janeiro 12, 2006

Um Relatório com muitas Leituras

A forma como os meios de comunicação deram a conhecer ao público o estudo ontem apresentado pela Comissão para a Avaliação dos Hospitais SA é paradigmática de que algo vai mal na comunicação social e que muitos jornalistas não conseguem compreender que a sua profissão, pelo impacto público que tem, deve forçosamente cumprir as regras de deontologia. O relatório é o mesmo. Todavia os relatórios do relatório não só são diferentes como, em alguns casos, diametralmente opostos.

Por exemplo, O DN escreve que: Os portugueses ficaram prejudicados com a transformação dos hospitais públicos em hospitais SA? Segundo uma avaliação ontem apresentada, a resposta é não. A criação dos hospitais-empresa teve um "impacto nulo" no nível de qualidade e no acesso aos cuidados de saúde. Mas fez aumentar a eficiência com os mesmos custos, estas unidades passaram a produzir mais. E, em alguns casos, melhor.

Em contrapartida, o Jornal de Negócios é mais céptico, e titula: Hospitais SA são mais eficientes mas têm muitas falhas graves, embora depois escreva que “os hospitais transformados em sociedades anónimas são globalmente mais eficientes do que os do Sector Público Administrativo. Mas a aplicação do modelo empresarial no terreno está ainda muito longe dos resultados prometidos”

Enquanto isso, O Público é mais encomiástico e titula que os Hospitais SA são mais eficientes sem prejudicar os cuidados, escrevendo a seguir que mais de 2.300 mortes seriam evitadas anualmente se todos os hospitais públicos apresentassem a ligeira redução de taxa de mortalidade em internamentos registada nos Hospitais SA. Mais adiante escreve que têm custos 9% mais baixos e relata que os autores do estudo frisaram que «em geral, os hospitais com mais qualidade (menor mortalidade) têm custos mais baixos».

Ou seja, escrevo eu, os custos e a mortalidade estão relacionados positivamente. Um aumento de custos não significa melhores cuidados, mas sim uma maior desorganização e desleixo, como aliás já aqui escrevi mais que uma vez.

Em contrapartida, o Correio da Manhã escreve em letras gordas que “O estudo ontem apresentado pela Comissão para a Avaliação dos Hospitais SA é arrasador. Aponta falhas várias, que passam pela atribuição de subsídios aos hospitais menos eficientes, que se tornaram ainda mais ineficientes por problemas no modelo de financiamento e de gestão e ainda erros graves nas políticas de recursos humanos”
Mas depois de descrever o relatório como «arrasador», escreve algo verdadeiramente muito confuso: «Apesar das falhas, o estudo revela alguma eficácia, o que vem ao arrepio de outro relatório, divulgado em Novembro de 2005, pela Direcção-Geral da Saúde, que já se demarcou do mesmo, justificando que não era uma posição oficial. Contudo, concluía que os hospitais com gestão empresarial são menos eficientes do que os que mantiveram o estatuto público.». Ou seja, a eficácia, que a jornalista foi obrigada a revelar, vinha todavia ao arrepio de um relatório anterior que a jornalista enfatiza.

Talvez o que explique isto tudo seja a prosa de Avillez Figueiredo, no Diário Económico, quando escreve: “As notícias do bom desempenho dos chamados hospitais empresa são boas, e sublinham a excelente interpretação que o ministro da Saúde, Correia de Campos, faz do papel do Estado na sensível área dos cuidados públicos de saúde. Mas elas podiam ser ainda melhores se o assunto não fosse tabu em Portugal. Mas é. E sendo, continua fixado a premissas que arrastam decisões importantes. Mas assunto é sério, pelo que exige que dele se retirem demagogias ideológicas. O que obriga a um avanço por etapas.” E escreve adiante que «os cuidados de saúde não são privilégio da esquerda ou da direita»

Na verdade, quando face a um mesmo relatório aparecem versões jornalísticas tão diferentes e, no caso do Correio da Manhã, absolutamente contraditória com as restantes, é porque este assunto é tratado com «demagogias ideológicas» e que há jornalistas que confundem notícias e jornalismo de factos com “jornalismo de causas”.

Publicado por Joana às 10:48 PM | Comentários (46) | TrackBack

novembro 02, 2005

Censura ou Coragem Política?

A posição tomada por Rui Rio relativamente às relações do executivo camarário com a comunicação social criou algum burburinho. Ora, pelo que li, Rui Rio não fechou a porta ao fornecimento de informações e de respostas aos jornalistas. Apenas pretendeu estabelecer regras que assegurassem que as informações ou as respostas veiculadas pela autarquia fossem aquelas que efectivamente apareceriam na comunicação social. Para atestar essa conformidade haveria suportes escritos ou em vídeo e nunca interpretações jornalísticas, por vezes mais que duvidosas.

O que Rui Rio afirmou, segundo a imprensa, foi que "recorrerá, preferencialmente, a mensagens escritas através da publicação no site oficial da Câmara e de difusão pelos media"; que as entrevistas serão "acordadas" com a Imprensa, mas apenas por escrito, "com regras previamente definidas". Isto porque, segundo Rui Rio, "os entrevistadores são donos das perguntas e os entrevistados são donos das respostas".

A comunicação social tem-se inebriado por protagonizar o que designou por 4º poder. Os políticos tiveram muita culpa na génese desta situação, pois usaram a comunicação social para criarem factos políticos frequentemente baseados em falsidades ou em meias verdades. Acabaram por ser vítimas da sua própria insídia. A sua relação perversa com a comunicação social e a sua progressiva incompetência tornou-os vulneráveis à comunicação social e acobardou-os perante o monstro que haviam ajudado a gerar.

É verdade que uma notícia que tenha um suporte escrito documentável não evita a manipulação da informação através de títulos que são contraditórios com o corpo da notícia. É uma técnica vulgarmente utilizada, não necessariamente por motivos partidários ou ideológicos, mas as mais das vezes pela simples ambição de aumentar as audiências através de títulos sensacionalistas.

Reportando-me à parte factual da notícia, sem entrar em motivações obscuras ou em teorias da conspiração, considero corajoso um político dizer não ao poder de manipulação dos factos em que a comunicação social se especializou. E de o dizer claramente e não através de pressões camufladas que podem ter o objectivo de salvaguardar o rigor mas outrossim o de falsificar os factos.

Todos teríamos a ganhar com esta acção pedagógica aberta e transparente. Principalmente a comunicação social que pretende ser de referência. Escusava de cair, como acontece às vezes, no pecado da gula ... da falsificação das notícias para atrair leitores ou telespectadores.

Publicado por Joana às 02:33 PM | Comentários (55) | TrackBack

setembro 11, 2005

Adoração a Hermes

Há pessoas e instituições que foram sacralizadas pelos Deuses ou pelos seus representantes. Há todavia uma que tem a característica curiosa de ter sido beatificada e santificada por ela própria: a comunicação social. A Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) considera que a decisão do Grupo Espírito Santo (GES) de cortar a publicidade na imprensa do grupo Impresa constitui uma tentativa de pressão. Todavia reconheceu que “Expresso não acolheu o contraditório” quando elaborou as notícias sobre o “mensalão” do Brasil, apesar de ter "informação que lhe havia sido fornecida a tempo pelo grupo financeiro". Ou seja, o Expresso prevaricou nas regras deontológicas, mas o GES deveria continuar a levar-lhe as oferendas prescritas nos Mandamentos e que constituem matéria de devoção incontornável.

Os Deuses não se discutem. Mesmo que incorram em alguma diabrura (e sabe-se como os Deuses clássicos eram travessos entre si e com os mortais), a missão dos mortais é continuar a adorá-los e garantir a sua benevolência e bons auspícios através de oferendas. Não o fazer constitui um pecado, reconhecido pela lista de Mandamentos da AACS. O castigo? Se os mortais não consagram a sua devoção pelas oferendas, os Deuses vingam-se pela maledicência. Hermes não era apenas Deus da retórica e das mensagens olímpicas, era também o Deus dos ladrões.

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setembro 05, 2005

Catarse Katrina

No nosso pequeno mundo dos aspirantes a fazedores de opinião, o furacão Katrina tem servido como catarse colectiva da nossa impotência e da nossa mesquinhez. Como não sabemos, não queremos e não podemos resolver os nossos problemas, empenhamo-nos em digladiarmo-nos sobbre os problemas dos outros. Os defensores do estatismo “lêem” o filme da catástrofe tentando extrair argumentos para criticar o modelo estatal americano, fingindo esquecer que Portugal tem um Estado “quase escandinavo”, pela sua dimensão, mas “quase latino-americano” pelos serviços que presta à colectividade. Eficaz em pilhar os recursos da sociedade, mas ineficaz em lhes prestar os serviços que os contribuintes pagaram.

Ataca-se levianamente a alegada lentidão das autoridades americanas, esquecendo que se uma catástrofe com uma amplitude de proporções semelhantes tivesse ocorrido em Portugal, ficaríamos à mercê de nós próprios. O nosso SNS é ineficiente mesmo em situações de normalidade, atendendo, apenas e tardiamente, aqueles que não têm possibilidades de usar outros recursos; numa catástrofe teríamos que ser nós a cuidar de nós próprios e dos nossos semelhantes. A nossa polícia é ineficiente, mesmo num clima de normalidade; em caso de catástrofe teríamos que ser nós a velar pela segurança de pessoas e bens. As nossas forças armadas são quase inexistentes e já não têm serviços de engenharia; em caso de catástrofe teríamos que esperar pelo socorro de forças estrangeiras. Os incêndios, em Portugal, são apagados pelos bombeiros voluntários, que as empresas disponibilizam, e com a ajuda de meios exteriores, enquanto os profissionais estão aquartelados; em caso de catástrofe teríamos que ser nós a tratar da protecção civil, da nossa protecção.

Portugal está completamente inerme perante qualquer catástrofe que ocorra. E os adoradores do Moloch regozijam-se que a acção das autoridades americanas não foi tão lesta quanto deveria ser e que isso é fruto do reduzido peso do Estado americano (cerca de 70% do nosso) e da ideologia que tornou esse Estado tão débil, quando deveriam estar preocupados pelo facto do nosso Estado ser proporcionalmente muito maior que o americano e não ter, nem de perto nem de longe, a capacidade de actuação que as autoridades americanas tiveram.

Será que essa gente pensa no que poderia acontecer em Portugal com uma catástrofe de proporções semelhantes? O que é perverso nas discussões sobre o Katrina e o seu rescaldo é que os adoradores do Moloch apenas discutem a dimensão do Estado e a ideologia que está na base das opções que lhe estiveram subjacentes. Nenhum se questionou se estaríamos preparados para uma catástrofe idêntica. Nada. Apenas arremesso de frases sobre a “ineficiência” das autoridades americanas. Os adoradores do Moloch não estão interessados em extrair lições para a melhoria da nossa capacidade de resposta. Apenas estão interessados em defender uma concepção de Estado. Uma concepção perversa, pois que é um Estado “Social”, pela sua dimensão, mas “A-Social” ou “Anti-Social” pelo seu funcionamento.

Há 2 anos, a França, um dos paradigmas do Estado Social europeu, teve cerca de 15 mil mortos pela vaga de calor, certamente muitos mais que as vítimas do Katrina. O governo e as principais autoridades estavam de férias; não me consta que as tivessem interrompido. É certo que foram mortes pouco mediáticas, e não localizadas. É certo que, à beira da morte, as vítimas não escreveram nas janelas e nos telhados “help us”, perdão, “au secours” nem se alinharam na estrada gritando em coro a mesma frase para as câmaras de televisão. Não podiam, estavam dispersos. É certo que as câmaras de TV não puderam captar que era gente das classes mais desfavorecidas. Só puderam captar estatísticas, e as estatísticas não comovem.

A controvérsia do Katrina é Portugal (ou pelo menos o segmento social que intervém na comunicação e blogosfera) no seu pior.

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agosto 02, 2005

Economia Social

O Sindicato dos jornalistas propôs ontem aos trabalhadores dos jornais O Comércio do Porto e A Capital a criação de uma cooperativa que permitisse manter ambas as publicações nas bancas. O SJ afirmou que se trata de um projecto inédito na comunicação social portuguesa, no qual se «opõe a lógica da economia social à capitalista, que falhou a sua missão». Parece-me uma ideia excelente. Onde estará melhor salvaguardada a independência dos jornalistas perante o poder económico senão tomando eles o seu destino nas suas próprias mãos?

Organizando-se os jornalistas em cooperativa de trabalhadores, põem fim a uma promiscuidade perversa entre o capital e o trabalho. E, para aprofundar a lógica da economia social como contraponto à lógica da economia capitalista, as futuras cooperativas deveriam igualmente renunciar à publicidade (excepto, obviamente, publicidade a instituições ou eventos de carácter unicamente social). A publicidade é uma arma de 2 gumes: pode ser usada pelo poder económico contra a comunicação social, para esta não publicar determinadas notícias, ou pode ser usada pela comunicação social, contra o poder económico, a troco de não publicar determinadas notícias.

O SJ afirmou que se trata de um projecto inédito. Porque será que ainda ninguém se tinha lembrado disto?

Publicado por Joana às 06:06 PM | Comentários (53) | TrackBack

julho 23, 2005

O Rolo Compressor

E uma jornalista debaixo dele

Foi com esse programa que Sócrates obteve a maioria absoluta. Logo, como Portugal é uma democracia, é com esse programa que Sócrates deve governar e não com as opções de Campos e Cunha, opinou uma jornalista do Público, este sábado, indignada com as dúvidas dos economistas sobre a bondade da demissão. Sócrates devia ler este artigo, pois indica-lhe o caminho.

Sócrates ganhou as eleições prometendo não aumentar os impostos – aumentou-os; Sócrates ganhou as eleições prometendo criar mais de uma centena de milhares de novos empregos – o aumento do desemprego tem-se acelerado, e quando acabar o efeito sazonal do Verão, essa tendência será mais evidente; Sócrates ganhou as eleições prometendo acabar com as “trapalhadas” de PSL – nunca houve tanta trapalhada em tão pouco tempo. Sócrates ganhou as eleições prometendo … e tem saído tudo ao contrário … era tudo mentira.

Neste entendimento, e para ser coerente com a opiniosa e furibunda articulista do Pública, Sócrates terá que demitir imediatamente Sócrates, para não ver a sua autoridade posta em causa. E mais que por uma questão de autoridade posta em causa, Sócrates tem de demitir Sócrates por razões de coerência política.

São José Almeida, alteromundista, sente-se cada vez mais isolada nas suas concepções lunáticas do funcionamento económico e social. O seu artigo é o grito de dor e desespero de alguém diante do rolo compressor do empecilho dos factos, que avança inexorável sobre ela. É um grito in articulo mortis. Confunde liberalismo económico com as sanções a aplicar à Alemanha no final da I Guerra Mundial. Arremete furiosa contra os que papagueiam as mesmas soluções, as mesmas análises, as mesmas teorias … sem admitir que há alternativa., sem mostrar que conhece qualquer alternativa, para além de vagos lampejos lunáticos.

Papaguear é debitar um chorrilho de palavras, sem qualquer fundamentação sólida. O único facto apresentado pela articulista são as sanções a aplicar à Alemanha no final da I Guerra Mundial. É um facto que se situa a 3 mil kms e a 86 anos de distância e que lhe caiu no texto inexplicavelmente. Poderia usá-lo com igual pertinência para qualquer outra circunstância: por exemplo, para justificar o mensalão do PT de Lula, ou os maus resultados dos exames de Matemática, ou a gripe das aves do sueste asiático.

Neste entendimento, o papagaio é São José Almeida. E a cassete que papagueia já tem mais de cem anos e gastou-se pela usura do tempo e pelo rolo compressor dos factos.

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julho 10, 2005

O Inferno já não é o que era

Ontem um enviado da TVI a Londres exclamava extasiado:«Isto é um verdadeiro Inferno, diria mesmo mais ...» fez um hiato de alguns segundos em busca de algo mais tétrico que o Inferno e continuou «... parece um filme de terror!».
Quando o horror do Inferno é ultrapassado por um filme cujo DVD se aluga no vídeo clube defronte, por 1€, é porque o Inferno está muito desvalorizado. Por isso se peca tanto. Por isso nos afundámos mais no pecado que em Sodoma e Gomorra. Mas para quê preocuparmo-nos? Após o desfrute de qualquer prazer pecaminoso, por mais intenso e pecaminoso que seja, basta 1€ para nos auto-flagelar, vivendo e saboreando horrores piores que o Inferno. Queres viver um terror maior que o Inferno? Toma 1€ e vai ali defronte alugar Pesadelo em Elm Street 12.

Publicado por Joana às 06:00 PM | Comentários (40) | TrackBack

julho 07, 2005

Londres sob Bombas

A Inglaterra, our oldest ally, sofreu hoje de manhã um ataque terrorista. Ainda não há números definitivos de baixas. O facto mais marcante foi a calma, a serenidade e a determinação com que os britânicos encararam o ataque terrorista. Outro facto que impressionou os nossos enviados foi a forma discreta e calculada como as autoridades foram fornecendo as informações, de forma a que o pânico não se instalasse entre a população.
Achei surpreendente que os nossos enviados tivessem ficado impressionados por essa reserva britânica. Se fosse cá, seriam os próprios jornalistas a instalarem o pânico mais absoluto e irracional entre a população, por mais discretas que as nossas autoridades tentassem ser.

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julho 06, 2005

Matéria para tese em Sociologia Política

Está a ocorrer no nosso país um fenómeno sociologicamente interessante e politicamente inquietante, ou vice-versa. Refiro-me à emergência de políticos politicamente incorrectos, alguns eticamente pouco recomendáveis, mas que enfrentam os meios de comunicação em jeito de desafio, desassombradamente, e que recolhem um elevado apoio popular. Há dias, numa entrevista, Avelino Ferreira Torres deixou o jornalista da SIC, Rodrigo Guedes de Carvalho, à beira de um ataque de nervos. E havia todas as condições para suceder o oposto. Em primeiro lugar, são os jornalistas que estão habituados a pôr os políticos na defensiva; em segundo lugar havia factos (haveria?) que seriam embaraçosos para o entrevistado; em terceiro lugar o entrevistado está numa corrida eleitoral e deveria ser cauteloso, como manda a tradição.

Sucedeu tudo ao contrário: quem se colocou na ofensiva foi o entrevistado; quem passou displicente pelos possíveis embaraços, foi o entrevistado; quem não teve “papas na língua”, foi o entrevistado. Rodrigo Guedes de Carvalho deve ter ficado a Lexotan.

Com Alberto João Jardim sucede o mesmo. Diz as coisas mais desagradáveis aos jornalistas do “Contenente” e o máximo que eles conseguem é … fazer queixinhas ao PR e pedir-lhe que intervenha. Não sei exactamente como e para quê.

Os nossos bem-pensantes vêm imediatamente a terreiro criticar, com maior ou menor veemência (consoante a sua posição partidária), as intervenções mais “ousadas” daquelas duas figuras (e de outras menos evidentes). Do ponto de vista de pedagogia política não vejo mal nisso. Mas também não vejo vantagens … é perfeitamente inútil. O que os nossos bem-pensantes deveriam fazer era estudar as raízes sociológicas e políticas do êxito daqueles comportamentos: granjear apoio popular e meter na ordem a prosápia dos meios de comunicação, que estão convencidos que detêm o principal poder no país, que todos os devem temer e que são os grandes educadores do povoléu.

Aquelas duas figuras são a prova que a genuflexão dos políticos perante a comunicação social apenas lhes retira prestígio. As pessoas querem líderes fortes e desassombrados que chamem os bois pelos nomes. Desdenham gente que reverencia jornalistas, mendigando apoio mediático. Com a agravante que quanto mais tentam usar esse poder, mais facilmente são destruídos por esse mesmo poder, como aconteceu com Santana Lopes e irá acontecer com outros.

É bom que apareça gente desassombrada e segura de si, que meta os jornalistas na ordem. É pena que sejam estes dois.

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julho 03, 2005

Conversas de Fim de Semana

1 – O Prof Marcelo foi ectoplasmado pela RTP1, ou melhor, pela Caverna da Ana Sousa Dias. Inicialmente, eu julgava que aquelas figuras refractadas, alegadamente entrevistadas pela Ana Sousa Dias na RTP2, eram epifenómenos resultantes de diversas e inexplicáveis refracções que ectoplasmavam, no fundo da Caverna, arquétipos desconhecidos e que queriam permanecer ignotos. Verifiquei entretanto que não. O Prof Marcelo foi irremediavelmente estropiado por uma poderosa óptica anisótropa que refracta com gradientes de tal forma variáveis com as direcções de propagação, que torna qualquer realidade, por mais reluzente, numa amostra sem valor. O Prof Marcelo passou de fenómeno a epifenómeno.

2 - A Arte da Fuga ou mais propriamente, Die Kunst der Fuge ou, de acordo com o catálogo, o BWV 1080 (que raio de nome!? ... faz-me lembrar outros nomes estranhos e inexplicáveis, como ... Semiramis) chegou ao fim do 1º Contraponto. Parabéns. Espera-se que os próximos Contrapontos, Cânones , etc., sejam igualmente executados a rigor e com mestria.

3 – A vida rural tem as suas virtudes, mas as suas limitações. Uma delas é o consumo da fruta. Em Dezembro são as tanjas e tangerinas. Entre Janeiro e Maio é comer laranjas às cabazadas. Ainda deixámos algumas nas árvores, mas já estão um pouco secas (mas ainda se comem ... às vezes). Em Maio temos que dar conta das nêsperas, que não se aguentam mais de 3 semanas. Ficamos amarelos de tanta nêspera. Os miúdos têm que andar de T-shirts castanho-amareladas, porque põem nódoas que não saem. Depois vêm os damascos, que também aguentam pouco ... toca a comer. Agora são as ameixas das mais variadas espécies que estão a exigir que as comam. Entretanto os pêssegos e os pêssegos carecas, que são conhecidos por nectarinas nos hipermercados, começam a ficar maduros de impaciência. Depois outras virão, como os melões e melancias lá para Agosto, Setembro, as uvas em Setembro, Outubro e os diospiros a seguir. A nossa dieta frutífera é regulada sazonalmente. Impõe-nos responsabilidades e restrições (sazonais, não quantitativas), mas dá-nos qualidade. Sabe a fruta. Mesmo quando tem bicho. Porque se o bicho a escolheu, é porque ela era de boa qualidade.

4 – O facto dos sucessivos governos não andarem com os projectos para a frente tem as suas vantagens. O governo seguinte não precisa de ter imaginação – vai aos arquivos, arrebanha tudo o que ficou por fazer e anuncia a extensa lista (cada vez mais extensa) com estrépito público. Quanto àqueles projectos que obviamente não são para fazer, como, por exemplo, a Ota, anuncia que vai fazer estudos. Há projectos que foram estudados, re-estudados, tres-estudados e tresmalhados. Têm feito a felicidade e dado sustento a gerações de consultores.

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julho 01, 2005

Deixem-nos Trabalhar

Os jornalistas trouxeram a público o desespero que, segundo eles, lavra na sociedade portuguesa. «Os pais andam à nora e não sabem como ajudar os seus filhos na educação da sexualidade» ...Pede-se a intervenção urgente da Escola, pois os pais «devem conhecer previamente o programa e quem o vai leccionar». Alguém da Escola Superior de Educação de Lisboa garante: «Os pais não sabem ou não abordam essas questões e, se abordam, fazem-no de forma ligeira, eventualmente preconceituosa». Reina confusão sobre quem, como e porquê, vai «escolher os currículos».

Sempre pensei que esta matéria era aquela que se aprendia mais facilmente, que era aquela cuja aprendizagem, aliando a teoria à prática, dava mais prazer e satisfação, que se estudava pela noite dentro sem necessidade de recorrer à cafeína ou a anfetaminas para combater o sono e o tédio, onde se conseguiam fazer revisões diárias da matéria dada, anos a fio, descobrindo sempre novas e interessantes abordagens e que não exigia nenhuma qualificação especial para admissão à discência. Basta ver que mesmo analfabetos, como os trogloditas pré-históricos, conseguiram algum traquejo nesta matéria, como se prova pelo facto estarmos hoje aqui.

Calculo mesmo que os potenciais discentes, aqueles que jornalistas e educadores querem salvar das trevas da sexualidade, já devem saber muito mais sobre essa matéria que os potenciais docentes. Vai haver muitas surpresas.

Parece simples. É na água que se aprende a nadar. Como dizia um ex-PM aos jornalistas, sempre ignorantes destas coisas práticas: «Deixem-nos Trabalhar».

Publicado por Joana às 05:59 PM | Comentários (40) | TrackBack

junho 09, 2005

A Teoria da Conspiração

E a Prática da Conspiração

Um dos modelos explicativos mais acarinhados pelas ideologias totalitárias e pelos intelectuais que se deixaram seduzir por elas é o da Teoria da Conspiração. A sociedade é dividida em dois grupos antagónicos – os dominadores (ou os poderosos) e os dominados – e os poderosos estão em permanente conspiração para levarem os dominados à miséria e ao aviltamento. Esta “posição” social não tem nada a ver com a correlação de forças do poder político: A Nomenklatura que exerceu um poder totalitário nos regimes comunistas, pertencia aos “dominados”, dizia-se uma permanente vítima da conspiração dos “poderosos” e criou os Gulags para condenar à morte lenta os “poderosos” conspiradores. E os intelectuais dos países ocidentais certificavam essa conspiração em movimentos de opinião, comunicações emocionadas ou em teorias de absoluto rigor conceptual em jornais, revistas e livros.

Essa conspiração é tanto mais credível quanto menos visível. Por exemplo, o patronato está em permanente conspiração para levar os trabalhadores à miséria. Quando o patronato não emite opiniões, está em conspiração silenciosa; quando um dirigente empresarial emite alguma opinião sobre as relações laborais, é o clamor público: Nós bem avisámos … mais uma ofensiva brutal inserida na insidiosa conspiração dirigida contra os trabalhadores.

No caso da comunicação social há uma conspiração permanente para lhe cercear as liberdades. Os jornalistas podem inventar factos, mentir descaradamente ou distorcer a realidade, mas quando alguém contesta o seu direito à recriação da realidade, é o alvoroço público: lá estão a conspirar contra as liberdades democráticas! Curiosamente, quando essa contestação é feita ao nível da arruaça, os jornalistas ficam semi-afónicos e correm a pedir a protecção do PR, a fazer queixinhas. A Teoria da Conspiração baseia-se na não evidência de alegados factos. Quando confrontada com o real vernáculo, a Teoria da Conspiração fica desarmada.

Se a Teoria da Conspiração foi inventada pelos regimes totalitários e todos os aspirantes ao totalitarismo e à ditadura: guerras da religião, guerra civil inglesa, Revolução Francesa (onde os jacobinos a levaram à malvadez mais requintada), movimentos sindicais, revolução e regime bolchevique, nazismo alemão e todos os regimes fascistas e comunistas em geral, onde essa teoria serviu para massacres e genocídios, etc., etc., há uma permanente prática conspirativa que, ela sim, tem sido em extremo danosa para a prosperidade da sociedade.

Essa Prática da conspiração é quotidianamente exercida por todos os lobbies que põem os seus “interesses corporativos” à frente do interesse de todos e que só aceitam reformas e medidas estruturantes, desde que apenas sejam aplicáveis aos outros. É quotidianamente divulgada por todos os meios de comunicação e tem direito a horário nobre.

É essa prática conspirativa que tornou o SNS num sorvedouro de dinheiro e num prestador de serviços cada vez mais ineficiente. São os lobbies dos médicos e os lobbies dos enfermeiros contra a sociedade e uns contra os outros. E os lobbies são tanto mais poderosos quanto menos visibilidade qualificativa têm. Por exemplo, o caos organizativo e a nova derrapagem das listas de espera devem ser levados mais a crédito das corporações dos enfermeiros que das dos médicos.

É a prática conspirativa que tornou o Sistema Público de Educação o mais caro da Europa e o mais ineficiente. Nela têm desenvolvido os seus talentos os funcionários do ME, os professores, na docência ou destacados no ME e dependências, e todos os auxiliares de educação. Todos têm concorrido para levar o nosso sistema de ensino ao estado lamentável em que ele se encontra.

É a prática conspirativa que tornou o nosso sistema judicial um caso paradigmático de obsolescência. Tem sido uma actividade onde todos os agentes envolvidos se têm empenhado, mas os legisladores, os arquitectos dos procedimentos de funcionamento da nossa justiça, merecem um lembrete especial. Foi devido à sua argúcia conspirativa que o sistema ficou completamente entupido e Portugal se tornou um país de caloteiros inimputáveis.

E essa prática conspirativa alarga-se a todo o aparelho do Estado, registos, notariado, fisco, segurança social, autarquias, etc..

Mas essas práticas conspirativas são accionadas e apoiadas exactamente pelos mentores das Teorias da Conspiração: a Esquerda “à esquerda” e os Sindicatos. São os teóricos da Conspiração os principais agentes e mentores da Prática da Conspiração que levou o nosso país à beira do abismo.

Aqueles que passam a vida a falar da Teoria da Conspiração, estão simplesmente a lançar uma nuvem de fumo sobre a sua permanente prática conspirativa. Fabricam conspirações dos outros, enquanto conspiram às claras contra a nossa sociedade, a sua prosperidade e o seu futuro. Contra a prosperidade e o futuro daqueles que dizem representar.

Publicado por Joana às 07:09 PM | Comentários (108) | TrackBack

maio 12, 2005

O Desespero do Artista

Entristece-me ver tanta incompreensão em alguns quadrantes. Que possibilidades tem um jovem realizador de se afirmar no nosso país? Pelo talento? Mas se todos têm talento, reconhecido por 2 ou 3 amigos, pelo Carlos Pinto Coelho e pelo Ministério da Cultura que os subsidia! Pelas audiências? Mas se tal lhes está vedado pela sua procura da dimensão estética absoluta e da plasticidade elástica oscilando entre o mais e o mais. Mais grave: se a perversidade da fortuna lhes trouxer audiências ficam definitivamente na lista negra da Corporação dos Realizadores, que é inexorável perante a indignidade que representa o grande público gostar de uma obra de arte. Tal é uma contradição nos termos: se é Arte, o grande público necessariamente não gosta; se o grande público gosta, não é, definitivamente, Arte.

Que caminhos restam então ao Artista Realizador para se tornar conhecido e continuar Artista? Terá que ser algo com impacte mediático. A Quinta das Celebridades é impossível: ainda não é uma celebridade e ficaria irradiado da Corporação dos Artistas se fosse para lá, mesmo disfarçado de vaca. Aparecer no programa da Ana Sousa Dias? Mas se há dúvidas sobre se aquela gente existe mesmo! Para os poucos que, num zapping distraído, o vêem, são apenas ectoplasmas refractados e entediantes. Aliás, o próprio Prof. Marcelo está em vias de se tornar num ectoplasma ...só lhe faltam os espelhos que já devem ter sido encomendados.

São dolorosos e insondáveis os caminhos de um Artista Realizador para atingir o esplendor mediático. Há caminhos que trazem uma enorme notoriedade, mas infelizmente pontual: imolar-se pelo fogo, atirar-se da Ponte sobre o Tejo, ir para a bancada dos sócios do FC Porto trajando as cores e insígnias do Benfica, fumar droga em Singapura ou na Malásia, etc.

Mas, pensando melhor, esta ideia é capaz de ter potencialidades. Em toda a vasta Arábia dominada pelo fundamentalismo, existe um ponto minúsculo, invisível no mapa, que penaliza os charros mas cujo emir é um bonzão, cheio de clemência para os estrangeiros: eles que se vão drogar para a terra que os pariu, é o seu lema.

Está encontrada a solução. O Artista Realizador é detido e passa a herói e mártir público. As televisões difundem propaganda de solidariedade em prime time. O Governo garante que mantém "toda a sua atenção e determinação no acompanhamento do caso, fazendo uso de todos os meios disponíveis para apoiar aquele nacional”. É pedida a assistência consular dos parceiros comunitários. O embaixador português em Riad desloca-se ao Dubai. O Ministério dos Negócios Estrangeiros impetra um pedido de clemência ao emir e é confrontado na Assembleia da República com requerimentos pedindo explicações por parte do PCP e o Bloco de Esquerda. A Ordem dos Advogados disponibiliza-se imediatamente para garantir a defesa de Ivo Ferreira. A secretaria de Estado das Comunidades garante que a situação do cidadão português está a ser acompanhada. Todas as instituições portuguesas se mobilizaram para resolver o problema do charro.

O Artista Realizador tornou-se assim um mártir, detido por fumar um charro, um inocente acto ao alcance de qualquer aluno do nosso sistema de ensino. E o seu suplício foi agravado, de forma bizarra e tenebrosa, quando a acusação foi deduzida em árabe. O país mediático estremeceu de horror. Em árabe? O nosso compatriota torturado, gemendo lancinante enquanto assinava documentos escritos naquele idioma invertido e sem vogais. Sabe-se lá quantos dias teria passado na sala de torturas, a treinar-se a escrever da direita para a esquerda.

Todavia o clímax mediático ocorreu quando, em declarações à SIC, Ivo Ferreira disse partilhar uma cela sem electricidade com outros 18 homens. Tamanho despautério provocou a indignação pública geral e a inveja discreta de alguns. O Bloco de Esquerda organizou novenas, com preces públicas. Adivinhava-se a apresentação de um projecto de Lei autorizando o exercício da poligamia em Portugal para cidadãos do Dubai, por permuta com fumaças de charros por cidadãos portugueses no Dubai.

Finalmente o paroxismo da libertação: A longa viagem para a liberdade de Ivo Ferreira. No Aeroporto Internacional do Dubai a mole humana interroga-se "Onde está o Ivo?". O Ivo está "lá dentro", segredava-se. Segundo o embaixador António Monteiro foi o despertar de um pesadelo. As autoridades dos Emirados Árabes Unidos bem insistiam que a sua presença já não era necessária, mas o embaixador queria saborear o pesadelo até ao fim. O responsável pela diplomacia egípcia, que também participou neste memorável resgate, chorava de emoção e recitava versículos corânicos.

O Artista Realizador Ivo Ferreira, como primeira declaração pública, pronunciou-se energicamente sobre o assunto, com a veemência e a credibilidade que o seu estatuto de mártir confere: "Espero que o meu caso sirva de lição, e que quer o Ministério dos Negócios Estrangeiros quer as agências de viagem passem a disponibilizar mais informações sobre os países e as suas leis."

Portanto, a lição não é sobre oportunidade de Artistas Realizadores sorverem haxixe, pois esse é um acto necessário, patriótico e promocional. A lição é para o MNE e agências de viagem: eles é que devem disponibilizar informações sobre as acções turísticas que se podem desenvolver nos diversos países e em que circunstâncias: fumar charros, inalar cocaína, injectar heroína, praticar pedofilia, apedrejar a mulher, perpetrar homicídios, etc.

Por exemplo, nos países do Médio Oriente, desde a época em que o Velho da Montanha e os seus “bebedores de haxixe” assassinavam as figuras públicas de então (assassino vem daquele termo árabe), que os protagonistas da política olham de soslaio os “bebedores de haxixe”, que vêem como seus assassinos potenciais. O MNE tem que disponibilizar informações históricas sobre estes casos, para prevenir os turistas. Em contrapartida podem levar as esposas para as linchar lá à vontade.

Foi até agora o charro mais caro alguma vez fumado por um português.

Publicado por Joana às 02:35 PM | Comentários (42) | TrackBack

abril 22, 2005

Os meus agradecimentos

De partida para um fim de semana prolongado não pude eximir-me em vir aqui apresentar os meus mais comovidos e veementes agradecimentos ao pessoal da RTP membro do Sindicato dos Jornalistas (SJ), do Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual (STT) e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual (SINTTAV), pela greve que continua a ter, segundo eles, uma participação de quase 100%, “inclusive com a adesão dos trabalhadores da televisão pública que estavam de folga nos dias 18 e 19 e que hoje, dia 20, não retomaram o serviço".

Os meus agradecimentos só pecam pela insuficiência da prosa, mas os senhores sindicalizados desculpar-me-ão certamente, dada a premência da minha partida. E pecam porque aqueles sindicalizados deram uma tremenda lição ao país: aqueles sindicatos englobam a maioria dos trabalhadores da RTP, conseguiram uma adesão de 100% e permitiram que o país verificasse que a RTP continuava a funcionar e, inclusivamente, que aumentava as audiências.

Assim sendo, seria imperdoável o país esquecer que deve um favor enorme ao pundonor com que estes sindicalizados se esforçaram, durante 3 longos e empolgantes dias, a provar de forma irrefutável que são completamente desnecessários e que o país pode poupar 150 milhões de euros/ano, mais as derrapagens orçamentais e mais os 6 milhões que custariam as suas reivindicações actuais.

Espero, ansiosa, que os sindicalizados (hesito em chamar-lhes trabalhadores) de outras empresas públicas, que nos custam os olhos da cara e que nos tornaram nos campeões da Europa da caridade público-empresarial, exasperados pelo facto dos governos não sanearem e reestruturarem as suas empresas, sigam este exemplo e se empenhem igualmente em mostrarem, de forma tão decisiva, que são supérfluos e que essas empresas escusam de continuar a viver da caridade forçada dos contribuintes portugueses.

Publicado por Joana às 10:29 PM | Comentários (104) | TrackBack

abril 17, 2005

Inquisição Cautelar

Nada mais repugnante que os Inquisidores que se atribuíram a missão mesquinha de velar pela manutenção da ideologia dominante. Infelizmente é um desígnio nacional que remonta há perto de 5 séculos e que se tem mantido vivaz. Nada mais repugnante de que sejam aqueles que estão refastelados nas cadeiras do poder da Comunicação Social, pagos frequentemente pelos contribuintes, que acusam vozes que, a expensas próprias, se elevam contra essa ditadura do pensamento, de terem uma “difusão privilegiada - e sem concorrência - do seu correctíssimo proselitismo ideológico”. É o farisaísmo mais repugnante.

Uma das características do farisaísmo é acusar os outros dos seus próprios vícios. Por isso, V Jorge Silva acusa hoje, com a contumaz pesporrência, as vozes que têm, pelo esforço próprio e à custa de tanto insulto e calúnia, emergido do pântano da cultura estatizante, de terem a “Arrogância, a sobranceria, a pose de infalibilidade inquisitorial“.

Todos os totalitarismos ideológicos atribuem os males mais horrendos àqueles que se lhes opõem. Os fascistas condenavam os comunistas, acusando-os de comerem criancinhas; V Jorge Silva indigna-se pelo “ódio primitivo que hoje votam a figuras emblemáticas como Sartre (que alguns chegam, sem nenhum sentido do ridículo, a comparar a Salazar!)”. Se o ridículo (de VJS) matasse ...

Na realidade, o menos laudatório que se tem escrito sobre Sartre, neste ano do centenário do seu nascimento, é o relativo à sua intervenção política (e não como escritor ou filósofo), comparando-o com Raymond Aron, que nasceu no mesmo ano e foi condiscípulo dele, sublinhando, como eu escrevi aqui há um mês, que em cada evento, Sartre esteve, quase sempre, do lado certo, de acordo com o pensamento politicamente correcto da época, mas quase sempre do lado errado, de acordo com o posterior julgamento da história enquanto Aron esteve, quase sempre, do lado errado, de acordo com esse mesmo pensamento politicamente correcto e sempre do lado certo, de acordo com o mesmo julgamento posterior.

Nada disso prefigura um ódio primitivo mas apenas análise política e histórica factual; Não li em sítio algum Sartre ser comparado a Salazar. E se tal tivesse acontecido, isso apenas constituiria ignomínia para quem o escrevesse e não para Sartre.

Por isso é normal que os arautos do actual politicamente correcto odeiem serem confrontados com exemplos de figuras que foram idolatradas sobre os acontecimentos e cujos erros emergiram e foram ganhando uma dimensão cada vez mais calamitosa, à medida que a distância temporal se ampliou. Receiam o julgamento da história. E enquanto esse julgamento não chega ... insultam os adversários.

Publicado por Joana às 10:22 PM | Comentários (35) | TrackBack

abril 14, 2005

Hipocrisias

O parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) sobre a venda da Lusomundo Serviços à Controlinveste é uma contradição nos termos, uma contradictio in subjecto, ao assinalar, como primeira condição, que "a adquirente respeite a liberdade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, bem como a identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social em presença”, e isto porque ou a identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social em presença respeitam a liberdade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião e nessa situação o segundo termo é mais que despiciendo, é nocivo, porquanto gera ambiguidades; ou não as respeitam, e deverão ser alteradas em vez de protegidas por uma entidade que teria por missão zelar pela liberdade de expressão.

A AACS é uma entidade que já recebeu a extrema-unção há bastante tempo, cujos figurantes terminaram os mandatos há mais de um ano, e cujo corpo jaz, putrefacto, à espera que os políticos se decidam a removê-lo para o destino final. Como qualquer múmia o seu único objectivo é a conservação. A AACS apenas pretende conservar a situação que o nosso recente processo histórico criou na comunicação social e mantê-la per omnia secula secolorum.

A referência à liberdade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião é apenas o ramo de salsa do leitão da Bairrada (respeite ... a identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social em presença). A AACS refere-se à liberdade da [nossa] expressão e ao confronto das [nossas] diversas correntes de opinião.

Quando um empresário compra uma fábrica de calçado tem que se obrigar a satisfazer as leis e os regulamentos em vigor na actividade que exerce. Não existe todavia uma Alta Autoridade para os Modelos de Calçado que lhe imponha os formatos de sapato que vai produzir, e lhes imponha: o Sr. empresário terá que se cingir aos modelos actualmente fabricados e, sobretudo, evitar aquelas sandálias de salto alto, tipo agulha, de tiras finíssimas que se entrelaçam lascivas, perna acima, pois fazem mal à coluna e, para mais, só despertam pensamentos pecaminosos, o que na nossa idade pode provocar um AVC.

Não vejo porque há-de ser diferente na Comunicação Social. É certo que, pela sua especificidade, faz necessariamente parte do seu regulamento o respeito pela liberdade de expressão e pelo confronto das diversas correntes de opinião, no produto que vende ao público. Ao “exigir” igualmente o respeito pela identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social está a ser hipócrita, pois está a tirar com a mão esquerda o que deu com a direita – o Sr. empresário tem que respeitar a liberdade da nossa opinião, ou seja, da opinião que lhe impomos, e terá que respeitar o confronto das [nossas] correntes de opinião, ou seja, aquelas que se inserem na nossa identidade e na nossa linha editorial.

Todavia, os vícios da AACS têm trazido alguns benefícios. Bernard de Mandeville escreveu, no início do século XVIII, na A Fábula das Abelhas: Ou velhacos transformados em gente honesta que O que, no estado da natureza, faz o homem sociável, não é o desejo que tem de estar em companhia, nem a bondade natural, nem a piedade, … . As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas, são as mais necessárias para torná-lo apto a viver com o maior número. São elas que … mais contribuem para a felicidade e prosperidade das sociedades. Neste caso também há benefícios: ao entregar a Comunicação Social aos jornalistas que “descobriram o caminho marítimo para lá chegarem” com exclusão de arrivistas posteriores, a AACS está a promover meios alternativos, como a blogosfera. Os velhacos [foram] transformados em gente honesta! A irrupção da blogosfera deve-se, em parte, às mordaças da AACS e quejandos – apesar das suas intenções serem vis, estão a promover o bem.

E com o tempo vai igualmente verificar-se que esse espartilho legal se revelará precário. No sistema capitalista, como escrevia Marx, tudo o que é sólido se dissolve no ar. Portugal tentou preservar para si o “Justo Império Asiático” armado de leis, bulas, etc.. Isso não impediu holandeses e ingleses, quando tiveram meios para isso, de o retalharem em seu proveito. A descoberta do caminho marítimo para o Oriente não nos conferiu uma procuração irrevogável de usufruto daquelas áreas. O mesmo vai acontecer com as pretensões da AACS e dos jornalistas “instalados”. O facto de eles terem chegado primeiro não os vai manter indefinidamente no poleiro.

Publicado por Joana às 08:11 PM | Comentários (32) | TrackBack

março 29, 2005

Os Vigilantes

Reina uma profunda preocupação entre os detentores das verdades absolutas e do politicamente correcto que, desde há décadas, parasitam a comunicação social. Esta, por duas ou três vezes, deu ultimamente a lume artigos ou dossiers sobre uma eventual crise da Direita, sobre a provável necessidade de “refundar a Direita, etc.. Para esse desiderato foram auscultados diversas figuras da direita (hesito em chamar-lhes intelectuais, porque para obterem essa categoria necessitariam situarem-se noutras áreas políticas). Foi demais! Vicente Jorge Silva verberou imediatamente no DN essa prática insolente e escreveu indignado que “as opiniões que neles [os órgãos de comunicação social] hoje prevalecem - entre directores editoriais e a maioria dos colunistas - são claramente de direita”.

Obviamente Vicente Jorge Silva exigiria que o debate sobre o futuro da direita e sobre as suas crises e refundações fosse feito por verdadeiros e robustos intelectuais, detentores das verdades absolutas, em suma, escrevinhadores da esquerda.

É um facto que este governo tem sido obsequiado com um pacto de silêncio e uma simpatia indisfarçável, enquanto que o governo de Durão Barroso foi, desde o início, objecto do terrorismo verbal mais absoluto e que o governo de Santana Lopes foi entregue pelo PR à vigilância popular logo na indigitação. É um facto que idênticas declarações contraditórias de titulares de cargos públicos, sobraçando idênticas pastas, foram trapalhadas hilariantes no governo anterior e agora deslizes irrelevantes que não beliscam craveiras de indiscutível valimento.

Mas essa aparente discrepância faz parte da natureza das coisas. Não colhe para as interpretações de Vicente Jorge Silva. Não se deve esperar equanimidade de critérios, ou mesmo misericórdia, para com os infiéis. Os infiéis vivem em pecado pela sua própria natureza. Não foram iluminados pela graça divina da verdade absoluta. Deixar que alguns despontem, ao de leve, na comunicação social é uma heresia que deve ser condenada liminarmente.

Nem todos. O neófito quando entra no aprisco é adulado como o filho pródigo da parábola bíblica. Foi o que aconteceu ao Freitas do Amaral. Mas é isso que têm em comum as verdades absolutas, quer as reveladas por reverberação divina, quer as inerentes à missão histórica que um grupo social se atribuiu, de salvar a humanidade mesmo contra vontade desta, nomeadamente quando os exemplos práticos desses salvamentos se saldaram em desastre calamitosos.

Publicado por Joana às 07:55 PM | Comentários (38) | TrackBack

fevereiro 13, 2005

Sado-masoquismos

Acompanho com muito interesse as reportagens da Helena Pereira sobre a campanha de Santana Lopes. É curiosa esta relação. É a modos como se um assaltante de bancos fizesse a cobertura das conferências de imprensa dos banqueiros cujos bancos ele vai sucessivamente assaltando. Este processo de relatar publicamente os queixumes das próprias vítimas tem o perfume voluptuoso de uma perversão sado-masoquista.

Observemos o que a imaginativa criadora de “realidades paralelas” assinalou hoje como positivo e negativo da campanha do PSD:
Positivo – Rui Rio que é vice-presidente do PSD, mas ultimamente parecia andar desaparecido, apareceu ontem.
Negativo – O grito de revolta de Pedro Santana Lopes contra a comunicação social entusiasmou a assistência, mas não é a melhor estratégia para um dos maiores partidos do país se afirmar.

Portanto, o positivo é algo que era muito negativo, ter-se tornado menos negativo; o negativo é eles estarem sempre a falar de mim. Mas será que ninguém os cala? Ter que escrever que "Existe uma minoria [de jornalistas] que fazem trabalho político-partidário não isento e que quer enganar os portugueses"! Se este martírio continua assim, despeço-me, alegando justa causa. Alguma coisa se há-de arranjar ... talvez o Barnabé ou A Capital (se ainda não tiver falido) me dêem trabalho.

E a Helena bem lhes dá conselhos estratégicos, mesmo sem eles os pedirem, mesmo não sendo essa a sua missão. Mas eles ...

Publicado por Joana às 07:31 PM | Comentários (16) | TrackBack

fevereiro 11, 2005

Da Delinquência à Arte

Certamente por uma punição do destino (ou do patrão) coube a Helena Pereira a cobertura da campanha do PSD, ontem, em Bragança. E foi bom, se lermos o seu arrebatamento ao destacar que PSL se tinha insurgido contra a "realidade paralela" que é criada pela comunicação social. Helena Pereira julgava que tinha falsificado a realidade. Afinal teve a gratificante surpresa de ouvir, no extremo nordeste do país, em primeira mão e por uma das vítimas da sua inventona, que apenas criava “realidades paralelas”. Deve ter sido um momento alto da sua carreira, pois é enorme a distância que separa uma falsária de uma criadora de “realidades paralelas”. É a mesma que separa a delinquência, da arte.

É bom saber-se uma artista. É bom olhar-se ao espelho e poder exclamar com uma surpresa inebriante: Ecco una artista!

Apenas lhe desejo que não se veja na contingência de ter de saltar do parapeito da plataforma do Castel Sant'Angelo para o vazio, aos gritos de: O Santana, avanti a Dio!

Publicado por Joana às 07:20 PM | Comentários (25) | TrackBack

fevereiro 10, 2005

A Gentileza acima de tudo

Recebi um esclarecimento do Director do Público sobre o meu post anterior. Não vou discutir o seu conteúdo, ou se discordo ou concordo (total ou parcialmente) com as razões nele aduzidas. Queria apenas sublinhar a cativante surpresa pelo gesto e pela maneira afável como esse esclarecimento foi redigido, contrastando aliás bastante com a fogosidade polémica do meu post. Se fui injusta, e eu não estou em situação de saber para além daquilo que é (e continua a ser) visível (e foi sobre isso que me pronunciei), peço evidentemente desculpas. Sendo assim, apenas O Público saberá se fui ou não injusta, e se o meu pedido de desculpas faz ou não sentido. Em qualquer dos casos, quando a questão se coloca nestes termos, é porque há algo de muito errado – as notícias devem ser transparentes e assentarem em fontes claras e não estarem à mercê do crivo dos subentendidos ou das presunções (dos jornalistas e/ou dos leitores).

Publicado por Joana às 05:26 PM | Comentários (59) | TrackBack

A Ignóbil Public(aria)

A Nota da Direcção do Público é o paradigma do farisaísmo mais abjecto e canhestro. Começa por reconhecer que a notícia era falsa (este [Cavaco] não fez "qualquer declaração ou comentário sobre o processo eleitoral em curso"). Depois confessou que andava a trabalhar há várias semanas naquela falsificação e que a notícia resultou do cruzamento de várias fontes (obviamente inexistentes e falsas, como havia confessado anteriormente). E acrescenta este mimo: Contudo, ao falar das intenções de Cavaco Silva sem que este tivesse tomado qualquer posição pública, a notícia permitia um desmentido nos termos do de ontem (!?). Leia-se: Contudo, pela notícia ser inventada e falsa, ela permitia um desmentido nos termos do de ontem.

Será que a Direcção do Público não tem vergonha na cara? Como é possível escrever seraficamente que andava há semanas a trabalhar no cruzamento de várias fontes e confessar em simultâneo que Cavaco não fez qualquer declaração ou comentário. Que jornalismo é este que cruza durante semanas informações inventadas para produzir notícias inventadas? Será que o jornalismo desistiu dos factos, esses empecilhos à criatividade de Eunice Lourenço, Helena Pereira e de toda a Direcção do Público?

O mais sórdido nesta nota é que o Público não se penitencia de ter falsificado uma notícia e de ter sido contumaz nessa falsificação. Apenas reconhece que fez uma má escolha do título de capa ao optar pela expressão "aposta em", expressão ambígua a meio caminho entre o "prevê" e o "apoia". O Público apenas errou por ter feito desta falsificação o título de primeira página. Se a tivesse escondido nas páginas interiores, como faz com os desmentidos das suas falsificações, estaria certo e imaculado.

Ontem eu havia escrito que “É óbvio que este jornalismo sórdido não é produzido às escondidas da Direcção do Público. Ele terá que ter a conivência dessa Direcção, ou pelo menos de parte dela”. Confesso humildemente que me enganei, ainda que parcialmente. Esta falsificação e a sua contumácia foi feita, como parece agora evidente, com a conivência de toda a Direcção do Público..

É uma Ignóbil Porcaria ... ou melhor ... Public(aria). Teria sido menos sórdido não ter escrito nada.

Publicado por Joana às 01:11 PM | Comentários (46) | TrackBack

fevereiro 09, 2005

A Vitimização e o Vale-Tudo

A relação da comunicação social com Santana Lopes faz lembrar a relação da madrasta cavernícola e autoritária com o enteado – depois de o sovar, quando o miúdo se apresta num vago queixume, grita-lhe: e se choras apanhas mais! Não há nada a fazer – primeiro sovam-no em todos os tons e sons; depois quando ele menciona os agravos, é sovado por “se estar a vitimizar”. Vem isto a propósito de uma jornalista do Público, Eunice Lourenço, que eu já citei mais que uma vez (aqui e aqui), pelas suas notícias absolutamente destituídas de rigor e ética, ter escrito ontem (em co-autoria com a colega Helena Pereira) um artigo em que afirmava peremptoriamente que “Cavaco aposta na maioria absoluta de Sócrates”.

É uma notícia escrita de uma forma absolutamente perversa, pois pela sua leitura se verifica que aquela afirmação, e outras de teor idêntico nela insertas, não provêm directamente de Cavaco, mas de alegadas “fontes próximas”. Aquela notícia foi imediatamente desmentida.

Hoje o Público traz, das mesmas autoras, uma notícia intitulada “Ex-primeiro Ministro Incomodado com Notícia do PÚBLICO”, onde as autoras sugerem que aquele desmentido apenas indiciava que Cavaco estaria incomodado. Ou seja, não era a primeira notícia daquelas jornalistas que era uma mentira, o mentiroso seria agora Cavaco que mentia (desmentindo) por estar incomodado ...

Agora o ex-primeiro-ministro enviou uma declaração à Lusa onde afirmou: "Ontem, dia de Carnaval, fui surpreendido com uma notícia no jornal PÚBLICO intitulada 'Cavaco Silva aposta em maioria absoluta do PS'. A notícia não tem qualquer fundamento". "Trata-se de uma total invenção da parte de quem a escreveu. Não fiz qualquer declaração ou comentário sobre o processo eleitoral em curso. Embora ausente de Lisboa, tive oportunidade de transmitir o meu protesto ao director do PÚBLICO".

Curiosamente esta informação aparece no Público on-line sob a epígrafe de “Cavaco Silva recusa envolver-se em manobras eleitorais” e nem está sequer assinada. Provavelmente a intenção será a de insinuar que se trata de mais uma mentira de Cavaco Silva para evitar “envolver-se em manobras eleitorais”. Conclusão, não vale a pena desmentir, pois a notícia continua lá, incólume, indiferente aos factos.

É óbvio que este jornalismo sórdido não é produzido às escondidas da Direcção do Público. Ele terá que ter a conivência dessa Direcção, ou pelo menos de parte dela. Um jornal como o Público pode errar uma vez, pois é natural que um chefe confie nas suas colaboradoras e não vá verificar a seriedade das notícias. Todavia é um indício terrível que publique os sucessivos desmentidos a esse erro metamorfoseados em “mentiras piedosas”. É o indício que é o próprio jornal que não é isento; é o indício que a falta de ética e a sordidez jornalística daquelas plumitivas têm a cobertura da Direcção do jornal.

Não vou discutir quais as intenções destas “notícias”. Santana Lopes está impedido de se queixar – qualquer queixa dele não passa de vitimização. Cavaco Silva está impedido de desmentir – qualquer desmentido dele é apenas mais uma mentira para disfarçar o seu “incómodo”. Não há pois nada a fazer quando a nossa comunicação social cria um “facto político”. Mesmo que não exista ... é um “facto político”!

Para mim, é justamente esse o “incómodo”: a fabricação pela nossa comunicação social e, mais grave, por um órgão de referência dessa mesma comunicação, de um “facto político” e a sustentação desse “facto político” para além de todos os desmentidos.

Chegámos ao Vale-Tudo.

Publicado por Joana às 07:58 PM | Comentários (22) | TrackBack

janeiro 11, 2005

Sondagem Decisiva

A imbecilidade da Comunicação Social está para além das Novas Fronteiras ...
O PÚBLICO/RTP encomendou à Universidade Católica Portuguesa uma sondagem para que os portugueses opinassem sobre se protecção civil está bem ou mal preparada para lidar com as consequências de um terramoto ou de um maremoto.

Que eu saiba, a sondagem dirigiu-se aos portugueses em geral e não a especialistas de Protecção Civil, Geologia, Geotecnia ou Mecânica de Solos. Ora a impressão que os portugueses têm de uma matéria como esta é a aquela que, confusamente, enquanto jantam e ralham com os filhos, escutam nos jornais televisivos. Os jornalistas escusavam de encomendar sondagens ... bastava indicarem a sua própria opinião, visto que os portugueses, leigos na matéria, apenas poderiam emitir a opinião veiculado pelos mídia.

Outras sondagens tornam-se assim possíveis e decisivas:

Acha que a Ponte Vasco da Gama aguenta com um sismo de grau 8? (Nota: há mais umas centenas de pontes com dignidade suficiente para serem objecto de sondagens idênticas).

Acha que há água em Marte? E, no caso afirmativo, acha que será melhor que a Água do Luso?

Acha que a Terra irá colidir com um asteróide durante este milénio?

Acha que o Lusitanosaurus da Lourinhã morreu de susto ao saber que Santana Lopes iria ser indigitado 1º Ministro daí a uma centena e meia de milhões de anos?

Publicado por Joana às 07:59 PM | Comentários (9) | TrackBack

janeiro 09, 2005

Tiros ao Acaso

Fico perplexa pelo que tenho lido e ouvido nos últimos dias. Jornalistas, fazedores de opinião e políticos no desemprego fazem lembrar um grupo de caçadores urbanos, vestidos a rigor, de um camuflado impecável, com caçadeiras e cães do último modelo e topo de gama, que iniciam a caçada pelas onze da manhã, atirando a tudo que mexe e não conseguindo destrinçar uma vaca de uma lebre.

A questão é simples. O país tem um problema, mas nem sequer conseguiu ainda atinar com o enunciado do problema, quanto mais com a solução ou soluções. E isto é deveras preocupante.

No início de 2002 o problema era Guterres, segundo a quase unanimidade daqueles caçadores urbanos. Mas quase nenhum tentou formular o enunciado do problema, porque Guterres não passava de um epifenómeno de um problema muito mais complexo. O problema ia muito para além de Guterres. Este apenas o tinha tornado desmedido.

Nos dois anos seguintes assistiu-se aos esforços inábeis de um governo para resolver um problema do qual se desconhecia o enunciado. E os caçadores urbanos, nos seus artigos, colunas e homilias, apenas se comportavam como tal: atiravam a tudo que mexia ... menos às espécies cinegéticas.

Finalmente, a indigitação de um novo primeiro ministro permitiu uma clarificação: Era ele o problema. Os caçadores urbanos já tinha um alvo: Santana Lopes. Foi a explosão de alegria entre os caçadores urbanos. Mas como Santana não era uma espécie cinegética, os chumbos continuavam inúteis para a solução de um problema sem enunciado.

A dissolução da AR pelo PR foi uma espécie de ágape festivo, de febras grelhadas e tinto, numa caçada infrutífera, num trilho abandonado e inútil. Foi um folguedo: a carne acalmou os estômagos e o tinto inebriou os espíritos. A caçada iria prosseguir, por trilhos ínvios, horizontes ignotos e espécies inexistentes, mas prosseguiria.

Surge agora a questão das listas. A depressão é geral. Santos Silva geme: “Nos partidos, as inumeráveis capelas e as suas afinidades e rivalidades tribais enxameiam as listas de candidatos sem rosto, sem ideias e sem valor autónomo”, esquecendo que mesmo os que têm rosto, como ele, não têm ideias nem valor autónomo. Numa coisa tem esse ex-Ministro de Educação, de desconhecida memória, razão, os “atiradores” esquecem-se que, na vez anterior, escreveram exactamente o mesmo.

António Barreto foi liminar: Três cavalheiros, Santana, Sócrates e Portas, nomearam pessoalmente cerca de 80 deputados ... mais ou menos 5.000 pessoas dos cinco partidos, reunidas em comissões locais ou nacionais, nomearam 190 deputados, ou seja, a quase totalidade do Parlamento que entra em funções dentro de seis semanas. Restam 40 para nós elegermos.

Outros falam de que o país estava à espera que a moeda boa regressasse, e expulsasse a moeda má, e afinal os partidos porfiaram em apresentar ao eleitorado um baú repleto de moedas mais “quebradas” que alguma vez o rei D. Fernando ousou fazer, nos períodos de maior aflição de escassez de metais preciosos no Reino. Nunca se viu moeda de tão baixo teor, clamam.

O problema agora é a questão das listas. Com tanta mediocridade, como resolver o problema? Mas qual problema? Primeiro há que identificar “o problema” e formular o respectivo enunciado. Eu olho para as listas e não vejo que estes sejam, em média, mais medíocres que os anteriores. Alguns nomes sonantes saíram dos elencos elegíveis. Mas são apenas nomes sonantes. Nunca vislumbrei neles qualquer competência. Helena Roseta, por exemplo, competente? Nem como política, nem como arquitecta ... não passa de um nome gerado pelos aparelhos partidários do PSD e do PS.

Jorge Sampaio, um dos mais exímios caçadores de pólvora seca, num debate há dias na SIC, na sequência aliás da sua mensagem de Ano Novo, voltou a afirmar a necessidade de uma estabilidade a médio prazo (ele, que vai ficar na História como o primeiro, e esperemos o último, presidente que dissolveu uma AR com uma maioria estável, a meio do mandato) e um entendimento entre os principais partidos para resolver “o problema”.

Portanto, para Sampaio, e não só, a solução poderia estar num entendimento partidário alargado para tomar medidas ditas “impopulares”, mas necessárias, para recuperara o país. O que há de anedótico em tudo isto é que Sampaio andou a vetar, ou a enviar para o Tribunal Constitucional, para este considerar inconstitucional, inúmeras medidas impopulares em matérias que agora reclama serem solucionadas mediante um entendimento salvador.

O problema das medidas impopulares não é apenas elas serem impopulares e só gerarem efeitos positivos a médio e a longo prazo. Não é precisarem de um entendimento partidário alargado, para assegurarem a quietude social. É serem inconstitucionais. A nossa constituição, apesar das revisões que teve, continua inquinada pelo conceito de um Estado demasiado interventor na economia e na prestação de serviços públicos, o que é uma contradição com o funcionamento eficiente de uma economia de mercado. Continua inquinada por conceitos que protegem interesses corporativos e impedem o funcionamento eficiente do mercado de trabalho, o que é negativo em termos de competitividade e de incentivos à qualificação. Temos uma constituição que tem disposições que não deveriam figurar lá, por constituírem matéria para decisões dos governos e não normas rígidas que os governos estão impedidos de alterar. Temos uma constituição completamente desajustada face aos países com os quais concorremos, face aos países com os quais estamos unidos política e economicamente. Temos uma constituição que é contrária aos interesses do país e um entrave ao seu desenvolvimento.

Para que queremos deputados competentes e governantes competentes, se essa competência não se traduzir em resultados práticos? Apenas por masoquismo extremo, gente competente aceitaria expor-se a governar, sabendo que não tem possibilidades constitucionais de resolver as questões mais essenciais.

E o masoquismo é uma perversão e não uma virtude.

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dezembro 28, 2004

Quando os não factos são notícias

O país estava carente de notícias. É certo que a catástrofe do Índico, que deve ter ceifado cerca de cem mil vidas, foi um maná para a sede sanguinolenta das nossas Tvês. Com que luxúria se lançaram sobre aquele pesadelo, com repórteres afadigados na perseguição de traumatizados, questionando-os sobre o cataclismo, tentando sacar as imagens mais arrepiantes possíveis. Mas não há nada que se compare com uma boa zaragata nacional.

Se não há notícias, nada como criá-las. O «Diário Económico» noticiou hoje que o Ministério da Segurança Social ordenou a suspensão do pagamentos dos subsídios de doença e de desemprego que deviam ser efectuados nos últimos dias de Dezembro, com o objectivo de transferir despesas para o próximo ano, aliviando a execução orçamental de 2004.

A razão apontada é pouco consistente. O défice orçamental avalia-se em termos de compromissos (custos e receitas) e não em termos de fluxos financeiros (pagamentos e recebimentos). Portanto parte daqueles fundos já estaria incluída no défice. Por outro lado os valores em causa são irrelevantes quando comparados com os montantes da despesa pública e do défice. Não excluo liminarmente que houvesse tentativa de protelamento de pagamentos, como tem acontecido, desde sempre, com mais frequência do que seria desejável, mas, se tal tivesse acontecido, seria por questões pontuais de tesouraria.

Aliás, o Ministro das Finanças, que é o responsável pelo orçamento, desmentiu, através de uma porta-voz, recorrer a «eventuais» atrasos no pagamento dos subsídios de desemprego e doença para controlar o défice orçamental de 2004, afirmando que «não deu qualquer ordem ou orientação nesse sentido» e desconhece «eventuais atrasos» no pagamento daquelas prestações sociais, a cargo do Ministério da Segurança Social. E acrescentou que alegados atrasos «a existirem, nada têm a ver com controlo do défice, cujas contas estão feitas e foram já explicadas». O Ministério da Segurança Social desmentiu igualmente a notícia.

As notícias referem-se a alegados factos, mas os protestos foram verdadeiros, coléricos e arrebatados. Carvalho da Silva apelou a uma revolta nacional e afirmou, com a segurança de quem sabe ser ele próprio um dos principais responsáveis por isso, que «o país assim não se desenvolve». As oposições reagiram indignadas gritando "a sua profunda indignação pela ignóbil atitude do governo”. As notícias foram desmentidas, mas os protestos mantiveram-se. Apenas deixaram de ser protestos contra as notícias ... passaram a ser protestos contra as alegadas notícias.

A TVI conseguiu mesmo, após uma devassa exaustiva, descobrir duas pessoas, no Algarve, uma em Faro e outra em Loulé, que se queixavam de atrasos no recebimento de subsídios.

Louvemos em piedosa atitude estas duas modestas algarvias que, heroicamente, sozinhas, sustentam o défice da nossa Pátria. Sem o seu patriótico, abnegado (e forçado) contributo, a Pátria, e os seus egrégios avós, estariam agora a contas com os empedernidos contabilistas do Eurostat. Louvemos igualmente a TVI por nos dar a conhecer quem, tão devotadamente, é o sustentáculo do nosso precário equilíbrio orçamental. Nunca tão poucas, valeram tanto.

E louvemos o heróico Director do Diário Económico que, segundo ele próprio, e já desesperado por ninguém reconhecer o seu merecimento, apareceu nos jornais televisivos das 20H00 a vangloriar-se de se dever a ele, e à sua notícia, que os subsídios de doença e de desemprego vão ser pagos.

É bom ser-se Director de um jornal. Diz-se que havia no Pireu, na clássica Atenas, um louco que se reclamava dono do porto e de todas as embarcações que o demandavam. Um director de um meio de comunicação, com a empáfia de Martim Avillez, pode reclamar-se de ser o motor de tudo o que aconteça. Basta noticiar que um facto notório não vai acontecer e aparecer, depois, a clamar ... olha se não fosse eu!

Amanhã o Sol não tem intenções de se levantar, asseguro-vos. Mas se ele despontar, desde já afianço que só o fará devido ao escândalo abjecto que eu acabo de denunciar publicamente, neste blogue. Portanto, se ele nos iluminar amanhã ... a mim o devem.

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dezembro 09, 2004

Santos do pé da Porta ...

Ou como o barato sai caro

O editorial de hoje da Capital, o émulo do New York Times na declaração pública de apoio a Kerry à presidência, traça um panegírico exaltante de Vasco Vieira de Almeida. E depois de tanto espanto e admiração por essa ínclita figura, esperar-se-ia, no fim da alocução daquele brilhante advogado e empresário no jantar de homenagem a Mário Soares, que Luís Osório acorresse para os braços do eminente causídico e, num exaltado amplexo, lhe murmurasse ao ouvido todo o arrebatamento político, económico, jurídico, oratório, social, culinário, etc., que lhe fizera brotar na sua alma de jornalista de causas presidenciais americanas.

Sussurrar-lhe-ia:«Vasco ... és um dos portugueses mais brilhantes, nunca ouvi ninguém que o fosse mais. Serias o Presidente da República ideal. Sobretudo, neste tempo em que o sistema é enxovalhado pela miserável mediocridade da maioria dos protagonistas políticos». Naquele enlevo de alma, ledo e fugaz, nem lhe acudiria à memória que a mais «miserável mediocridade» é a dos jornalistas do estilo dele.

Puro equívoco. Quando se esperaria esse intenso sobressalto cívico de Luís Osório, este deixou-se ficar tenazmente grudado à cadeira, a mão que segurava o copo, hirta e estática, os lábios arrepanhados numa cãibra rígida, cenho franzido e carrancudo. Liberto do efeito inebriante e anestesiante das palavras de VVA, o seu cérebro voltou à ronceirice contumaz e os pensamentos laboriosamente arquitectados traduziram-se no editorial de hoje. «A forma como Vasco Vieira de Almeida falou sobre o país, com um brilhantismo formal que poucas vezes vi, ao contrário do que se possa pensar, não me deu qualquer vontade de o conhecer pessoalmente. Aos meus olhos passou a ser alguém que tinha tudo para contribuir de outra forma por este país, mas que decidiu de uma forma egoísta enriquecer e viver para si e para os seus muito restritos

Vasco Vieira de Almeida, se se deu à pachorra de folhear aquele pasquim, por ter sido alertado para tal por algum amigo malevolente, deve estar a esta hora arrependido de ter comparecido naquela cerimónia pública. Ele, que havia fugido da política, poucos meses depois de ter entrado nela, exactamente para evitar as mediocridades e a devassa da vida privada por jornalistas pacóvios e mentecaptos, servir de pasto a um deles, apenas por ter acedido a comparecer a uma festa de aniversário, é uma sina malvada.

Pois é ... Vasco Vieira de Almeida é genial ... porque nunca foi desgastado pela vida política, porque nunca foi sujeito à devassa pública e privada feita por um jornalismo mesquinho, porque quando discursa, não tem milhares de jornalistas a folhear dicionários e a correr motores de busca na net, para inventariar todos os significados e anexações semânticas de todas as palavras, de forma a desconstruir o discurso segundo os eixos de orientação mais convenientes para zombar do orador e desdenhar dos conceitos. Quando Vasco Vieira de Almeida fala, tem por ouvintes apenas homens de negócio ou juristas, objectivos e que se interessam unicamente pelo exacto sentido das palavras e pelos resultados do seu discurso.

Não tenho dúvidas que Vasco Vieira de Almeida seja um homem brilhante. Mas tenho muitas dúvidas que seja um «egoísta» que decidiu «enriquecer e viver para si e para os seus muito restritos», utilizando as palavras do fariseu Osório. Enriqueceu porque é extremamente competente. Não foi egoísta, foi apenas sensato. E essa sensatez ficou provada pelos disparates do Osório.

Portugal está cheio de gente brilhante. António Borges é um deles. Ernâni Lopes, Medina Carreira e Silva Lopes são também gente brilhante, que têm em comum o terem estado sentados nos lugares governamentais apenas por pouco tempo e há muitos anos. Durante a campanha eleitoral de Durão Barroso perfilavam-se por detrás dele nomes brilhantes, sonantes e clarividentes. Tão clarividentes que, quando Durão Barroso quis constituir governo, desvaneceram-se por entre as brumas da memória, deixando-o na necessidade de se socorrer de gente medíocre como, por exemplo, Manuela Ferreira Leite, promovida entretanto a «ministra respeitada» pelo José António Lima e pela oposição em geral, não pelo que fez enquanto ministra, mas pelo que fez, depois de deixar de o ser.

Há muitos portugueses brilhantes, em Portugal e no estrangeiro. Mas são raros os que acedem a participar na vida política. Tudo impede essa participação: a suspeição permanente que a comunicação social e muitos políticos, medíocres e invejosos, lançam sobre os políticos em geral; o regime draconiano e estúpido das incompatibilidades, fruto da crise final do cavaquismo e da ânsia de auto-flagelação que os políticos de então estavam possuídos; os vencimentos que além de baixos, suscitam inveja; o desaparecimento do status social que estava ligado ao exercício de um cargo governativo; etc., etc..

E o mais anedótico é que todos nós, ou quase, reconhecemos isso. Mas continuamos sedentos de mexeriquices e cavilações políticas, irredutíveis sobre a necessidade da política ser um sacerdócio, inexoráveis sobre o desperdício que é pagar vencimentos aos políticos, e desdenhosos sobre o exercício de cargos públicos.

O barato sai caro e santos do pé da porta não fazem milagres. Quem inventou estes anexins populares devia estar a pensar na classe política portuguesa e na nossa relação com ela.

Publicado por Joana às 09:41 PM | Comentários (21) | TrackBack

novembro 23, 2004

O Estranho Caso da RTP

A audição de José Rodrigues dos Santos e Almerindo Marques, ontem, perante a subcomissão parlamentar de Direitos Fundamentais e Comunicação Social, deixou-me confusa.

Ao longo de toda a audição uma interrogação pairou em permanência: porquê este braço de ferro, quando anteriores desacordos sobre colocações se sanaram a contento? Porquê este braço de ferro numa altura em que saíam notícias no Expresso sobre uma alegada avaliação de Rodrigues dos Santos? Porquê este braço de ferro numa altura em que o governo era bombardeado diariamente com críticas sobre a sua relação com a comunicação social? Porquê este braço de ferro entre duas entidades que se elogiaram mutuamente e que garantiram, ambas, nunca ter havido interferência do CA na política informativa? Porquê este braço de ferro sobre uma questão aparentemente menor, embora Rodrigues dos Santos argumentasse que a decisão do CA significava que já não estava no uso pleno dos seus poderes, e que tal era grave? Porquê ter sido este o primeiro concurso em que o júri da parte editorial apresentou os resultados sob a forma de lista seriada?

Em primeiro lugar ambos os auditados gozam de boa reputação. Almerindo Marques é conhecido por ser um homem com uma “integridade à prova de bala”, que não privilegia o amigo e incapaz de despromover o inimigo. É extremamente trabalhador e exigente consigo próprio. Subiu a pulso na vida. Estava no Banco da Agricultura quando, em fins da década de 60, um novo administrador, para escolher um adjunto, convocou diversos quadros da empresa para reuniões onde expunha as suas ideias sobre o futuro do banco. Algumas pecavam, propositadamente, por falta de sensatez. Chegada a sua vez, Almerindo, que ainda não tinha 30 anos, ouve-o perplexo. No fim disse-lhe: "Com esses critérios não fico no banco." Esta resposta corajosa garantiu-lhe o lugar.

Sempre se pautou pela integridade, reconhecida por todos, numa vida profissional ligada à Banca até abandonar a CGD, nas vésperas de eleições de 2002, após denunciar várias operações financeiras pouco transparentes. Esteve sempre, pelo menos até 2002, ligado ao PS.

Sobre José Rodrigues dos Santos não tenho informações, mas sempre me pareceu um sujeito sensato, e a sua actuação como Director de Informação da RTP parece-me que tem sido excelente. Aliás, a RTP ganhou muita credibilidade com a actual equipa, que está lá desde meados de 2002.

Por isso mesmo este caso permanece muito misterioso. Como é possível que por causa do provimento de um lugar de correspondente em Madrid, se tenha chegado a este braço de ferro? A única discrepância, com substância, entre os dois depoimentos refere-se à forma como decorriam os concursos. Concursos que aliás só começaram a haver com esta equipa.

Rodrigues dos Santos deu a entender que sempre houvera uma seriação dos candidatos e que o CA sempre concordara com as propostas da Direcção de Informação. Ou quase sempre. Houve casos que, por razões de representação institucional, o candidato escolhido não teria sido o primeiro.

A CA tem uma tese completamente diferente. Houve 14 preenchimento de vagas para correspondentes, mas só alguns lugares haviam sido providos através dos resultados dos concursos, por diversas razões, mas sempre por acordo entre o CA e a Direcção de Informação. Não havia um regulamento escrito do processo de concurso, que o CA havia pedido há algum tempo à Direcção de Informação, mas cuja minuta esta só lhe entregara para apreciação em Outubro passado.

Por outro lado sempre havia sido o entendimento do CA, entendimento que fora comunicado à Direcção de Informação, que os resultados dos concursos seriam sempre fornecidos em termos de apto e não apto para o lugar. O CA não julgava conveniente, para o ambiente dentro da empresa, porquanto se tratava de um concurso interno, que os resultados das apreciações do júri conduzissem a uma seriação dos candidatos. Em face dos candidatos que a Direcção de Informação considerasse aptos, o CA complementaria a escolha tendo em conta a gestão dos recursos humanos e as características do lugar em termos da representação da empresa e das tarefas administrativas e financeiras. O CA insistiu muito neste ponto. Ainda segundo o CA, o concurso para Madrid foi o primeiro em que a Direcção de Informação apresentara a lista dos resultados do concurso sob a forma de uma classificação ordenada.

Segundo foi dito por Rodrigues dos Santos, em face de não ser possível escolher o 1º classificado (por razões que não expuseram, mas sobre as quais estavam ambos de acordo), ele propôs o segundo. Entretanto o CA havia escolhido a nº 4, pelas razões aduzidas no parágrafo anterior.

Rodrigues dos Santos não abdicou da sua escolha, pois achava que ela dizia unicamente respeito à Direcção de Informação. O CA fazer escolha diversa era invadir a sua esfera de competências. Segundo ele afirmou, no caso do cargo de correspondente da RTP em Madrid, a esfera da administração era apenas a decisão sobre se aquele cargo podia existir ou não, tendo em conta as disponibilidades financeiras. O resto era da exclusiva competência da Direcção de Informação.

Para o CA a esfera de competências da Direcção de Informação acabava com a indicação dos jornalistas que considerava aptos a exercerem o cargo. A partir daí entrava-se na esfera de competência do CA. E o CA não abdicava da sua competência em gerir a empresa.

Portanto ambos concordaram que havia sido um conflito interno de competências. Quando foram inquiridos sobre as notícias que o Expresso publicou sobre uma alegada avaliação que estaria a ser feita a Rodrigues dos Santos, nenhum lhes deu importância para os factos em apreço. Ambos negaram ter havido, directa ou indirectamente, pressões políticas.

Resta acrescentar que o Conselho de Redacção da RTP não partilhou, no seu comunicado, do ponto de vista de Rodrigues dos Santos.

Os próprios deputados da oposição, embora o tivessem tentado, não viram como haviam de dar volta à questão. Almerindo Marques propôs-se explicar as razões porque entendia que não deveria haver seriação. Mas como essa explicação, pelo melindre de envolver referência a nomes de jornalistas da RTP, deveria ser feita à porta fechada, perguntou-se aos deputados se alguém requeria à mesa o prosseguimento da audição à porta fechada. Ninguém requereu.

A oposição tentou construir um cenário em que a escolha do CA seria uma tentativa para colocar Rodrigues dos Santos numa posição tal que seria forçado a pedir a demissão. Todavia este cenário não teve sustentabilidade. Em primeiro lugar a carreira de Almerindo Marques é incompatível com este tipo de jogos. Em segundo lugar, as razões aduzidas pelo CA para que o júri decidisse apenas sobre a aptidão dos jornalistas para exercerem a função parecem sólidas e consistentes. Quando Rodrigues dos Santos afirmou que "Se não consigo escolher as pessoas que acho adequadas para determinada função não posso ter responsabilidades sobre esses conteúdos", está a omitir que se considerou a nº 4 como apta, assume implicitamente que «pode ter responsabilidades sobre os seus conteúdos». Se não pudesse, tinha-a considerado não apta.

Aliás este cenário foi-se esvaziando no decorrer das audições. A alocução final de Alberto Martins do PS é a constatação da impotência para se chegar a uma base mínima que sustentasse aquele cenário. «Ambas as versões são consistentes e sólidas, embora contraditórias na questão de Madrid» reconheceu.

Por parte da coligação, Narana Coissoró tentou fazer passar a ideia que este braço de ferro por questão menor estaria integrado numa estratégia destinada a prejudicar a imagem do governo. De facto quem tomou as iniciativas quanto à ruptura foi sempre Rodrigues dos Santos: forneceu, pela primeira vez, uma lista seriada; considerou, pela 1ª vez, que as razões editoriais seriam as únicas que deveriam ser tomadas em conta; apresentou a demissão porque a sua opinião não prevaleceu; insistiu no seu pedido de demissão depois de lhe pedirem para reconsiderar.

Todavia este cenário parece-me demasiado «maquiavélico». Porque entraria Rodrigues dos Santos em choque com o CA? Que ganharia com isso? Pelos vistos foi um confronto pessoal, embora parte da Direcção de Informação se tivesse depois demitido por razões de solidariedade. Todavia o Conselho de Redacção da RTP não validou aquelas posições dos colegas e alinhou pelas teses da administração.

Na vida de uma empresa surgem frequentemente atritos que, por vezes, se vão avolumando com o tempo e levam a uma confrontação por razões menores. Rodrigues dos Santos pareceu-me um sujeito com uma forte auto-estima e muito cioso das suas opiniões. Sabe-se, pelos casos que se contam da sua vida, que Almerindo Marques é “à prova de bala”. São pois duas personalidades muito fortes. Terá sido isso? Mas porquê exactamente agora, com o governo sob o fogo da comunicação social? Será que Rodrigues dos Santos quis bater com a porta na altura em que esse bater fosse mais fragoroso por razões externas? A exemplo do que aconteceu com MRS?

Julgo que, quer no caso de Rodrigues dos Santos, como no anterior caso de Marcelo Rebelo de Sousa, só saberemos a verdade (se alguma vez a chegarmos a saber), pelos percursos futuros destes personagens. Até lá, estamos presos na caverna de Platão: só vemos as imagens reflectidas e filtradas.

Publicado por Joana às 03:01 PM | Comentários (16) | TrackBack

novembro 19, 2004

Regulador desregulado

O relatório da AACS é a prova de que em Portugal não é possível haver isenção e objectividade na comunicação social e nas entidades que emanam dela. A futura entidade reguladora que venha a substituir a AACS, extinta pela última revisão constitucional, por acordo do PSD, PP e PS (mas que funciona interinamente entretanto), deveria ser constituída maioritariamente por magistrados e personalidades capazes de fazer prevalecer a razão sobre a paixão. Jornalistas, ou gente oriunda da comunicação social, não deveria fazer parte desse órgão, ou ter uma representação muito diminuta e por via institucional (representantes do SJ, do patronato da CS, etc.). Ninguém é bom juiz em causa própria e, pior que isso, os jornalistas não se têm revelado como modelos de isenção.

A AACS entendeu que as declarações do ministro Rui Gomes da Silva configuravam "uma tentativa de pressão ilegítima" sobre o grupo Media Capital contrária à independência dos media "constitucional e legalmente consagrada. O relatório não refere, no entanto, qualquer relação causal entre as declarações de Rui Gomes da Silva e a saída do ex-presidente do PSD da TVI, tendo mesmo Artur Portela adiantado que esta não ficou provada com os depoimentos das três partes envolvidas prestados na AACS.

Ora se não ficou provada qualquer relação causal entre as declarações de Rui Gomes da Silva e a saída do ex-presidente do PSD da TVI, como é possível deduzir no relatório que houve uma tentativa de pressão ilegítima. Mas o que é uma tentativa de pressão? Houve pressão ou não? Por tudo isto é natural que o Presidente da AACS, um juiz conselheiro que já foi vice-presidente do STJ, tenha votado vencido contra esta «contradição nos termos».

Durante a audição de Marcelo Rebelo de Sousa, a postura subserviente da AACS, principalmente a do seu pivot Artur Portela Filho, foi aviltante. A AACS não estava ali para ajuizar das razões do professor, mas para o abraçar, comovida e pesarosa, e derramar abundantes lágrimas de compreensão, apoio e carinho no seu ombro amigo. Foi exactamente isso o que fez.

O ministro Gomes da Silva reagiu inabilmente a algo que não concordava. Fez mais ou menos (talvez um pouco mais) o que o Presidente Sampaio havia feito anos antes, relativamente ao mesmo comentador, e não me consta que o PR tenha sido acusado de "uma tentativa de pressão ilegítima", o que aliás seria igualmente absurdo. O ministro em causa tem-se notabilizado pela sua incontinência verbal. Mas o julgamento sobre essa característica inquietante do ministro faz parte da esfera da acção do 1º Ministro: ajuizar da adequação do ministro em causa ao cargo que ocupa e agir em conformidade, destituindo-o ou não, quando julgar oportuno.

Mas, na verdade, entre o ministro Gomes da Silva e a AACS não há diferença. O primeiro fala em cabala não intencional. A segunda em tentativa de pressão sem nexo de causalidade. Estão bem um para o outro.

Outra pérola: A AACS censurou expressamente o presidente da Media Capital, Paes do Amaral, considerando que a conversa que este teve com Marcelo Rebelo Sousa pode de facto "ser interpretável como condicionamento da colaboração do comentador". Considerou, por outro lado, que o presidente da Media Capital "infringiu a liberdade editorial legalmente protegida" ao conversar com Marcelo "sem a presença, a intervenção atempada ou sequer o conhecimento prévio" do director de informação da TVI, Eduardo Moniz.

O que significa "pode ser interpretável como condicionamento”? Não significa nada com substância. Pode ser ... mas também pode não ser ... Como é possível, depois desta suposição de uma outra suposição, extrair qualquer conclusão?

Ora Miguel Paes do Amaral e Marcelo Rebelo Sousa são cunhados e amigos há décadas (ou eram). Tiveram uma conversa num bar, num dia feriado. Foi uma conversa entre pessoas que eram amigas e, segundo parece, trocaram impressões, entre outras coisas, sobre o formato e conteúdo dos comentários de MRS. Mesmo que tivesse havido pressões (e resta saber como graduar uma troca de palavras – sugestão, conselho, pressão ou ultimato), nenhum tribunal as consideraria como provadas. Quanto à ausência do director de informação, ela nunca poderia ser considerada relevante, dada a relação entre MPA e MRS e o local e o dia em que o encontro ocorreu. Não pretendo com isto afirmar que houve ou não pressões. Eu não estava lá e só sei as versões que cada um tornou públicas. Há todavia um conceito, designado por benefício da dúvida, que é uma das bases do nosso direito. Mas para a AACS há benefício da dúvida apenas para uma das partes, pois para a outra há o prejuízo da dúvida.

Portanto aquela conclusão da AACS não tem fundamentação adequada. É apenas uma suposição. Ora um órgão com as responsabilidades da AACS não pode basear as suas conclusões em suposições. Por isso, a AACS sentiu-se na obrigação de não impor coimas a Paes do Amaral, alegando razões de "prudência e razoabilidade". A AACS agiu apenas como instância política e não como entidade reguladora. A aplicação de coimas cabe às entidades reguladoras, instâncias políticas fazem apenas comunicados.

Publicado por Joana às 12:00 AM | Comentários (36) | TrackBack

novembro 16, 2004

ANÚNCIO

Publicista em busca de afirmação procura

Empresa de Comunicação Social, de preferência estatal ou pública.

Assunto:
Indigitação, ou preferencialmente contratação, para cargo de Directora de Informação.

Oferece-se:
Desvinculação rápida, pública e ambígua.
Sigilo total, condimentado com subentendidos
Audição garantida pela AACS

Garante-se:
Excelente promoção comercial para a entidade pseudo-empregadora;
Aumento do PIB induzido pela expansão das receitas publicitárias resultantes dos acréscimos de audiências dos órgãos de comunicação social;
Manutenção dos postos de trabalho da AACS;
Aumento geral do nível de emprego induzido pelo aumento do rendimento disponível;
Oportunidade única de salvar as finanças públicas do próximo colapso;

Respostas:
Devem ser dirigidas a Semiramis (http://semiramis.weblog.com.pt) e indicar o nome da entidade interessada, as condições contratuais e comerciais e o prazo de pagamento.
No caso de se tratar de um consórcio, indicar a designação social dos consorciados – entidade contratadora, ministério das Finanças, órgãos de comunicação social associados, AACS, etc.
Em qualquer dos casos deverá ser enviada documentação sobre a situação financeira dos concorrentes, incluindo os rácios previstos na lei, nomeadamente o rácio de Solvabilidade.

Publicado por Joana às 08:59 PM | Comentários (8) | TrackBack

novembro 15, 2004

O Eixo dos Nulos

É angustiante. É mesmo deprimente. Não será possível encontrar um painel de portugueses, minimamente cultos, que saibam dos assuntos sobre que falam, que tenham um humor acutilante, que não temam chamar as coisas pelos nomes, que sejam satíricos sem recorrer à maledicência ignóbil, que sejam provocadores sem resvalarem para o insulto, que sejam picantes sem caírem nos ditos soezes e que não se sintam ofendidos ou menosprezados uns pelos outros?

Julgo que não é fácil. A SIC tentou há uma década e falhou. Foi a Noite da Má Língua. O programa até começou bem, mas ao fim de um ou dois meses entrou numa fase de declínio e acabou num cabotinismo total. Os primeiros painéis eram formados por gente interessante, capaz de comentários mordazes, mas lúcidos. Depois foram-se despedindo, um após outro, provavelmente por acharem que o nível do programa estava a uma cota inferior à cota que a si próprios se atribuíam e àquela que estavam convictos que o público esperaria deles. Outros, ofendidos por minudências. Todos eles substituídos por gente cada vez menos capaz, degradando o nível do programa até ao limiar do insuportável.

Agora apareceu uma tentativa de remake, designada pretensiosamente pelo Eixo do Mal, que de mal apenas tem a qualidade da intervenção dos protagonistas. Foram todos uns meninos bem comportados, absolutamente banais e totalmente previsíveis.

Sempre considerei a Clara Ferreira Alves como uma articulista especializada em textos simples, banais e lineares. Quando foi convidada para Directora do DN, pensei: porque não? O Luís Delgado escreve textos ainda mais simples e lineares e tem subido na vida. Mas depois de duas actuações da Clara Ferreira Alves no Eixo do Mal, pergunto-me: Como é possível tê-la convidado para directora de um dos mais importantes jornais do país? É certo que, desta vez, foram mais lestos. Não agiram como no caso do director anterior, que só ao fim de alguns meses foi demitido por alegada incompetência. Neste caso foi demitida a priori, antes que fosse tarde demais!

Mas a Clara Ferreira Alves ainda tem traquejo de aparições televisivas – o seu incomensurável ego é-lhe de grande ajuda. Portanto consegue disfarçar as suas insuficiências. Os outros nem isso. Como é possível integrar um assessor de imprensa (e julgo que do grupo parlamentar) de um partido político num painel de comentaristas, de que se esperaria uma sátira acutilante e sem peias, sobre a vida política e social portuguesa? É certo que é assessor de um partido que se especializou em dizer mal de tudo e de todos – é o partido da má língua. Mas por muito folclórico e desbocado que seja o BE e que se julgue como um não partido, ou seja, como a encarnação do sentir dos portugueses (ou do que esses néscios deveriam sentir se não fossem ignaros), o ser-se dirigente partidário retira sempre margem de manobra ao próprio e credibilidade perante quem o escuta. Depois, o Daniel Oliveira está sempre a achar coisas – é um achista nato. O lugar dele deveria ser antes no “Acho do Mal”.

Os outros foram apenas desinteressantes, sem chama, sem opiniões que “aleijem”. Como os dois programas não passaram de um desfilar de banalidades, não havia nada para moderar. Assim sendo e dado o bom comportamento moral e civil dos colunistas (profissão que todos indicaram), o moderador remeteu-se a um mutismo quase completo. Quando era obrigado a dizer coisas, introduzir as rubricas seguintes, etc., titubeava com ar de quem estava a pedir desculpas urbi et orbi, ao painel e ao mundo.

E havia ali gente capaz de dizer coisas inconvenientes e desastradas. Por exemplo, o assessor do BE escreveu, há perto de um ano, no seu blogue (Barnabé): «A minha filha chegou-me a casa a saber o hino nacional de uma ponta à outra, sem falhas. Aprendeu na escola. Uma vergonha para mim e um orgulho para Paulo Portas. Tentei ensinar-lhe outras coisas, mais interessantes. Desisti. A música pimba sempre entrou mais facilmente no ouvido». Provavelmente foram os outros que lho imploraram, para não ficarem na contingência delicada de terem que defender Paulo Portas, o que é o cúmulo do politicamente incorrecto.

Todos eles tiveram uma característica – revelaram sempre a mais profunda e confrangedora ignorância técnica sobre os assuntos que debatiam, isto se exceptuarmos algumas matérias de índole cultural, onde a base técnica é despicienda, e por isso qualquer português, com aspirações a intelectual, está convicto de ter aí conhecimentos sólidos e firmes.

Os portugueses têm um defeito. Receiam imenso o julgamento que os outros fazem deles e melindram-se facilmente com esses julgamentos. Têm uma absoluta falta de fair-play. Esse receio torna-os cinzentos, com opiniões demasiado previsíveis, embora dentro dos estereótipos político-partidários a que cada um aderiu. Em vez do humor acutilante ou da sátira ferina, apenas a maledicência contra os outros partidos políticos ou opiniões contrárias.

O português, quer o emissor, quer o receptor, tem dificuldade em distinguir onde acaba a sátira e começa a maledicência pura. Quem opina, resvala facilmente da primeira para a segunda, sem se dar conta de tal. Aquele sobre quem se opina, entende sempre a sátira (ou a maledicência) como óbvia maledicência.

Estas características tornam muito problemático haver programas satíricos com nível, sobre a política, a sociedade e o espectáculo, em Portugal. Por exemplo, em Portugal não é possível haver um Jay Leno. Temos que nos contentar com um Herman José cada vez mais pimba e ordinário.

E seria possível em Portugal um programa como o Daily Show do Jon Stewart? Obviamente não. É um programa muito bem feito, uma sátira acutilante à política e à sociedade americanas. Jon Stewart nunca escondeu o ser um tenaz anti-Bush, mas as suas provocações, às vezes muito contundentes, são sempre bem construídas e o talento mascara e dilui a acutilância. Ele constrói cenas satíricas, que seriam consideradas excessivas entre nós, num registo que as torna aceitáveis, pois que as desdramatiza com um talento enorme. E os momentos mais altos do programa, nos meses que precederam as eleições, foram justamente as entrevistas a alguns líderes republicanos. Era difícil ajuizar o que era mais notável: se a argúcia satírica de Stewart a entrevistar, se o fair-play e a habilidade para inverter a situação evidenciados pelos entrevistados. Entrevistados que, quando ali iam, sabiam que tinham que enfrentar um interlocutor acutilante e provocador e um público desfavorável. Entrevistas em que cada um soube lidar com o humor e a sátira com total fair-play.

Por essa época, Jon Stewart foi ao talk-show de Jay Leno. Falaram sobre a campanha e Jay Leno disse a certa altura que lhe parecia estar-se a falar demasiado na guerra do Vietname. Jon Stewart respondeu mais ou menos isto: Sim, Kerry está fortemente empenhado nisso. Estou convicto que se ele ganhar as eleições, vai conseguir um acordo de paz no Vietname e fazer regressar os nossos rapazes de lá.

Manusear o humor, sem excessos que o aviltem e sem banalidades que o castrem, é o que há de mais difícil. É preciso muito espírito de humor, uma cultura sólida e uma educação extrema.

Publicado por Joana às 11:38 PM | Comentários (17) | TrackBack

outubro 29, 2004

O Pivot Portela

Há um equívoco monumental que percorre toda a comunicação social (e associal), toda a classe política (e impolítica), ... enfim ... todas as forças “vivas” do país. E esse equívoco é a de que houve uma audição a Marcelo Rebelo de Sousa em sede da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Ora só quem não visionou aquelas duas sublimes horas é que poderá laborar nesse lamentável lapso.

O que aconteceu, na realidade e segundo as imagens demonstram, foi um espaço de comentário televisivo onde o analista Marcelo Rebelo de Sousa e o pivot Portela filho, assessorado por pressurosos e solícitos sub-pivôs, encenaram um programa que ficará certamente na memória. Infelizmente, o horário de expediente da Alta Autoridade para a Comunicação Social impediu que esse inolvidável momento televisivo fosse para o ar em horário nobre. Assim, o público só teve ocasião de apreciar excertos dos comentários de Marcelo Rebelo de Sousa. A brilhante actuação e o extraordinário brio profissional evidenciados pelo pivot Portela filho perderam-se deploravelmente pelo lastimável desencontro de horários.

E foi tanto o que o público ansioso perdeu! Sempre que Marcelo Rebelo de Sousa suspendia a sua exposição, certamente para tomar um merecido fôlego, Portela filho acorria diligente, «há reflexões sobre a comunicação social que gostaria que V.Exa partilhasse connosco» ... e Marcelo Rebelo de Sousa a partilhar ... «ocorreu-me agora o assunto X, certamente que V.Exa terá uma douta opinião sobre esta matéria» ... e Marcelo Rebelo de Sousa opinava doutamente. À direita de Marcelo Rebelo de Sousa, o Zé Garibaldi, nos intervalos em que deixava de cofiar o bigode, segredava ao Professor ... obviamente mais uma deixa para alimentar o espectáculo. Se não fosse o adiantado da hora e a senectude dos presentes, certamente chegar-se-ia ao momento em que Portela filho diria «encontrei imensa dificuldade no trânsito para chegar aqui. Seria exigir muito a V.Exa que partilhasse connosco as suas obviamente portentosas reflexões sobre o caos do trânsito citadino e os efeitos nele das obras do “Marquês”?» ... e Marcelo Rebelo de Sousa partilharia certamente ...

Foi perfeito!

Prevê-se a próxima extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social (apesar de Guilherme Silva ter conferido um inesperado valor àquele órgão); prevê-se uma próxima retoma da coluna de Marcelo Rebelo de Sousa. Depois do programa de anteontem, nenhum editor de TV tem qualquer outra alternativa: a próxima coluna televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa terá obrigatoriamente como pivot Portela filho e alguns sub-pivôs indispensáveis, no mínimo, o bigode do Zé Garibaldi a ser cofiado por alguém, eventualmente pelo próprio.

Antes de ontem à noite ter visionado, na íntegra, este inesquecível momento televisivo, eu fazia uma ideia completamente diferente, e afinal abstrusa, do que era a AACS e quais os objectivos desta entidade quando efectuava aquilo que eu julgava, ingenuamente, serem audições.

Afinal a Alta Autoridade para a Comunicação Social não passa de um pivot colectivo para uma elite política fazer o seu show televisivo. Miguel Sousa Tavares, que quase chegou ao confronto físico com a Manuela Moura Guedes, deve estar roído de inveja. O sex-symbol da Lapa vai com certeza exigir a José Eduardo Moniz, agora que este está de tal forma fragilizado que o seu pivot de ontem se viu na emergência de lhe aplicar uma terapia enérgica e desesperada para lhe restaurar o ego, fazendo-lhe um panegírico sempre que se esperava que lhe fizesse uma pergunta, que o Moniz contrate Portela filho, em vez da megera, como pivot das terças-feiras.

Senão vai pedir para ser ouvido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, com carácter de urgência!

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outubro 28, 2004

A Vingança do Perdedor Eterno

Marcelo (por parte do pai) Rebelo de Sousa (por parte do padrinho) [ou vice-versa] andou meses a protagonizar Panurgo. Semana aqui, semana ali, lá ia mais um carneiro pela borda fora, sempre à espera que o rebanho o seguisse. Mas nada. Era exasperante. Nem alguns carneiros tresmalhados se interessavam pelas profundezas do oceano. Mas Panurgo-Marcelo é alguém cheio de expedientes. Expedientes que, para sua desdita, nunca evitaram que ele fosse um perdedor nato, mas apenas serviram para lançar lama sobre os outros. Dirigiu-se ao porão, pegou numa picareta deixada pela imprevidência de alguém, e zás! Golpeou o casco com uma violência potenciada pelos ódios acumulados e recalcados e com o engenho que sempre o celebrizou e que ele tem utilizado, com toda a dedicação, numa nobre e devotada causa – a sua.

Se o rebanho não ia ao fundo, então afundaria barco, tripulação, passageiros, todos! Todos ... menos ele. Fluctuat nec mergitur. Marcelo sempre se especializou em flutuar nos mares mais temerosos. Havia-se mesmo treinado, durante décadas, a flutuar em mares de vagas alterosas, fustigadas por ventos que ele próprio soprara. E sempre haveria barcos no horizonte que, embora em tempos queixosos dos expedientes de Panurgo-Marcelo, nesta hora não deixariam de o recolher, nem que fosse como recompensa de ter feito soçobrar o próprio barco.

Os perdedores natos, com manha suficiente para causarem danos e obterem fugazes instantes de glória, mas sem estatura política para obterem as vitórias que engrandecem, são perigosos. Quando não há estatura e sobeja a manha extremada pela ciumeira, as consequências podem ser catastróficas.

Mas deixemos a história trágico-marítima (ou cómico-terrícola). A primeira questão que coloco é se alguém acredita que Marcelo Rebelo de Sousa é pressionável ou influenciável. O próprio MRS afirmou que continuaria com o Jornal Nacional à sua disposição, e o Jornal Nacional, não se esqueça, é produzido em directo. Apenas, segundo as suas próprias afirmações, lhe teria sido pedido que fosse repensando o formato dos seus comentários.

É incompreensível que Marcelo Rebelo de Sousa abandonasse a TVI imediatamente, mantendo-se silencioso porque havia um “pacto de silêncio”, para, após semanas de especulações, fazer uma exposição repleta dos pormenores mais minuciosos e incriminativos, alegando que essa violação do “pacto” se devia a que Paes do Amaral já teria violado o pacto e atingido a sua honra, o que era falso, conforme descrevi no post anterior.

Simultaneamente houve o folhetim relativo à direcção do DN. Fernando Lima, que havia sido nomeado para o cargo, sob um coro de protestos da oposição, por ser um comissário do governo, demite-se, igualmente sob um coro de protestos da oposição(!!); fala-se na nomeação de Clara Ferreira Alves que, ao se aperceber que já circulava na comunicação social que iria ser a nova comissária política, recusa convite alegando “falta de condições”, enquanto o CR do DN considerava que «Clara Ferreira Alves não seria uma boa solução, tanto mais que desertara assim que surgiram as primeiras notícias a seu respeito». Agora foi nomeado um director interino, à espera de se sair deste imbróglio.

Não me parece por acaso estas duas ocorrência simultâneas. Vejamos o percurso de Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos dois anos.

Marcelo Rebelo de Sousa fazia parte da facção do PSD que era contra a coligação. Todavia acabou por aceitá-la como um mal menor. Mas ao longo dos seus comentários dominicais manteve sempre uma postura muito crítica relativamente ao parceiro da coligação e ao seu líder.

A subida ao poder de Santana Lopes foi o detonador. Marcelo Rebelo de Sousa e outros membros do PSD, que haviam aceite a coligação a contra-gosto, uniram-se na crítica sistemática ao novo executivo. A coluna dominical de Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser a principal referência crítica ao governo de Santana Lopes. Havia, é certo, críticas formalmente mais ferozes (a bocarra da Manuela Moura Guedes, por exemplo, e o terrorismo verbal de MST, também na TVI), todavia as de Marcelo Rebelo de Sousa eram mais eficazes, por serem mais bem estruturadas e por se basearem, normalmente, em factos em que a actuação do governo era discutível, ou mesmo claramente errada.

Todavia, o excesso de crítica demolidora acaba por banalizar a crítica. Essa banalização da crítica acompanhou um processo que já se arrastava há muitos meses: o espaço de comentários de MRS alongava-se excessivamente, penosamente mesmo, o que em televisão é mortífero, por muito bom comunicador que ele fosse. A homilia dominical estava a perder impacte. Por exemplo, o último comentário dominical acabou apressadamente para dar lugar à “Quinta das Celebridades”, apodada então por Marcelo, sarcasticamente, como “Quinta das Tias”. Julgo que foi a última frase que ele proferiu no seu último comentário

Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou assim as declarações ineptas de RGS, a conversa que teve com Paes do Amaral e as observações que ele lhe terá então feito, para transformar tudo numa cocktail mortífero que iria arremessar sobre o executivo de PSL e relançar o seu mediatismo. Passou displicentemente por cima do facto de se tratar de uma conversa entre amigos de há mais de 20 anos, cunhados, conversas onde não costuma haver formalismos e onde se discorre com o à vontade próprio de quem deposita confiança entre si. A questão é que Marcelo Rebelo de Sousa só tem respeito por uma pessoa: ele próprio; só tem uma ética: o seu interesse pessoal; só cumpre as promessas que faz a uma pessoa: a ele mesmo.

Portanto o que estamos a assistir é a golpes e contra-golpes palacianos dentro do PSD: os santanistas contra os anti-santanistas e vice-versa. É a luta entre a velha guarda do partido e os jovens ambiciosos que se perfilam atrás de PSL. O folhetim Marcelo, o folhetim DN, as controvérsias sobre o próximo congresso, etc., não passam de episódios "sangrentos" dessa luta.

É óbvio que não há censura. A forma como este assunto tem sido debatido, é prova disso. Quanto aos perigos com que nos acenam, eles resultam da presunção cândida de que o indústria da comunicação social é diferente das outras indústrias. Alguns ingénuos julgam que este negócio está imune ao funcionamento da economia e do mercado. Esses ingénuos julgam que os jornalistas em auto-gestão (que muitos confundem com isenção, cidadania e liberdade de expressão) deveriam prevalecer sobre os indicadores de rendibilidade. E depois, quem lhes paga os salários? Quando levarem o seu órgão comunicativo à falência, onde vão exercer a sua alegada liberdade de expressão?

Por isso nunca existiu, quer em Portugal, quer provavelmente com mais incidência, no restante mundo ocidental, jornais e canais de televisão que permaneçam independentes do poder financeiro dos grandes grupos económicos. E certamente todos já cederam às influências editoriais dos patrões. Portanto, a comunicação social vive num precário equilíbrio entre a “isenção e liberdade de expressão” e as influências que contra elas se movem: interesses económicos, interesses partidários ou os interesses dos próprios jornalistas que dificilmente podem ser caracterizados como exemplos de “isenção, cidadania e liberdade de expressão”.

E é esse equilíbrio que assegura a isenção e liberdade de expressão. Certamente estas seriam letra morta se os jornalistas fossem deixados à solta, se os interesses económicos não encontrassem obstáculos e se os interesses partidários não se neutralizassem mutuamente. É do equilíbrio entre os interesses destes três candidatos à censura que resulta a liberdade de expressão.

O resto são fait-divers ... são jogos de poder. Marcelo é apenas um dos protagonistas destes jogos. Apenas o mais manhoso. Um protagonista que pôs a oposição a correr atrás do osso que lhe mostrou e que vai agitando porque isso lhe serve os seus actuais interesses.

Publicado por Joana às 11:39 PM | Comentários (19) | TrackBack

outubro 27, 2004

Amigos, amigos ... Negócios à parte

Ou, com amigos destes ... o melhor é ter só inimigos

Marcelo Rebelo de Sousa e Paes do Amaral são amigos (ou melhor ... eram); são familiares (ou melhor ... vamos a ver) e tiveram uma conversa de amigos, no bar de um hotel, num dia feriado. Coisas inocentes que amigos normalmente fazem ... ou melhor, coisas que amigos inocentes normalmente fazem, porque estes nem são, afinal, amigos ... e muito menos inocentes.

Estes amigos têm uma característica comum. São pessoas conhecidas e permanentemente sujeitas ao escrutínio público. Por isso não será de admirar que um deles (Paes do Amaral) tenha pedido ao outro (Rebelo de Sousa) que considerasse aquela conversa de “amigos” como "privada", que a tratasse "com reserva" e que não divulgasse o seu teor, o que MRS prometeu fazer.

Esta conversa foi o início de uma série de ocorrências que têm feito as delícias da comunicação social: Marcelo Rebelo de Sousa abandonou a sua homilia dominical na TVI; Gomes da Silva que, entre o agendamento da reunião “amigável” e a sua realização, cometeu a imprudência de dizer o que pensava das homilias de MRS, (obviamente um crime político, pois um político nunca deve dizer o que pensa), o que lhe valeu o ter-se tornado o mau da fita e servir de punching-ball; o PR recebe MRS em audiência solene; a AACS ressuscita plena de afã e de adrenalina; audições na AACS e na AR sucedem-se ... e entre cada ocorrência, o inefável ministro Gomes da Silva em permanente incontinência verbal.

A questão central desta soap opera seria a eventual existência de pressões governamentais que teriam obrigado Miguel Paes do Amaral a pressionar por sua vez Marcelo Rebelo de Sousa no sentido deste mitigar, nos comentários na TVI, a sua «opinião sistematicamente antigovernamental».

Na sua audição na AR, Paes do Amaral disse que apenas se tratou de «uma conversa de amigos» para Marcelo o aconselhar como «jurista» sobre «temas estratégicos para a Media capital». Afirmou que a conversa constituía informação privilegiada, e que portanto não poderia divulgar o seu conteúdo. Sobre as críticas do ministro a Marcelo, o presidente da TVI disse que não as considerou «suficientemente importantes para as encarar como uma forma de pressão». À questão sobre se teria pedido um crédito à Caixa Geral de Depósitos de que necessitava até 31 de Outubro para fazer face a uma situação decorrente de uma tomada de posição hostil da RTL, Paes do Amaral negou a existência do pedido de crédito e rejeitou qualquer cedência ao poder político por razões económicas ou financeiras. Em suma, Paes do Amaral negou peremptoriamente ter sofrido quaisquer pressões, directas ou indirectas, por parte do Governo e assegurou que a Media Capital «nunca beneficiou de nenhum favorecimento político».

Marcelo Rebelo de Sousa quis que a sua audição perante a AACS tivesse toda audiência possível, o que não é de estranhar, sabendo-se o seu empenho comunicativo. Depois, como providência cautelar para justificar o ir violar a privacidade que lhe tinha sido pedida sobre a conversa em questão, alegou, com a candura que todos lhe reconhecemos, que nunca esperou que Miguel Paes do Amaral tivesse revelado a conversa entre ambos e que precipitou a sua saída da TVI. A partir dessa razão sólida, MRS falou durante duas horas sobre Paes do Amaral, a TVI, o Governo, o ministro Gomes da Silva, o 1º Ministro, a comunicação social, etc., etc..

Mas Paes do Amaral nada havia dito sobre o conteúdo da conversa, referindo apenas que não tinha a ver com os seus comentários dominicais, mas com um pedido de conselhos sobre temas estratégicos para a Media Capital, de curto e médio prazo, que não podia revelar por se tratar de “informação privilegiada", como uma "conversa de amigos". Ora isto não é “revelar uma conversa”. Mesmo a frase de que se perceberiam melhor as razões da conversa daqui a 6 ou 9 meses, Paes do Amaral sublinhou, na AR, que se estava a referir a opções estratégicas do Grupo Media Capital.

Portanto Marcelo Rebelo de Sousa deu, como razão da sua loquacidade desta tarde, uma mentira, ou melhor, como diria Paes do Amaral esta noite, uma “imprecisão”.

Marcelo Rebelo de Sousa falou muito. Desenvolveu abundantemente alegados conceitos televisivos que Paes de Amaral lhe teria revelado, antes de lhe pedir que modificasse o formato da sua coluna. Isto não é uma conversa entre amigos de há mais de vinte anos e familiares. Durante esse longo período, MRS e MPA deveriam ter ficado a saber, pormenorizadamente, o que cada um pensa da actividade dos meios áudio-visuais em Portugal e das suas relações com o poder e com os grupos económicos. Parece-me plausível que Paes do Amaral tivesse pedido a MRS para modificar o formato da coluna, mas não faz sentido ele ter feito todo aquele preâmbulo descrito por MRS. Nomeadamente sobre o papel do Estado na manutenção da concessão do serviço televisivo e dos perigos daí advenientes, o que seria completamente insensato. Parece-me ainda menos sustentável que a teoria da cabala de Gomes da Silva.

Marcelo Rebelo de Sousa deu a entender que de facto houve uma conversa sobre «temas estratégicos para a Media capital», como Paes de Amaral dissera anteriormente, mas pormenorizou que esses temas tinham a ver com modificações da política editorial e de programação que iriam abranger toda a TVI e que o próprio formato dos seus comentários deveria sofrer algumas modificações. Aliás, Paes de Amaral também referira que o consultara igualmente na qualidade de «jurista».

Portanto, o que temos aqui é uma situação em que um PDG de uma empresa tem uma conversa “de amigos” com um consultor externo, onde lhe comunica as suas intenções de modificar a orgânica empresarial, modificações que também incluíam algumas alterações na forma e conteúdo da sua prestação. Como são amigos de longa data consultou-o sobre a generalidade dos negócios sem passar pelos canais hierárquicos. Aliás, a acreditar nas declarações do “consultor externo”, essas modificações poderiam mesmo abranger alguns desses “canais hierárquicos”.

E depois o “consultor externo” vem para a praça pública dar as dicas que entende sobre o “plano de reestruturação”. Numa empresa privada “normal” isto seria matéria para litígio: o “consultor externo” revelou matéria confidencial. Mas a comunicação social tem razões que só o coração conhece. Numa empresa de comunicação social só é possível falar-se publicamente em modificações quando essa empresa já está em estado de falência técnica. Até lá impera o sacrossanto direito dos jornalistas estarem em auto-gestão. É óbvio que há modificações, mas são feitas aos poucos, com todo o recato, sem alarido prévio e, principalmente, evitando consultar um “consultor externo”, amigo de longa data e, ainda por cima, familiar.

Todavia, este caso ainda vai dar muito que falar. Marcelo Rebelo de Sousa é um velhaco que usa a sua abundante loquacidade e o sofisma argumentativo de forma magistral. Mas Miguel Paes do Amaral, pelo que mostrou na audição na AR e hoje à noite, nas declarações que fez, não lhe fica atrás em algumas daquelas características, substituindo todavia a loquacidade e os sofismas argumentativos por um discurso milimetricamente preciso. Diz exactamente o que pretende, com uma linearidade e simplicidade extremamente convincentes, e nem uma palavra a mais (talvez ... algumas palavras a menos). Quanto ao resto parecem-me bem um para o outro. E as diferenças resultam apenas dos planos de intervenção: MRS é um político e fala demais, MPA é um empresário e só fala o indispensável.

Quanto ao ministro Gomes da Silva está a protagonizar o papel de “inocente útil”. Inocente, não no sentido de simples, singelo, ingénuo, mas na extensão de significado que se lhe atribui com frequência. Útil, porque cada vez que fala, os adversários do governo ficam abundantemente municiados para as refregas que se seguem.

Portugal está, de facto, ingovernável: se os mais encarniçados inimigos do Governo se encontram nas fileiras do principal partido governamental, como é possível pensar em consensos inter-partidários? Se nem intra-partidários os há!

Publicado por Joana às 11:55 PM | Comentários (28) | TrackBack

outubro 26, 2004

Sensibilidades e Paranóias

Das proveniência mais insólitas surgem inesperadamente as afirmações mais sensatas. Refiro-me às declarações de José António Saraiva, Director do Expresso, hoje, à saída da audição na AACS e no texto que publicou no Expresso Online.

A actuação do actual governo, ou de alguns dos seus membros, no que se refere às relações com a comunicação social, tem-se pautado por uma hipersensibilidade que não é compaginável com o calo que um dirigente político deve possuir no exercício das suas funções. É certo que, como José António Saraiva sublinha, a «paranóia por que enveredaram alguns meios de comunicação» e «esta barragem de ataques, processos de intenção e tentativas de destruição do Governo [que] está a lançar o país no caos» têm um forte potencial de enervamento.

Todavia o Governo tem legitimidade constitucional (independentemente daqueles que, à míngua de outra argumentação, o classificam de ilegítimo, semi-ilegítmo, ou ilegítimo e semi) e tem um horizonte estável de governação de cerca de 2 anos. Pois se o próprio Presidente da República já veio assegurar que não faz sentido convocar eleições antecipadas, «a não ser que haja alguém que esteja interessado em provocar incidentes». A tarefa do Governo é governar. Os ministros devem concentrar-se nessa tarefa e executá-la o melhor que souberem, dentro das estratégias programáticas que defendem. A boa ou má prestação do Governo só depende dele, das medidas que tomar para resolver os problemas dos portugueses e não de fait-divers.

Neste entendimento, o Governo deve deixar a gestão da sua imagem para os seus assessores de imagem e da comunicação social. Aliás, é o que acontece nas democracias “avançadas”: Os recados, as pressões e as solicitações são sempre feitos pelos assessores, por especialistas contratados para o efeito. São estes que criam os “factos políticos” que servem de contraponto às manobras dos adversários, ou da própria comunicação social, quando esta é hostil.

É um equívoco pensar que o eleitorado julga apenas, ou principalmente, pelo que a comunicação social diz. Cavaco teve maiorias absolutas contra a hostilidade da comunicação social. Reagan tinha contra ele parte significativa da comunicação social e ganhou dois mandatos. G. W. Bush está perante uma mobilização maciça da comunicação e dos meios artísticos mais sonantes e tem fortes hipóteses de ser reeleito. Até Sharon Stone veio proclamar a sua adesão a Kerry (não sei, neste caso, se o uso imoderado do picador de gelo no sexo não terá efeitos contraproducentes em algumas mentes menos inovadoras na arte de amar...) ... und so ... und so ... und so.

O ministro Gomes da Silva foi de uma inabilidade extrema. Era óbvio que as suas queixas se inseriam numa luta interna do PSD. Se ele quisesse mandar recados à TVI começaria pela Manuela Moura Guedes que zomba, com acinte e permanentemente, de tudo o que o Governo decide, diz, pensa ou ela prevê que ele venha a dizer ou a pensar. Só a boca dela é um insulto ao público. O próprio sex-symbol da Lapa, MST, estaria bem à frente do Marcelo na fila dos credores de queixas do ministro. Todavia, o gambito Marcelo, que sacrificou a sua homilia dominical pelo papel de vítima do sistema, tornou as queixas do inábil ministro num assunto nacional que dominou, e ainda domina, as atenções da comunicação.

E conseguiu arranjar um modo de vida para a AACS. Essa venerável e precocemente decrépita instituição encontrava-se no desemprego oculto. Os Alto-autoritários entreolhavam-se entediados, enquanto esperavam o despedimento colectivo. Agora arranjaram matéria prima para laborarem até às calendas gregas. Nestas audições, cada vez que um nome ou uma instituição são citados, agendam-se logo reuniões para ouvir cada um dos mencionados. Gomes da Silva cometeu o lapso de falar no Público e no Expresso. Foram, acto contínuo, agendadas reuniões com os respectivos directores. JMF balbuciou a PT: foi imediatamente agendada uma reunião com o Presidente da PT. Se este se descair e referir que foi a mulher a dias que lhe entregou a comunicação da AACS, lá será agendada uma reunião com a mulher a dias do Presidente da PT ... e assim sucessivamente. É uma teia de Penélope que nem necessita de desfiar de noite.

Se o ministro Gomes da Silva estivesse calado e se as suas queixas tivessem seguido outros trâmites, certamente os resultados seriam muito mais positivos para os seus objectivos. Ao menos poderia ter-se instruído previamente, lendo o livro do Arons de Carvalho ...

Os meios de comunicação, nomeadamente os de referência, estão enfeudados ao «politicamente correcto» dos valores que lhes colonizaram as mentes. Mas têm algumas características “aproveitáveis”: sabem muito menos do julgam saber, são muito mais incultos do que julgam ser e regem-se mais pelo efeito que pretendem produzir (nomeadamente as TV’s) do que pelo rigor da informação. Isto é um húmus magnífico para nutrir e criar tudo o que a imaginação apenas alcança. Especialistas de marketing político encontram aqui abundante matéria prima para produzirem factos políticos, económicos e sociais que não servirão não só de antídoto, como de catalizador de adesões. O jornalista português, na sua desdenhosa sobranceria, é, por isso mesmo, manipulável, com toda a facilidade, por qualquer bom especialista de imagem. A sobranceria e o desdém é a mãe e o pai de todos os logros.

Mas para tal é preciso o Governo governar bem, com firmeza e coerência e deixar aos especialistas da matéria a estratégia da comunicação. Senão, as decisões acertadas que o Governo possa tomar - e já se viu que, nalgumas áreas, este Executivo não pretende ficar pela mera gestão corrente de dossiers impopulares e que se arrastavam há décadas - ficam sempre prejudicadas num ambiente perturbado por incidentes gerados artificialmente, que o desgastam sem necessidade, por razões que não têm directamente a ver com a governação.

Aliás, os ensinamentos dos adversários são por vezes úteis. Marcelo Rebelo de Sousa passou dois anos a criticar Durão Barroso pela ausência de uma estratégia de comunicação que lhe permitisse tirar partido das medidas que o Governo tomava, ao mesmo tempo que chamava a atenção para a existência de dirigentes do PSD com máquina montada para lhes cuidar da imagem - referindo então o exemplo de Santana Lopes ou de Luís Filipe Meneses. Onde se prova que MRS era um grande teórico das análises, mas um péssimo analista das práticas: Santana Lopes está a revelar que, ou não tem máquina montada, ou esta está gripada.

Ou então, em vez de entregar tarefas a especialistas, entregou sinecuras a boys.

Publicado por Joana às 11:23 PM | Comentários (13) | TrackBack

outubro 24, 2004

Estudantes, Polícias e Mídia

Cerca de duas centenas de estudantes da Universidade de Coimbra tentaram invadir uma reunião extraordinária do Senado Universitário. Em face das intenções dos alunos, o reitor Seabra Santos pediu a intervenção da polícia para assegurar o funcionamento regular dos órgãos universitários. Dos confrontos entre os estudantes e a polícia resultou, segundo os jornais, um polícia ferido com alguma gravidade e a detenção do caloiro, que alegadamente o terá agredido, pelo crime de ofensas corporais.

Haver manifestantes que não respeitem os órgãos democráticos, tentando chantageá-los pelo recurso à violência e haver intervenções policiais que degeneram em hematomas e detenções é uma “outra normalidade” da vida em democracia. Neste entendimento, não haveria matéria para estranheza.

Todavia houve situações de estranheza. Ou talvez não, neste país «velho sem emenda».

Em primeiro lugar os canais televisivos transmitiram imagens que tendiam a privilegiar os confrontos físicos, a acção de força policial e os protestos dos estudantes contra a alegada violência policial, em face das causas que estiveram na sua origem. Transmitiram, com emoção, a velada de estudantes em frente da prisão onde estava detido o colega. Os estudantes contestatários foram profusamente entrevistados, para verberarem a violência policial. Quem desconhecesse a questão teria ficado com a sensação que toda aquela conflitualidade havia sido gratuita. Os estudantes teriam sido vítimas inocentes de violência policial desnecessária e gratuita.

Não pretendo com isto afirmar que a Televisão quis ser tendenciosa. Provavelmente foi tendenciosa porque quis privilegiar o confronto físico e a velada nocturna apenas porque eram imagens mais poderosas, com mais impacte mediático, que uma vetusta sala cheia de académicos atemorizados à volta de uma mesa, condenando verbalmente o «comportamento antidemocrático» dos estudantes, designadamente a invasão de uma sala com o incompreensível e pouco apelativo nome de «Sala dos Capelos», enquanto roíam nervosamente as unhas. Nesta ocorrência, a comunicação escrita relatou os factos com bastante mais objectividade e isenção.

Graves foram as declarações de um alegado dirigente de uma associação pró-sindical da polícia. Afirmou que a polícia era obrigada a situações como aquela pelo facto dos políticos não resolverem os problemas. Admitindo que não fosse uma forma maquiavélica de fornecer razões àqueles que contestam organizações sindicais nas polícias, aquele alegado dirigente mostrou como não se deve comportar a polícia num Estado de direito. Não foram os «políticos» que chamaram a polícia, mas sim o reitor da Universidade de Coimbra. Os problemas estavam resolvidos, apenas aquelas duas centenas de estudantes não concordavam com a solução. A polícia havia sido chamada para evitar a invasão do Senado por aqueles estudantes em fúria e não para obter concessões dos estudantes sobre alguma matéria. Matéria (o pagamento das propinas) sobre a qual, aliás, há um enorme consenso nacional e onde os estudantes contestatários estão completamente isolados.

O Estado de direito tem que se defender de quem contesta a legitimidade das suas decisões de forma violenta. Os meios de comunicação (e muito menos elementos da polícia) não devem dar uma imagem distorcida dessa legitimidade, sob pena de estarem a fomentar a violência, a contestação pela contestação e a anarquia social.

Bem melhor andou o caloiro que esteve detido uma noite. Entrevistado à saída, e sem abdicar das suas opiniões, revelou uma maturidade que infelizmente não tem sido compartilhada por muitos colegas seus.

Mas o Estado também não pode demitir-se, por desleixo, da sua defesa. Segundo Seabra Santos, os incidentes não podem ser punidos pelas instituições universitárias, por não estar regulamentado o regime disciplinar aplicável ao Ensino Superior definido na Lei de Autonomia, aprovada em 1988, há 16 anos! Ficam assim impunes os autores dos distúrbios pelo facto de, até agora, a Assembleia da República, inexplicavelmente, ainda não ter regulamentado o regime disciplinar aplicável aos estudantes do ensino superior. Apenas o regime disciplinar aplicável aos professores e aos funcionários foi regulamentado e está em vigor. Aparentemente a AR deverá ter achado (se é que achou alguma coisa) os professores e os funcionários muito mais propensos a indisciplinas, acções violentas e a vandalismos que os estudantes.

Publicado por Joana às 11:36 PM | Comentários (13) | TrackBack

outubro 20, 2004

CAPITAL Times

Com pompa e circunstância, num editorial assinado pelo seu director, o jornal A Capital declarou publicamente o seu apoio a Kerry.

É importante que neste esconso esquecido dos States, surja um jornal que siga as pisadas dos grandes jornais de referência do seu país, de um jornal da sua cidade mais emblemática, o New York Times, e, também ele, pequenino embora, na sua distante e provinciana cidade, tome a clara, pública e inequívoca decisão de apoiar um dos candidatos, neste caso, Kerry.

No próximo dia 2 de Novembro lá veremos todos os fiéis leitores d’A Capital (eu nem sou leitora fiel, nem estou recenseada) alinhados em extensa e obediente fila, a deporem, convictos, o seu voto em Kerry. E será um enorme motivo de satisfação para Luís Osório que todos os grandes eleitores deste longínquo e ignorado desvão dos States venham a engrossar, no colégio eleitoral, o número dos votos de Kerry.

No que toca às questões da política interna, a matéria é mais controversa. Neste esconso insalubre dos States os meios de comunicação têm como ponto de honra tomarem compulsivamente partido e exigirem publicamente, com idêntica e compulsiva fé, que seja reconhecida a sua evidente independência e óbvia neutralidade.

Os nossos meios de comunicação tomam partido porque tal é um imperativo moral, filosófico e político. O facto de ser sempre o mesmo, não menoscaba a sua independência e neutralidade: Pertencem todos ao mesmo quadrante político e ideológico, confluíram todos ali, quem não comunga das suas opiniões é, se está humildemente calado, um ignaro, ou, se reponta, um intolerante fundamentalista. Em ambos os casos indignos de partilhar do mester que eles próprios açambarcaram.

A mesnada jornalista reproduz-se em circuito fechado e é ciosa da sua armadura ideológica e das causas que defende. As causas são comuns pois todos os elementos da mesnada comungam dos mesmos ideais e se arregimentam sob o mesmo estandarte. Pôr em causa a sua independência e a sua neutralidade é uma ofensa evidente: os valores não se questionam.

É por isso que neste desvão dos States, no que concerne às questões internas, os órgãos de comunicação não proclamam, publicamente, a sua linha política. Esta apenas resulta, necessariamente, de um imperativo filosófico comum.

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outubro 19, 2004

Perspectiva-se um novo blog

Na audição desta manhã perante a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) a propósito das declarações que proferiu dois dias antes da saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, Rui Gomes da Silva mostrou que tem mais vocação para gerir um blog do que para Ministro dos Assuntos Parlamentares.

Desconheço se o ministro Gomes da Silva sabe o que diz. Uma coisa é certa: não devia dizer o que sabe (admitindo que sabe ...). E quando se tem o vício de se dizer o que sabe (ou o que julga saber), sem saber se sabe o que diz, o mais adequado é fazê-lo num blog, em vez de o fazer na qualidade de ministro.

Por outro lado o ministro Gomes da Silva alargou o conceito de cabala, brilhantemente iniciado por Ferro Rodrigues e a anterior direcção do PS: há as cabalas objectivas e as cabalas subjectivas (as que existem independentemente da vontade de as constituir).

Talvez por isso mesmo o PS e o BE, os grandes adeptos da pretérita teoria da cabala, saíram imediatamente a terreiro, contestando o ministro. As grandes teorias envolvem sempre estas disputas acérrimas entre os seus precursores: ódios, invejas, todos a atropelarem-se para verem reconhecida a sua paternidade, etc..

Mas houve algo de substantivo nesta audição: O ministro Gomes da Silva provou, embora julgo que não fosse essa a sua intenção, que não há censura no Governo. Se houvesse, o ministro Gomes da Silva já teria sido calado há algum tempo.

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outubro 12, 2004

A Vitória dos Batanetes

O país digladia-se a golpes furiosos de parágrafos de alto poder explosivo. O verbo flui, dos lábios dos comentaristas, em obuses de megatoneladas de TNT que passam sobre as nossas cabeças, assobiando sinistramente, em todas as direcções. O som das explosões (e do silêncio do Prof Marcelo) é horripilante. Todos nós estamos transidos de pavor. O sangue escorre em abundância nas avenidas da informação e nas calçadas hertzianas. O país vai desmoronar-se.

Tudo isto se passa no nosso Universo. Naquele que construímos e onde nos desfazemos e amesquinhamos diariamente, persistentemente, em esforços entumecidos de Sansão: na comunicação social que se diz de «referência», entre os kamikazes da net, enfim ... no Universo que existe e o único que conhecemos.

Mas existe um outro Universo, certamente um Universo anti-matéria, onde um outro Big-Bang criou outros conceitos de espaço e de tempo e onde existe uma outra realidade, independente e inexorável. E nesse Universo anti-matéria ocorreu um caso insólito: a renúncia do Prof Marcelo fez com que, nesse domingo, dia 10, o humor de ‘Os Batanetes’, que veio substituir o seu espaço, fosse o preferido, com um ‘share’ de 49,5 por cento e uma audiência de 21,7 por cento, o que significa que foi visto por cerca de dois milhões de pessoas (no domingo anterior ‘Jornal Nacional’, com o MRS, conquistara um ‘share’ de 39 por cento e uma audiência de 15,6 por cento, tendo sido visto por cerca de 1 502 milhões de pessoas).

Nesse Universo anti-matéria, onde há Bolsas, pessoas despiciendas e défice de intelecto, a Media Capital viu os seus títulos subirem um máximo de 3,5 por cento, para 5,07 euros, o valor mais alto desde que a empresa está cotada em bolsa.

Já se fala que Miguel Sousa Tavares vai ser a próxima vítima dos Batanetes. A oposição está neste momento recolhida em oração aos seus padroeiros (santos ou livres pensadores, conforme o caso) para implorar que o ministro Rui Gomes da Silva faça qualquer referência, directa ou indirecta, ao verrinoso comentarista, de forma a lançar a sua anunciada saída a crédito da «ditadura» que nos oprime.

O próprio Miguel Sousa Tavares, segundo fontes normalmente bem informadas (e asseguro que o são, porquanto são as mesmas que o Expresso consulta semanalmente), teria feito uma promessa que deixaria de fumar e se faria sócio do Benfica se a sua demissão, a ocorrer, tivesse fumos políticos e não se resumisse a uma simples e humilhante substituição pelos Batanetes.

- Batanetes nunca! Antes o Santana! Até a visão da bocarra da Manuela Moura Guedes é preferível! – teria exclamado em compreensível e soluçante desvario.

Regressando ao nosso confortável Universo, os desejos continuam a prevalecer sobre as realidades. No caso do Marcelo, como se sabe, todos os intervenientes negaram que houvesse pressões sobre a TVI, mas a força do desejo prevaleceu sobre o empecilho do facto.

Coube agora a vez a Pacheco Pereira apresentar uma teoria da conspiração, escrevendo «O truque é fazer com que, durante uma hora, em sucessivas televisões, em horas desfasadas, passe o tempo de antena, em vez de ser simultâneo como devia. O método é fazer combinações contraditórias, em segredo, com diferentes canais. É uma falta de lealdade com os que são enganados, e imagino como é que se deverá sentir a “televisão pública”, ludibriada.». Ora o apresentador da RTP1 (ludibriada) havia dito, durante o Telejornal, que tinha visionado primeiro a cassete. Hoje, o director de informação da RTP1, José Rodrigues dos Santos, disse à agência Lusa que foi decidido «transmitir depois de verificarmos as referências indirectas ao caso de Marcelo Rebelo de Sousa», explicando que «a nossa opção foi visionar até ao fim e só depois decidir se passávamos na íntegra».

Esta afirmação é um desmentido público da teoria conspirativa de JPP. Ao que parece, e já era claro para quem viu ontem o Telejornal da RTP1, aquela teoria conspirativa é uma falsificação grosseira da realidade, é a construção de uma mente perturbada por ódios pessoais que já não consegue raciocinar com objectividade.

O governo de Santana Lopes está a levar a cabo uma política que é certamente controversa, numa situação económica, interna e externa, muito complexa e difícil. Estas são as questões centrais com que Portugal se debate neste momento. Pacheco Pereira e outros barões do PSD deveriam debater estas matérias controversas em lugar de imaginarem teorias da conspiração. A oposição devia igualmente preocupar-se com o que é substancial e não tentar manobras de destabilização falsificando a realidade, ou tomando os seus desejos pela realidade. Cada vez mais descuramos o essencial, para nos concentrarmo-nos no supérfluo.

Provavelmente, em matéria de comunicação social, faria mais sentido estarmos a discutir que país é que estamos a construir em que os Batanetes, Quintas das Celebridades, etc., têm a primazia nas audiências e levam a que a comunicação áudio-visual pretira outras opções intelectualmente (talvez) mais estimulantes. Um país onde o entretenimento simplório prevalece sobre a cultura e o debate político. Um país onde a cultura é veiculada de uma forma entediante por gente provinciana e auto-convencida que não sabe tratar a cultura por tu. Um país onde o debate político tende a abastardar-se ao concentrar-se na discussão dos casos, em vez de debater as coisas.

Um país onde as pessoas prescindem da cultura, anquilosada, e da política, mesquinha, em troca do entretenimento papalvo.

Um país onde nos açulamos sobre quem tem razão, se Marcelo, se Santana, quando quem tem razão são os Batanetes.

Afinal, quem triunfa são os Batanetes, e os papalvos somos nós.

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outubro 10, 2004

Portugal está Enfermo

Quando escrevi aqui, há dias, uns textos sobre o advento da República, não o fiz por uma mera intenção de recordar a efeméride. Fi-lo igualmente para recordar que em matéria política e social, quem semeia ventos colhe tempestades.

Tem sido repetido à exaustão que o regime emergente do 25 de Abril não deveria repetir os erros da 1ª República, pois esses erros haviam conduzido a um ambiente social que facilitou a instauração da ditadura. Este apelo continha, porém, um vício de análise profundo. A 1ª República foi vítima da crise social e de valores que ela própria perverteu durante as duas décadas que precederam a implantação da república. Como escrevi na altura, a 1ª República acabou por cair na armadilha que havia construído para os outros – a permanente chicana política, a difusão de boatos sem consistência com o intuito de enlamear as figuras publicas e a classe política em geral, a apologia da violência como arma política, a assimilação da conspiração e do terrorismo a valores respeitáveis e heróicos da luta política, a promoção dos autores de atentados e dos regicidas a heróis nacionais, exaltando a sua figura e organizando sessões e romarias em sua memória.

Um regime em que muitas das suas figuras emblemáticas ascenderam ao poder, lançando lama sobre a classe política anterior, ao tornarem-se poder, tornaram-se igualmente alvo da lama e do descrédito da classe política. Quando os valores de uma sociedade são degradados, essa degradação atinge também aqueles que a promoveram. Ficaram reféns do próprio aviltamento das instituições e valores que provocaram. A 1ª República caiu porque quando se implantou já continha em si o gérmen da sua liquidação. Só faltava saber se cairia às mãos dos republicanos moderados de Pimenta de Castro, do presidencialismo populista de Sidónio Pais, ou da ditadura do 28 de Maio. Quanto mais tarde fosse liquidada, maior seria a factura a cobrar.

Portugal vive, desde há vários anos, um clima de permanente chicana política cuja génese está na classe política e na comunicação social. São estatisticamente muito minoritários dentro da sociedade, mas apenas eles detêm a capacidade de falar e escrever publicamente. Somente alguns órgãos regionais e meia dúzia de sítios da net escapam a esta Gleichschaltung und Tarnung comunicacional, onde a comunicação social exerce um totalitarismo comunicacional dissimulado por constantes alertas sobre os perigos de um alegado controlo externo dos mídia. É o gatuno a simular a inocência, gritando «agarra que é ladrão!».

Portugal está doente e essa doença alastrou por todo o corpo social. A nossa juventude está a perder hábitos de trabalho e apenas alguns se empenham no estudo, apesar das dificuldades constituídas pelo contrapeso, cada vez maior, dos que vão para a escola apenas com intenções lúdicas. Alunos do Leste europeu, ao fim de 2 anos, são os melhores alunos das turmas e, frequentemente, os melhores alunos em Português, eles, que desembarcaram em Portugal não sabendo soletrar uma palavra da nossa língua materna.

Quando adultos reclamamos contra a situação social, exigimos reformas mas protestamos quando se tentam implementar essas reformas porque a sua concretização nos afecta directamente ou nos atinge em alguns interesses particulares. Consideramos excessiva a despesa do Estado, mas recusamos que a sua contenção seja feita através de um maior rigor no desempenho da função pública e da perda de algumas mordomias que desfrutamos. Criámos um monstro que consome a maior parte da riqueza que penosamente criamos e que não conseguimos reformar porque ele se recusa a tal e o lobby que o sustenta é mais poderoso que a nossa força para o mudar.

Há uma imunodeficiência adquirida pela nossa sociedade que a torna inerme perante esta enfermidade que a corrompe e avilta. E o alastramento dessa doença acelerou-se na última década pela emergência do BE na vida política portuguesa. Até aí tínhamos um partido anti-sistema que lutava por causas, com as quais podíamos não concordar, mas que eram causas sociais e políticas cuja sustentação era legítima. Mesmo quando utilizava métodos considerados malevolentes, havia limites que não ultrapassava. Porém o BE não é um partido de causas, mas um partido de casos. O BE vive da permanente chicana da vida política, sustenta-se do enxovalho contínuo da classe política a que ele finge não pertencer, medra na baixa intriga e nos processos de intenção, que em Portugal sempre fizeram a delícia de alguns extractos sociais urbanos que vivem na ociosidade, mesmo quando alegadamente trabalham.

E a lama e a imundície que o BE lança sobre a política e a sociedade são disseminadas profusamente através dos ventiladores de que dispõe na comunicação social. O BE tem na comunicação social um peso e uma influência completamente desproporcionados face à sua implantação social. E usa-os para degradar os já aviltados valores do país. Com que fins? Nem ele sabe. Os partidos radicais não têm estratégias de longo prazo, apenas tácticas imediatistas de intriga e envilecimento político. A longo prazo apenas perseguem quimeras. E quando as tácticas resultam e a sociedade é abalada nos seus fundamentos, são eles as primeiras vítimas do refluxo da maré.

E o BE fez escola. Basta lembrarmo-nos do terrorismo parlamentar do PS, da aliança Povo-RTP e dos prenúncios a PREC que ocorreram nos primeiros meses da actual legislatura.

Estou pouco preocupada que o BE, ou qualquer dos seus émulos, venha a ser essa vítima: quem semeia ventos colhe tempestades. Mas estou cada vez mais preocupada pela evolução da vida política, social e económica de Portugal, pelo aprofundar do nosso atraso e pela nossa manifesta incapacidade de sair da situação para onde temos sido arrastados, por nossa culpa, e na qual nos afundamos, cada vez mais. O país está doente e a parte sã do seu corpo não parece ter capacidade de regenerar o todo colectivo.

A questão já não é a de termos deixado de ver a luz ao fundo do túnel. O grave é que já não vemos a luz no topo do poço.

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outubro 08, 2004

The Importance of Being Marcelo

Portugal é um país feliz, próspero, com um amplo consenso social sobre a invejável situação em que se encontra a sua prosperidade económica, os seus elevados níveis salariais, o seu eficiente sistema fiscal, a excelência dos seus transportes, o extremoso apoio à maternidade, a superior qualidade do seu sistema de ensino, a rapidez e equidade da sua justiça, etc., etc..

Um país destes não tem história. Nem tem notícias. Que desespero, os publicistas acordarem um dia e não terem matéria sobre que escreverem! Debitar um panegírico sobre o sistema político, causa de tanta abundância? Mas os panegíricos, desde a crise do sistema feudal, deixaram de atrair audiências. Relatar um crime e refastelar-se no sangue e carne estraçalhada? Mas numa sociedade tão próspera e consensual não há crimes. Que fazer?

Finalmente três notícias: um ministro tinha criticado as “críticas” de um comentarista; o mesmo comentarista resolveu cessar o seu comentário dominical; o mesmo comentarista teve, de permeio, uma conversa com a entidade patronal.

Para um país sem problemas, estes inusitados acontecimentos tiveram o efeito de uma bomba. Os jornalistas, até então falhos de assunto, lançaram-se sobre este filão, com a ferocidade que ele merecia: «Democracia a saque»; «um caso de demência antidemocrática» provocado pelos «nostálgicos do 24 de Abril e dos métodos totalitários»; «golpe de Estado mediático»; «intolerável propensão censória e antidemocrática»; «manipulação mafiosa, da eliminação sem escrúpulos, da intervenção brutal»; o país «trilha o caminho da ditadura»; etc., etc.

Todos os jornalistas eram unânimes: era evidente o nexo de causalidade entre aqueles três acontecimentos e o governo estava a manipular a comunicação social e a atentar contra a liberdade de imprensa.

Depois desta unanimidade, fiquei mais tranquila: se o governo manipula a comunicação social, é para esta mentir e esconder a verdade. Logo, tudo o que eu havia lido e ouvido era mentira. Não passava de uma enxurrada de aldrabices que os jornalistas tinham sido unanimemente coagidos a escrever pelo autocrático governo. Segundo a lógica:

1) Se há uma ditadura, os jornalistas são obrigados a escreverem mentiras. E, portanto, estão a mentir quando escrevem que há ditadura sobre os meios de comunicação;
2) Se não há uma ditadura, então estão a mentir ao escrever que há ditadura sobre os meios de comunicação

Mas isso sucede em países onde as lógicas aristotélicas embrutecem o raciocínio. Portugal celebrizou-se justamente por dar novos mundos e conceitos ao mundo. Pela primeira vez o mundo assistia ao estabelecimento de uma ditadura absoluta e feroz sobre os meios de comunicação com o fim de os obrigar a escrever que ... havia uma ditadura. E a autocracia extrema do governo foi totalitariamente eficaz: nenhum jornalista se rebelou, nenhum lutou contra essa malevolente imposição ... todos se curvaram e repetiram em coro que o país «trilha o caminho da ditadura».

Porque se não o fizesse, lá estaria vigilante o Censor: «Pois quê, você teve a ousadia de escrever que havia liberdade em Portugal? Seu subversivo! Rasgue já isso e escreva imediatamente que eu sou «um caso de demência antidemocrática» e estou acometido de uma «intolerável propensão censória e antidemocrática»!

E nem os blogs escaparam. Um deles foi mesmo chamado à colação ... perdão, à televisão para corroborar a situação de ditadura e conspiração contra as liberdades democráticas reinantes no nosso país

É claro que todos os protagonistas próximos, ou distantes, do psicodrama do comentador Marcelo, negaram ter quaisquer influências ou feito quaisquer pressões. Esqueciam-se que estavam numa ditadura. Os jornalistas, sempre com olhar acerado do Censor por detrás dos seus ombros, rabiscaram atemorizados: «Quanto mais é negado, mais parece claro que houve fortes pressões». É evidente que tamanho atropelo à lógica só poderia provir da coacção física, moral e material exercida pelas forças da ditadura sobre os apavorados jornalistas.

E assim os jornalistas foram compelidos a criticarem o governo por este criticar uma crítica. A «Crítica da Crítica Crítica» não é novidade. Foi com um alfarrábio com este título que Marx encetou a sua nefanda missão de destruir os alicerces da nossa civilização. Nada disto é por acaso. Temos um governo ditatorial que se apresta a utilizar métodos marxistas, através da «manipulação mafiosa, da eliminação sem escrúpulos, da intervenção brutal», conforme escreveu um comentador jornalístico que deve saber do que fala, porquanto já foi figura de proa de todas as correntes políticas, sociais, filosóficas que estiveram em voga nos últimos 50 anos. Não só de todas as correntes, como, em cada uma, de todas as respectivas facções e sub-facções.

E eu falo com fundamento. Basta ver a nomeação do embaixador José Cutileiro para a presidência não executiva da Global Notícias, empresa da Lusomundo Media, "holding" de comunicação social do grupo PT. José Cutileiro especializou-se em acções que exigem férrea determinação e requerem a aplicação de poderosos meios militares e policiais para impor a autoridade. Foi ele que dirimiu o conflito na Bósnia-Herzegovina. Há um evidente nexo de causalidade entre uma coisa e outra. O governo vai manter, ou mesmo reforçar, a ditadura que exerce sobre a comunicação social e que a obriga a escrever tanto disparate.

Como o Estado tem todos os problemas da coisa pública resolvidos, o Presidente da República decidiu quebrar o ócio e chamar o comentador Marcelo a Belém. Tinha que o fazer: tratava-se de um óbvio assunto de Estado. Isto é, era um assunto de Estado, porque o Estado, infelizmente, já não tinha assuntos. Uma analista “desalinhada” escreveu que «é o próprio Presidente que está a perder o sentido de Estado». Não percebo como ela escapou ao lápis azul. O PR não pode perder uma coisa que já não existe. Sentido de Estado? Quem o tiver que se acuse. Talvez enfileire ao lado das gravuras de Foz-Côa e das pegadas dos dinossáurios e se torne numa atracção turística.

Há gente que é predestinada. Nos últimos anos houve milhares de portugueses que se demitiram ou foram demitidos. Entre eles, certamente, muitos jornalistas. Apenas um despertou este alarido, absorveu o interesse de toda a comunicação social, foi recebido pelo PR ao abrigo do estatuto de vigilante da coisa pública, estatuto criado justamente para vigiar este caso. Apenas um: Marcelo (por parte do padrinho) Rebelo de Sousa (por parte do pai).

E se conseguiu esta projecção não foi por ter falado ... mas por se ter calado. Todos exaltam a forma magistral como sabe gerir o seu silêncio. Fazem-me lembrar aqueles comentadores desportivos que se extasiam perante a forma com certos jogadores jogam ... sem bola. Por falar em bola, Luís Filipe Menezes afirmou que Marcelo protagonizou o atacante que, ao passar de raspão por um defesa, dentro da grande área, se atirou para o chão para ver se o árbitro marcava grande penalidade. Talvez tenha razão na sua metáfora futebolística ... às vezes é na voz dos simples que florescem as verdades!


Nota: Um dos jornalistas vítimas da censura governamental foi “obrigado” a escrever sobre a «a originalidade de se ver um ministro e um Governo a responderem a opiniões de comentadores». Há que reconhecer que tem toda a razão. Até agora apenas o PR havia feito isso.

Outros textos sobre o mesmo assunto:
O Pivot Portela
A Vingança do Perdedor Eterno
A Vitória dos Batanetes
O Velhaco Genial

Publicado por Joana às 11:18 PM | Comentários (31) | TrackBack

outubro 07, 2004

O Velhaco Genial

É notório e insofismável que o ministro dos Assuntos Parlamentares Rui Gomes da Silva errou e foi inábil nas suas apreciações sobre o comentário dominical de Marcelo Rebelo de Sousa. O ministro tem todo o direito de contradizer ou opinar sobre as afirmações do professor e contestar essa faculdade seria retirar ao ministro a capacidade de exercer o seu direito de cidadania. Já o apelo feito pelo ministro à intervenção da Alta Autoridade contra um eventual delito de opinião de um comentador foi um disparate e uma inabilidade. Um disparate, porque não faz sentido o princípio do contraditório aplicado ao comentário de um dado analista político; o que interessa é haver no conjunto da programação a aplicação daquele princípio. Uma inabilidade porque cometer esse erro num acto de antagonismo com o professor é uma tremenda ingenuidade política. Pisar um ninho de cascáveis seria menos perigoso.

Em segundo lugar existe um psicodrama em Portugal. Santana Lopes (ainda mais que Paulo Portas) induz em certos meios intelectuais e da comunicação social uma patologia que é um misto de “pele de galinha”, urticária e esquizofrenia obsessiva-compulsiva. Gente que aparenta sensatez, educação, boas maneiras ... ouve falar do PSL como primeiro ministro e é acto contínuo atacada por uma paranóia maníaco-agressiva desvairada e azeda. Por exemplo, até há poucos meses julgava-se que apenas o tabaco e o FC Porto provocavam distúrbios emocionais e disfunções da personalidade de M Sousa Tavares. A partir de Junho deste ano o PSL foi acrescentado à lista de germes patogénicos que punham em risco a saúde mental do conhecido comentador.

Marcelo Rebelo de Sousa parecia imune a estas patologias. Digeriu, por exemplo, a ascensão de P Portas ao governo com a elegância que sempre o caracterizou, passando-lhe a mão pelo ombro e aproveitando-a para enterrar, afectuosa e semanalmente, a adaga acerada e subtil da sua verve. Várias vezes o apelidei aqui de velhaco genial que me parece ser o cognome que melhor caracteriza a sua personalidade de analista político.

Ora um «Velhaco Genial» com a reputação e a auréola de Marcelo não capitula num qualquer fugaz jantar com um empresário da comunicação social, isto admitindo que Paes do Amaral tenha pedido ao comentador político para se moderar nas críticas ao Governo e ao PSL, e Paes do Amaral negou que o tivesse feito. Não vou pôr em causa a sua negação. Se ele o não fez, muitos o têm feito e continuarão a fazer. Só hipócritas acreditam que todos os jornalistas escrevem (ou dizem) o que muito bem entendem. Qualquer artigo ou notícia passa pelo crivo dos escalões hierárquicos superiores e a estratégia da comunicação é definida pelas chefias.

E porque não haveria de ser assim? Quem outorgou ao jornalista A ou B a categoria de detentor da verdade absoluta e incontestável? Tem que haver equilíbrio informativo e formativo e alguém, indivíduo ou grupo, em cada órgão de comunicação social será responsável por assegurar esse equilíbrio. Quem viu o filme «Os Homens do Presidente» e observou as cautelas dos editores do Washington Post, e a «censura» que fizeram à divulgação do Caso Watergate até estarem seguros que podiam avançar com segurança e certezas, não pode deixar de estar de acordo com o processo. Mas quem apenas viu o filme até meio, e desconheceu o seu desfecho, poderia ser tentado a acusar os editores do jornal de censura hedionda. E o filme da vida real nunca termina ...

Portanto a liberdade de imprensa não é a liberdade de qualquer um dizer o que pensa, mas o equilíbrio informativo, o rigor e a permanente busca da verdade o mais objectiva possível.

É óbvio que se Paes do Amaral tivesse feito aquele pedido (e ele garante que não o fez) a instâncias do governo, o caso mudaria de figura. Os governos não devem interferir na liberdade da comunicação social, embora essa interferência sempre tenha acontecido e só tenha perdido a acutilância inicial, depois do aparecimento dos canais privados.

Rui Gomes da Silva foi (aliás, tem sido) inábil, mas nem PSL, nem Morais Sarmento cometeriam a imprudência de pressionar a TVI. Era um tiro no pé. A saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, após um conflito verbal com um ministro, seria péssima para a imagem do governo porque seria sempre lançada, quer fosse verdade ou não, a crédito da influência governativa.

Portanto, todos os protagonistas, ou alegados protagonistas, deste psicodrama negam veementemente que tenham feito, directa ou indirectamente, qualquer pressão sobre Marcelo Rebelo de Sousa, excepto o próprio Marcelo que ... guarda de Conrado o prudente silêncio.

Todavia, para quem conheça o professor não custa nada a admitir que esta saída da TVI seja uma monumental rábula, aproveitando uma série de circunstâncias que lhe confeririam uma imagem vitimizadora. Carlos Magno, que não pode ser considerado fã do PSD e do PSL, contou há horas um episódio ocorrido perto do fim do governo Balsemão, na época da demissão de Freitas do Amaral, onde Marcelo, então membro do governo, mas que garantia estar demissionário, fez a rábula de se ter ausentado para o Mónaco (com fotografia “retocada”, nos jornais, em que o seu rosto aparecia numa piscina do principado) enquanto se passeava pelo Porto, segundo testemunho do próprio Carlos Magno.

Uma coisa é gostar de ouvir o professor perorar sobre a vida política, quer se esteja ou não de acordo com ele. Ele tem uma invulgar capacidade de comunicação e sabe ministrar o veneno com a elegância e o requinte com que uma fidalga do século XVIII servia um inocente chá no seu aristocrático salão. Adoro vê-lo fazer isso! Outra é acreditar na sua fiabilidade como pessoa. Como diz o povo:«Quem vê caras, não vê corações».

O que é um facto é que Marcelo se tornou, em poucas horas, no herói impoluto de um vasto leque do espectro político, desde M S Tavares, passando pelo BE, pelo PCP, pela Intersindical, pelo PS (todo o PS!), pelo J P Pereira e acabando em ... M S Tavares. Freitas de Amaral, que só ele talvez saiba em que zona do espectro político se situa, veio compungido, de óculos embaciados pela humidade, derramar lágrimas sobre o 25 de Abril amordaçado! Neste momento de suprema emoção, todos, enternecidamente, já esqueceram a cicuta que o professor, ao longo de mais de 4 anos, os fez beber, a todos, e repetidas vezes.

Se isto foi uma rábula, eventualmente facilitada pela inabilidade do ministro Gomes da Silva, veremos nos próximos meses qual será o percurso político-mediático do «Velhaco Genial». Se me enganar, também se verá nos próximos meses.

Publicado por Joana às 10:46 PM | Comentários (55) | TrackBack

setembro 15, 2004

A Comunicação Social Enviesada

O relatório de inquérito às causas do acidente no terminal petrolífero de Leixões é o paradigma da absoluta incompetência da comunicação social portuguesa e da maioria dos políticos que têm proferido declarações sobre o assunto.

Analisemos as diferentes vertentes da questão:

1 – A questão das competências ministeriais

Independentemente de saber ou não se o ministro Álvaro Barreto teria ficado «desconfortável» com o relatório, ou com o “timing” da sua apresentação, o facto de Pedro Santana Lopes ter, segundo escrevem os jornais, entregue «ao ministro de Estado e das Actividades Económicas a gestão do dossier do inquérito ao incêndio nas instalações da GALP em Leça da Palmeira», corresponde a um procedimento normal.

Foi da competência do Ministério do Ambiente coordenar o inquérito a uma ocorrência que se saldou em graves prejuízos ambientais. Em face das conclusões do inquérito, cabe à empresa rever os seus procedimentos, se os seus manuais de procedimentos não estão adequados, ou rever a forma como o seu pessoal cumpre os procedimentos, no caso de estes serem os adequados. Como a GALP é uma empresa com capitais do Estado e é tutelada pelo ministério das Actividades Económicas, cabe ao detentor da pasta da tutela zelar para que as conclusões e recomendações do inquérito tenham o devido seguimento.

Portanto, não houve qualquer retirada de competências ao Ministério do Ambiente para as entregar ao ministro de Estado e das Actividades Económicas. Houve apenas a tramitação normal entre esferas de competências diferentes.

Isto não invalida que seja um facto que Álvaro Barreto tenha ficado desagradado quanto ao que designou por «oportunidade de divulgação do relatório» que considerou precipitada: "A forma de divulgação do relatório deveria ter sido discutida entre os dois", frisou adiantando que se o ministro do Ambiente "tivesse esperado mais dois ou três dias" não daria lugar a "sensacionalismos" e "especulações" na comunicação social.

Mas o desagrado de Álvaro Barreto (e eventualmente de PSL) é uma coisa; ser o ministro das Actividades Económicas e do Trabalho a coordenar a implementação das medidas correctivas é outra. Nunca poderia ser o ministro do Ambiente, pois este não tem competência para tal, nem no que respeita à GALP, nem no que respeita a qualquer outra empresa (a menos que seja uma empresa pública da área ambiental). Mas terá competência para agir em caso de eventuais futuras infracções ambientais cometidas pela GALP.

Isto parece-me claro e transparente. Não o foi para a comunicação social e políticos que, na sua maioria, só têm debitado disparates sobre o assunto. E o mais curioso é que a divergência dos ministros sobre o “timing” da apresentação do relatório poderia constituir matéria com bastante substância para a comunicação social e políticos. Será que Álvaro Barreto teria preferido que o relatório fosse “limado” em algumas das suas arestas mais “aceradas”? Mas se fosse essa a sua pretensão, deveria ter-se mantido ao corrente dos trabalhos da comissão de inquérito que, embora presidida pelo Instituto do Ambiente, teve elementos indicados por mais quatro ministérios, entre eles o representante do Ministério dos Assuntos Económicos, o director-geral de Geologia e Energia, Caldeira Antunes. Seria legítima aquela pretensão de Álvaro Barreto? Funcionarão adequadamente os canais de comunicação entre o ministro e os seus directores gerais?

Mas não. A comunicação social, e na sua peugada, os políticos, preferiram especular sobre o alegado “castigo” da retirada do dossier GALP a Nobre Guedes que não foi mais que um procedimento normal. E o que era relevante, o “desconforto” de Barreto, foi passado para segundo plano.

2 – A questão da incompetência da administração da GALP

As administrações das empresas certificadas pelas normas da qualidade são responsáveis pela coordenação da elaboração dos manuais de qualidade e procedimentos operacionais. A garantia do seu empenho em assegurar o cumprimento daquelas normas é a primeira cláusula desses manuais.

A responsabilidade do cumprimento dos procedimentos cabe aos diferentes graus hierárquicos de acordo com o que está definido nos manuais de qualidade. Haverá responsabilidade da administração se esta souber que os procedimentos não estão a ser cumpridos e não agir, ou se ela própria não cumprir os procedimentos que são da sua esfera de competências.

No caso dos procedimentos não serem os adequados, a questão é mais difusa: se não são adequados, como foi possível a entidade certificadora não ter verificado isso durante as auditorias de qualidade à GALP, normalmente anuais, que é suposto fazer? Quando são detectadas “não conformidades”, a empresa certificada tem um prazo para implementar as medidas correctivas e a entidade certificadora validará essas correcções. Como é possível «a gravidade dos erros detectados e atribuídos à GALP»? Como foi possível, numa empresa com as responsabilidades e a dimensão da GALP, tais erros ocorrerem?

Frequentemente as empresas portuguesas conseguem obter a certificação de qualidade, mas os procedimentos de qualidade são considerados pela maioria dos seus quadros mais como um empecilho do que como um instrumento útil. Vêem a qualidade como um conjunto de papéis que têm que produzir para “auditor ver” e não como um instrumento da sua própria actuação. Nas vésperas das auditorias há uma corrida desesperada aos dossiers para ver se está tudo conforme e em ordem. Aquilo que não for possível corrigir, tenta-se varrer para “debaixo do tapete”, para tentar que os auditores não notem, o que na maioria dos casos não conseguem. Na maioria dos casos, nomeadamente nas grandes empresas, com vários estabelecimentos, as administrações desconhecem estas “habilidades” das chefias intermédias.

Por isso falar-se imediatamente da incompetência de António Mexia parece-me, para além de muito prematuro, absolutamente demagógico. Provavelmente alguns dos que agora clamam pela incompetência de Mexia, poderiam ter colaborado em eventuais “varredelas”, se as houve.

Não pretendo com isto passar um atestado de bom comportamento à administração da GALP. Certamente terá responsabilidades. No mínimo as que resultam de ela ter obrigação de saber o que se passa na própria empresa. Mas a individualização das responsabilidades caberá a auditorias ao funcionamento interno que se espera sejam rigorosas e credíveis.

Estas questões devem ser tratadas com seriedade e rigor, e não com “bocas” jornalísticas, que só servem para obscurecer o que há de substantivo nos factos, criar ruído e facilitar que tudo continue na mesma. A confusão apenas serve aos pescadores de águas turvas.

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agosto 16, 2004

Suma Polvológica

Segundo uma peça jornalística do JMF publicada hoje na secção Férias do Público os pescadores de Tavira e arredores são especialistas na apanha do polvo que por ali abunda, mas como não é apreciado localmente vendem-no para o norte do país, onde é muito apreciado no Porto e Matosinhos.

Toda esta história indicia que o José Manuel Fernandes fez uma viagem meteórica com o mestre João Manhita e saiu dali com o material verbal discorrido pelo pescador para fazer apressadamente uma peça jornalística, que apareceu primeiro em livro e agora, adaptada, no seu jornal. E isto é ser indulgente. Outra hipótese é o mestre João Manhita ter contado aquela história numa tarde soalheira e dormente, à mesa de uma esplanada, a troco de umas cervejas geladas, douradas e espumosas e o JMF só ter visto polvo em restaurantes (do norte) e em incunábulos escolásticos.

Porque a verdade é que o polvo é dos alimentos principais na composição das ementas do Sotavento algarvio: polvo entomatado, salada de polvo, pastéis de polvo, polvo cozido, etc. Na semana gastronómica de Tavira, que se realiza em Junho, entre os elementos que obrigatoriamente devem figurar nas ementas dos restaurantes concorrentes, estão, à cabeça, aquele ilustre cefalópode e o atum.

Inclusivamente os íncolas (principalmente o pessoal mais ligado à faina marítima) secam o polvo e estão continuamente a cortarem pedacinhos com os canivetes e a mascarem aquilo com grande satisfação.

Quanto aos polvos serem estúpidos é uma ilação superficial. O polvo esconde-se debaixo de conchas grandes, pedras, ou potes ou pedaços de barro e fica aí incrustado. Um leigo que o observe nessa situação apenas julga que se trata de algum resíduo que está agarrado ao barro.

Há uns dez anos sucedeu-me uma aventura curiosa. Estava tranquilamente a nadar quando vi uma vieira (concha que é o emblema da Shell) enorme e bonita. Mergulhei e apanhei-a. Tinha a concavidade suja, mas limpava-se depois ... pensei eu. Para a trazer para terra alojei-a de forma a não prejudicar os movimentos natatórios ... não digo onde porque não pretendo entrar em concorrência com o blog «Meu Pipi».

Quando me estava aproximar da zona com pé senti que algo se estava a passar na concha. Tirei-a precipitadamente e verifiquei que uns tentáculos começavam a emergir desajeitadamente daquele resíduo confuso incrustado na concha. Era um polvo!! O primeiro instinto do desastrado cefalópode foi agarrar-se ao braço que empunhava a vieira. Depois deve ter-se apercebido que aquilo era certamente um tentáculo de um animal mais predador que ele e acabou por se despegar completamente da concha e fugir. Fez bem porque quem estava sem saber o que fazer era eu: a sensação daqueles tentáculos viscosos a enroscarem-se ao longo do braço é muito incómoda e nada tranquilizadora. Além de que precisava daquele braço para nadar ... a menos que eu quisesse fazer concorrência ao Camões e o polvo aos manuscritos dos Lusíadas. Felizmente o polvo tinha escassos interesses literários e desistiu dessa rábula.

O polvo não é estúpido. Apenas tem determinados hábitos que são aproveitados por outros animais, colocados mais acima na hierarquia racional, e que transmitem esse conhecimento, à mesa das esplanadas, a alguns animais colocados a meio daquela escala hierárquica.

Publicado por Joana às 08:58 PM | Comentários (5) | TrackBack

agosto 12, 2004

O Profeta José Manuel Fernandes

José Manuel Fernandes escreve hoje no Público, em editorial, que afinal Cabrita Neto, agora «transfigurado em líder do sector hoteleiro», vem reconhecer que as coisas estão más no Algarve, que os índices de ocupação são baixos e que há indicadores de catástrofe anunciada. Ora, segundo o Director do Público, quando este havia escrito um artigo seminal: «O Algarve à beira da catástrofe», Cabrita Neto, então governador civil de Faro, tê-lo-ia, segundo JMF se lamenta, insultado.

Ler o jornal, na praia, à beira mar, alternando um olhar distraído pelas páginas do matutino e um olhar concentrado nos miúdos que brincam, pulam e chapinham por entre a ondulação que vem morrer docemente na areia, leva a que se extraiam algumas conclusões apressadas. Após deitar um olhar em diagonal àquele editorial concluí: grande José Manuel Fernandes, tu és a personificação da clarividência jornalística!

Mas de repente, o meu olhar distraído pousou na frase «Há sensivelmente vinte anos fiz para o Expresso uma reportagem ...». Nos breves instantes em que me desconcentrei das inocentes crianças e me concentrei na coluna do José Manuel Fernandes percebi que aquela profecia tinha sido feita há 20 anos e no Expresso.

Há vinte anos José Manuel Fernandes havia profetizado, com a profunda clarividência a que todos os articulistas do Expresso nos têm habituado, que «o Algarve está à beira da catástrofe» e agora Cabrita Neto, vinte anos volvidos, vem reconhecer que «há indicadores de catástrofe anunciada».

José Manuel Fernandes, meu profeta abençoado, meu Jeremias da comunicação social, sabes o que significa «à beira de»? É certo que os profetas e todos os pensadores que marcaram a nossa civilização com a profundidade das suas visões tinham a intemporalidade de quem se havia libertado das pequenas misérias deste mundo. Mas todos esses profetas bíblicos evitaram, prudentemente, comprometerem-se com o prazo das suas profecias. Nenhum se atreveu a dizer que o Messias estava ali, ao virar da esquina, «à beira de» de chegar. Ameaçavam apenas: Há-de vir ... há-de vir, homens de pouca fé.

Portanto, ambos, José Manuel Fernandes (há 20 anos) e Cabrita Neto (agora) reconhecem que «o Algarve está à beira da catástrofe». Quem apenas ler este editorial, sem pensar na realidade no terreno, pode ficar tranquilo: como «o Algarve está à beira da catástrofe» há vinte anos, poderá continuar nessa posição mais algumas décadas ... desde que não dê um decisivo passo em frente.

Além do mais, há outro factor tranquilizador: não é o mesmo Cabrita Neto que contrariou aquela profecia há vinte anos e se desdisse agora. São duas pessoas absolutamente diferentes: o governador civil (Cabrita Neto) tem por missão dizer bem das políticas do governo no que respeita ao ordenamento da região onde ele, civilmente, governa; um líder da hotelaria (Cabrita Neto) tem por missão fazer queixinhas junto das autoridades governamentais, dizendo que tudo vai mal, que o sector atravessa uma crise profunda e que tem que ser obviamente apoiado.

Portanto o governador civil (Cabrita Neto) e o líder da hotelaria (Cabrita Neto) são duas pessoas distintas e contrárias. Se fosse o governador civil (Cabrita Neto) a falar sobre o assunto, voltaria a insultar (provavelmente) o nosso clarividente José Manuel Fernandes se ele se atrevesse a repetir a profecia.

O «meu» Algarve circunscreve-se, por hábitos herdados, à zona que vai da Luz de Tavira até a V R Sto António, com o epicentro na belíssima cidade de Tavira. Come-se muito bem, por preços razoáveis (mesmo em Agosto) e as pessoas são simpáticas. Venho para cá desde que me conheço. Tem-se desenvolvido bastante, mas sem perder as suas características fundamentais.

Há alguns anos, talvez uns dez ou mais, fui ao Festival do Sudoeste e cometi a imprudência de entrar no Algarve por Aljezur. Foi a primeira (e a última) vez que passei pelo Barlavento Algarvio. É detestável. Ao que me contam, no início da década de sessenta, a Praia da Rocha era uma praia óptima e Portimão e Lagos cidades interessantes. Isso acabou.

Todavia há gente que gosta de misturar o sol, a praia e o bulício citadino. A moradia onde estou a passar férias foi comprada pelos meus pais a um casal britânico que tinha entretanto construído uma vivenda em Bensafrim, no centro da «confusão». Isto ocorreu há cerca de vinte anos, na época em que o JMF teria feito a sua profecia. Custa a perceber as motivações daqueles «bifes» mas não foram certamente à procura de tranquilidade, de sossego e da proximidade do mar.

O Algarve tem, ao invés do que JMF dá a entender, diversificado a sua oferta turística. Contrariamente ao que sucedia há alguns anos, o Algarve consegue manter uma ocupação hoteleira relativamente elevada ao longo de todo o ano, mesmo na época baixa. Isso deve-se ao golf (o turista que procura o golf é normalmente bastante endinheirado), aos estágios de equipas desportivas e aos múltiplos eventos que os promotores turísticos têm organizado.

A visão de JMF é a do português que vem ao Algarve no pino de Agosto, à procura de praias tranquilas. Actualmente isso só existe em algumas praias do Sotavento. Todavia, apesar de ser uma visão catastrofista e superficial, ela merece alguma reflexão. Há que ter cuidado com a nossa jóia da coroa. O turismo algarvio é um dos principais factores do precário equilíbrio das nossas contas com o exterior. Não podemos matar a nossa galinha dos ovos de ouro.

Quanto a José Manuel Fernandes, ele errou a profecia: se há vinte anos «o Algarve estava à beira da catástrofe» e esta ainda não ocorreu é porque não estava então «à beira da catástrofe». Custa por isso a perceber a auto-satisfação com que ele escreve hoje no Público.

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julho 23, 2004

A Síndrome do Bey de Tunis 2

Como continuo atacada por aquela síndrome terrível e queirosiana, vou descarregar esta minha frustração em Eduardo Dâmaso, que hoje no Público tomou sobre si a tarefa de aconselhamento político do PS.

Eduardo Dâmaso desejaria, segundo escreve, voltar a situar o PS no espaço e nos valores da esquerda identificada com o que ele designa por socialismo democrático e social democracia.

Há um equívoco lamentável na maioria dos discursos dos próceres socialistas e dos seus conselheiros jornalistas. A Terceira Via foi, na prática, uma ilusão com péssimos resultados, mas a Terceira Via não era essa ilusão. Não o foi, por exemplo, no Reino Unido. A questão é que a Terceira Via, em Portugal, não passou dos discursos e arengas do Guterres. Assim que Guterres ganhou as eleições foi submerso pela caterva mais incompetente e estéril de caciques locais e do aparelho partidário. E a partir daí, Guterres fazia arengas maravilhosas e anestesiantes, que assombravam o país, e o resto do governo e instituições governativas, com muito poucas excepções, funcionavam mal, terrivelmente mal, situação de que o país só tarde demais se começou a dar conta.

Não vou repetir aqui o que já escrevi diversas vezes, e com algum pormenor, neste blog, mas pôr a economia a funcionar não é «combater a "deriva direitista" e a "mão invisível" que por aí anda a manipular a vida política em nome de interesses inconfessáveis». Ignorar as exigências do mercado e distribuir o que não há, não é lutar contra a manipulação da "mão invísivel": é levar o país ao suicídio económico e social.

O desemprego, de forma sustentável, não se combate com gastos públicos. Combate-se diminuindo a despesa pública e, portanto, o ónus sobre os agentes económicos, o que aumenta a competitividade das empresas e a sua capacidade de gerar emprego.

Criar emprego com obras públicas é pôr num lado e tirar do outro. Com a desvantagem que quando acabam essas obras o emprego criado desaparece e o outro, o que havia desaparecido, não regressa. Com a agravante de que o despesismo, na UE, já não se pode curar com a desvalorização. Provoca, a médio prazo, a recessão e o desemprego e essa situação só se cura com pesados sacrifícios e muito lentamente.

A profunda crise de identidade que atravessa o PS desde os tempos de Guterres decorre da esquerda não ter percebido que a economia portuguesa (como a europeia) chegou a uma situação que precisa de uma reforma profunda, certamente traumática, mas necessária. E Eduardo Dâmaso sabe disso, porquanto há cerca de 2 semanas entrevistou Medina Carreira, ouviu isso mesmo, e não pôs em dúvida nada que o ex-ministro socialista então afirmou. Quem cala, consente

Eduardo Dâmaso afirma no fim que o que está em causa não é só encontrar um líder mas devolver o PS a um padrão ético e político que o transformou numa referência essencial da democracia portuguesa.

Ó Dâmaso ... isso não é uma lamechice? Eu olho para o panorama político português dos últimos 20 anos, que vivi, e dos últimos três séculos, sobre os quais li, e não encontro nada que se assemelhe a «uma referência essencial da democracia portuguesa».

Fico-me por aqui ... na coligação já arreei ontem ...

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maio 20, 2004

Santo António e o Pecado do Lucro

A morte de António Champalimaud e os obituários que, nos dias que se seguiram, foram aparecendo nos meios de comunicação, é o exemplo do país que temos – um país pequeno, mesquinho, reverente, que não sabe lidar com o sucesso dos seus filhos.

Entre a subserviência da AR que se “curvou” perante a figura que... e a diabolização feita pelos jornalistas e fazedores de opinião «politicamente correctos», não há qualquer distância: são lídimos exemplares de uma espécie mesquinha e subserviente, porque a mesquinhez e a subserviência são as duas faces de uma mesma moeda.

Champalimaud foi um empresário de sucesso, frio, objectivo e impiedoso. Se não o fosse, não teria feito (e refeito) a sua extraordinária fortuna. Essa frieza tornaram-no numa figura solitária mas única, que os empresários olham com distanciamento, os políticos com desconfiança e os sindicalistas com ódio.

É óbvio que soube aproveitar as facilidades concedidas pela legislação salazarista. Mas é hipocrisia acusá-lo de o ter feito. A legislação existia, porque não a aproveitar? Aliás, se fosse possível “medir a protecção” auferida pelos grandes empresários da época salazarista, certamente que, no caso de Champalimaud, entre o deve e o haver, o benefício líquido de Champalimaud seria inferior ao dos demais.

Ainda hoje, um reverente admirador do bonzo Mário Mesquita, escrevia no Público que «António Champalimaud representava "o mais típico industrial da era salazarista, mandão e prepotente", que erigiu o seu "império cimenteiro e bancário à sombra da protecção que lhe conferia a legislação proteccionista do "condicionamento industrial" e os instrumentos ditatoriais do regime».

Quanto ao “Império Bancário”, sabe-se como a aquisição do BPA por Champalimaud falhou por intervenção do poder político, devido a uma lei posterior feita pelo governo de Marcelo Caetano e com efeitos retroactivos, o que num Estado de Direito seria inconstitucional. Quanto aos Cimentos, o Sr. Luís Costa ignora que a indústria de Cimentos tem uma barreira à entrada fortíssima dada pelo rácio peso/custo muito elevado. Os custos de transporte e a perecibilidade do produto tornam a concorrência a mais de 100 ou 150 kms praticamente impossível. Por outro lado, a dimensão mínima óptima de uma cimenteira é bastante inferior ao consumo anual de cimento em Portugal. Portanto, com ou sem protecção e a menos que houvesse um grande atraso tecnológico, seria impossível a uma cimenteira estrangeira concorrer no mercado português, excepto em algumas áreas fronteiriças do nordeste.

A maior linha de cimentos em Portugal foi construída em Souselas justamente porque aí existe o maciço calcário mais a norte do nosso país. Mas mesmo assim há entrepostos de moagem na Maia e em diversos pontos do norte do país. O produto sai de Souselas ainda na fase de clinker (que não é perecível) e é moído e ensacado nesses entrepostos, onde é distribuído. No caso da Siderurgia, Champalimaud teve efectivamente vantagens. Todavia, uma unidade com aquela dimensão não seria competitiva em economia aberta. E viu-se o que sucedeu, após a nacionalização, com as tentativas canhestras para a manter. Se Champalimaud tivesse continuado à frente da Siderurgia, talvez o país não perdesse tanto dinheiro com a tentativa frustrada de a manter à tona de água.

Este comportamento instável dos portugueses perante o sucesso empresarial é fruto do nosso atraso ideológico. O conceito do lucro como pecado é uma “aquisição” do cristianismo medieval e perdurou nos países católicos, onde a ética protestante não penetrou, nomeadamente naqueles onde o reaccionarismo clerical sobreviveu mais tempo. É conhecida a proposição de São Jerónimo postulando que «dives aut iniquus aut iniqui haeres» (O opulento é criminoso ou filho de criminoso). Nicolau Santos, no Expresso de há dias, punha-a a circular na “versão de Balzac”.

Santo Agostinho exprimiu o receio de que o comércio afastasse os homens do caminho de Deus e a doutrina de que nullus christianus debet esse mercator (Nenhum cristão deve ser mercador) era geral na Igreja dos começos da Idade Média. No Concílio de Latrão de 1179 foi decretada uma série de proibições severas para a usura. Embora com o desenvolvimento da actividade comercial o Direito Canónica começasse a aceitar alguns “desvios” relativamente à “pureza” primitiva, como o conceito do «justo preço» e o do lucrum cessans (lucro cessante) para justificar o juro dos empréstimos em dinheiro, nunca se libertou da concepção pecaminosa do lucro.

Se as doutrinas protestante e puritana foram ou não conducentes, por si mesmas, ao desenvolvimento do espírito capitalista e, portanto, do próprio capitalismo, é problema que não me proponho aqui resolver. O que é historicamente certo é que com o fim do predomínio do Direito Canónico ocorrem profundas alterações nas relações entre o pensamento teológico e pensamento económico. A harmonia entre os princípios da Igreja e a sociedade feudal que fora a determinante da universalização do âmbito do Direito Canónico, declinou com o fim da sociedade feudal. O pensamento canónico, como concepção social, pretendeu encontrar a unidade onde ela não existia, e manteve-se vigente enquanto o equilíbrio instável se não rompeu por completo. Não obstante as tentativas sucessivamente feitas para introduzir elementos éticos, como esteios da armadura do pensamento económico, este rompeu com eles, ante as solicitações dos novos impulsos sociais que lhe eram antagónicos.

É curioso igualmente verificar que, contrariamente às ideias de Marx sobre os países onde as concepções comunistas se afirmariam mais cedo, foi exactamente nos países da Europa Ocidental mais atrasados que os Partidos Comunistas se revelaram mais fortes e têm sobrevivido mais tempo. Se exceptuarmos a Alemanha imperial e de Weimar (que constitui um caso específico, explicado por outras circunstâncias), é no sul da Europa que os partidos comunistas se têm mantido com maior capacidade de sobrevivência.

Nos países onde a ética protestante mais se entranhou na sociedade, os partidos comunistas e afins são, praticamente, inexistentes. Igualmente nesses países o sucesso empresarial é visto com uma óptica completamente diversa daquela que predomina nos países em que o clericalismo mais perdurou.

No fundo, o horror ao lucro, pecaminoso e demonizado, une o clericalismo tardio (o Direito Canónico medieval) e o comunismo, nomeadamente o comunismo cujos conceitos cristalizaram no leninismo. Esse horror ao lucro e ao sucesso empresarial permanece entranhado na nossa sociedade, mesmo nas elites intelectuais que pululam na comunicação social e que se julgam avançadas e modernistas. É uma mistura paradoxal do reaccionarismo clerical milenar, entranhado no subconsciente social, caldeado por conceitos leninistas ultrapassados e esvaziados de conteúdo.

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maio 16, 2004

Abruptamente ... no presente

Tenho que confessar que detesto os pregadores de moral que condenam, com pretensa e seráfica virtude, os vícios alheios, vícios que quando são eles próprios a praticar, os ignoram candidamente, ou os justificam pelas circunstâncias, ou, quando confrontados formalmente com eles, apenas aceitam que se cometeram “exageros”.

É óbvio que os factos descritos no relatório das “sevícias” não desculpam os actos cometidos na prisão de Abu Ghraib. «O mal não pode ser comparado com outro mal. Deve ser condenado por si só». É óbvio que ir desenterrar agora aquele relatório numa tentativa de desculpabilização das sevícias de Abu Ghraib seria uma manobra canhestra.

Então porquê tanta irritação? Tanto incómodo? Tal sucede apenas porque os mais tenazes pregadores moralistas sobre as sevícias de Abu Ghraib são, politicamente, os mesmos que ignoraram o relatório das “sevícias” e que conseguiram que a comunicação social lhe desse pouco ou nenhum relevo. Pelo menos é um relatório praticamente desconhecido de quem não conviveu com essa época e também, provavelmente, de quem conviveu com ela.

No Público, Eunice Lourenço indigna-se escrevendo que foi «Assim como podiam ter ido buscar os crimes da Inquisição para contrapor à condenação das torturas feita pelo Vaticano. E a esquerda cai no erro de, entrar no jogo, justificando e até mesmo negando aquilo que foram, obviamente, os exageros da Revolução

Curiosa, esta indignação. 30 anos de distância é o período de apenas uma geração. Provavelmente mais de metade da população portuguesa actual viveu aquele período. Os crimes da Inquisição ocorreram há mais de 7 gerações. Ocorreram numa sociedade estruturada de forma diferente e com uma estrutura mental igualmente diferente. Para criticar uma comparação, obviamente inadequada, Eunice Lourenço estabelece outra comparação, completamente absurda. E ao dar conselhos à esquerda, Eunice Lourenço devia começar por os dar a si própria. E um deles é que aquilo que num caso são apenas “exageros”, porque não o serão no outro? Ou se num caso forem “sevícias bárbaras” porque não o serão no primeiro?

Quem desenterrou o relatório das “sevícias” errou, se pretendeu estabelecer uma comparação desculpabilizadora. Uma barbaridade não desculpa a outra. Se apenas pretendeu demonstrar a hipocrisia de alguns segmentos políticos portugueses, acertou em cheio. O comportamento de muitos jornalistas, “fazedores de opinião” ou simplesmente blogueiros é prova disso.

Também é curiosa a forma como muitos jornalistas e “fazedores de opinião” reagiram perante a divulgação das imagens aterradoras da decapitação do cidadão americano Nicholas Berg. Uma divulgação parcial, porque mostrar uma decapitação por vídeo, na íntegra, excede a nossa capacidade de conviver com o horror.

No Público de ontem o articulista de «O Horror Infinito», Amílcar Correia, dedica-lhe meio parágrafo e o resto do artigo às sevícias físicas e morais dos soldados americanos. Augusto Seabra faz o mesmo, este domingo, em “A Espiral Alucinante”: um curto e cauteloso parágrafo inicial, dedicado à decapitação, para depois teorizar sobre as sevícias.

As sevícias perpetradas das pelos soldados americanos em Abu Ghraib são condenáveis. A bárbara decapitação pública de Nick Berg é condenável. Ambas o são, uma independentemente da outra. Mas é profundamente hipócrita referir “en passant” uma para se poder dedicar, com mais profundidade e com a “consciência tranquilizada”, à outra.

Miguel Sousa Tavares é mais conspirativo: esta decapitação é uma ajuda prestada pela Al-Qaida a Bush, quando a popularidade deste decrescia em face dos desmandos cometidos por soldados americanos no Iraque. Saberiam aqueles ferozes decapitadores islâmicos que quando separavam a cabeça do corpo de Nick Berg, aos gritos de Alá é grande, estavam a dar uma preciosa ajuda a Bush? Está tudo explicado – aquela decapitação está integrada numa manobra mais vasta que visa o branqueamento das acções americanas no Iraque, com a cumplicidade da Al-Qaida.

Há uma coisa em que MST tem razão. Esta execução abre uma porta para aliviar a consciência da América face às fotografias das humilhações e maus tratos sofridos pelos prisioneiros americanos. Quando a barbaridade atinge tal clímax, direitos humanos, tolerância, tudo é postergado e a sociedade aceita acções que consideraria inaceitáveis normalmente.

E isto deve ser combatido. A nossa sociedade vive do primado do Direito. Também tem, no seu seio, criminosos e gente violenta. Mas as instituições funcionam, melhor ou menos bem, e o Direito, por regra, triunfa. Também neste caso terá de triunfar.

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maio 11, 2004

A vida de um difamador sem profissionalismo

O obituário de Champalimaud por Nicolau Santos (A morte de um litigador profissional) é, no que se refere à actuação de Champalimaud antes do 25 de Abril, um monte de calúnias.

Quem o começa a ler pensará que Champalimaud subiu na vida dando o golpe do baú. Não se percebe como é possível, parágrafos volvidos, escrever que “Champalimaud foi um homem de grande visão antes de 1974”.

Nicolau Santos escreve que “a compra do BPA, que esteve quase a conseguir, iludindo o seu proprietário Cupertino de Miranda, só falhou por intervenção do poder político”. Na única parte em que acertou (“só falhou por intervenção do poder político”) esqueceu-se de acrescentar que foi devido a uma lei feita apressadamente pelo governo de Marcelo Caetano e com efeitos retroactivos, o que num Estado de Direito seria inconstitucional.

Não é verdade que a Lei do Condicionamento Industrial se destinasse a proteger os “grupos nacionais”. A Lei do Condicionamento Industrial destinava-se a evitar que qualquer empresário, nacional ou estrangeiro, entrasse num dado sector industrial, sem autorização governamental e aprovação dos industriais já existentes no sector. A Lei do Condicionamento Industrial era uma barreira à entrada, artificial, institucional, para proteger os interesses já instalados num sector, não os "grupos nacionais" como tal.

Se é verdade que os Mellos cresceram sob a protecção da Lei do Condicionamento Industrial e do governo salazarista, Champalimaud teve mais litígios com os governos de Salazar e Caetano que prebendas.

A indústria cimenteira portuguesa e o nosso know-how nesse sector, deveu-se a Champalimaud. Provavelmente se Champalimaud se tivesse mantido com o controlo da Siderurgia Nacional, nunca ela se tornaria obsoleta. Ou se Champalimaud verificasse que haveria esse risco, em virtude da escala de produção não poder acompanhar a dimensão mínima óptima e a concorrência numa economia aberta, transferiria atempadamente esses investimentos para outro sector industrial mais inovador.

Contrariamente à tradição empresarial portuguesa, António Champalimaud, homem desassombrado e independente num país pequenino e reverente, nunca prestou vassalagem aos governos ou ao Estado e sempre deu as maiores provas de independência e obstinação. Basta ver como, após o 25 de Abril e à nacionalização dos seus activos – Cimentos, Siderurgia, Banca e Seguradoras – conseguiu, refugiado no Brasil, reconstituir um império: Um ultraje para um país mesquinho que olha normalmente com inveja para quem triunfa. Apesar das nacionalizações e dos litígios com os governos portugueses, nomeadamente com o de Marcelo Caetano, Champalimaud surge em 153.º na lista de 2004 dos 500 mais ricos do mundo elaborada pela revista americana Forbes – a maior fortuna portuguesa e uma das maiores do mundo – sem dever nada a ninguém, bem pelo contrário.

Quando regressou a Portugal, em 1994, Champalimaud era, obviamente, um septuagenário azedo. A sua dimensão de empresário industrial não pode ser avaliada por estes últimos 10 anos em Portugal.

A citação final de Balzac é a cereja no bolo do Nicolau. A maior parte do dinheiro ganho por Balzac foi extorquido a "balzaquianas", desiludidas da vida. Foi dinheiro de “alcova”. Só não fez uma grande fortuna porque a sua velocidade a gastar o dinheiro era superior às “remunerações” auferidas.

Publicado por Joana às 09:17 AM | Comentários (13) | TrackBack

abril 25, 2004

Inauguração de uma Galeria

O DN escreve na sua edição de hoje:
«O primeiro-ministro inaugura hoje, na Residência Oficial de S. Bento, uma galeria de fotografias de antigos chefes do Governo desde a Revolução do 25 de Abril. De Adelino da Palma Carlos, que esteve dois meses em funções, até Cavaco Silva (120 meses), passando pelo general Vasco Gonçalves, que completou um ano e dois meses em S. Bento, durante o Verão Quente de 1975. Os outros antigos primeiros-ministros com direito a foto na galeria são António Guterres (77 meses), Mário Soares (53), Pinto Balsemão (30), Sá Carneiro (11), Pinheiro de Azevedo (10), Mota Pinto (8), Lourdes Pintasilgo (6) e Nobre da Costa (3). Todos eles foram convidados para a cerimónia.»

Acrescentamos nós: Á data do fecho da edição ainda não se conheciam as respostas àquele convite de Adelino da Palma Carlos, Sá Carneiro, Pinheiro de Azevedo, Mota Pinto e Nobre da Costa. Espera-se todavia que não recusem, pois seria uma indelicadeza, para além do significado político profundamente negativo de tal recusa

Publicado por Joana às 07:55 PM | Comentários (3) | TrackBack

abril 13, 2004

Portas e a reabertura do Processo Moderna

O ocaso de Portas no mediatismo da vida política nacional tem sido desesperante. Um nome que durante os primeiros 18 meses de governo era pronunciado diariamente, que tinha sobre ele todos os holofotes da comunicação social, que um semanário de referência lhe dedicava páginas sobre páginas todas as semanas, que era objecto de colóquios, conferências, comícios, imprecações, oratórias, prédicas, gritos, soluços, suspiros, mesas redondas, quadradas, elípticas e bicudas, passou a ser ignorado de um dia para a noite. Bastou que estivesse concluído o Processo Moderna.

Reconheçamos que foi extremamente injusto. Uma carreira política que se desenhava fulgurante e cheia de potencialidades ser desvanecida por meras questões processuais ...ou pior, por ausência de questões processuais. Como é possível tanta mesquinhez? Como é transitória e vã a glória deste mundo! Sic transit gloria mundi! Actualmente, já poucos se lembram do Portas. Apenas Soares tenta promovê-lo, mas desajeitadamente. Além do que já ninguém liga ao Soares, que está completamente xexé. É preciso algo inovador.

Pela acção governamental não parece possível conseguir tal desiderato. A pasta ministerial que Portas sobraça é espinhosa. Um Ministério da Defesa sub-equipado, e sob a tutela espiritual do PR, não se presta a grandes feitos. Se tivesse as possibilidades humanas e materiais do Rumsfeld e a tutela de um Bush, outro galo lhe cantaria. Provavelmente já estaria no Deserto Sírio, na estrada de Damasco, cabelos ao vento, fácies heróico e lábios arrepanhados num rictus firme, a comandar um blitzkrieg sobre essa cidade infiel.

Mas em Portugal apenas lhe restam os submarinos. Porém, os submarinos têm uma característica profundamente antipática para um político: devem estar imersos. Ora estar imerso é, para um político, a contrariedade máxima.

E Portas tem, nesta tentativa premente de relançar a sua imagem, um aliado de peso. É que não foi apenas Porta que caiu no olvido, O Expresso está de rastos: J A Lima e J A Saraiva limitam-se a escrevinhar umas trivialidades que lançam às vorazes piranhas que infestam o on-line para as manterem entretidas a estraçalharem-lhes os parágrafos. A edição semanal está pelas ruas da amargura. Foram tentadas abordagens novas, mas sem resultados. Mesmo um figurino estilo «24 Horas» falhou, pois o «24 Horas» é inimitável.

Semiramis, sempre atenta à vida política e mundana dos tugas, conseguiu todavia desvendar algo que está a preparar na sombra e que promete bastante. Há dias, num restaurante discreto dos arredores de Lisboa, Portas, JAS e JAL tiveram um longo almoço onde delinearam uma estratégia para trazer novamente Portas para a ribalta e o Expresso para as bancas.

Semiramis, numa mesa prudentemente resguardada da curiosidade de estranhos, não conseguiu, por via disso, inteiro acesso aos planos daqueles discretos comensais, mas o facto da conta ser paga por Luís Filipe Vieira que almoçava, com Dias da Cunha, noutra mesa judiciosamente afastada, e de esta factura ser posteriormente entregue, de forma disfarçada e conspirativa, a um circunspecto JA Lima, já fornece um indício seguro de que algo se irá passar nos próximos dias na comunicação social.

Compadrio com os mídia, almoços pagos por outrem e ligações perigosas com os sórdidos meios futebolísticos são uma ementa suculenta para qualquer semanário à beira da exaustão inspirativa e para qualquer político em crise de protagonismo.

Por outro lado perspectiva-se uma reabertura do processo Moderna. Segundo pudemos observar, Portas teria fornecido, aos seus colegas de infortúnio mediático, dezenas de fotografias de um Jaguar em zonas de estacionamento proibido, em cima de passeios, relvados, e a circular a 185km/h, em contra-mão, defronte do Palácio de Belém. Segundo obviamente se depreende, este copioso acervo documental poderá ser carreado para o processo como novo elemento de prova, permitindo a sua reabertura e, em simultâneo, o recomeço da excitante e imaginativa novela jornalística. O sorriso escarninho do JAL era óbvio.

Aguardam-se novos e prometedores desenvolvimentos nesta matéria. Não podemos deixar empalidecer a estrela de Portas; não podemos deixar o Expresso resvalar para a banalidade mais insípida. Há que proteger essas duas instituições nacionais.

Todos nós precisamos de um Portas com protagonismo: são os meios de comunicação em crise de material, é a oposição em crise de causas, é o governo em crise de ideias, é o PR em crise de banalidades, é o Soares em crise de senilidade, é o défice em crise “tout court” e é o Durão absolutamente, definitivamente.

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março 17, 2004

Jornalistas e Sacerdotes

O Sindicato dos Jornalistas defendeu ontem na Assembleia da República a revisão do regime do sigilo profissional dos jornalistas de modo a que estes passem a ter um regime de protecção semelhante àquele de que gozam os sacerdotes, ou seja, total.

Pelo que os jornalistas consideram que a cobertura que fazem dos acontecimentos e as informações que recebem têm as mesmas característica que o múnus sacerdotal no que respeita à confissão dos crentes.

Portanto, quando a Manuela Moura Guedes escancara a boca para os telespectadores está, ao contrário do que a terrificada audiência possa julgar, a recitar uma piedosa homilia no legítimo exercício do seu múnus jornalístico. As fontes fidedignas e anónimas que servem de suporte às suas vociferações são apenas humildes pecadores que resolveram escolher o caminho do Senhor e confessarem os seus (e dos outros) ominosos pecados ao jornalista mais próximo, em sotaina ou à civil.

Quanto aos sacerdotes têm agora a via aberta para concorrerem com os jornalistas no que toca às notícias. Numa primeira, e prudente, fase dedicar-se-ão, durante as homilias, apenas a notícias locais, da sua paróquia:

- Segundo asseguraram fontes fidedignas no meu confessionário, a Dona Gertrudes anda a cometer um pecaminoso e reiterado adultério com o Chico do Cabeço dos Sapos; de acordo com as mesmas fontes, estes pecados já são do conhecimento do home da Dona Gertrudes e aguarda-se um iminente desfecho. No próximo domingo pô-los-ei ao corrente dos novos desenvolvimentos, a menos que os desígnios insondáveis do Senhor levem a que os acontecimentos se precipitem. Se isso ocorrer darei deles notícia na missa (ou missas) de corpo presente do(s) protagonista(s) deste hediondo caso.

Depois, à medida que a capacidade sacerdotal do tratamento informativo se desenvolver e tornar mais abrangente, teremos nas homilias e prédicas de domingo nas TV’s, verdadeiros noticiários a concorrer abertamente com os telejornais, apesar do horário não aparentar ser dos mais apropriados. E, quiçá, os horários nobres começarem a transferir-se para as manhãs de domingo pelo incremento inusitado das audiências do pessoal entusiasmado pelas sanguinolentas descrições dos sacerdotes-notícia.

A parenética portuguesa vai sofrer uma reviravolta drástica, não apenas a parenética até agora circunscrita ao múnus sacerdotal, como a nova parenética jornalista que emergirá destes novos conceitos defendidos pelo Sindicato dos Jornalistas. Quem sabe se os sermões da Manuela Moura Guedes não se tornarão um clássico, não da literatura, obviamente, mas do audiovisual. Porque ouvir aquelas prédicas sem lhes visualizar a origem, aquela boca magnífica que ocupa dezenas de polegadas em qualquer televisor, por pequeno que seja, é perder 99% do impacte e da quantidade artística.

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fevereiro 25, 2004

Um Novo Nicho de Mercado: O Turismo do Desgosto

A situação económica portuguesa é preocupante e a nossa balança de transacções com o exterior continua negativa, apesar do rendimento disponível das famílias ter estagnado ou mesmo diminuído. O país precisa urgentemente de aumentar as suas receitas na área de exportação de bens e serviços.

Tenho-me dedicado devotadamente a investigações nesta área, intentando obviar o fraco desempenho do Ministro da Economia e a nulidade da acção cadilheana da Agência Portuguesa para o Investimento, diligenciando salvar o país da embrulhada em que está. Essa minha investigação, apesar de não ser subsidiada (ou talvez por isso mesmo) está já a revelar-se frutuosa. Acabo de inventariar um importante nicho de mercado que, devidamente trabalhado, pode salvar o país do atoleiro em que se encontra. Em face do relevo e da importância da comunicação que decidi fazer sobre essa matéria, entendi revelá-la aqui, por considerar ser este o local mais apropriado.

Um recente relatório britânico revelou a emergência de um novo e extenso fenómeno social, que esse relatório designa por «turismo do desgosto». Os britânicos trocaram gradualmente a sua lendária fleuma por uma espécie de «desgosto», expresso após a morte de celebridades, vítimas de crimes ou desgraças alheias o que parece configurar um «desgosto recreativo» puramente egoísta e voyeurista. Este «desgosto», acrescenta o relatório, é consumido «como um acontecimento agradável, um pouco como assistir a um jogo de futebol».

Portanto está definido um enorme segmento de procura. Ora sucede que nós somos os que temos a oferta mais inovadora neste domínio. Quotidianamente os Jornais da Noite (e da Tarde), Jornais Nacionais e TVI Jornais, Telejornais, etc., em horários nobres, em horários plebeus e em horários servis, servem-nos um manancial inesgotável das desgraças mais definitivas, das misérias mais acabrunhantes, dos desgostos mais pungentes, casas que ressumam humidade, com soalhos desfeitos, ou mesmo sem soalhos, choças que albergam a mãe, o pai, a madrasta, os ascendentes, os colaterais e dezenas de descendentes, gente envenenada por monóxido de carbono desprendido de esquentadores, braseiras, etc., toneladas de chapas retorcidas e fumegantes espalhadas por todas as Auto-estradas, IP’s, IC’s e estradas municipais, todos os cataclismos nacionais e internacionais, ocorridos nos últimos dias, com os pormenores mais sanguinários, miseráveis e aviltantes, que as cameras conseguiram captar. Cada desgraça é repetida, dias a fio, até à exaustão, para que o «turista do desgosto» (por enquanto apenas turistas nacionais) possam aperceber-se de toda a amplitude, pormenores, consequências, etc., da desgraça em causa, e usufruí-la toda, libá-la até ao fundo, sem que lhe escape o mais ínfimo pormenor.

O relatório diz que o desgosto é desporto favorito dos britânicos. Ora apenas nós conseguimos aliar desporto e desgosto com tanto saber e com um requinte tão malevolente e recreativo. Durante uma semana transmitimos a morte de um jogador num estádio dezenas de milhar de vezes, de todas as perspectivas possíveis e sob todos os ângulos imagináveis e inimagináveis, com as imagens correndo à velocidade normal ou a todas as velocidades intermédias possíveis. Numa semana, aquele jogador foi morto dezenas de milhar de vezes com um requinte e um talento que apenas os nossos editores televisivos são capazes.

Portanto, há uma procura enorme, cerca de sessenta milhões de britânicos, e uma oferta imbatível, inovadora, única no mundo – cada TV portuguesa passa, por sessão (com várias sessões diárias), uma hora e meia de uma descrição massacrante de desgraças de tal monta que nem os 4 (ou mesmo 4 mil, ou 4 milhões) Cavaleiros do Apocalipse, nem a abertura de todas as Caixas de Pandora, poderiam fornecer um painel tão completo e um cardápio tão variado.

Apenas nós estamos aptos a satisfazer os anseios de uma época «caracterizada por lágrimas de crocodilo e emoções pré-fabricadas» e produzir em tão larga escala «manifestações vazias de compaixão pública». Temos que aproveitar.

Portanto propõe-se o estabelecimento de uma ponte aérea entre o Reino Unido e Portugal e a legendagem em inglês dos telejornais, embora esta última medida possa não ser necessária, porquanto as imagens são de tal forma arrepiantes e significativas que qualquer palavra é nociva, pois apenas desvia a atenção do «turista do desgosto» da crueza e sanguinária beleza da imagem. E nós queremos que o «turista do desgosto» frua todo aquele sangue, membros retorcidos, corpos decapitados ou a arder, mortes em directo, etc., em toda a sua plenitude, em toda a sua beleza natural e selvática.

E este turismo tem outra vantagem - é complementar do turismo baseado no sol e praias. Como as desgraças maiores acontecem com a intempérie, chuva, neve, etc., a procura turística será maior no inverno que no verão, o que manterá a indústria hoteleira com ocupações elevadas durante todo o ano. Aliás, se o êxito desta iniciativa induzir uma ocupação superior à da época estival, podemos colmatar essa sazonalidade, deitando fogo às florestas na época baixa (Julho, Agosto). Temos boas condições para manter uma elevada procura nesta área: excelentes pirómanos (alguns acumulam com o serem bombeiros, o que lhes dá um know-how específico muito elevado), bombeiros que alugam a terceiros os seus equipamentos de combate aos fogos, florestas que não são desmatadas, quer por iniciativa dos particulares e do Estado, quer porque o ICN quer proteger a biodiversidade, etc.. E acima de tudo temos extraordinários captadores e editores de imagens cruéis, catastróficas e sanguinárias.

Os portugueses têm importantes vantagens comparativas neste nicho de mercado e seria estulto não as aproveitar imediatamente.

Publicado por Joana às 07:57 PM | Comentários (27) | TrackBack

fevereiro 01, 2004

A Ressaca Hutton

Depois de algumas horas de estupor perante a visão de uma mundividência estranha e contrária aos nossos costumes, os jornalistas puro sangue lusitano começaram a reagir ao relatório Hutton.

E era urgente, porquanto o próprio PR, que normalmente só diz banalidades, quinta-feira à noite afirmava peremptoriamente, no Porto, que Portugal «precisava era de um Lord Hutton». O PR teria a desculpa de estar adrenalinizado pelo caso das cartas anónimas, mas os jornalistas portugueses estavam confrontados com um péssimo exemplo, que instava erradicar antes que frutificasse.

No Público de hoje, dois nomes tão distantes como Mário Mesquita, o guru do jornalismo português, e Ana Sá Lopes, provavelmente a jornalista portuguesa em que o emaranhado das teias de aranha ideológicas que lhe sedimentaram o crânio mais distorcem a objectividade dos factos, congregaram forças e investiram contra o Relatório Hutton.

Uma das formas de viciar a objectividade dos factos é explicá-los inserindo-os numa ameaça conspirativa. E se essa ameaça for protagonizada pelas omnipotentes forças do mal (os patrões dos grandes grupos multimédia) contra as indefesas forças do bem ("serviços públicos" de televisão), então temos os condimentos necessários para empolgar os que querem ser convencidos. A prova era evidente e não escapou à mente perspicaz do nosso guru: o relatório Hutton foi noticiado, em primeira-mão, pelo tablóide "Sun", propriedade de Murdoch, através uma "fuga de informação"- eis a «prova» evidente e irrefutável da conspiração.

E o nosso guru, com um poder dedutivo potenciado pela necessidade de acudir à corporação dos jornalistas pouco escrupulosos em matéria de objectividade e de rigor ético, apercebeu-se, com limpidez, dos «bem encenados protestos de Blair e de Hutton» contra a violação do segredo de justiça que permitiu antecipar a publicitação do relatório e denuncia-os. Os factos que permitiram ao nosso guru uma dedução tão brilhante sobre a «boa encenação dos protestos», não foram aduzidos. Mas que importa, aos jornalistas puro sangue lusitano, o embaraço incómodo dos factos?

Está tudo explicado. E o nosso guru acrescenta “três quartos da reportagem investigativa do jornalista Andrew Gilligan era rigorosa e exacta. A acusação do "Hutton report" centra-se num único ponto, justamente considerado muito grave. Gilligan "apimentou" a sua reportagem com extrapolações abusivas. Este procedimento é condenável, mas não contamina toda a reportagem”.

Portanto, na opinião corporativa de Mário Mesquita, o facto de 25% da reportagem estar apimentada com extrapolações abusivas e serem estas justamente o motivo da polémica, e que indirectamente estiveram no suicídio de David Kelly, não contaminava a reportagem. Pois não, Mário Mesquita, não contaminava a reportagem para aqueles que queriam acreditar nas extrapolações abusivas; não contaminava a reportagem para quem tem uma ideia pouco escrupulosa do que deve ser o rigor da informação, nomeadamente quando as extrapolações abusivas incidiam sobre as informações de David Kelly, deixando de rastos a integridade profissional do infeliz biólogo britânico.

Outra forma de viciar a objectividade dos factos é inquiná-los com alegações moralistas. E, nesta vertente, também brilhou o nosso guru. Para Mário Mesquita, as passagens do "Hutton report" relativas às causas da morte de David Kelly representam um exercício conjugado de positivismo jurídico e de psicologia de cordel, e desrespeitam a sua memória. Portanto, julgar condenável a desobediência de um funcionário ao "código de conduta" da função pública, é desrespeitar a memória do mesmo.

Mário Mesquita está redondamente enganado. A forma de respeitar a memória de David Kelly é sublinhar que foi a sua integridade e as extrapolações abusivas sobre as suas declarações que o levaram ao suicídio. Para Mário Mesquita não existem "códigos éticos", mas para a integridade profissional de David Kelly existiam. Por isso ele se suicidou; por isso Mário Mesquita não percebe porquê; por isso eu escrevi há dias que estamos perante duas civilizações diferentes.


Quanto à depoente Ana Sá Lopes não vale a pena perder tempo com ela. O seu escrito é típico da facção que julga que os fins legitimam os meios. A intervenção militar no Iraque foi, na sua opinião, uma guerra injusta e Blair deve ser condenado. Portanto, qualquer que seja a matéria sobre que esteja a ser julgado, tudo o que ilibe Blair e o governo britânico, mesmo quando não é a justeza dessa intervenção que esteja a ser julgada, como foi o caso do inquérito Hutton, é de «um maniqueísmo extremo».

A invasão do Iraque é, para Ana Sá Lopes, o pecado original de Blair. Pior, visto o pecado original poder lavado na pia baptismal, enquanto que o pecado do apóstata Blair não tem lavagem possível. A partir deste vício de julgamento, qualquer comportamento de Blair sobre qualquer matéria ou objecto, está condenado à partida – pois quê, então ele não invadiu injustamente o Iraque?

Delenda Blair

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janeiro 26, 2004

Os limites do Quarto Poder

A sondagem realizada pela Universidade Católica mostra claramente os limites da influência dos meios de comunicação e o limiar a partir do qual a comunicação deixa de ser eficaz e se vira contra o emissor.

De acordo com a referida sondagem 61 por cento da população considera que os mídia que violarem o segredo de justiça devem ser punidos. Esta percentagem sobe para 76 por cento para a faixa etária entre os 18 e os 24 anos e 75 por cento entre os 25 e os 34 anos. As pessoas mais velhas, provavelmente valorizando mais a sua experiência dos tempos da ditadura e da censura, são bastante menos penalizadores para os mídia.

Quanto à forma como os mídia trataram o caso Casa Pia, e interrogados sobre uma apreciação geral sobre o papel dos mídia, 55 por cento responderam que este é mais positivo que negativo, enquanto 30 por cento responderam o oposto.

Ora o caso Casa Pia foi um das paradigmas da importância dos mídia no trazer para a opinião pública factos relacionados com o caso e em pressionar a justiça para não deixar cair aqueles actos no olvido. É sintomática a forma como a opinião pública encara, actualmente, o papel da comunicação social nesse caso. Se esta sondagem tivesse sido feita há um ano, ou mesmo há menos tempo, provavelmente os resultados seriam muito diversos. A opinião pública tem reagido mal aos excessos recentes dos mídia.

Os mídia portugueses sofrem da maleita geral da sociedade portuguesa: falta de profissionalismo e tendência para uma grande ligeireza de actuação, pouco respeitadora da deontologia profissional. Aliás, quando se é amador, não há, obviamente, deontologia profissional, quanto muito haverá “deontologia amadora”. E é isso que temos.

Se analisarmos a actuação de Bob Woodward, Carl Bernstein e das chefias de redacção do Washington Post durante o Caso Watergate, superiormente descrita no filme «Os Homens do Presidente» (All the President’s Men), vemos um grande rigor de actuação, um enorme cuidado com as fundamentações das notícias e com a forma como estas eram veiculadas e o preterir do sensacionalismo e do imediatismo perante o rigor e a ética.

Não me parece que este rigor e ética existam, na mesma medida, nos meios de comunicação portugueses. E isso tem os seus custos. Alguns benefícios a curto prazo, nas audiências, mas custos muito mais importantes, a médio e longo prazo, na sua credibilidade. E seria bom que os nossos mídia compreendessem isso

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janeiro 12, 2004

Mensageiros e Jornalistas

Uma prática corrente nos despotismos orientais era o monarca mandar decapitar o mensageiro portador de más notícias ou, pelo menos, notícias que lhe desagradavam: as suas hostes terem sido desfeiteadas numa batalha; ter eclodido uma insurreição tumultuosa numa província distante; a fuga misteriosa de uma azémola com os alforges carregados com a colecta de impostos; uma concubina mais voluptuosa ter sido apanhada em teres e haveres de carne com algum musculoso capitão dos janízaros, etc., etc..

Actualmente, e sempre que censurados por políticos, ou por outros sectores da sociedade civil, pelo conteúdo e forma das notícias que propalam, os jornalistas aparecem a protagonizarem-se, a si próprios, como os mensageiros dessas épocas despóticas face à sanguinária ambição de lhes verem as cabeças separadas dos troncos. Cada vez que surge uma crítica sobre o excesso de algumas notícias, sobre a eventualidade de estarem, desnecessariamente, a invadir a privacidade ou a menoscabar o direito ao bom nome de alguém, os jornalistas, pressurosos, em coro, clamam que o que querem é matar o mensageiro, pois eles não passam de mensageiros, que quem critica o estilo noticioso não é senão um aprendiz de déspota oriental, uma aberração do passado que resistiu à voracidade do tempo e que aparece agora em pleno século XXI, pulverulento, com o bolor dos séculos, a reproduzir costumes de épocas bárbaras.

Julgo que os senhores jornalistas exageram nessa comparação. Se, por absurdo, ela fosse verídica, todo o pessoal da TVI já estaria decapitado. Todas as noites, no horário nobre, qual Hidra de Lerna, Manuela Moura Guedes seria decapitada pelo sujeito da notícia, em travesti de Hércules. Mais macabro ainda - seria decapitada dezenas de vezes por noticiário. Haveria uma fila de Hércules à porta dos estúdios da TVI, à espera de vez (*). E o mesmo aconteceria, com maior ou menor carnificina, com os outros operadores de televisão. Não haveria lanças suficientes para enfeitar com tanta cabeça!

Quanto aos jornais, a chacina seria enorme. Nem quero pensar no que sucederia ao Expresso, esse respeitável semanário, com a cabeça do J A Lima a ser cortada semanalmente durante a fase mais mediática do processo do Caso Moderna. A própria Clara Pinto Correia, por muito que alegasse que apenas traduzia mensagens do New Yorker, veria a sua delicada cabeça ser separada do tronco e o algoz mostrá-la, triunfalmente, à populaça reunida ao redor do patíbulo.

Não, meus caros senhores jornalistas: os costumes actuais estão muito distantes dos dessas épocas bárbaras. Não asseguro se melhores, se piores, mas são, seguramente, diferentes.

Mas mesmo nessas épocas os mensageiros de então não poderiam ser equiparados aos jornalistas actuais.

Os mensageiros dessas épocas apareciam rastejando aos pés do soberano e balbuciavam, com voz tremente e suplicante, uma versão sucinta e favorecida do desastre. Depois eram escoltados até ao terreiro público onde o algoz, sob o rufar dos tambores, procedia à execução com todo o ritual da época. Decorria tudo com o máximo profissionalismo e respeito pelo direito consuetudinário.

Um jornalista actual surgiria pletórico de prosápia e descreveria a infausta ocorrência com a máxima acutilância e levando ao requinte a descrição dos pormenores mais sanguinolentos, sádicos e macabros, como é habitual nos horários nobres das TV’s. Esse jornalista dificilmente passaria da segunda frase, pois o próprio sultão, por muita indolência contraída pelo longo e fastidioso exercício do cargo, teria alento suficiente para puxar da sua cimitarra e, num golpe rápido e faiscante, decapitar logo ali o verboso jornalista. O déspota oriental não ordenaria a sua execução, antes liquidá-lo-ia imediatamente, de preferência ao incómodo de continuar a assistir à sanguinária descrição. Não lhe daria o tratamento de favor do imponente ritual de uma execução pública.

A menos que o sultão tivesse um comando à distância que apagasse o mensageiro e fizesse o zapping da imagem para o Canal Hollywood, People & Arts ou Discovery.

(*) Não é seguro que o Departamento de Marketing da TVI não se entusiasme com esta ideia e a ponha em prática, afim de aumentar as audiências e recolocar a TVI no primeiro lugar do share.

Nesse caso aviso que tenho o direito de cobrar uma quantia apropriada ao êxito da iniciativa.

Publicado por Joana às 07:38 PM | Comentários (12) | TrackBack

janeiro 06, 2004

Acto de Contrição

Ontem fui verrinosa para com o Madrinha. Mas hoje sinto-me na obrigação de citar um novo artigo publicado no Expresso online, da autoria do José António Lima, bem escrito, como o JAL é capaz quando não anda obcecado pelo fantasma de Paulo Portas, envolto num horrendo lençol branco, arrastando as correntes, com tilintares sinistros, e a entrar em jaguares flamejantes.

JAL põe o problema correctamente, sem preocupações de defesa corporativa. Impecável.

Há um pormenor em que discordo, mas pouco relevante. O JAL sugere que teria sido preferível arquivar as «tais cartas anónimas, irrelevantes» à parte, embora reconheça que tal «não obstaria à sua posterior publicação por quem estivesse e está, como se constata, tacticamente interessado em fazê-lo, para desacreditar a investigação judicial».

Não tenho formação jurídica, mas o bom senso (admitindo que eu o tenha) leva-me a considerar que, sendo o risco de divulgação praticamente idêntico, o lugar delas é junto ao processo, anexadas a ele.

Publicado por Joana às 08:26 PM | Comentários (8) | TrackBack

Fernando Madrinha e o retro-piaçaba

O que Fernando Madrinha publicou hoje no Expresso online é do corporativismo mais bacoco que se pode imaginar, nomeadamente vindo de alguém que sempre havia mostrado contenção e bom senso, mesmo nas épocas mais insensatas que o Expresso atravessou.

Fernando Madrinha escreve “No caso da famosa carta anónima, parece evidente que os jornalistas foram, como muitas vezes acontece, meros instrumentos de fontes com propósitos bem mais criminosos do que os deles. “

Instrumentos, Madrinha? Os jornalistas, na hierarquia animal, estão assim tão baixo? Pior, instrumento nem sequer pertence à hierarquia animal. Você relega os jornalistas para o mundo dos objectos inanimados.

E que instrumento será então um jornalista? Bem, para lidar com excrementos, só me lembro de um: o piaçaba.

Mas o piaçaba serve para ajudar a vazar os excrementos para a rede de saneamento. Neste caso será um piaçaba que traz os excrementos para fora, para a opinião pública.

Madrinha, aviso-o que você acabou de definir o jornalista como um retro-piaçaba.

Publicado por Joana às 11:46 AM | Comentários (11) | TrackBack

janeiro 04, 2004

O Curioso Incidente da Carta Anónima

Ou onde Semiramis Holmes tenta decifrar um mistério

Há uma carta anónima anexada ao processo da pedofilia, onde estão mencionadas 12 pessoas, distribuídas sexualmente por 9 homens e 3 mulheres e politicamente por 7 PSD, 3 PS e 2 PP. Ao que parece há perto de uma centena de cartas anónimas anexadas ao processo. Todavia só aquela carta foi citada publicamente e tem merecida a atenção quotidiana de todos os meios de comunicação e, dos 12 nomes, só o PR e o comissário europeu, ambos do PS, foram publica e quotidianamente citados.

Vem-me à memória esta curiosa passagem de Conan Doyle:

– Queria chamar-lhe a atenção para o curioso incidente do cão durante a noite.
– Mas o cão não fez nada durante a noite!
Foi esse o curioso incidente – observou Sherlock Holmes.

Ou, numa versão mais actualizada

– Queria chamar-vos a atenção para o curioso incidente da carta anónima anexada ao processo.
– Mas o carta anónima não tem qualquer significado!
Foi esse o curioso incidente – observa Semiramis Holmes.

O que é relevante neste curioso incidente é justamente a carta não conter acusações fundamentadas, isto é, não ter qualquer significado;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente esta carta sem relevância ter vindo a público, entre a centena de cartas anónimas anexadas ao processo;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente o serem apenas citados publicamente dois políticos do PS, de entre os 12 políticos que constavam da carta;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente essa citação ser usada para alegar que a anexação daquela carta, com aquelas 2 citações, poderá configurar uma violação de uma norma do Código de Processo Penal pelo procurador João Guerra;

O que é relevante neste curioso incidente é justamente o coro dos meios de comunicação, citando "diversos juristas", afirmar que a atitude do procurador, anexando aquela carta ao processo, com aquelas 2 citações, no meio da outra centena de cartas e de mais de uma dezena de nomes citados, pode sujeitá-lo a um processo disciplinar;

O que é relevante neste curioso incidente é o coro da tragédia casapiana, que cada vez declama mais alto e mais forte, não se sabe se para dar inteligibilidade ou ininteligibilidade aos espectadores sobre o drama que se desenrola no palco e, principalmente, nos bastidores, dar a entender que é pior uma carta anónima caluniosa, mas disponível para consulta, que destrui-la, criando as condições óptimas para fomentar boatos, incontestáveis face à destruição da carta;

O que é relevante neste curioso incidente é os iluminados exegetas do processo que escrevem nos meios de comunicação, sugerirem que “aquela” carta deveria ter sido destruída, por ser irrelevante, acto que a ocorrer, abriria caminho para que se instalasse a dúvida, face a cartas entretanto destruídas no âmbito de um dado processo, se seriam ou não realmente irrelevantes, ou se sendo-o irrelevantes naquele momento, não poderiam tornar-se relevantes mais tarde; ou pior, possibilitar a destruição selectiva de documentos, pois a sua destruição dependeria do entendimento do responsável pela investigação;

O que é relevante neste curioso incidente é o coro da tragédia casapiana não se mostrar minimamente preocupado com o conteúdo da carta, que é irrelevante, nem com os restantes nomes não citados, o que são inúteis, o que indicia que além de inúteis, serão porventura perniciosos para os objectivos do coro;

O que é relevante neste curioso incidente é o coro da tragédia casapiana ter decorado o papel que está a declamar de forma tão determinada, que o PGR foi obrigado a fazer declarações sucessivas, porquanto o coro interpretava cada declaração do PGR de acordo com o papel que desempenha tão devotadamente, e não de acordo com o sentido que o PGR pretendia dar;

Portanto o que é relevante nesta carta é ela não ter relevo, conter o nome de 2 políticos socialistas de nomeada (um deles o PR) e poder, por via disso, ser usada numa campanha contra a equipa do Ministério Público que conduziu as investigações.

Campanha que atingiu tal dimensão que o PGR teve que vir a terreiro sublinhar que "autores da campanha de intoxicação da opinião pública a que temos assistido" são avisados de que não é "descredibilizando artificiosamente o trabalho de investigação feito" e "pondo em causa a correcção de procedimentos levados a cabo pelo Ministério Público" que "atingirão os seus objectivos". E fazê-lo desta forma tão clara para evitar que os meios de comunicação o continuassem a interpretar ao invés.

Elementar, meu caro Watson, este curioso incidente interessa a quem pretende que estejamos a discutir questões processuais do processo da pedofilia e não a questão da pedofilia e da justiça para as suas vítimas.


Nota: o texto de Conan Doyle é o seguinte:
"Is there any point to which you would wish to draw my attention?"
"To the curious incident of the dog in the night-time."
"The dog did nothing in the night-time."
"That was the curious incident," remarked Sherlock Holmes.

Publicado por Joana às 09:55 PM | Comentários (28) | TrackBack

novembro 24, 2003

A Fragilidade dos Políticos

José António Saraiva, numa entrevista à SIC Notícias disse, há dias, algo que eu já referi por diversas vezes mas que, vindo dele, tem um duplo peso: ele é o Director do Expresso e, ao produzir aquelas afirmações, fê-lo como juiz em causa própria e pleiteando contra si. Opinou o José António Saraiva que os políticos não deviam mostrar tanta fragilidade perante os mídia, calendarizando a sua actuação de acordo com os timings mediáticos e capitulando sem condições perante afirmações ou acusações dos mídia.

De há muito que tenho essa opinião, mas vendo-a de uma forma algo diferente. Os políticos (e os jornalistas) estão convencidos de que as opiniões emitidas nos mídia têm um poder muito superior ao que realmente possuem. Estão enganados. Basta observar que Paulo Portas nunca desceu das sondagens, apesar da campanha movida contra ele e da sua prestação política ter sido apenas mediana.

Todavia o que o José António Saraiva disse é um facto. A classe política é de uma grande fragilidade perante a comunicação social. Deve isso à sua pouca competência. Mas é uma incompetência que se acentua. A política está, pouco a pouco, a ser uma actividade exercida por quem não tem outras capacidades ou não consegue encontrar alternativa mais atractiva. Cada vez menos, gente com capacidade está interessada em trocar a sua profissão por uma vida política, sujeita à permanente devassa, às mais sórdidas suposições e sem uma remuneração adequada. Cada vez mais a classe política se recruta nos aparelhos partidários, na administração pública, nas universidades. Cada vez menos as actividades que geram a riqueza nacional, que induzem e alimentam o funcionamento das restantes actividades, se encontram representadas na classe política. Cada vez menos a classe política conhece, por dentro, o funcionamento, os problemas e as necessidades do tecido produtivo do país.

Cada vez mais a política está distanciada do país, formula sentenças abstractas e tenta ajustar os factos às suas abstracções.

Publicado por Joana às 12:35 PM | Comentários (13) | TrackBack

novembro 14, 2003

Jornalistas que não lêem o que escrevem

Os meios de comunicação têm alertado para os riscos que os efectivos da GNR correm ao irem para o Iraque.

Todo o país tem sido advertido para esses riscos. O sul do Iraque seguro? Nada está seguro! Nem os americanos, nem os britânicos têm o controlo da situação. O Iraque está num caos! Olhem o que aconteceu aos carabinieri italianos! Os GNR estão sob um risco tremendo! Que Deus se amerceie deles, empurrados para aquele inferno por uma política errónea!

E os jornalistas, temerosos pela sorte dos GNR, ávidos de mostrarem ao público português a situação logística dos GNR, os perigos que aqueles infelizes correm, lá foram rápidos e determinados, pelo deserto dentro, sem escolta militar, armados de cameras de filmar, máquinas digitais, telefones via satélite, microfones, toda a parafernália comunicacional.

Esqueceram-se apenas de uma coisa: lerem as reportagens que tinham enviado ou ouvirem os relatos que tinham transmitido, e pelos quais se poderiam ter elucidado que o Iraque está num caos e que é perigoso transitar mesmo com escolta militar … quanto mais sem escolta!

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outubro 06, 2003

Estou perturbada

Fiquei perturbada. Vi a sessão dos “Prós e Contras” sobre o Casino de Lisboa e nunca mais me reencontrei. O meu ego, que tanta exaltação tem provocado, ficou espalhado pela sala, os meus conceitos dispersos e subvertidos. Socorrendo-me de Marx, estou em plena umwältzung!

Vi o Presidente da CML, que quando Secretário de Estado da Cultura confundia violinos com pianos e o Chopin sabe-se lá com quem, ser incensado até às lágrimas pelos mais distintos actores e actrizes da nossa terra, agradecendo-lhe penhorados e comovidos o projecto para um casino no Parque Mayer, como alavanca para uma revitalização sustentável das salas de espectáculo naquele antigo espaço lúdico lisboeta.

Ao seu lado, Assis Ferreira que, a ter em conta alguns textos do Expresso, seria o futuro sinistro representante, no coração de Lisboa, das tríades macaenses, essa figura nefasta, atrás do qual se perfilaria a sombra ominosa de Stanley Ho, era idolatrado pelos mesmos artistas, de olhos humedecidos por lágrimas rebeldes, como um mecenas empenhado na manutenção da vida teatral, dos seus empregos, enfim ... a sua tábua de salvação no desespero de uma actividade sem segurança nem compensação financeira. Pior! Era certificado como uma figura ímpar no panorama cultural português! Um desespero!

Ah! Como então segui a torrente argumentativa do Miguel Portas, as variações que ele foi executando sobre o tema do pecado do jogo, variações que começaram em ré e que, à medida que aumentava a hostilidade dos artistas da plateia (ó como compreendo ser o lugar dos artistas no palco e nunca na plateia!!), foram andando de nota em nota até acabar num perfeito dó, menos que sustenido. E reconheçamos quanto os artistas foram injustos, porquanto os argumentos do M Portas eram intelectualmente elevados e só não colheram porque os artistas estavam demasiado preocupados com as pequenas misérias deste mundo: exercer a sua profissão, pagar a renda de casa, comer um bife de quando em vez, ... enfim ... coisas materiais mesquinhas.

Estava siderada! Pois quê? Os artistas a beatificarem um play-boy de direita e um intelectual de esquerda a exorcizar o pecado? Estaria eu no Universo Anti-matéria?

Mas perder uma batalha não é perder a guerra e eu esperava, fremente de ansiedade, pelo último e definitivo argumento: o do espectro da abertura da Caixa de Pandora; e quem melhor para o brandir esse instrumento escatológico-cultural do que o Eduardo Prado Coelho, o paradigma do intelectual português, o elefante branco da nossa cultura.

Assim, esperei tranquilamente que EPC pusesse cobro a tal destempero. Já antegozava EPC chamar em seu, em nosso, auxílio Wedekind, Alban Berg, Pabst ,... dar-nos a dramática e telúrica visão de Lisboa, no último acto, subindo lentamente a escada, um punhal alvejando na sombra, e Lisboa, cambaleando, esvaindo-se estripada pelo infame Stanley Ho, em travesti de Assis Ferreira, num cenário claro escuro do expressionismo alemão (sim, eu sei que Pabst não era nem exactamente alemão, nem exactamente expressionista, mas o meu pretensiosismo não resiste a este arroubo linguistico).

E a cena terminar apoteoticamente com a entrada do Exército de Salvação, Santana Lopes escapulindo-se silenciosamente numa viela escura, ainda não recuperada pela DMCRU, Graça Dias a rufar os tambores e a distribuir sopa aos artistas e o Miguel Portas a glosar estrofes sobre os pecados do jogo e da agiotagem nos parques de estacionamento dos casinos. Estrofes legendadas apenas em alemão, para tranquilidade do nosso espírito e sossego da nossa mente.

Fora do alcance das câmaras, JA Lima esmolava junto dos transeuntes, para a meritória obra do Expresso, a de eliminar quem não está de acordo com as suas concepções político-culturais. As câmaras evitavam-no discretamente para que, nesse momento de suprema exaltação anti-pecaminosa, ninguém pudesse reparar que, com o azedume que o caracteriza,, quando algum transeunte recalcitrante não deixava cair o seu obulo no regaço do JAL, era objecto das mais tonitruantes sevícias verbais e escritas.

Mas quê, quando todos pensávamos sorver dos lábios do nosso elefante branco a salvação da nossa culturazinha, no momento supremo em que o nosso “intelectual way of life” estava à beira do abismo mais definitivo, sabe-se, por um descuido (seria?) lamentável de um daqueles artistas tresmalhados na plateia, que EPC também colaborava nos espectáculos de Assis Ferreira.

É verdade, EPC colocava todo o seu imenso talento, talento que todos nós lhe reconhecemos e ele o reconhece, mais que todos nós, ao serviço de Assis Ferreira, de Stanley Ho, do pecado, do jogo, da agiotagem, dos parques de estacionamento, dos arrumadores, das tríades de Macau em Lisboa. Pelo caminho um rasto de sangue: Lulu, Lisboa, os gatos vadios do Parque Mayer, as brisas transversais do Jardim Botânico, o nosso meio intelectual, tão pequenino, tão deliciosamente acanhado.

Fiquei desfeita e, como certamente se percebe, foi em estado de perfeita subversão conceptual que, com o único dedo que ainda me restou, teclei estas linhas.

J
Escrito em 23-12-2002

Publicado por Joana às 09:53 AM | Comentários (12) | TrackBack

outubro 04, 2003

Mídia-dependência

O país, ou melhor, a comunicação social e os mídia-dependentes (nomeadamente os políticos), estão ávidos de informação. Tudo é esmiuçado até ao mais ínfimo pormenor. A DGS decidiu que vão ser analisadas com a máxima profundidade todas, e uma a uma, as certidões de óbito emitidas a partir de 1 de Julho.

Se restarem dúvidas, é óbvio que se prefigura uma medida imprescindível para a prosperidade do país - exumarem-se os corpos de todos os falecidos naquele período e entregá-los à observação detalhada dos Institutos de Medicina Legal.

Aliás, a informação é preciosa neste domínio: a televisão declarou que a falta de informação sobre o calor provocou muitas mortes. As pessoas estão de tal maneira dependentes da informação que só notam os factos … depois de serem informados dos mesmos. Sem essa informação prévia … nada feito. Estou a ouvir um pastor de Oleiros, 45º à sombra, a contestar agastado: calor? Não sei de nada. Aqui na serra não temos televisão.

Assim, se a minha casa estiver a arder e eu tiver cometido a imprudência de ter desligado a TV, ou de ter sintonizado o Canal Hollywood, as labaredas consumir-me-ão enquanto eu, tranquilamente desinformada, não esboçarei qualquer tentativa de apagar o fogo, ou mesmo de fuga.

Incapazes de resolvermos os problemas, impotentes após gerações de desleixos e incúrias, descobrimos a nossa especialidade: dissecar os resultados, reais ou imaginários, dos nossos desleixos.

Somos uma espécie de sociedade só com médicos legistas. Não fazemos profilaxia nem tratamos as maleitas, mas realizamos análises post-mortem com todo o rigor.

18 de Agosto de 2003

Publicado por Joana às 12:01 AM | Comentários (2) | TrackBack

O Alqueva e o jornalismo

O Público apresentou em meados de Agosto uma reportagem extremamente negativa sobre o Alqueva, onde predominavam a superficialidade e a falta de rigor. A análise aos Relatórios e Contas da EDIA, por exemplo, era uma vergonha do ponto de vista técnico.

Perguntar-se-á: então não teria sido preferível o Público munir-se de um técnico de contas competente? Ingenuidade! Se os meios de comunicação portugueses se munissem de pessoal qualificado na elaboração de reportagens deste tipo, perdia-se 99% do sensacionalismo da notícia. Como diria Eça: deve cobrir-se a nudez “monótona” da verdade, com o manto diáfano da fantasia…ou, mais recentemente, Kelly, fazer-se o “sex up” da verdade.

O empreendimento do Alqueva é um projecto a 20 anos, do qual a 1ª fase é a construção da barragem. Barragem cujo enchimento ainda não deve ter atingido os 40% do volume médio. O empreendimento está no começo.

Após este conjunto de notícias e reportagens, o Público pôs uma questão aos seus leitores: ”Acha que a barragem do Alqueva serve para alguma coisa?” Se os leitores do Público acreditassem no seu jornal, a resposta seria um rotundo “Não”!

Surpreendentemente, a resposta foi um rotundo “Sim” (72%)! Esta resposta mostra como os receptores dos meios de comunicação não são tão estúpidos como os jornalistas, do alto do seu desdém pelos ignaros a quem vendem gato por lebre, acreditam.

Dias depois, no mesmo jornal, uma reportagem noticia que os preços dos terrenos da área do perímetro de rega da barragem tinham disparado para valores 3 e 4 vezes superiores e que empresários espanhóis se apressavam a comprar aqueles terrenos, vizinhos de uma barragem que “não servia para nada”.

Dirão: que bela lição! Digo eu: uma lição só aproveita quem quer aprender. Lições destas há-as todos os dias e o aproveitamento dos alunos é nulo. O estreito segmento social onde se arregimentam os nossos jornalistas é caracterizado pela satisfação íntima da detenção da verdade absoluta e de que quem não partilha dessa verdade é inculto, estúpido, reaccionário, alguém cujo único lugar possível é a sarjeta da história. Os factos ajustam-se sempre à sua mundividência … é apenas uma questão de interpretação dos mesmos e de realçar aqueles que se encaixam e de considerar despiciendos aqueles que contrariam a “verdade a revelar”. Muitos dos nossos jornalistas não se detêm perante o empecilho incómodo dos factos porque só detectam os que estão de acordo com o que pensam e interpretados no “sentido correcto”. Tudo o resto é irrelevante.

Mesmo quando os factos apontam para o contrário, como o caso do “estranho” comportamento dos empresários espanhóis, os jornalistas portugueses mostram à evidência que o seu cérebro está compartimentado por septos. A informação que circula num lóbulo não é transferida e confrontada com a informação que circula no lóbulo vizinho. O cérebro séptico dos jornalistas não consegue aperceber-se que aquelas 2 reportagens se contradizem e que se uma está certa, a outra será falsa.

28 de Agosto de 2003

Publicado por Joana às 12:00 AM | Comentários (12) | TrackBack

outubro 02, 2003

Uma carreira política injustamente em risco!

Este fim de semana, após a leitura do Expresso, a minha carreira política, que me aprestava para encetar, ruiu fragorosa e irrevogavelmente, sem sequer ter começado.

Fiz uma análise retrospectiva a alguns momentos da minha vida e tenho de vos confessar que sou uma criminosa, pior, uma criminosa contumaz, relapsa!

Não foram, nem dois, mas vários almoços e jantares que, aproveitando-se da minha débil condição feminina e da minha inexperiência no mundo do crime, me foram pagos por outrem. Estiveram envolvidos nesta série de crimes hediondos empresas diversas, bancos (até o BEI ... ah! Aqueles jantares no Luxemburgo devem ter custado fortunas, mais do que a factura justamente denunciada esta 6ªfeira) e mesmo, pasmem!, uma ou outra autarquia (não!, não assaquem este crime ao Isaltino porque desta co-autoria está ele livre!).

Como fui trouxa! Mais que o Portas! Quando eu, no fim de cada uma daquelas malfadadas refeições, me aprestava para pagar a minha parte, havia sempre um cavalheiro solícito que, sorridente e peremptório, me dizia: nem pense nisso! Homessa! Tinha mais que ver!

E eu, sorridente, tomava aquilo por cavalheirismo, talvez algo anacrónico, quando afinal se tratava de uma manobra sórdida e funesta para comprometer o meu futuro político!

Reparem que é um crime que está ao alcance de qualquer um. Não é uma fraude apenas passível de ser realizada por um banqueiro, um patrão de indústria, um autarca, enfim!

Qualquer um de nós, à mais leve negligência, pode cometer este crime hediondo. Por não ser suficientemente rápida a chamar o empregado, já entrei, por diversas vezes, na delinquência, quando um comensal mais pressuroso se adianta e pede a conta.

No desespero de evitar resvalar para o crime, por duas ou três vezes, naqueles momentos de angústia, pisquei o olho ao empregado, mas ele interpretava mal o sinal e entregava a conta ao meu acompanhante e a mim, discretamente, um papel com um número de telefone.

O país tem que se mobilizar para resistir a esta criminalidade que invade o nosso país e corrói todo o tecido social.

Se um membro do governo sujeito a esta suspeita não se redime dela é o descalabro moral do país.

27-Abril-2003

Publicado por Joana às 09:22 PM | Comentários (0) | TrackBack

outubro 01, 2003

Clara Pinto Correia plagia «The New Yorker» 4

A vingança de Camões, ou de como eu não me tenho eximido a esforços para aplacar as iras patrióticas
Sabem quem plagiou Camões?
Não, não foi a Orquestra Vermelha! Pior ... muito pior!
....
O próprio Marx!
É verdade, esse malvado plagiou o nosso vate na Ideologia Alemã, e nem se deu ao trabalho de o traduzir (ele nem devia saber português). Muito pior que a Clarinha, que passou horas no AltaVista a traduzir o New Yorker.

É claro que Marx substituiu as nossas Tágides pelas Spreides, mais berlinenses, mas menos formosas.

Aqui vai o excerto, estando entre <> as notas do editor.


6. Das hohe Lied Salomonis oder Der Einzige
Cessem do sabio Grego, e do Troiano,
As navegacoes grandes que fizeram;
Calle-se de Alexandro, e de Trajano
A fama das victorias que tiveram
------------------------------------------
Cesee tudo o que a Musa antigua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
E vós, Spreïdes minhas - -
Dai-me huma furia grande, e sonorosa,
E naõ de agreste avena, on frauta ruda;
Mas de tuba canora, e bellicosa
Qus o peito accende, e o côr ao gesto mudai,
<Verstumme denn, was weiser Griechen Ahnen,
was Troias Söhn' auf weiter See vermocht;
von Alexandern schweige, von Trajanen,
der Ruf der Siege, die ihr Arm erfocht ...
------------------------------------------
Verstumme, was die Muse grauer Zeiten
besang, vor andern, größern Herrlichkeiten!
Und ihr, der Spree Jungfrauen ...
Leiht mir Begeisterung, die mächtig schalle,
nicht, wie von rauher Flöt' und wildem Rohr,
nein, von der Tuba stolzem Kriegeshalle,
der Wangen rötet, Geister hebt empor ...>

gebt mir, o Nymphen der Spree, ein Lied, wie es würdig ist der Helden, die an Eurem Ufer wider die Substanz und den Menschen kämpfen, ein Lied, das über alle Welt sich verbreitet und in allen Landen gesungen wird - denn es handelt sich hier um den Mann, der getan hat,
Mais do que promettia a força humana,
< was niemals Menschenkraft vollbracht >
mehr als die bloß "menschliche" Kraft zu leisten vermag, um den Mann, der --
edificára
Novo reino que tanto sublimára,
<... errichtete
ein neues Reich ... in ferner Zone
>
der ein neues Reich gestiftet hat unter entferntem Volk, nämlich den "Verein"
- es handelt sich hier um den

- tenro, e novo ramo florescente
De huma arvore de Christo, mais amada,
<- zarten Sproß, am Baume neu entfaltet
dem Christus sich vor allen zugewandt,
>
um den zarten und jungen, blühenden Schößling eines von Christo vorzugsweise geliebten Baumes, der nicht weniger
certissima esperança
Do augmento da pequena Christiandade,
<zum sichern Hoffnungsstern erkoren,
daß wachse stets die kleine Christenheit
>
die gewisseste Hoffnung des Wachstums ist für die kleinmütige Christenheit - es handelt sich mit Einem Wort um etwas "Noch nie Dagewesenes", um den "Einzigen".

07-Fevereiro-2003

Publicado por Joana às 09:55 PM | Comentários (2) | TrackBack

Clara Pinto Correia plagia «The New Yorker» 3

Much ado about nothing
Reina uma falta de humor notável entre os críticos ao meu texto anterior, para não falar de outras faltas, porventura mais graves.
Qualquer nick sensato teria percebido que eu estava na brincadeira. Aliás, brincadeira que vinha na sequência de um outro comentário anterior sobre o Eça, a Clara e o bei de Tunes.

Nunca esteve no meu intuito comparar o talento da CPC com o “engenho e arte” de Camões. Aliás o absurdo da comparação fazia parte da brincadeira.

Afinal não se brinca com os símbolos pátrios: bandeira, hino, Camões (!?).
Ora o que eu ignorava, e que aprendi sob o látego furioso dos patriotas da literatura era que Camões, para além de “se ter libertado da lei da morte” teria passado a ícone pátrio, indiscutível. A indignação fez ferver as teclas de diversos comentadores tendo, inclusivamente, alastrado a outros artigos.

Tornei-me célebre … bem … célebre à maneira de Eróstrato, mas não se pode ter tudo!

Sendo assim pedia a todos os que tiverem edições dos Lusíadas comentadas, onde os anotadores foram laboriosamente indicando as fontes que serviram de inspiração a Camões, que fizessem delas um gigantesco auto-da-fé. Essas anotações menoscabam o sentir da alma lusa, devem ser consideradas traição e liminarmente exterminadas.

É interessante verificar que à medida que os Lusíadas são menos lidos, se vão tornando mais indiscutíveis. No limite, quando ninguém os ler (espero sinceramente que tal não venha a acontecer, apesar dos esforços do nosso sistema educativo), tornar-se-ão um valor absoluto, uma espécie de cachecol verde-rubro que se agita nos estádios.

Quanto à questão das precedências, Petrarca viveu 200 anos antes de Camões e Virgílio uns 1500 anos antes. Quanto a Tasso, contemporâneo de Camões, seria interessante saber se teria havida alguma influência. Os livros foram editados quase em simultâneo, embora ambos os autores tivessem trabalhado neles longamente. Provavelmente foram ambos beber inspiração às epopeias da Antiguidade Clássica.

Mas isso deixo para os investigadores literários, que eu sou apenas uma diletante curiosa e iconoclasta perante uma iconocracia de gente sisuda e ignara.

Nota: Aqueles que na ânsia patriótica, que só lhes fica bem, de exautorar a infame traidora que, a soldo de alguma potência estrangeira, estava a enlamear o vate ilustre que, a par da geração de ouro, é o suporte da nossa auto-estima nacional, julgo que exageraram um pouco.

Quando eu quis comparar o início do exórdio da Eneida de Virgílio com a primeira estrofe dos Lusíadas, escrevi «As armas e barões assinalados ...», e as reticências foram postas, partindo do princípio que vocês sabiam o resto. Para a próxima prometo que ponho o 1º Canto na íntegra. E se ainda assim acharem pouco, pespegos-lhe com a obra completa.
A net que se cuide!

Quanto a Petrarca, a diferença entre "Questa anima gentil che si departe...» e a «alma minha gentil que te partiste…», resulta da cacofonia introduzida pela tradução em português. Se você sabe alguma coisa de italiano vê que não há qualquer difereça de sentido. Parecia-me evidente, mas reconheço que vocês, no desvairado tropel dos vossos corcéis, de alabardas em punho, viseiras cerradas e cabelos hirsutos, carregando sobre esta pobre traidora contumaz e pérfida, não tiveram tempo para se aperceberem disso.

07-Fevereiro-2003

Publicado por Joana às 09:50 PM | Comentários (4) | TrackBack

Clara Pinto Correia plagia «The New Yorker» 2

Clara Pinto Correia e Camões
Invejosos
Os meios de comunicação e os comentadores da net falam da CPC, mas Camões, andou a plagiar tudo o que era vate italiano (e latino) teve direito a um feriado nacional e a ser protagonista da alma e raça lusas!

Então o Petrarca:
«Questa anima gentil che si departe...» não è igual a «alma minha gentil que te partiste…», com a diferença que não tem aquela cacofonia irritante de «al...ma ... minha»
O exórdio dos Lusíadas tem muito a ver com Tasso, Gerusalemme liberata, como por exemplo, entre muitos:

“Canto l'arme pietose e 'l capitano
che 'l gran sepolcro liberò di Cristo.”
Tem a ver com “Que eu canto o peito ilustre lusitano»
Assim como o início do exórdio da Eneida de Virgílio:
“ARMA virumque cano, Troiae qui primus ab oris
Italiam, fato profugus, Laviniaque venit
litora, multum ille et terris iactatus et alto
vi superum saevae memorem Iunonis ob iram;...”
tem o mesmo conceito de «As armas e barões assinalados ...»

Não era Eça que dizia que a cultura e as ideias lusitanas eram importadas pelo paquete do Havre? Agora são importadas pela net – é mais barato e dá milhões ...

Os únicos intelectuais lusitanos que eu conheço e que foram retintamente originais, foram os do grupo da Seara Nova (Sérgio, Aquilino Ribeiro, RaúlBrandão, etc.)
Ah! ... esquecia-me do Nuno Rogeiro. Julgo que não há ninguém, em qualquer parte do globo terráqueo, que tivesse a lata de dizer o que ele diz.

07-Fevereiro-2003

Publicado por Joana às 09:40 PM | Comentários (0) | TrackBack

Clara Pinto Correia plagia «The New Yorker» 1

Clara, Eça e o bei de Tunes

Riamos, minha cara Clara, riamos aqui a este canto, abraçadas uma à outra! Como se vê, estes honrados comentadores ignoram as amarguras, as necessidades do jornalismo ... a quererem que não plagiasses! Ingénuos! Se não plagiasses, não podias fazer os artigos: e tinhas forçosamente que os fazeres!

Eu conheço essa situação, Clara: é medonha. Na véspera dizes ao Director da Visão, com a voz a tremer:
Palavra de honra. Amanhã tens lá o artigo, first thing in the morning (a Clara está muito anglo-saxónica...). Juro-te pela salvação do meu ego!
E lá chega a hora de entregar. E as folhas ali estão, lívidas, vazias: é necessário enchê-las com coisas extraídas do nosso interior.
É trágico. A parte da carcassa humana a que primeiro se recorre é ao cérebro, depósito de ideias, adjectivos e teorias; sacode-se o crânio – nada sai do crânio.
Maldição! Recorre-se então ao peito, asilo dos afectos e sentimentos generosos. Arranha-se convulsivamente o peito – o peito fica mudo como o crânio.
Inferno! E então os crentes rezam à Virgem e os ateus invocam a morte, a doce aniquilação da matéria. Sabes o que fez o Eça numa destas agonias? Agarrou ferozmente na pena e deu uma tunda desesperada no bei de Tunes!

Clara, nós vivemos uma época mais fácil. A ti bastou-te ir à Net . A golpes de google, “The New Yorker”, altavista translations, e outras ferramentas de tecnologia avançada, lá conseguiste sobreviver à hora fatal da prometida entrega do artigo

06-Fevereiro-2003

Publicado por Joana às 08:41 PM | Comentários (3) | TrackBack