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junho 19, 2005

Desespero Hílare

Não me levem a mal, mas a manifestação nacional da função pública deu-me um enorme gozo. Aqueles filas de funcionários públicos arrebanhados por todo o país, trazidos em camionetas e absolutamente furiosos por terem votado em Sócrates, convencidos que este tinha um remédio milagroso para mudar o país mantendo tudo na mesma, são o exemplo acabado do estado mental de uma parcela significativa do sector público e da mentalidade dos dinossauros do Parque Jurássico do sindicalismo.

Todas as armas das justas lutas dos trabalhadores foram utilizadas a preceito. A greve foi marcada para uma 6ª feira e tomaram como reféns aquilo que nos é mais querido: os nossos filhos, para os quais estes exames eram um dos momentos supremos que decidem a sua vida profissional futura. Tomar como reféns miúdos que passaram um ano de trabalho e stress para conseguirem o melhor possível para o seu futuro, e os pais que sofreram durante um ano para que tal pudesse acontecer, é uma arma senão tão sanguinolenta como as usadas pelos terroristas da Al-Qaeda, pelo menos de efeito psicológico não menos devastador. O salazarismo caracterizou-se mais pelo temor psicológico que pelos efeitos sangrentos que foram praticamente irrelevantes. Os nossos sindicalistas pertencem à mesma geração e aprenderam com aqueles mestres.

A comunicação social, sempre adepta das generosas lutas dos trabalhadores, politicamente correctas por convenção, prestou-se a dar o seu apoio mediático. Para aconselharem os professores sobre a legalidade da requisição e o bom fundamento da tomada de reféns de menoridade, a comunicação social consultou juristas eminentes e neutrais como Garcia Pereira. Para as análises económicas, mostrando que a capacidade da bolsa do contribuinte português, individual ou colectivo, é matematicamente inesgotável, a comunicação social desenterrou um economista de reconhecido mérito científico e neutralidade política – Eugénio Rosa. As avaliações dos estimadores de manifestantes das autoridades policiais foram proporcionais à insatisfação provocada naquela corporação pelo anúncio recente das medidas governativas.

Tudo isto seria muito triste, se o ridículo não ultrapassasse, em muito, essa tristeza. A hilaridade sobrepôs-se ao nojo. Só tontos, ignorantes ou desesperados por se drogarem na ilusão, poderiam supor que Sócrates estava a falar verdade durante a campanha eleitoral. A situação económica e financeira e as obrigações internacionais do país impediam que a política dele fosse muito diferente da que está a ser. Várias vezes referi essa evidência neste blog, antes das eleições, perante aqueles que julgavam que “dali para a frente, tudo seria diferente”. Os dois governos anteriores conseguiram suster o descontrolo de custos do guterrismo, mas não tiveram coragem de implementar as medidas indispensáveis para começar o saneamento da economia e das finanças portuguesas. Não o conseguiram, parte por incompetência própria e parte porque sofreram uma guerrilha permanente da oposição (incluindo o PS que agora as começou timidamente a aplicar) e dos sindicatos, apoiados pela comunicação social.

As medidas até agora anunciadas por Sócrates são mais emblemáticas que eficazes. São mais de saneamento moral, que de saneamento económico e financeiro. São importantes, na medida em que não é possível aprofundar o saneamento económico e financeiro, sem um prévio saneamento moral, mas são uma gota no oceano do que há a fazer. E não há outra saída para o país. Se o governo actua do lado da receita com mais rigor, agrava a crise económica e diminui as receitas efectivas, portanto terá que actuar do lado da despesa, ou seja, no sector público.

Os manifestantes de 6ª feira estavam furiosos porque se sentiram traídos. A maioria dos cartazes alcunhava Sócrates de mentiroso. Na verdade Sócrates mentiu. Mas todos aqueles desesperados que se manifestavam acreditaram porque queriam acreditar, porque precisavam de acreditar, porque queriam continuar a viver de ilusões. Eles queriam que lhes mentissem. Sócrates apenas lhes fez a vontade.

Uma manifestante declarava, furiosa, que o governo fosse buscar dinheiro onde pudesse, que aumentasse impostos, mas que não mexesse nos seus “direitos adquiridos”.

Que hipocrisia! Os trabalhadores da têxtil, do calçado, da construção civil, etc., que diariamente vão para o desemprego não tinham “direitos adquiridos”? Os seus “direitos adquiridos” não teriam tanto merecimento quanto os “direitos adquiridos” do serviço público? E no entanto estão no desemprego. E estão no desemprego porque os governos andaram uma década a criar “direitos adquiridos” no sector público à custa da progressiva perda de competitividade do sector privado. À custa da perda dos “direitos adquiridos” desses trabalhadores.

Publicado por Joana às junho 19, 2005 04:59 PM

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Comentários

Este fds fiquei por Lisboa, por causa da varicela. Portanto têm que me aturar ...

Publicado por: Joana às junho 19, 2005 05:01 PM

Estava eu muito quietinho a ver uma televisão, quando de repente me salta um senhor agente da autoridade, com uma bandeira a tiracolo, gritando contra o governo.
Até aqui nada de invulgar.
Mais de dois terços da nossa pátria amada anda a fazer o mesmo.

Mas este foi meu “colega” durante quase dois meses na clínica de fisioterapia que frequentei por ter partido o pulso.
Não sei qual era o problema dele, pois parecia bem saudável, e se tinha algum está bem curado.
Durante aquele tempo trazia sempre consigo o “Mossad – Os Segredos da espionagem”, lia uma página durante a sessão e ficava com um ar deleitado, imaginando-se em plena guerra fria ou quente e com montes de loiras nos braços.

Agora é sindicalista.
Aposto que vai ter imenso tempo para acabar de ler o livro.

Publicado por: carlos alberto às junho 19, 2005 05:18 PM

A haver alguma hilariedade é nestes comentários da Dona Joaninha.

Tão pequenina e tão rabina...

Publicado por: a.pacheco às junho 19, 2005 05:18 PM

De caminho sugeria que colocasse a informação de quais os últimos comentários recebidos no canto direito superior.
Evita ter que "ir" até lá em baixo.

Publicado por: carlos alberto às junho 19, 2005 05:21 PM

a.pacheco:
Sou tão pequenina quanto o Sampaio (refiro-me à altura física, pois ainda não estou ché-ché)

Publicado por: Joana às junho 19, 2005 05:29 PM

carlos alberto às junho 19, 2005 05:21 PM:
Vou pensar nisso ... mas você não estará acometido de uma crise de preguiça?

Publicado por: Joana às junho 19, 2005 05:31 PM

Joana às junho 19, 2005 05:01 PM

Eu posso dizer o mesmo...

# : - ))

Já agora, deixe que lhe diga que estou com curiosidade de saber quem será o seu futuro bombo da festa, quando o governo abater ao efectivo os tais milhares de funcionários públicos.
Também estou com curiosidade de saber de onde vão eles sair...
E ainda com mais curiosidade para saber o que se vai passar depois.
Algo me diz que então é que vai ser hílare.

Publicado por: (M) às junho 19, 2005 05:35 PM

"Não há nada que me fascine mais do que o trabalho: posso ficar sentado e comtemplá-lo durante horas a fio"

Jerome K. Jerome - Mi vie et mon temps citado em
"Antologia da Asneira no Século XX - Jérôme Duhamel

Publicado por: carlos alberto às junho 19, 2005 06:07 PM

O Cadilhe já resolveu o problema: vender o ouro para tratar das rescisões dos contratos!

Publicado por: David às junho 19, 2005 07:07 PM

Também acho que a respeito de neutralidade é melhor ler Vasco P Valente e António Barreto. Aquilo não é Jurássico, é mais ... pré-jurassico; e há sempre a possibilidade, atraente para Joana, de nunca terem recebido um euro como funcionários públicos !

Publicado por: zippiz às junho 19, 2005 07:09 PM

Acho que Vasco P Valente e António Barreto devem ter sido, ou ainda o são, profs universitários.

Publicado por: David às junho 19, 2005 08:39 PM

De facto, os sindicatos escolheram a estratégia errada. Eu não mexer um mindinho para impedir que o Governo acabe com os privilégios injustificados de muitos funcionários públicos.

Mas, li esta frase:
"...senão tão sanguinolenta como as usadas pelos terroristas da Al-Qaeda, pelo menos de efeito psicológico não menos devastador"
Realmente, parece que o efeito psicológico foi devastador...
E, no fim,
descobri que a culpa de os empresários não terem conferido competitividade ao sector têxtil (apesar dos inúmeros apoios à inovação, formação, etc.,) foi do Governo. Eu pensava que a culpa era deles.

E a construção civil.
Vou já telefonar ao Sr. Gomes, Sr. Veloso, e outros empresários da construção civil cá do burgo. Dar-lhes-ei a boa nova de que a culpa da falência das suas empresas foi do Governo. Eles bem se esforçaram, a vender o T2 por 150.000€ e a escriturar por 80.000€, para que a empresa não fosse à falência...

E, agora, até já me apetecia levantar o polegar aos sindicatos.

Mas, não, não me deixarei influenciar pela deriva da Joana - eles (os sindicatos) estão errados.

Publicado por: Vítor às junho 19, 2005 08:55 PM

David às junho 19, 2005 08:39 PM

o quê ? VPV e AB também são/foram parasitas - segundo o conceito das joanas ?

Publicado por: zippiz às junho 19, 2005 09:20 PM

zippiz às junho 19, 2005 09:20 PM:
Você cai nos simplismos bloquistas. Nunca disse que os fp´s fossem parasitas. A minha mãe é professora.
O que eu tenho escrito é que o sector público está sobre-dimensionado e que custa caríssimo ao país, sem prestar, em contraparetida, serviços minimamente comparáveis ao seu custo.
Você, segundo me apercebi, trabalha no sector privado. Você não acha que se a sua empresa trabalhasse com a eficiência do sector público, não teria entretanto falido e você não estaria no desemprego?

Publicado por: Joana às junho 19, 2005 09:50 PM

Vítor às junho 19, 2005 08:55 PM
Se os produtos das empresas, directa ou indirectamente, têm uma carga excessiva de impostos, obviamente são menos competitivos no mercado internacional, visto seu preço ser muito onerado.
Se são menos competitivos, vendem-se menos. Se se vendem menos, as empresas vão à falência.
Escusa de avisar os empresários pois eles conhecem a situação. Quem pelos vistos não conhece é você.

Publicado por: Joana às junho 19, 2005 09:55 PM

A tentativa de greve aos exames convocada pela FENPROF foi nojenta. Só mostra que se estão nas tintas para os alunos.

Publicado por: VSousa às junho 19, 2005 09:57 PM

Joana às junho 19, 2005 09:55 PM

Pois. Eu sou ignorante. Contra esse argumento...
Mas tenho outra característica: estou de boa fé e acredito que a Joana será uma mulher educada.

Estava a ironizar sobre os seus argumentos, pelo facto de os considerar algo simplistas.
E, assim, humildemente, declaro que o que a Joana riposta é verdadeiro e, insisto, simplista.
Posso sempre argumentar que, quando alguns empresários do sector têxtil vendem o mesmo que vendem os chineses, bem pode colocar esses produtos a "zero impostos". O destino é o mesmo.

Publicado por: Vítor às junho 19, 2005 10:28 PM

A varicela é terrível... especialmente a variante Liberal, quando remissiva em Adulto

Uma pessoa que tenha tido varicela desenvolve imunidade e não pode contraí-la de novo. No entanto, o vírus da varicela zóster permanece inactivo no corpo depois da infecção inicial de varicela e por vezes é reactiva mais tarde, provocando herpes zóster. (Ver secção 17, capítulo 186)

Publicado por: Templário às junho 20, 2005 10:10 AM

Relativamente à greve dos profs, a SIC apenas entrevistou a filha do Coronel Varela Gomes do PREC, que também é Presidente do CE da Escola Gil Vicente. Como exemplo de neutralidade e imaprcialidade, é notável.
O certo é que os profs dessa escola (alguns) mostraram que tinham brio profissional e possibilitaram a realização dos exames, coisa que a Geninha não queria, a avaliar pelo ar arreliado dela.

Publicado por: Joana às junho 21, 2005 01:32 PM

Olhe Joaninha pelo teor dos seus comentários ,o seu moldelo é mais do tipo do nosso querido Alberto João da poncha, que esse ao menos não é ché-che, gosta da poncha, mas o que pode fazer não há politicos perfeitos, e o seu PSD é muito compreensivo com as fraquezas dos amigos .

Mas continue a escrever assim, que ainda virá o dia, em que a convidam para concorrente da Margarida Rebelo Pinto.

É muito obrigado por estes momentos de hilariedade ,que os seus comentários sempre me causam.

Publicado por: a.pacheco às junho 24, 2005 12:52 AM

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Publicado por: Mortg às junho 29, 2005 12:11 AM

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Publicado por: Mortg às junho 29, 2005 12:12 AM

Os sindicatos estão no fundo

Publicado por: Rui às julho 5, 2005 03:53 AM

E não há volta a dar

Publicado por: sereno às julho 5, 2005 03:56 AM

Rir é o melhor remédio

Publicado por: sereno às julho 5, 2005 03:56 AM

O que nem sempre é possível

Publicado por: sereno às julho 5, 2005 03:56 AM

mas faz-se o que se pode

Publicado por: sereno às julho 5, 2005 03:57 AM

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