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maio 24, 2005

BCP e BEP

O BCP (Banco Comercial Português) e o BEP (Bulímico Estado Português) são duas entidades com comportamentos opostos. O BCP tem prosseguido, desde 2000, um plano de redução de custos (em Portugal), com o objectivo que estes cresçam 2% abaixo da taxa anual de inflação. O BEP tem deixado, no mesmo período, que os custos cresçam cerca de 4% acima da taxa anual de inflação. Houve um ligeiro abaixamento em 2003 e 2004, mas continuam a crescer acima da taxa anual de inflação.

Em 2000 o BCP tinha 16.099 trabalhadores. Em 2004 baixaram para 12.487, sem precisar de recorrer a nenhumas disposições draconianas de qualquer pacote laboral. Fê-lo num enquadramento legal imposto exogenamente. O BEP tem aumentado sempre os seus efectivos (29 mil por ano, entre 1995 e 2001) e as restrições posteriores a 2002 não têm produzido efeito significativo. É o BEP que faz as suas próprias leis e cria o seu próprio enquadramento legal. Portanto é duplamente responsável pelo seu excesso de peso: não teve a capacidade do BCP de saber emagrecer com a legislação existente, nem soube mudar a legislação para emagrecer sem ter que ser competente. Ou seja o BEP sofre de bulimia militante.

A diferença entre estas duas entidades reside em que os accionistas do BCP são rigorosos e despedem os gestores se estes não cumprem os objectivos de haver um superavit nas contas da gestão, enquanto no BEP tem havido um conluio entre os gestores (políticos) e os accionistas (eleitores) para a manutenção e agravamento do défice, pois estes não têm sancionado o laxismo e têm penalizado as tentativas de os chamarem à realidade. Os accionistas (eleitores) do BEP têm um medo pavoroso da realidade e preferem drogar-se com ilusões. O aumento da despesa pública tem correspondido a um desejo por parte da maioria dos accionistas (eleitores) de uma maior intervenção do BEP, na medida em que aqueles que mais beneficiam com as despesas do BEP tendem a organizar-se para as manter ou mesmo para as aumentar.

O BCP vai prosseguir com o seu plano de redução de custos até ao ano até 2008. Apesar dos seus superavits dependerem das flutuações da procura exterior, os seus diagnósticos e previsões não dão origem a dramas nem a gritos de espanto ou surpresa. Fazem previsões dentro de uma determinada manga de incerteza e cumprem-nas, nem que para tal tenham que corrigir algumas trajectórias.

O BEP anunciou ontem um défice previsto para 2005 de 6,83%, no meio de um espectáculo monumental de espanto e surpresa, quando o BP já havia previsto, 4 meses antes, um défice superior a 5%, e a bulimia compulsiva do BEP já indiciava uma derrapagem vertiginosa. O BEP prometeu aos accionistas (eleitores) que vai tentar diminuir o défice de maneira que o prejuízo de gestão, daqui a 4 anos, seja apenas 3% da riqueza produzida. Não está confrontado com incertezas exteriores significativas. As suas receitas estão asseguradas pois elas são obrigatoriamente alimentadas pelos próprios accionistas (eleitores/contribuintes). Mesmo assim não se propõe fazer melhor. A única margem de incerteza que existe resulta do facto dos accionistas (eleitores) estarem cada vez mais endividados, serem cada vez mais espoliados pelo BEP e estarem fartos de serem iludidos.

O BEP não prometeu curar a sua bulimia. O BEP está apenas a ver se encontra meios de satisfazer a sua bulimia com o que resta da carne dos seus accionistas (eleitores). O BEP está apenas a protagonizar o papel dos vampiros que sopram no rosto das vítimas para as manter embaladas enquanto lhes sugam o sangue.

Esta diferença de atitudes trouxe vantagens ao BCP, mas também tem os seus inconvenientes. Os accionistas do BEP que mais afã têm demonstrado no descontrolo dos custos, deitam olhares gulosos ao superavit do BCP e proclamam publicamente que o BEP se deveria apossar dele para satisfazer a sua bulimia compulsiva – O BEP tem que fazer jus ao seu nome. O BCP, em contrapartida, tem-se precavido deslocalizando parte da sua actividade para a Grécia e Polónia, não vá o BEP tecê-las. Fazer uma política de rigor para depois sustentar os vícios compulsivos dos outros seria um exercício inglório de masoquismo.

Além do mais, é uma enorme injustiça social o BCP diminuir os efectivos, para depois o BEP vir sangrar o BCP para manter efectivos completamente inúteis, como por exemplo no caso do MA, onde há 1 funcionário por cada 4 agricultores, ou o ME, onde há dezenas de milhares de professores, do topo da carreira (e da retribuição), com horários zero, ou ... etc., etc.

Já que a bulimia compulsiva do BEP só lhe permite formas enviesadas, absurdas e caricaturais de justiça social, resta aos injustiçados fazerem justiça (social) pelas suas próprias mãos.

Publicado por Joana às maio 24, 2005 07:30 PM

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Comentários

Estamos sempre a aprender.
Se esta comparação da Joana é honesta (e tenho que partir do princípio de que é) há uma realidade oculta no BCP, ou, pelo menos, uma realidade que eu desconheço e de que não tenho beneficiado.
Ao comparar as despesas do Estado com as do BCP, a Joana está a dizer-nos que o BCP tem um quadro de professores, profissionais da saúde, agentes de segurança e forças armadas cujos serviços não produzem, directamente, riqueza, por serem serviços de natureza social.
De igual modo, está a informar-nos de que o BCP construiu uma rede de estradas, escolas, hospitais e aquele sem número de infraestruturas geralmente não lucrativas, onde o Estado costuma gastar o dinheiro.
No fundo, está a dizer-nos que o BCP não é um banco, mas uma instituição virada para o bem comum e, quiçá por força e obra de Deus, para os investimentos não reprodutivos.
Mas esta comparação pode não ser honesta. Pode, mesmo não sendo desonesta, não passar de um exercício de estilo ou da tentativa de brincar com coisas sérias.
Por mim, não me importo com a brincadeira (há quem vá ter mais razões para estar preocupado), mas aquela sugestão final é um bocadinho precipitada.
Se os injustiçados resolverem fazer justiça por suas próprias mãos, são capazes de não se ficar pelo social. E aí o número de preocupados irá, certamente, aumentar.

Publicado por: (M) às maio 24, 2005 08:31 PM

(M):
Na verdade você tem razão. Enganei-me. Os serviços produzidos pelo BCP têm que satisfazer uma procura exigente que, se não ficar satisfeita, irá procurar outros concorrentes.
Os serviços produzidos pelo BEP (educação, saúde, justiça, etc.) são péssimos, mas a procura não tem, na maioria dos casos, alternativa, pois não há concorrência.
Portanto, a situação é muito pior que eu, numa brincadeira precipitada, reconheço, tinha descrito.

Publicado por: Joana às maio 24, 2005 08:56 PM

Ficamos a saber que a Joana trabalha para o BCP :)

Publicado por: Mario às maio 24, 2005 09:55 PM

Joana, o (M) tem razão. Em Portugal, os professores, profissionais da saúde, etc., não produzem riqueza, são uns inúteis.

Publicado por: lopes às maio 24, 2005 10:02 PM

Joana maio 24, 2005 08:56 PM

Estou inteiramente de acordo consigo: os serviços são péssimos.
Assim, há que fazer imediatamente o que faria o BCP nestas circunstâncias — substituir os quadros responsáveis pela péssima qualidade dos serviços. Os ministros deviam ir todos para o desemprego e sem direito a subsídio.
Passa-se, no entanto, uma coisa muito estranha. Os ministros e administradores responsáveis pelo descalababro dos serviços públicos, quando largam o governo vão direitinhos para as administrações de empresas privadas (incluindo bancos como o BCP).
Ora, como as empresas privadas (incluindo bancos) são, por definição, bem administradas — pelo menos as que têm ex-ministros nas administrações — isso quer dizer que os ministros e administradores das empresas e serviços do Estado administraram intencionalmente mal essas empresas e serviços. A isso chama-se gestão danosa e é crime. Logo, deviam ir não para o desemprego, mas sim para a prisão.
A menos que alguém consiga provar que a culpa dos péssimos serviços do Estado cabe aos utentes e não a quem dirige e administra. Não me admirava nada que alguém aparecesse com essa ideia. O descaramento é tanto...

# : - ))

Publicado por: (M) às maio 24, 2005 10:50 PM

Pois o problema é esse a saúde, educação e justiça são serviços públicos; Se tivessem uma leve concorrência já as melhores e mais eficientes práticas teriam vindo ao de cima.

Publicado por: lucklucky às maio 24, 2005 10:55 PM

Assim não Joana!

Esta comparação para além de insustentável do ponto de vista científico - não é preciso ir muito longe para compreender que não se podem comparar cebolas com computadores. A gestão do estado não pode em caso algum ser assimilada à gestão duma empresa privada.

Para além disso, convirá dizer que o presumível sucesso do BCP, aparentemente não é unânimemente reconhecido pelo mercado. Basta para isso comprarar a cotação actual do BCP com a cotação há 3 anos atrás (equivalente a uma queda de mais de 40%). A comparação ilude ainda o facto de o BCP, contrariando a imagem de rigôr que a Joana pretende demonstrar, teve que recorrer durante este período a um substancial aumento de capital (o equivalente a um aumento de impostos). Entretanto, não consta que este desempenho menos entusiasmante tenha tido qualquer impacto nas remunerações da administração do grupo BCP.

Publicado por: Carlos José às maio 24, 2005 11:16 PM

Não é possível comparar cebolas com computadores. Mas é possível comparar os graus de satisfação da procura respectiva entre os que produzem cebolas e os que produzem computadores.
É possível comparar o controlo dos custos de produção, em face dos preços de mercado, entre os que produzem cebolas e os que produzem computadores.
E foi isso que eu fiz, numa parábola, mas com algum fundamento ... mais que muitas parábolas do Novo Testamento.

Publicado por: Joana às maio 25, 2005 12:05 AM

Não tinha percebido que era uma comparação científica.
´
São apenas exemplos gritantes. Quem trabalha numa empresa privada minimamente organizada percebe a enorme distância a que se encontra da função pública. E ainda por cima, são os privados que sustentam os públicos.

Publicado por: Mario às maio 25, 2005 12:08 AM

(M) às maio 24, 2005 10:50 PM
A maioria de gestores que balançam entre governo e CA's é gente que se destina mais a ser utilizada pelos seus conhecimentos pessoais e institucionais que pela sua capacidade de gestão. Há excepções.

Publicado por: Joana às maio 25, 2005 12:09 AM

Por outro lado o mau desempemho do governo pode estar relacionado com as restrições existentes. Veja as declarações de Nogueira Leite, provavelmente um dos convidados mais lúcidos do P&R de ontem. Foi claro: esteve 8 meses no governo de Guterres e saíu pelo próprio pé, porque achou que não estava lá a fazer nada e que não havia vontade política para fazerem reformas.

Publicado por: Joana às maio 25, 2005 12:12 AM

Por outro lado há aqueles que se mantêm, mesmo um pouco contrariados, para fazerem um frete político.
Mexia era contra a modificação contratual das SCUT, provavelmente pelas razões que já apontei - depois dos contratos feitos, mexer neles é capaz de não dar muito resultado. No entanto acabou por aceitar a encomenda.

Publicado por: Joana às maio 25, 2005 12:16 AM

Um exemplo próximo: há uns 20 anos o meu pai esteve como vogal no CA de uma empresa pública importante. Saíu de lá, ao fim dos 3 anos, jurando para nunca mais. Havia aceitado aquilo mais para fazer um frete político a alguns amigos que por motivos remuneratórios (a única vantagem era o motorista que, com 4 miúdos, dá algum jeito) e nunca mais caiu noutra.
Ficou com uma péssima impressão das possibilidades de gerir eficazmente uma empresa pública, e de todo o pessoal, desde os contínuos até aos colegas do CA. Na época eu teria uns 15 a 16 anos e lembro-me dos comentários azedos sobre os outros membros do CA, sobre os directores de serviço, etc.
Uma vez, um director de serviço apresentou-lhe um cheque para assinar relativamente a um auto de medição de uma obra. O auto vinha devidamente instruído e o meu pai, após conversa com esse director assinou o cheque. Dias depois, foi avisado pelo Director do Banco que tratava do crédito às empresas públicas que aquele cheque não deveria ter sido emitido naquela data, mas sim 2 ou 3 semanas depois, em face do protocolo de calendarização do empréstimo. O meu pai não tinha sido posto a par desse "pormenor".
O meu pai chamou o Director de Serviço (que era o serviço financeiro!) e pediu explicações, e este respondeu-lhe:
- Mas o sr. Engº também assinou!
O meu pai foi aos arames. Era claramente um favorecimento ao empreiteiro, ainda por cima tentando pô-lo no mesmo barco. Se ele tivesse dito que havia sido um equívoco, ainda vá ... mas aquela resposta! Tentou que fosse movido um processo disciplinar ao sujeito, mas o CA fechou-se em copas ... para evitar chatices ... etc.

Publicado por: Joana às maio 25, 2005 12:37 AM

Eu do pouco que posso falar sobre os serviços prestados pelo Estado, digo que estou bastante satisfeito. A minha mulher teve os nossos dois filhos num hospital estatal, e foi muito bem servida. Um desses filhos tem problemas crónicos de asma e recorre muito fequentemente a outro hospital estatal onde, mais uma vez, é excelentemente servido, por técnicos competentes e atenciosos. Nunca paguei nada por todos esses serviços.

Tenho notado que, nalguns casos, parece haver excesso de pessoal, pessoal sem fazer nada. Ou seja, parece haver ineficiência. Mas da qualidade do serviço, não me queixo. Pelo menos é bastante melhor do que serviços privados análogos.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 25, 2005 09:52 AM

"A única margem de incerteza que existe resulta do facto dos accionistas (eleitores) estarem cada vez mais endividados"

Infelizmente essa está muito longe de ser a única margem de incerteza existente.O comportamento futuro da nossa economia - cujos empresários são em geral de muito fraca capacidade - quando confrontado com a crescente concorrência internacional, é muito incerto. Outra incerteza muito relevante refere-se ao preço (e disponibilidade!) do petróleo ao longo dos próximos anos, o qual pode provocar um brutal rombo na economia portuguesa. Outras incertezas avolumam-se; por exemplo, este ano o PIB português sofrerá um enorme rombo devido à seca, que destroçou uma parte significativa da nossa agro-pecuária e, previsivelmente, também do turismo.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 25, 2005 09:56 AM

Os hospitais públicos têm um serviço claramente pio que os privados. As esperas, as listas de espera, a organização, etc. É claro que há médicos e enfermeiros atenciosos. Também podemos ter sorte.
A minha experiência é que um hospital público atende-nos bem, quando conhecemos lá alguém.
É o tal tráfico de influências, antes conhecido por cunha. Não é uma questão de suborno, é apenas de conhecimento.

Publicado por: David às maio 25, 2005 10:53 AM

O BCP não faz mais do que a sua obrigação. e como a única obrigação que reconhece é produzir valor contabilizável para os seus accionistas, fica com a tarefa facilitada.
O Estado tem que produzir valor para todos, mas grande parte desse valor não é contabilizável. Sabemos que um território ordenado, uma baixa taxa de criminalidade ou uma população culta favorecem a actividade económica: têm portanto um valor, mas ninguém sabe quantificá-lo - ou se alguém sabe, não o leva a crédito nas contas do Estado.
Uma sugestão: vamos trazer a metáfora da Joana para a realidade literal e transformar os cidadãos em accionistas. Só vota quem paga impostos, e o voto de cada um é ponderado em proporção aos impostos que paga. E todos os serviços do Estado passam a ser vendidos pelo seu valor real (ou seja, pelo preço máximo que o vendedor possa cobrar).
Veremos então se o Estado é mais eficiente ou menos eficiente do que o BCP.

Publicado por: Zé Luiz às maio 25, 2005 11:41 AM

Não concordo com o paralelo que a Joana faz dos procedimentos do BCP e do Estado pois só sob uma perspectiva exclusivamente economicista tal pode ser feito. Essa perspectiva é extremamente redutora e presta-se a contra-argumentação fácil.
Por outro lado basta comparar um POC, pelo qual se tem que reger uma empresa privada e essa espécie de contas de merceeiro, chamada de Contabilidade Pública, de que o estado se recorre para fazer a merdosa "gestão" de tesouraria que se vê. Esta diferença de mentalidades pode explicar talvez melhor algumas das diferenças de actuação dos funcionários superiores em cada um destes campos.

Publicado por: JMTeles da Silva às maio 25, 2005 12:10 PM

Nem a Joana, nem ninguém, sabe se o Estado produz mais ou menos do que o que consome. Qualquer afirmação feita num sentido ou noutro é uma simples profissão de fé.

No caso duma empresa, a conta é fácil de fazer. Assume-se (e é bom notar que estamos apenas a assumir) que o que a empresa recolhe equivale exactamente ao que produziu. Depois faz-se a subtracção: se recolheu mais do que gastou, teve lucro e (assume-se) «produziu riqueza». Se gastou mais do que recolheu, teve prejuízo.

Repare-se que mesmo quando falamos de empresas há custos que não são levados a débito e/ou benefícios que não são levados a crédito: ou por serem disseminados, ou por corresponderem a externalidades, ou simplesmente (sendo a natureza humana o que é) por haver alguém a quem não interessa contabilizá-los.
Mas enfim: resignemo-nos à inevitável discrepância entre a abstracção contabilística e a realidade concreta e admitamos, no caso das empresas, que há alguma correspondência entre a realização dum lucro e a «criação de riqueza».

Quando falamos do Estado não podemos fazer as contas desta maneira. Sabemos quanto é que ele gasta, sabemos quanto é que ele recolhe, podemos subtrair um valor do outro - mas sabemos também que nem o que o Estado gasta, nem o que ele recolhe tem qualquer relação com o que ele produz. Não temos maneira de quantificar, nem os custos principais, nem os benefícios principais da actividade do Estado. A criminalidade, a corrupção, o caos do trânsito, a insegurança económica, as doenças profissionais, a depressão epidémica, a iliteracia, a erosão do civismo, etc., são custos, e custos económicos, mas não é possível atribuir-lhes um valor numérico e contabilizá-los do lado da despesa.

Do mesmo modo que a segurança nas ruas, a segurança no emprego, a educação, a saúde, a cultura, a mobilidade das pessoas e das mercadorias, a natalidade, etc., são benefícios concretos e reais que não podem ser postos do lado das receitas.

Podemos tentar mercantilizar tudo, é claro, de modo a que se possa atribuir a tudo, se não um valor, ao menos um preço. É isso mesmo que nos propõem os liberais. Mas se nem mesmo no universo relativamente simples das empresas isto é possível sem ignorar uma parte do real concreto, imagine-se o resultado se tentássemos fazê-lo no universo muito mais complexo de toda a sociedade.

Publicado por: Zé Luiz às maio 25, 2005 12:38 PM

Sabemos. Há rácios e há comparações internacionais. O resto é conversa de treta.
Na educação gastamos mais que a média europeia, julgo que 50%, e temos a pior educação de todas. Na justiça temos, em média, mais juízes, mais magistrados e mais funcionários judiciais que os parceiros da UE, e a nossa justiça é, de longe a mais morosa, o que é óptimo para os vigaristas e para aqueles que ficam a dever. No serviço nacional de saúde a discrepância é a mesma.
Portanto, nos serviços em que se podem estabelecer comparações internacionais a eficiência do nosso Estado é baixíssima.
O resto são tretas hipócritas de quem quer atirar areia para os olhos dos outros (dos desgraçados que pagam esse monstro ineficiente)

Publicado por: Joana às maio 25, 2005 01:17 PM

"Nem a Joana, nem ninguém, sabe se o Estado produz mais ou menos do que o que consome. Qualquer afirmação feita num sentido ou noutro é uma simples profissão de fé."

É uma das afirmações mais surrealistas da década.

Publicado por: Mário às maio 25, 2005 02:13 PM

Em educação: gastamos mais que a média europeia em termos percentuais ou em termos absolutos? É que se queremos que os alunos portugueses aprendam tanto como os finlandeses temos que gastar tanto dinheiro por aluno como gasta a Finlãndia. Em termos absolutos.
E será a nossa educação a pior de todas? Duvido. Sei por experiência própria como funcionam as escolas em Portugal, na Suíça, na alemanha, na Itália e no Luxemburgo e estou em condições de a informar deste facto: os alunos portugueses provenientes de grupos sociais equivalentes às classes médias destes países não são mais ignorantes do que os seus congéneres estrangeiros. o que temos é muitos alunos provenientes de grupos sociais que nesses países já quase não existem, e isto afecta, evidentemente, as médias. Para chegar à frente partindo de trás é preciso correr mais depressa: se calhar o que gastamos em educação é ainda insuficiente.
Haveria muito por onde cortar despesas, não pense que o ignoro. Todos os dias assisto a gastos inúteis nas escolas, e poderia aqui dar-lhe alguns exemplos. Mas também assisto a necessidades prementes que não são satisfeitas por falta de verba.
Sendo assim no sistema educativo, não me admira nada que algo de semelhante se passe na justiça e na saúde.
Nada disto obsta a que a ineficiência do Estado português só possa ser medida em termos relativos - por referência ao desempenho doutros Estados. E você, no seu post inicial, estava a tentar medi-la por referência a uma empresa privada. Não pode.

Publicado por: Zé Luiz às maio 25, 2005 02:27 PM

É que se queremos que os alunos portugueses aprendam tanto como os finlandeses temos que gastar tanto dinheiro por aluno como gasta a Finlãndia.

Porquê, Zé Luis? O maior custo com a educação refere-se a salários de professores e funcionários. A ponderação em relação ao PIB é correcta, afinal os custos dos 'meios de produção' (para usar linguagem marxial) também não têm comparação... já para não falar de outros...

Publicado por: Pedro Oliveira às maio 25, 2005 02:48 PM

Joana às maio 25, 2005 01:17 PM

Isso de chamar "treta" àquilo que os outros argumentam é muito pouco construtivo. Tenho a impressão de que a Joana está a perder paciência para a argumentação e a inclinar-se mais para o lado da revolução e da agressão. É pena.

Comparações internacionais têm fortes limitações. As culturas são diferentes. A experiência acumulada ao longo das gerações é diferente. Ainda há pouco tempo se descobriu que a escola finlandesa é especialmente eficiente, e logo vieram esquerdistas fazer notar que é uma escola totalmente paga pelo Estado, sem chumbos, etc. Tudo muito bonito, mas acontece que a cultura dos finlandeses é diferente da nossa. Tal como a cultura dos japoneses é diferente, etc. As comparações internacionais valem pouco, pois não identificam os fatores culturais e antropológicos subjacentes.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 25, 2005 03:14 PM

Luís Lavoura em maio 25, 2005 03:14 PM:
Não sei o que é pior - se dizer frontalmente, embora apresentando argumentos, que a conversa de alguém não passa de tretas; ou se andar aqui com sofismas, empastelando as coisas, falseando as opiniões dos outros e mostrando uma completa hipocrisia.
Eu, por exemplo, fiquei farto e disse-o a esse comentarista.

Publicado por: Hector às maio 25, 2005 03:25 PM

Argumentar implica haver alguma lógica e coerênia metida ao barulho. Tenho lido aqui comentários que têm vários erros por frase. Nem dá para chegar ao fim. Não são tretas, são outra coisa que merecem um nome bem pior.

Publicado por: Mário às maio 25, 2005 03:29 PM

O problema com a argumentação da Joana é que muitos dos vícios que se podem apontar (com razão) ao Estado português derivam da cultura e modo de ser dos portugueses, e não são muito diferentes de vícios análogos que se observam no setor privado. O Estado é desorganizado, pois é, mas isso é uma pecha geral dos portugueses. O Estado é corrupto, pois é, mas as empresas privadas também estão cheias de favores e de cunhas. O Estado é ineficiente, mas muitas empresas privadas manifestam o mesmo vício.

Dir-me-ão: pois, mas nas empresas privadas quem sofre com os seus defeitos são elas mesmas. Certamente, mas a solução não é desmantelar o Estado, pois tudo nos sugere que os privados têm exatamente os mesmos vícios. A solução é, tanto para o Estado como para o setor privado, tentar fazer-se melhor. Ser-se mais rigoroso, mais organizado, mais cumpridor, mais eficiente.

Tanto no setor estatal como no setor privado, em Portugal, há alguns exemplos de excelência e muitos exemplos de má gestão e de ineficiência. O problema é nacional, não é um problema exclusivamente estatal.

Tal como eu disse, a Finlândia parece ter uma escola com todos os defeitos que são assacados à escola portuguesa - só que na Finlândia a escola funciona, em Portugal não. Talvez tenhamos que concluir, modestamente, que o problema não está no modelo político - o problema está nas pessoas que o põem em prática.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 25, 2005 04:24 PM

Luís Lavoura: os vícios do sector privado não são pagos por mim. Os vícios do Estado são-no.
Por outro lado, muitos dos problemas do sector privado resultam dos vícios do Estado: excesso de burocracia, dívidas incobráveis, justiça tarde a más horas, impostos a mais, etc.

Publicado por: David às maio 25, 2005 04:58 PM

"os vícios do sector privado não são pagos por mim. Os vícios do Estado são-no"

Eu já sabia que alguém me iria retorquir isso. A questão que se põe é, ganha-se alguma coisa se todas as funções que atualmente são (mal) prestadas pelo Estado passarem a ser prestadas por privados? Naturalmente que se pode ganhar, se os privados funcionarem bem. Mas, num país como o nosso, nada nos garante, a não ser a mais absoluta fé na mão invisível de Adam Smith, que os privados funcionarão bem. Algumas experiências em diversos setores (universidades, companhias de seguros, hospitais, etc) estão aí para nos mostrar que, embora os privados prestem sempre muita atenção ao aspeto financeiro, nem sempre fazem boa figura em matéria de qualidade do serviço. Arriscamo-nos a passar a uma situação em que os serviços continuam a ser maus e caros.

Esta questão, insisto, não é doutrinal. Os direitistas têm uma fe doutrinal em que, na economia privada, tudo funciona bem; os esquerdistas têm uma fé doutrinal que, na economia estatal, tudo é mais eficiente. Mas a realidade é que aspetos culturais podem ser muito mais importantes do que tudo isso. Há países onde a economia privada funciona bem e é eficiente, e há outros países onde ela se regula pela mediocridade generalizada. Há países onde o Estado funciona bem e presta serviços de qualidade, e há outros em que não faz nada de jeito.

Ainda ninguém soube explicar convincentemente porque é que o Japão, até ao século 19 um país miserável, se tornou naquilo que é hoje. Talvez a virtude não tenha estado no excelente sistema político japonês. Talvez a virtude tenha estado no excelente esforço do povo japonês.

Publicado por: Luís Lavoura às maio 25, 2005 05:12 PM

"Ainda ninguém soube explicar convincentemente porque é que o Japão, até ao século 19 um país miserável, se tornou naquilo que é hoje. Talvez a virtude não tenha estado no excelente sistema político japonês. Talvez a virtude tenha estado no excelente esforço do povo japonês."

Quem conhece os japoneses não tem qualquer dúvidas disso. O sistema político japonês é ainda muito estatista. O facto do sistema de comboios japoneses ter um atraso total por ano de apenas alguns segundos deve-se a cada um dos interinientes fazer de cada actividade uma questão quase de vida ou morte. Não é exemplo que queremos ou podemos seguir.

Publicado por: Mário às maio 25, 2005 06:39 PM

Por Deus, nunca ninguém viu uma reportagem acerca do suicídio dos jovens japoneses ? Eu já vi. Vivendo sós, com uma vergonha imensa, num quarto, em casa dos pais.
Há uma violência «pornográfica» no Japão.

Publicado por: asdrubal às maio 26, 2005 12:54 AM

A Joana está farta dos meus comentários e diz que são tretas. O Hector está tão farto que nem se refere a mim pelo nome, diz «esse comentador».

É natural. Quem sai do discurso formatado pela ideologia do momento arrisca-se sempre a que o leitor ache que se trata de «tretas», e para mais «surrealistas» (Mário dixit).

E de facto estou consciente que ao dar as minhas opiniões tenho contra mim as evidências, ou o que passa por tal.

Aqui vão mais algumas tretas surrealistas, sob a forma de teses numeradas.

1. Todas as actividades humanas comportam custos e/ou benefícios.

2. Não há nem pode haver coincidência perfeita entre «custos» e «despesas», uma vez que:
a) há custos que não são denominados em unidades monetárias e
b) há custos que são suportados por outros que não os sujeitos da acção.

3. Do mesmo modo, não há nem pode haver coincidência perfeita entre «benefícios» e «receitas».

4. No caso particular das actividades com fins lucrativos directos, pode convencionar-se que as despesas e as receitas exprimem em abstracto a realidade concreta dos custos e dos benefícios.

5. Do mesmo modo e no mesmo caso pode convencionar-se que a expressão «sujeito económico» exprime em abstracto a realidade concreta das pessoas humanas.

6. Das abstracções económicas não podem extrapolar-se leis que se apliquem à natureza humana nem às actividades humanas em geral.

7. Enquanto «sujeitos económicos», as pessoas têm o direito de minimizar as despesas e maximizar as receitas.

8. A este direito acresce, porém, o direito de minimizar os custos que não consistem em «despesa» e de maximizar os benefícios que não consistem em «receita».

9. Ao Estado compete minimizar ou criar condições para que se minimizem todos os custos, e não apenas a despesa, bem assim como maximizar ou criar condições para que se maximizem todos os benefícios, e não apenas a receita.

10. Compete ainda ao Estado assegurar a distribuição adequada da «riqueza» (isto é, do conjunto dos benefícios).

11. A distribuição adequada da riqueza obedece a dois critérios:
a) não deve ser ultrapassado o nível de desigualdade que o consenso social tem como aceitável, e
b) deve haver a maior coincidência possível entre a criação de riqueza e a aquisição de riqueza.

Hier stehe ich; ich kann nicht anders.

Publicado por: Zé Luiz às maio 26, 2005 01:44 AM

Zé Luiz em maio 26, 2005 01:44 AM:
Na lista que escreveu no início, esqueceu-se de mim. Já sucedeu há alguns meses, mas nem por isso mereço a injustiça de não enfileirar ao lado de nicks tão ilustres.

Publicado por: L M às maio 26, 2005 10:58 AM

LM:
Tem razão. Aqui fica feita a reparação da injustiça.
Já agora: tem mais evidências para contrapor às minhas tretas surrealistas?

Publicado por: Zé Luiz às maio 26, 2005 02:41 PM

Um dos problemas com as "tretas surrealistas" é que não há "evidências" por mais evidentes que sejam que sirvam para contrapor ao autor das "tretas surrealistas". É uma conversa sem fim que regressa sempre ao ponto de partida.

Publicado por: L M às maio 26, 2005 03:15 PM

Joana Nem Podia Dar Melhor Exemplo, vem mesmo a calhar, é do melhor.

Pois afinal o Problema São as Mulheres.

O BCP, pagou milhares, para lhe entregarem uns papeis com uns gráficos....

Conclusão....

Os Homens são mais rentáveis que as mulheres !!!
( não sei se o estudo de milhares chegou à conclusão que os Homens ainda não conseguem Parir...)

Ora... pelo problema aqui exposto pela D.Joana só se pode concluir como aliás foi a nota dominante do estudo do BCP, que o problema do BEP é ter admitido mulheres....


Publicado por: Templário às maio 26, 2005 03:38 PM

Um reparo à Joana: chatisse está mal, muito mal escrita. Como sabe é chatice.
Fica o reparo. No melhor pano... :-)

Publicado por: Mercurius às maio 26, 2005 04:47 PM

Mercurius às maio 26, 2005 04:47 PM:
Obrigada ... tenho que reciclar o meu calão.

Publicado por: Joana às maio 26, 2005 06:24 PM

Se despedíssemos as 500.000 mulheres da Função Pública( filosofia BCP ) deixaríamos de ter 6,83% de déficit !

Julgo que passaríamos para Superavit de uns 5%.

Despeçam-se as Mulheres já !

Mulheres para casa tratar dos bébés !!!


Mas é que devia ser já !

Estudos Europeus Comprovam que Portugal tem o maior Indice de emprego para as Mulheres... logo.. mais uns a darem-me razão !!!

Publicado por: Templário às maio 26, 2005 09:42 PM

LM:
Principalmente se as evidências são fabricadas.
Um exemplo, não entre muitos, mas entre muitíssimos: pergunte-se a um cidadão português médio durante que governos se verificaram, entre Cavaco Silva e Santana Lopes, os maiores défices públicos.
Provavelmente o cidadão não saberá responder, porque não conhece os números. Mas arriscará dizer que os maiores défices se verificaram durante os governos de Guterres.
E dirá isto porque para ele é «evidente» que esquerda, e particularmente Guterres, é sinónimo de défice e despesismo, enquanto que a direita, e nomeadamente Cavaco, é sinónimo de contenção e rigor.
Se o informarmos do facto que a média dos défices durante os governos de Cavaco, Durão e Santana andou pelos 5,4% enquanto durante os governos de Guterres andou pelos 2,6%, o nosso cidadão não acreditará: entre os factos e a «evidência» optará pela «evidência».
Mas a Joana, o Hector, o Mário e você não são cidadãos desinformados. Não são vítimas de evidências fabricadas, são fabricantes de evidências.

Publicado por: Zé Luiz às maio 26, 2005 09:44 PM

Outra treta surrealista:
Por vezes (espera-se que raras e negligenciáveis) quem adquire riqueza não a produziu, e quem produz riqueza não a adquire.

Não é aconselhável confrontar um neo-liberal com este facto: já foram registados casos em que alguns neo-liberais mais frágeis, dilacerados entre a evidência dos factos e a evidência da doutrina, entraram em processos irreversíveis de descompensação psicológica.

Publicado por: Zé Luiz às maio 26, 2005 10:41 PM

Correcção: surrealista, moralista e tudo!

Publicado por: Zé Luiz às maio 26, 2005 10:48 PM

Zé Luiz às maio 26, 2005 09:44 PM:
Por falar em tretas, já foi escrito diversas vezes neste blog, já apareceu em diversos artigos de economistas, como Medina Carreira, os do Jornal de Negócios, DE, etc. etc., que o que você está dizer não é correcto e mostra uma total ignorância.

Com a adesão ao euro, as taxas de juro em Portugal cairam dos 9% para menos de 3% (que era o valor da zona euro). Isso fez diminuir imenso os encargos da dívida pública. Foi por esse motivo que o défice diminuiu nos primeiros anos de Guterres.
Além disso houve o programa das SCUT, de que este blog está farto de escrever, que implicou grandes receitas no IVA, IRC e IRS e nenhum dispêndio, pois só este ano se vai começar a pagar.
Entretanto Guterres aproveitou para gastar à tripa forra, aumentando o funcionalismo muito acima da média e empolando os efectivos públicos.
Quando alguns se deram conta do que tinham criado, pois o efeito da baixa da taxa de juros tinha acabado e as "receitas das SCUT estavam no fim e havia o seu pagamento anual num horizonte próximo, tentaram pôr um freio e apareceu Pina Moura com as 50 medidas. Foi despedido. Nogueira Leite esteve 8 meses no governo e foi-se embora pelo próprio pé, ao constatar o desastre para onde se caminhava, conforme declarou 2ª feira passada no programa P&C, sem ninguém deitar a mão.
A despesa pública criada por Guterres é rígida. Os fp não podem ser despedidos nem diminuirem os seus salários. As SCUTs são contratos existentes, que não é possível voltar atrás. As promoções automáticas foi uma invenção de Cavaco para ter a 2ª maioria absoluta e é uma fonte de aumento, mesmo congelando os aumentos, etc. Portanto a herança de Guterres foi uma bola de neve deixada a cair pela montanha abaixo. No último ano (completo) de Guterres (2001), Oliveira Martins, já em 2002, assegurava que o défice era 1,1%, semanas depois que eram 2,5% e finalmente descobriu-se que era superior a 4%, tendo a UE aberto um procedimento contra Portugal.
Não sei onde você invento esses 2,6%.

Os governos de DB e SL não conseguiram resolver o problema da despesa por falta de competência, mas também por terem o PS e o resto contra eles, sindicatos, etc.

Estou a escrever isto com aquela sensação de inutilidade que costumo ter quando lhe tento explicar qq coisa.

Publicado por: L M às maio 26, 2005 11:10 PM

LM:
O que você me explicou foram as razões para o défice durante os governos de Guterres ter sido mais baixo do que durante os governos anteriores e seguintes. E não foi inútil: eu entendi.

O que você não me explicou é por que razão o cidadão médio acredita piamente que durante os governos de Guterres o défice foi mais alto.

Já agora que está em maré de explicações - e acredite que não são inúteis nem caem em saco roto - explique-me o que é que há de mágico no número 3. Se me apontassem como meta a atingir um défice público de 0%, ou um superavit, eu entendia, garanto que entendia. Mas porquê 3, e não 4, ou 5, ou 10%?

E não há outros défices? Se você tivesse uma varinha mágica e pudesse escolher entre eliminar o défice público ou eliminar o défice das transacções com o estrangeiro, qual é que escolhia? E porquê? Porque é que se fala tanto num défice e tão pouco no outro? Sera por razões de ordem técnica e económica, ou de ordem política e ideológica?

Publicado por: Zé Luiz às maio 27, 2005 02:03 AM

LM:
O que você me explicou foram as razões para o défice durante os governos de Guterres ter sido mais baixo do que durante os governos anteriores e seguintes. E não foi inútil: eu entendi.

O que você não me explicou é por que razão o cidadão médio acredita piamente que durante os governos de Guterres o défice foi mais alto.

Já agora que está em maré de explicações - e acredite que não são inúteis nem caem em saco roto - explique-me o que é que há de mágico no número 3. Se me apontassem como meta a atingir um défice público de 0%, ou um superavit, eu entendia, garanto que entendia. Mas porquê 3, e não 4, ou 5, ou 10%?

E não há outros défices? Se você tivesse uma varinha mágica e pudesse escolher entre eliminar o défice público ou eliminar o défice das transacções com o estrangeiro, qual é que escolhia? E porquê? Porque é que se fala tanto num défice e tão pouco no outro? Sera por razões de ordem técnica e económica, ou de ordem política e ideológica?

Publicado por: Zé Luiz às maio 27, 2005 02:03 AM

Outra coisa, LM:
Você queixa-se que eu me esforço teimosamente por não entender as suas explicações; mas ainda não me dei conta de nenhum esforço seu para entender as minhas. Nomeadamente o exposto no meu comentário de maio 26, 2005 01:44 AM, sobre o qual passa como gato por brasas.

Publicado por: Zé Luiz às maio 27, 2005 02:38 AM

Penso que o motivo de não ultrapassar os 3% tem que ver com as perspectivas de crescimento da economia. De facto, é possível ter um deficit público igual ao crescimento da economia sem agravar a dívida pública.

Publicado por: Pedro Oliveira às maio 27, 2005 09:21 AM

O mínimo de 3% foi estabelecido por Bruxelas como uma 1ª fase. Nos anos seguintes caminhar-se-ia para os 0%.
Surgiu entretanto a crise europeia (e não só a portuguesa) que transtornou a calendarização desses objectivos.
Mas o objectivo final é 0%

Publicado por: Hector às maio 27, 2005 09:48 AM

"O cidadão médio acredita piamente que durante os governos de Guterres o défice foi mais alto", porque todos os economistas (excepto alguns, poucos, quando em campanha eleitoral) dizem isso e porque a despesa primária subiu de forma galopante nessa época.
E porque o défice, expurgado das despesas com a dívida e corrigido das variações cíclicas, foi efectivamente o maior.

Publicado por: Hector às maio 27, 2005 09:53 AM

hector:
«E porque o défice, expurgado das despesas com a dívida e corrigido das variações cíclicas, foi efectivamente o maior.»
Maior do que no tempo de Cavaco? Acredito. Maior do que no tempo de Durão Lopes? Não acredito.

Publicado por: Zé Luiz às maio 27, 2005 10:46 AM

Cara Joana, Hector, Mário e LM:

Ouvi ontem o Professor Medina Carreira na televisão. Acreditei no que ele disse.
Então se acreditei nele, porque é que não acredito em vocês, que citam basicamente os mesmos números e fazem essencialmente as mesmas contas?

Pode ser que se trate duma teimosia irracional da minha parte. É do que já me acusaram várias vezes.

Ou pode tratar-se doutra coisa, que exporei o mais sucintamente possível.

O Professor Medina Carreira disse que é preciso reduzir as prestações sociais, que é o que vocês também dizem. Mas, ao contrário de vocês, não manifestou admiração por qualquer sistema económico em que essas prestações não existem - o que me leva a acreditar que ele quer manter o estado Social e que vocês querem destruí-lo.

O Professor Medina Carreira disse que vai ser preciso reduzir drasticamente o número de funcionários públicos - e eu, que todos os dias vejo funcionários que não têm nada que fazer, só posso concordar. Mas falou em contratualizar rescisões, em estabelecer um fundo que permita compensar os que vão para a rua e evitar que caiam na miséria - não lhes chamou asilados nem preguiçosos, não lhes mostrou rancor, nem deu a impressão de desejar vê-los na miséria.

Quanto ao futuro da Europa, o Professor Medina Carreira disse que de tês, uma: ou a China e a Índia adoptam o modelo social europeu, ou a Europa adopta o modelo social chinês, ou a Europa regressa ao proteccionismo. Como a primeira alternativa é altamente improvável e a segunda repugnante, resta a terceira: o Professor preconiza o regresso da Europa ao proteccionismo.

Vocês, pelo contrário, nem querem ouvir falar de proteccionismo. Por duas razões: por um lado acham que o proteccionismo nao é desejável, por outro acham que não é possível. Não é desejável porque um mercado perfeito não pode ser proteccionista e vocês querem um mercado perfeito. Não é possível porque a globalização é uma inevitabilidade histórica. O Professor Medina Carreira tem idade suficiente para não acreditar em inevitabilidades históricas; vocês ainda acreditam nessa treta que herdaram do marxismo.

(O que nos traz, Hector, à questão das evidências. Há evidências que são evidências, basta fazer as contas, e há «evidências» que são meros pressupostos ideológicos. Não tente fazer passar estas à boleia daquelas, porque se tentar o que vai conseguir é que não passem nem umas, nem outras.)

Ao longo da entrevista o Professor Medina Carreira insistiu muito na credibilidade e na confiança. Compreende-se porquê: as medidas propostas por José Sócrates são duras mas apesar disso não chegam. Vão ser necessárias outras, duríssimas. Se a sociedade civil não acreditar em quem as propõe, opor-se-lhes-á com tal determinação - pelo voto, pela sabotagem, pelo incivismo, pela resistência passiva, pela violência - que será impossível pô-las em prática.

E como é que os políticos e as elites (académicas, empresariais, etc.) se tornam credíveis e conquistam a confiança da sociedade civil? Dizendo a verdade, diz o professor Medina Carreira.

E neste ponto, pela primeira vez, estou em desacordo parcial com o Professor. Dizer a verdade é necessário, mas não chega. Não basta que a sociedade acredite que a situação está tão má como os economistas dizem. Nem basta sequer que acredite que os sacrifícios de hoje vão permitir benefícios futuros. É preciso que acredite que os que vão fazer os sacrifícios são os mesmos que vão colher os benefícios.

O Professor não disse isto, mas digo eu: a sociedade civil só acreditará nos políticos, nos empresários, nos jornalistas e nos académicos se lhe forem dadas desde já garantias e contrapartidas. Que garantias? Mais justiça fiscal - célere, dura, eficaz, e sobretudo visível. Que contrapartidas? Re-industrialização da Europa e regresso ao proteccionismo. O que pressupõe, por muito que vos custe, a esquerda no poder. Só ela poderá aplicar, não no todo, mas em parte, as soluções preconizadas pela direita liberal.

Publicado por: Zé Luiz às maio 27, 2005 03:50 PM

Zé Luiz às maio 27, 2005 03:50 PM

Muito bem Zé Luís !

Estes sanguinários neoliberais nem sequer conseguem perceber, que além das 3 possíveis vias apontadas por Medina Carreira, ainda existe uma Quarta Via, caso uma daquelas 3 vias não seja posta em prática :

- Guerra Mundial !

Publicado por: Templário às maio 27, 2005 07:28 PM

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