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dezembro 20, 2005

A Autoeuropa e as nossas Fragilidades

Os trabalhadores da Autoeuropa, no referendo realizado ontem sobre o pré-acordo que havia sido negociado, responderam pela sua rejeição, por 55,87% contra 42,49% de votos. Os trabalhadores da Autoeuropa saberão, melhor que eu, o que é melhor para eles (ou mesmo que o não saibam, têm mais dados para o saber que eu). Todavia a situação é preocupante e poderá vir a ser dramática se não for possível chegar a um acordo. Julgo que o principal óbice, nesta altura, é o montante do suplemento para pagamento das horas extraordinárias.

A questão do suplemento para pagamento das horas extraordinárias pode parecer coisa menor, mas não é. Em indústrias que trabalham por encomendas, o diagrama de cargas não é constante (ou linear). Flutua, havendo períodos em que se trabalha abaixo da capacidade nominal e outros em que se torna necessário um esforço suplementar, porque o volume de encomendas, e o prazo para a sua satisfação, excedem a capacidade produtiva. Neste caso há necessidade do recurso a horas extraordinárias, que poderão ocorrer durante um período, mais ou menos extenso, necessário para a satisfação da encomenda. Compreende-se portanto que este ponto se tenha tornado crucial. A administração da Autoeuropa não quer que os veículos que produz sejam onerados por um custo laboral imprevisível e elevado, pois a sua capacidade de gestão das encomendas não lhe deve permitir um poder significativo sobre os prazos das encomendas que recebe, enquanto os trabalhadores querem um suplemento que sabem, pela experiência anterior, poder representar uma fatia significativa dos seus rendimentos.

O ministro da Economia, Manuel Pinho, declarou que «os trabalhadores estão a trocar horas extraordinárias por mais desemprego, menos exportações e menos produção». Provavelmente terá razão. Os trabalhadores, ou pelo menos a maioria deles, olha apenas para os seus próprios interesses imediatos que prevalecem sobre outros interesses mais longínquos: crescimento da empresa e dos seus efectivos e manutenção ou reforço da competitividade da indústria nacional induzida pela Autoeuropa, ou mesmo a manutenção, a médio ou longo prazo, dos seus postos de trabalho.

Porque a Autoeuropa, além de ser um factor imprescindível na nossa balança comercial, tem tido um efeito indutor no nosso tecido industrial, nas áreas que mais nos interessam: alta e média tecnologia. Há indicações que o efeito Autoeuropa tem sido um dos motores do aumento significativo da quota das exportações nacionais que incorporavam alta e média tecnologia.

É o problema dos países com um tecido produtivo de grande fragilidade. A sua economia está muito dependente de pequenas coisas – uma decisão empresarial, uma decisão de 2 mil trabalhadores, etc. – que num país com economia mais sólida seriam facilmente digeridas e, no nosso, podem assumir proporções catastróficas.

Publicado por Joana às dezembro 20, 2005 07:39 PM

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Comentários

Apesar de uma certa apreensão quando ouvi a noticia veio me a memoria o que aconteceu na Alemanha ainda á poucos meses, se estiverem em jogo os empregos o bom senso dos trabalhadores fara o resto. Bem haja Joana

Publicado por: Tiago às dezembro 20, 2005 10:06 PM

Que a Autoeuropa seja um indutor de média tecnologia nacional, acredito.
Mas quanto à alta tecnologia, pergunto: temos cá disso? Aonde?
Ou: o que é que se entende por alta tecnologia?

Publicado por: Senaquerib às dezembro 20, 2005 10:30 PM

Quanto ao debate, foi assim:
Soares bom em demagogia, mau em educação.
Cavaco bom em educação, mau em demagogia.

Publicado por: Senaquerib às dezembro 20, 2005 10:34 PM

É o costume: não querem cá os capitalistas mas querem cá o dinheiro deles.

Até parece que conhecem alguém que goste de andar de bolsos rotos...

Publicado por: J P Castro às dezembro 20, 2005 10:39 PM

Há anos a economia argentina deu um estouro e o povo veio para a rua com pratos e panelas, numa semana tiveram 3 presidentes!

Em 2003 a economia cresceu 9%!
Em 2004 a economia cresceu 8%!
Em 2005 a economia crescerá 8%!

Conclusão, o estouro não é o fim do mundo, é um reset para um novo jogo, agora que já não existem guerras clássicas entre países decentes.

Publicado por: diogenes às dezembro 20, 2005 10:58 PM

"A administração da Autoeuropa não quer que os veículos que produz sejam onerados por um custo laboral imprevisível e elevado....

mas... será possível uma economista escrever esta barbaridade ? um custo laboral imprevisível... estamos em que era ? e em que País ?

Publicado por: Templário às dezembro 20, 2005 11:24 PM

O velho Mário Soares deu mais uma lição de política a Cavaco. Cavaco levou uma cabazada das grandes, daquelas que já nem nos lembrávamos... uns 9 a zero ...eheheheheh.

Publicado por: Templário às dezembro 20, 2005 11:27 PM

É imprevisível pelo seguinte:
Eu sei qual é o preço a que tenho que vender, de acordo com o mercado, mas se as horas extraordinárias pesarem muito e se o prazo que eu tenho para satisfazer a encomenda for curto, poderá revelar-se incomportável.
Tudo depende do volume de cada encomenda e do seu prazo de entrega. Por isso é que eu escrevi que os custos se poderiam tornar imprevisíveis.
Quando faço o meu orçamento anual porque não sei que encomendas terei e quais os prazos de entrega. E, portanto, quantas horas extraordinárias terão que ser feitas para entregar uma dada encomenda num dado prazo.

Publicado por: Joana às dezembro 20, 2005 11:34 PM

Joana às dezembro 20, 2005 11:34 PM

Falácias... eu julgava que em economia não existiam estas falácias, pois é em política que elas se aplicam:

- se acabarmos com o conceito de horas extraordinárias, poderemos ter ao nosso dispor os trabalhadores 24h/dia. se necessário eles devem estar sempre de prevenção, pois podem surgir novas encomendas às 4h da manhã para entregar em 48h.

Publicado por: Templário às dezembro 20, 2005 11:57 PM

«Sócrates avisa que um acordo na Autoeuropa é urgente».
(PD)

Publicado por: asdrubal às dezembro 21, 2005 01:02 AM

o que eu sei é que Cavaco não desmentiu ser o Pai do Monstro. E eu ando agora a ver isso na paisagem.

Publicado por: py às dezembro 21, 2005 10:00 AM

Não receie demasiado, Joana. A Autoeuropa tem uma comissão de trabalhadores extremamente bem liderada, pelo António Chora, membro da Mesa Nacional do BE, esse partido que Você abomina. Basta ouvi-lo a falar na TV para ver que se trata de um indivíduo responsável, consciente, habilidoso, não dogmático. Assim todos os nossos sindicalistas fossem como ele.

Manuel Pinho meteu, com as suas declarações, a pata na poça. Coisa já habitual nele, aliás, como Você não se tem cansado de apontar.

Publicado por: Luís Lavoura às dezembro 21, 2005 10:30 AM

Abominar o BE é apenas um acto de sanidade mental. Tal como abominar o Gulag ou os campos de concentração. Estes últimos exterminavam vidas humanas, o BE tenta exterminar tudo o que de positivo há no espírito humano.

E Soares, sim, merece a taça. É o ídolo de todos os hooligans e terroristas deste país.

Publicado por: Mário às dezembro 21, 2005 11:14 AM

Os trabalhadores da Auto-Europa trabalham em condicções que a grande maioria dos trabalhadores Portugueses pensa que são utópicas, ou que fazem parte do paraíso fora do seu alcance.
Acho que esses "trabalhadores" da Auto-Europa, deveriam fazer um estágio numa qualquer confecção do vale do ave, onde "regalia" se traduz em receber o salário minimo ou ter direito a meia-hora de pausa.

Se "trabalhadores" não querem trabalhar então vão para casa e deêm o seu lugar a outros que desejam trabalho.

Publicado por: Luís Bonifácio às dezembro 21, 2005 11:32 AM

Luís Bonifácio às dezembro 21, 2005 11:32 AM

Você tem certamente razão nos primeiros dois parágrafos do seu comentário.

Mas no terceiro parágrafo descarrila. Aparentemente Você quer nivelar por baixo, e não nivelar por cima. Em vez de pretender que os trabalhadores do vale do Ave possam trabalhar ao nível dos da Autoeuropa, Você parece preferir o inverso.

Esquece também que, se os trabalhadores da Autoeuropa trabalham a um nível superior aos do vale do Ave, é porque a sua produtividade é maior, isto é, porque produzem, a um nível tecnológico superior, um produto que é muito mais caro.

Publicado por: Luís Lavoura às dezembro 21, 2005 11:38 AM

Mário às dezembro 21, 2005 11:14 AM

Calma Mário.
V. anda muito azedo. A bem da digestão das rabanadas, contemporize com a demagogia do Bloco e a bonomia de Soares.
Deixe que aflore à luz do dia o que de bom tem no seu espírito.

Publicado por: Vítor às dezembro 21, 2005 12:06 PM

Caro Luís Lavoura:

"porque produzem, a um nível tecnológico superior, um produto que é muito mais caro."

É verdade, mas a estratégia da empresa do Vale do Ave e da Autoeuropa é a mesma, têm como proposta de valor o "baixo preço". E esse é o dilema de quase todo o investimento estrangeiro em Portugal, por exemplo ouça um quadro da Infineon (em Vila do Conde) falar sobre a sua empresa, é só inovação, inovação, inovação, peça para ver quais são os indicadores não financeiros da empresa e... descobre que a proposta de valor daquela fábrica é o "baixo preço".

Publicado por: diogenes às dezembro 21, 2005 12:10 PM

Publicado por: Vítor às dezembro 21, 2005 12:06 PM

Soares (e presumo que tb Louçã) dizem que Bush é pior que Hitler. Eu acho que Soares e Louçã são muito piores que Bush.

Soares e Louçã são dois farois moralistas que balizam todo o discurso político, impedindo um pensamento livre.

Publicado por: Mário às dezembro 21, 2005 02:50 PM

Se "trabalhadores" não querem trabalhar, então façam como o Luís Bonifácio às dezembro 21, 2005 11:32 AM.

Publicado por: Senaquerib às dezembro 21, 2005 04:19 PM

Caro Luís Lavoura

A questão é que aquilo que os "trabalhadores" da Auto-Europa exigem, são para a maioria dos trabalhadores Portugueses luxos que nem imaginam ter um dia acesso. No fundo colocam em perigo o seu lugar por pormenores de somenos importância para alêm do facto de por a economia nacional em Risco.
As condições de trabalho na Auto-Europa são um perfeito luxo, e quem trabalha nestas condições, mais tarde vai transmitir esta cultura a outras empresas onde porventura irá exercer a sua profissão. É por isso que de uma maneira geral a insdústria Portuguesa de componentes automóveis é competititva a nivel global (desde que não seja de mão-de-obra intensiva) e encontra-se a uma distância enorme do resto dos sectores industriais nacionais.

Os trabalhadores da Auto-Europa trabalham a um nível de produtividade superior à média nacional devido à qualidade da gestão da Auto-Europa, que os formou e também devido a eles terem interiorizado bem as lições. O principal problema é que o nível das chefias (empresários inclusivé)na economia nacional é muito baixo, e estão preocupados mais consigo mesmo que com a fábrica (e trabalhadores) que dirigem.

Publicado por: Luís Bonifácio às dezembro 21, 2005 04:46 PM

ah ah ah

mais uma vez os moralistas contra-atacam... e como forma de espezinhar os direitos de tabalhadores qualificados usam aspas e chamam-lhes de previligiados. usando como bode expiatorio a má situação dos outros trabalhadores.

pelo meio chantageiam com "se eles não querem trabalhar ponham quem queira".

o outro tambem dizia: trabalhar trabalhar trabalhar já dizia salazar.
e tal como com o outro estes fazem estas coisas por outras razões para "tornar competitivo" para continuar um "player". tudo isto para jogar o aliciante jogo do mercado "livre".

se fosse um big boss a queixar-se já estavam a fazer-lhe vénias, qual salvador, deus empreendedor que nos levará a vitoria... a esses não lhes chamam previligiados...pois é, é o costume disciplina de mercado para os trabalhadores, bonanza para os "salvadores".

Publicado por: externocleidomastroideu às dezembro 21, 2005 06:05 PM

A situação está negra

Publicado por: fbmatos às dezembro 22, 2005 01:39 AM

Colocar ideologia nestas questões só serve para desculpar a irresponsabilidade.

Os "trabalhadores" (as aspas são porque todos são trabalhadores, não apenas os "trabalhadores") têm o direito de lutar pelos seus interesses. Se querem colocar os seus postos de trabalho em risco, é com eles. Se isso afecta a economia nacional, é porque quem tem que se mexer são o resto dos portugueses e não a Autoeropa.

Publicado por: Mário às dezembro 22, 2005 01:26 PM

Luís Bonifácio às dezembro 21, 2005 04:46 PM

Antes de falar sobre as condições dos trabalhadores da Auto-Europa convém relembrar-lhe o seguinte:

Nunca o trabalho em série foi gratificante.
Os trabalhadores até levam 15 segundos de atraso. Tudo é cronometrado ao segundo. O trabalho é duro e pior que isso é repetitivo, o que leva à completa estupidificação dos que aí laboram. Mas... antes de chegar a esse estado irreversível, querem e bem, que se lhes pague as horas que labutam. Ora... no Vale do Ave, já há muito que se atingiu o Estado de estupidificação e portanto já nem sequer contam nestas lutas, porque já estão mortos ! Apenas se lhes pede que tenham coragem e vergonha na cara e que deixem de ser escravos....
Mas coragem é algo raro neste cantinho que já foi Lusitano !

Publicado por: Templário às dezembro 22, 2005 07:18 PM

Apoiado.

Os trabalhadores que não sejam estúpidos e escravos e que arranjem os seus próprios meios de produção e os seus clientes e deixem de tentar mandar na estrutura empresarial dos outros. Ou então que prefiram opções sobre as acções da Autoeuropa.

E, já agora, para o plano tecnológico pensem duas vezes aos filhinhos de quem vão dar o dinheiro dos nossos impostos. É que eles podem deslocalizar depois...

Publicado por: J P Castro às dezembro 23, 2005 02:21 AM

Autoeuropa:
Suspeito que é pelo peso que a empresa tem na economia portuguesa que os trabalhadores resolveram esticar a corda, fiando-se que o governo subsidiaria a empresa para esta ficar em Portugal, apesar do aumento de salários.
Podem enganar-se
Ana

Publicado por: Ana Vasconcelos às dezembro 23, 2005 04:05 PM

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