao fim de semana vinham sempre almoçar ali.

No Ribatejo, nomeadamente nos concelhos de Santarém, Cartaxo, Rio Maior e Azambuja, os que eu conheço melhor, calculo que possa haver cerca de 10% de imigrantes. Nos quiosques, o Expresso e o Público estão lado a lado com jornais em cirílico editados pela comunidade russa e ucraniana. Num hipermercado onde costumo ir, em cada 3 ou 4 carrinhos, um é transportado por alguém do Leste, homem ou mulher. Têm cartões Multibanco, comportam-se como nós e só os distinguimos quando falam uns com os outros. Cá fora têm quase sempre um carro, cuja matrícula indicia uma certa vetustez, mas que funciona.

Dentro dos centros urbanos(Santarém e Azambuja - que é também zona suburbana de Lisboa) notam-se mais os brasileiros que trabalham na restauração e comércio. Mas fora desses centros urbanos só se vê gente de Leste. Estão disseminados por tudo quanto é sítio.

No que respeita à imigração de Leste nós temos em Lisboa uma imagem que não é a mesma que se tem na província. A vida em Lisboa é complicada, principalmente para os imigrantes, enquanto que nas zonas rurais eles levam uma vida muito mais estável e aparentam estar bem instalados. A nossa visão em Lisboa é enviesada pela situação daqueles que, sem emprego, dormem ao relento ou se socorrem de expedientes para sobreviverem.

22 de Setembro de 2003

Publicado por Joana às 01:00 AM | Comentários (5) | TrackBack

Portas e a imigração

Pelo que me apercebi do discurso de P Portas, a intervenção dele foi muito exagerada pelo Pacheco Pereira e também por outros comentadores.

Embora na altura não tivesse concordado com algumas afirmações produzidas por P Portas sobre esta matéria, fiquei depois muito surpreendida pelo clamor do Pacheco Pereira e de outros sobre a xenofobia do discurso etc..

Discordei, mas de forma algum me pareceu xenófobo. Continuo todavia a pensar que essa parte do discurso foi uma contemporização com algumas posições tomadas antes das eleições. Uma forma de mostrar a alguma direita que há coisas que não estão esquecidas.

Mas não há dúvida que Portas ligou o fluxo migratório ao desemprego ao declarar (e peço desculpa se não for rigorosa, pois não me lembro exactamente dos termos dele) que não se devia permitir a imigração enquanto existisse a actual situação de aumento do desemprego.

Ora o desemprego em Portugal é um fenómeno estrutural fruto da baixa qualificação ou da qualificação inadequada para os trabalhos que há.

E o grave é que o desemprego coexiste com falta de mão de obra em muitas actividades e com a desertificação rural. Na agricultura, nos períodos de ponta não existe mão de obra. Quando se pede autorização para a contratar, se se esperasse por essa autorização, quando ela viesse, se viesse, as colheitas ter-se-iam perdido entretanto. Aliás, mesmo fora desses períodos de ponta, muita dessa mão de obra seria benvinda.

Grande parte das necessidades de mão de obra sentem-se em pequenas empresas ou unidades de exploração, agricultura, restauração, etc., que não conseguem fazer ouvir a sua voz.

Falar em contingentação por exigência do mercado de trabalho é incorrecto. Um mercado para funcionar, ou mesmo para existir, tem que ser livre, ou pelo menos livre dentro de certos limites. Para isso tem que haver alguma liberdade de imigração. Terá que ser uma liberdade “vigiada” no que respeita à proveniência e qualificação dos imigrantes, mas será dessa liberdade em conjugação com o funcionamento do mercado que se chegará a um equilíbrio. Isso é fundamental para a nossa economia. Não se consegue convencer quem foi despedido de uma têxtil a mudar de ramo, excepto, talvez, se for para uma actividade similar. Prefere sempre o subsídio de desemprego.

O desemprego não aumenta pela imigração. Pelo contrário, a imigração permite a ocupação de certos postos de trabalho que, sem ela, ficariam vagos. E a possibilidade de muitas actividades económica aumentarem a sua laboração terá um efeito positivo e dinamizador na economia e indutor de emprego.

Terá que ser o mercado, funcionando com a máxima transparência possível, a definir os quantitativos discriminados pelas actividades e geograficamente. As centenas de milhares de imigrantes de leste que estão espalhados pelos lugares mais recônditos do país não vieram após cálculos sobre a capacidade do mercado. Vieram, espalharam-se pelo país, e encontraram trabalho porque havia (e continua a haver) falta de mão de obra. Hoje têm, na sua quase totalidade, empregos dignos, produzem, descontam para o Estado e Segurança Social, e têm um efeito altamente positivo na nossa economia.

Tem todavia que haver uma política de imigração que privilegie a qualificação, o reagrupamento familiar e a integração social dos imigrantes, facilitando a sua legalização e mesmo a sua nacionalização, nomeadamente dos que estão integrados e com família constituída.. Uma política fortemente selectiva no que respeita ao tipo de qualificação, mas aberta, pois Portugal precisa, mesmo na situação actual, de muita mão de obra. Pergunto: está-se a fazer alguma coisa nesse sentido?

Os problemas de exclusão, o tráfico de pessoas, as máfias, a criminalidade organizada, os pedintes nas esquinas, os "limpa pára-brisas" compulsivos nos cruzamentos e os pedinchões nos semáforos resultam exactamente dessa ausência de política de imigração, do mau funcionamento dos serviços de fronteiras e das forças policiais.

Fechar não é solução: prejudica a economia portuguesa e não fecha totalmente, porque os palops conseguem entrar de uma forma não detectável, nem que seja para levar os familiares às consultas do Amadora-Sintra; os palops e os ciganos romenos... Este “fechar” permite apenas a entrada do refugo.

A questão é que se está confundir uma política de imigração aberta com o laxismo em que temos vivido. Eu sou absolutamente contra esse laxismo e a ausência de selectividade na imigração. Todavia, desde que haja selectividade, sou favorável a uma política de imigração agressiva que permita colmatar as carências actualmente existentes e que tenha efeito dinamizador na nossa economia.

Portanto o que se tem que fazer é ter os serviços respectivos a funcionar e bem, ter uma política muito selectiva sobre a imigração, mas bastante aberta (e não laxista).

Nós não precisamos de mais gente não qualificada, amontoada em guetos nos subúrbios de Lisboa. Precisamos de gente qualificada e gente, muita gente, no interior do país para relançar muitas actividades que estão em declínio.

17 de Setembro de 2003

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