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abril 28, 2005

Verba et circenses

... praetereaque nihil

Os dirigentes políticos romanos praticavam a política “Panem et circenses” para entreter a plebe romana e distrai-la dos incómodos assuntos da coisa pública. O governo Socrático, cujo nome indicia uma forte ligação às concepções políticas da Antiguidade Clássica, segue uma política semelhante: palavras e diversões circences ... nada mais.

Em posts anteriores tenho referido as pseudo-medidas avulsas tomadas pelo governo. Nenhuma deles se refere aos problemas estruturais que a sociedade portuguesa enferma e cuja reforma é inadiável: justiça, saúde, educação, despesa pública, reestruturação do serviço público, etc.. Apenas acções de cunho meramente ideológico, como a proclamada transformação dos hospitais SA em EPE, ou operações de cosmética na área da educação, sem consistência.

Em contrapartida, o governo Socrático tem-se evidenciado na tentativa de criar um circo político, com o óbvio intuito de entreter a plebe portuguesa e distrai-la dos incómodos assuntos da coisa pública.

Os gladiadores mais evidentes neste circo são os que actuam no ludus scoenicus do aborto. O principal espectáculo é o da controvérsia com o PR sobre as datas do referendo. O PR recebe partidos; o PS promete referendo rápido e escuda-se no PR, mas assegura que a consulta popular se realiza ainda este ano, apesar das resistências do Presidente da República. Entretanto o lanista Albertus Martinus lançou a confusão nos gladiadores que se exibiam a partir da AR, pois cada um tinha entendimento diferente da estratégia do lanista, ou então este havia ditado estratégias diferentes a cada, e quarenta gladiadores exigiram mesmo mudanças no próprio projecto de lei do PS. Segundo o lanista essa confusão é despicienda, pois trata-se de artistas de elite que darão o melhor de si mesmos quando subirem à arena. São cenas que irão entreter a plebe muitos meses ... talvez mais de um ano.

Outro espectáculo encenado foi o da reavaliação do TGV, que já está a ser estudado há cerca de uma década, porque "apesar dos estudos já desenvolvidos e do empenho para definir as melhores soluções, algumas questões não são consensuais e não estão devidamente identificados os riscos e oportunidades que transportam para as decisões que é necessário tomar”. Assim sendo, é um espectáculo que promete agitar as turbas circenses, porquanto, que eu saiba, nunca nenhuma obra foi consensual, o que indicia que possa permanecer na arena pelo menos uma legislatura.

Mas já se perfila outro espectáculo capaz de consumir as atenções e as energias da plebe. Uma numerosa família de gladiadores está a treinar-se afincadamente para levar à arena a fabula da regionalização. Segundo consta nos húmidos corredores subterrâneos do Colosseum, esta será uma das prioridades do PS e os seus edis curiais vão bater-se pela concretização da regionalização administrativa. Ao que se julga um dos lanistas encarregados dos treinos será o edil Narcisus Mirandae. Um gladiador de famílias adversárias, que foram excluídas dos espectáculos pelas votações dos últimos comícios, declarou invejoso: "É um disparate completo. É mais um factor de diversão". Mas é isso justamente que é o importante!

Hoje, o ministro das Obras Públicas e Transportes, Marius Linus, pessoa de grande traquejo em tráfego aéreo, conquistado na direcção de uma distribuidora livreira e das Águas de Portugal, revelou que está insatisfeito com a actual solução de construção na Ota e não exclui estudar alternativas ao projecto da Ota. Ora a questão das localizações de aeroportos é dos temas mais fracturantes que geram imediatamente dois consensos extremos e incendiários: uns entusiasmados, a favor, outros indignados, contra. E gera consensos similares relativamente a outras localizações alternativas. É obviamente um prelúdio a um espectáculo que poderá demorar mais uma legislatura, pelo menos.

A temporada artística advinha-se excitante. A plebe tem entretenimento garantido. Oxalá ela não fique entediada com a proliferação dos espectáculos ou a annona não lhe venha a faltar.

Há apenas um receio – será que tanta diversão consegue despertar Jaime Gama? Ontem, de madrugada, 5 automóveis explodiram violentamente junto da casa dele. Polícias aos apitos, sirenes de bombeiros, chamas que chegavam aos 15 metros de altura, barulhos dos estores, moradores aos gritos, atropelando-se no desespero de evacuar as residências ... um horror ... – mas o Presidente da AR continuou, com toda a tranquilidade, ‘ferrado’ a dormir. Esta experiência suscita fundadas dúvidas sobre se Jaime Gama, a 2ª figura da Res Publica aguentará espectáculos tão prolongados sem se deixar adormecer, em pleno suggestum, profundamente, irremediavelmente, definitivamente.

Publicado por Joana às abril 28, 2005 11:18 PM

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Comentários

A mim me parece que o Dr. Jaime Gama, por motivos que não só ele sabe, andava, desde há mais de um ano, com o sono em atraso. Está agora mais relaxado, mais tranquilo, mais acoitado. Por isso é normal que durma. Facilmente. Profundamente. Irremediavelmente. Mas não definitivamente.

Publicado por: JM às abril 29, 2005 12:11 AM

Nã me parece que o Albertus Martins tenha jeito para treinar gladiadores, ou mesmo deputados

Publicado por: lopo dias às abril 29, 2005 12:20 AM

De facto parece-me estar a ouvi-lo dizer: "Estes gladiadores não são os meus!!!"

Publicado por: JM às abril 29, 2005 12:41 AM

Se o governo decidisse avançar rapidamente e com determinação nos projetos da Ota e/ou do TGV, sem dúvida cá estaria a Joana (e não só) para os criticar. Possivelmente esses projetos tornar-se-iam elefantes brancos, por terem sido levados àvante sem se saber bem o que se pretendia com eles, ou se os objetivos almejados eram realistas.

Tenho em mim que ambos esses projetos são irrealistas, mal pensados e descabidos. Por isso, acho bem que continuem a ser estudados com cuidado, antes de ir começar o país a enterrar dinheiro em mais coisas sem sentido.

Já bem bastam SCUTs com tráfego despiciendo, uma auto-estrada para o Algarve que está às moscas 9 meses por ano, um Parque das Nações que não se sabe a que município pertence, as estações do Metropolitano de Lisboa e da REFER, e os estádios do Euro 2004.

Publicado por: Balio às abril 29, 2005 09:51 AM

"problemas estruturais que a sociedade portuguesa enferma e cuja reforma é inadiável: justiça, saúde, educação, despesa pública, reestruturação do serviço público"

Resta saber que reformas, exatamente, é que esses problemas necessitam.

Às vezes as pessoas falam de "reformas" com o sentido de "revoluções". Assim como dizer: a justiça está mal, precisa de uma "reforma"; quando aquilo que querem significar é: uma revolução que destrua toda a justiça tal como a conhecemos atualmente, e crie em lugar dela uma justiça nova, boa, pura, que funciona eficiente e rapidamente.

Trata-se, em suma, do sonho comunista do "Homem Novo".

Publicado por: Balio às abril 29, 2005 10:20 AM

Não me parece que a justiça, da forma como funcionou no caso do gang do Vale de Sousa, que ainda por cima incidia sobre o homicídio de um agente da PJ, seja de defender.
Precisa mesmo de uma revolução

Publicado por: David às abril 29, 2005 12:24 PM

No caso do gang do Vale de Sousa e em todos os casos. Mesmo na Casa Pia tem sido uma trapalhada de todo o tamanho

Publicado por: V Forte às abril 29, 2005 12:33 PM

A simples visão de um Governo que «corte a direito», era a primeira reforma de todas as reformas. O Prof. Medina Carreira, antes sequer da constituição deste Governo, disse logo que o «estado da Nação» era tal, que não era assunto nem para Santana Lopes nem para José Sócrates.
E o facto é que o regime está cada vez mais parecido com o Marcelo-Caetanismo ...

Publicado por: asdrubal às abril 29, 2005 01:14 PM

Balio às abril 29, 2005 09:51 AM:
Se se desse ao trabalho de ver a minha opinião sobre aqueles projectos (na "pesquisa"), escusava de ter escrito o que escreveu.
1 - Nunca considerei o novo aeroporto como obra prioritária, desde "sempre" qq que fosse o governo.
2 - Considero o TGV uma obra prioritária, não só porque é o transporte ferroviário de longo curso do futuro, como pela possibilidade da ligação a Sines e da dinamização daquele porto como porta de entrada de mercadorias para a EuropaCentral.

Publicado por: Joana às abril 29, 2005 01:57 PM

"escusava de ter escrito o que escreveu"

Não posso andar a procurar todos os textos que a Joana já escreveu no passado mais ou menos longínquo antes de ir comentar a presente mensagem. E, de qualquer forma, o facto de a Joana já ter exposto a sua opinião sobre o TGV e a Ota, não me impede de expôr também a minha opinião.

"Considero o TGV uma obra prioritária"

Talvez, mas que TGV? Todo e qualquer um? Certamente que não, Joana. Um TGV de Lisboa e Sines a Madrid, com opção de transporte de mercadorias, é provavelmente uma boa ideia. Uma linha de alta velocidade para transporte de mercadorias de Aveiro a Salamanca, também será.
Tudo o resto é provavelmente caro de mais para as vantagens que apresente. Neste sentido, a opção do governo por estudar o assunto parece-me correta.

Publicado por: Balio às abril 29, 2005 02:20 PM

Balio:
A linha Aveiro-Salamanca tem custos muito elevados por causa do relevo.
A construção de uma linha de TGV é complexa porque exige, além do rigor do traçado, que não haja o mínimo assentamento posterior. Foi por não ter tomado isso em consideração (e também por causa de não ter acabado com todas as passagens de nível, que a CP se espalhou na Modernização da Linha do Norte).
Portanto a ligação preferível a Espanha e à Europa é por Badajoz (para além da possível ligação secundária Porto-Vigo). E igualmente a ligação Lisboa-Porto.
Aliás, os espanhóis adiantaram-se e definiram os pontos de ligação, enquanto os parolos dos portugueses, discutindo entre capelinhas, não decidiam nada.
Isto é elementar. O que é discutível será, nestes canais, determinar o traçado exacto

Publicado por: Joana às abril 29, 2005 02:31 PM

Joana, concordo consigo em que a linha de alta velocidade mais importante é a de Lisboa e Sines (dois ramais, juntando-se algures no Alentejo) a Badajoz.

Não concordo consigo que uma linha TGV Lisboa-Porto seja justificável. Se viajar entre as duas cidades de combóio, facilmente se aperceberá de que poucas pessoas fazem o trajeto completo: a maior parte das pessoas sai em Coimbra, Aveiro, etc. (O mesmo se passa na auto-estrada A1: apenas 5% do seu tráfego é Lisboa-Porto.) E o TGV tem como distância ótima os 600 km, tendo uma distância de aceleração e de travagem da ordem dos 50 km. O que quer dizer que dificilmente se justifica um TGV de Lisboa ao Porto, pois um tal combóio não poderia parar em qualquer cidade intermédia, caso contrário não seria TGV. Justificam-se combóios a 200 km/h, mas isso não é TGV.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 29, 2005 02:41 PM

A questão não é só ser TGV, mas também a bitola. A bitola tradicional na P Ibérica é diferente da do resto da Europa. O TGV tem a bitola europeia. As linhas principais portuguesas têm que seguir o exemplo da rede espanhola e adaptar-se a essa situação

Publicado por: Joana às abril 29, 2005 02:47 PM

Luís Lavoura às abril 29, 2005 02:41 PM
Estou totalmente de acordo consigo.

Joana às abril 29, 2005 02:31 PM
"...A construção de uma linha de TGV é complexa porque exige, além do rigor do traçado, que não haja o mínimo assentamento posterior."
O que é isso de "assentamento posterior"?

Publicado por: Senaqueribe às abril 29, 2005 02:59 PM

Dizer~se que é necessário o TGV para a ligação Lisboa-Porto, é a mesma coisa que eu dizer que necessito dum Ferrari para me deslocar dentro de Lisboa.
E a suposta ligação que é agora referida tem como ponto de partida aquela hipótese de que falava o ex-ministro Mexia? E a propósito: onde para os estudos feitos por este ex-governante, que nos últimos momentos de existência não se cansava de debitar programas e projectos de muitos milhões?

Publicado por: Luís Filipe às abril 29, 2005 03:34 PM

A Joana podia ter esperado um pouco pelo debate feito hoje na AR para saber que algumas medidas vão ser tomadas no sector da Justiça, (bem, chamar justiça ao sistema que temos em Portugal é uma afronta aos mais elementares princípios do direito). Preferiu, no entanto, aproveitar para dar umas bicadas a torto e a direito:Sócratas, Jaime Gama, Ministro dos Transportes. O argumento contra o Ministro dos Transportes é ilucidativo do pressuposto intelectual em que se baseia. É verdadeiramente essencial que um ministro conheça e domine o sector que tutela?

Publicado por: Luís Filipe às abril 29, 2005 03:45 PM

Senaqueribe em abril 29, 2005 02:59 PM:
Designa-se por assentamento uma diminuição na cota de qualquer parte de uma estrutura, por cálculo menos rigoroso das fundações ou menos rigor na avaliação das camadas geotécnicas.
Construir-se uma linha para 300km/h e depois haver troços em que ocorreram entretanto assentamentos, mesmo ligeiros, impede que se atinjam aquelas velocidades.
Essa é uma das razões pelas quais o Alfa anda nuns sítios a 200km/h e noutros a 80km/h. Segundo me disseram, houve erros, ou de construção, ou de projecto, ou de sondagens, que levaram a que ocorressem esses tais assentamentos.

Publicado por: L M às abril 29, 2005 04:00 PM

Luís Filipe às abril 29, 2005 03:45 PM:
Os estudos sobre o TGV estão centralizados na RAVE

Publicado por: L M às abril 29, 2005 04:02 PM

Parece que o Estado de Graça está a chegar ao fim.

Publicado por: Sa Chico às maio 14, 2005 12:10 AM

Having problems with an at-risk youth or a troubled teen? Maybe it's time you consider tough love measures. Boarding schools, group homes, teen juvenile boot camps and military schools are all options parents have used to to get their troubled teens back on track. Don't tolerate teen drug abuse another day. Send them off to a private military school where they can get the help they need.

http://www.able-militaryschools.com
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http://www.military-schools-advisor.com
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Publicado por: military schools às junho 12, 2005 12:51 AM

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