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abril 14, 2005

Hipocrisias

O parecer da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) sobre a venda da Lusomundo Serviços à Controlinveste é uma contradição nos termos, uma contradictio in subjecto, ao assinalar, como primeira condição, que "a adquirente respeite a liberdade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, bem como a identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social em presença”, e isto porque ou a identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social em presença respeitam a liberdade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião e nessa situação o segundo termo é mais que despiciendo, é nocivo, porquanto gera ambiguidades; ou não as respeitam, e deverão ser alteradas em vez de protegidas por uma entidade que teria por missão zelar pela liberdade de expressão.

A AACS é uma entidade que já recebeu a extrema-unção há bastante tempo, cujos figurantes terminaram os mandatos há mais de um ano, e cujo corpo jaz, putrefacto, à espera que os políticos se decidam a removê-lo para o destino final. Como qualquer múmia o seu único objectivo é a conservação. A AACS apenas pretende conservar a situação que o nosso recente processo histórico criou na comunicação social e mantê-la per omnia secula secolorum.

A referência à liberdade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião é apenas o ramo de salsa do leitão da Bairrada (respeite ... a identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social em presença). A AACS refere-se à liberdade da [nossa] expressão e ao confronto das [nossas] diversas correntes de opinião.

Quando um empresário compra uma fábrica de calçado tem que se obrigar a satisfazer as leis e os regulamentos em vigor na actividade que exerce. Não existe todavia uma Alta Autoridade para os Modelos de Calçado que lhe imponha os formatos de sapato que vai produzir, e lhes imponha: o Sr. empresário terá que se cingir aos modelos actualmente fabricados e, sobretudo, evitar aquelas sandálias de salto alto, tipo agulha, de tiras finíssimas que se entrelaçam lascivas, perna acima, pois fazem mal à coluna e, para mais, só despertam pensamentos pecaminosos, o que na nossa idade pode provocar um AVC.

Não vejo porque há-de ser diferente na Comunicação Social. É certo que, pela sua especificidade, faz necessariamente parte do seu regulamento o respeito pela liberdade de expressão e pelo confronto das diversas correntes de opinião, no produto que vende ao público. Ao “exigir” igualmente o respeito pela identidade e linha editorial dos órgãos de comunicação social está a ser hipócrita, pois está a tirar com a mão esquerda o que deu com a direita – o Sr. empresário tem que respeitar a liberdade da nossa opinião, ou seja, da opinião que lhe impomos, e terá que respeitar o confronto das [nossas] correntes de opinião, ou seja, aquelas que se inserem na nossa identidade e na nossa linha editorial.

Todavia, os vícios da AACS têm trazido alguns benefícios. Bernard de Mandeville escreveu, no início do século XVIII, na A Fábula das Abelhas: Ou velhacos transformados em gente honesta que O que, no estado da natureza, faz o homem sociável, não é o desejo que tem de estar em companhia, nem a bondade natural, nem a piedade, … . As qualidades mais vis, frequentemente as mais odiosas, são as mais necessárias para torná-lo apto a viver com o maior número. São elas que … mais contribuem para a felicidade e prosperidade das sociedades. Neste caso também há benefícios: ao entregar a Comunicação Social aos jornalistas que “descobriram o caminho marítimo para lá chegarem” com exclusão de arrivistas posteriores, a AACS está a promover meios alternativos, como a blogosfera. Os velhacos [foram] transformados em gente honesta! A irrupção da blogosfera deve-se, em parte, às mordaças da AACS e quejandos – apesar das suas intenções serem vis, estão a promover o bem.

E com o tempo vai igualmente verificar-se que esse espartilho legal se revelará precário. No sistema capitalista, como escrevia Marx, tudo o que é sólido se dissolve no ar. Portugal tentou preservar para si o “Justo Império Asiático” armado de leis, bulas, etc.. Isso não impediu holandeses e ingleses, quando tiveram meios para isso, de o retalharem em seu proveito. A descoberta do caminho marítimo para o Oriente não nos conferiu uma procuração irrevogável de usufruto daquelas áreas. O mesmo vai acontecer com as pretensões da AACS e dos jornalistas “instalados”. O facto de eles terem chegado primeiro não os vai manter indefinidamente no poleiro.

Publicado por Joana às abril 14, 2005 08:11 PM

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Comentários

Esta necessidade de "mostrar trabalho" não advirá do receio de sobrevivência da própria AACS?

Publicado por: Rui Martins às abril 14, 2005 09:40 PM

Seguramente que é. Também o espalhafato com o MRS e o JE dos Santos o tinha sido

Publicado por: Soromenho às abril 14, 2005 11:45 PM

hipocrisias (parte II):

http://online.expresso.clix.pt/1pagina/artigo.asp?id=24750613&wcomm=true#comentarios

Publicado por: zippiz às abril 15, 2005 12:13 AM

Desculpe lá, ó Joana, mas não percebi nada

Publicado por: clark59 às abril 15, 2005 03:51 AM

"o que na nossa idade pode provocar um ACV"

1) A Joana é uma mulher jovem, na sua idade não há (grande) perigo.

2) AVC (ou ABC, como se diz no Norte), não ACV.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 15, 2005 09:39 AM

Independentemente de eu concordar na generalidade com aquilo que a Joana aqui escreveu (se é que o percebi - a escrita não está particularmente feliz), penso que não obstante é necessário haver alguma forma de entidade que controle as fusões e aquisições no setor da comunicação social. (Essa entidade não tem necessariamente que ser distinta daquela que controla a concorrência em qualquer outro setor.) Caso contrário Portugal pode facilmente descambar para a situação vigente na Itália de Berlusconi ou (menos falado) na Espanha de Aznar. A generalidade dos leitores portugueses não tem acesso a media estrangeiros, pelo que tem que se garantir que os media nacionais têm um mínimo de pluralismo, o que implica necessariamente que não pertençam todos ao mesmo dono.

É evidente que a AACS nunca cumpriu essa função - deveria ser inaceitável que o dono do Jornal de Notícias, o jornal de maior expansão nacional, possuísse qualquer outro jornal; mas é isso que acontece, há longos anos. Algum arranjo melhor se terá que encontrar.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 15, 2005 09:53 AM

Quando cheguei à parte das sandálias que se prolongavam pelas pernas acima perdi-me. O post é mesmo sobre o quê?

Publicado por: Mário às abril 15, 2005 01:07 PM

Não percebo a preocupação da concentração da comunicação social em apenas em alguns grupos poderosos. Isso não impediu que o domínio seja quase todo da extrema-esquerda.

Publicado por: Mário às abril 15, 2005 01:13 PM

Luís Lavoura às abril 15, 2005 09:39 AM:
Referia-me às senectudes da "Alta Autoridade para os Modelos de Calçado" ...

Publicado por: Joana às abril 15, 2005 01:16 PM

"Quando cheguei à parte das sandálias que se prolongavam pelas pernas acima perdi-me. O post é mesmo sobre o quê?"
Publicado por: Mário às abril 15, 2005 01:07 PM:

Afinal os membros da "Alta Autoridade para os Modelos de Calçado" tinham razão ... essas sandálias são perigosas ... desconcentram ...

Publicado por: Joana às abril 15, 2005 01:18 PM

Normalmente percebo e concordo com o que a Joana escreve. Desta vez fiquei aos papéis excepto na parte mais concupiscente do post, é claro.
Mas também estou-me marimbando na AACS e no respectivo ridículo e possidónio nome. Se não há leis suficientes para que o pessoal dos meios de intoxicação nacional ande nos eixos que as façam e deixem os tribunais tratar do resto.

Publicado por: JMTeles da Silva às abril 15, 2005 02:01 PM

Quando se é homem é preciso ter-se cuidado com essa coisa dos aumentos bruscos de tensão arterial e com os correspondentes AVCs. Uma prima minha, jovem, viu o marido morrer-lhe nos braços (enfim, não sei se foi nos braços, de facto suspeito que tenha sido em cima dela, mas não vi) uma semana depois de se terem casado. O coração não aguentou. Uma semana depois, a mulher suicidou-se com comprimidos para dormir.

Desculpem lá contar esta história trágica, mas não resisti, acho que tem imenso pathos.

Essa minha prima não era nenhuma saloia, era uma mulher muito culta e inteligente.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 15, 2005 02:33 PM

Com esta estória já percebo a razão de alguns ficarem apenas pela união de facto e não enveredarem pelo casamento a sério.

Publicado por: Mário às abril 15, 2005 02:36 PM

Bem ... com tantas críticas sobre a compreensão do texto resolvi acrescentar alguns períodos aqui e ali e para aclarar o que pretendia dizer. Espero ter sido bem sucedida.
E mudei o ACV para AVC

Publicado por: Joana às abril 15, 2005 02:41 PM

Eu também depois de ler "sandálias de salto alto, tipo agulha, de tiras finíssimas que se entrelaçam lascivas, perna acima", fiquei baralhado e não percebi a continuação. Perdi-me!

Publicado por: AJ Nunes às abril 15, 2005 03:20 PM

A Joana manifesta um profundo desgosto pelos "jornalistas instalados" que estão "no poleiro", mas parece-me que essas imagens são tudo menos corretas. Eu nunca visitei nenhuma redação de um jornal, mas parece que elas estão essencialmente cheias de jovens jornalistas (muito maioritariamente do sexo feminino), muitas delas estagiárias, genericamente a ganhar razoavelmente mal, e a fumar como chaminés. Não se pode em geral dizer que estejam bem "instaladas", muito menos num "poleiro". Parece até que é uma profissão de grande stress.

Dos jornais em si mesmo também não se pode dizer que tenham "chegado primeiro" nem que se mantenham "indefinidamente no poleiro". Ainda recentemente apareceu o "24 horas". O "Correio da manhã" também não é muito antigo. Dois jornais lisboetas, "O Diário" (comunista) e "O Dia" (direitista) fechaam as portas. Dois jornais do Porto, muito antigos e que durante muitos decénios estiveram "no poleiro" (seja lá o que isso fôr), o "Comércio do Porto" e "O Primeiro de Janeiro" ainda não fecharam, mas têm tiragens ridículas.

Ou seja, tanto jornais como jornalistas parecem apresentar, atualmente, uma taxa muito razoável de renovação e mudança. Nada que se pareça com o padrão estático e corporativo que a Joana pinta.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 15, 2005 03:22 PM

.

Publicado por: x às abril 15, 2005 03:54 PM

Não é de agora mas desde sempre, os jornais são sobretudo orgãos de propaganda e não de informação. A maior parte da propaganda é dissimulada, especialmente por cá que raramente alguém tem coragem de assumir quem apoia.

Não há jornais que estejam propriamente instalados no poder, mas antes o próprio jornalismo é uma fonte de poder.

Publicado por: Mário às abril 15, 2005 05:23 PM

Marx, coitado, nunca esteve em Portugal.

Se cá tivesse passado aprendia num instante que "tudo o que é sórdido não se dissolve no ar" e nem mesmo a AACS se dissolve como Pedro Rolo Duarte suplica em:

http://dn.sapo.pt/2005/04/15/editorial/e_se_pode_exterminala.html

Publicado por: carlos alberto às abril 15, 2005 08:21 PM

Acho nojento toda essa gente a ganhar cada um mais de 700 contos por mês, sem ter nada que fazer, tirando uma prova de vida cada 6 meses, ainda por cima depois da AR a ter extinto.

Publicado por: Rave às abril 15, 2005 11:36 PM

Essas jovens estagiárias não têm qualquer papel nas orientações da redacção. Os manda-chuvas da redacção é que mandam.
As jovens fumam que nem chaminés por serem paus-mandados e não terem segurança nenhuma. Isso deve causar muito stress.
Para não falar do assédio. Um ex-director de um dos nossos principais jornais era conhecido, não sei se com razão, de se utilizar da sua posição junto dessas jovens estagiárias.

Publicado por: Hector às abril 16, 2005 12:42 AM

De acordo, Rave. Devem ser uns 20. É indecente

Publicado por: Arroyo às abril 16, 2005 01:19 AM

Como é possível uma entidade ser extinta e continuar em funções porque não foi criada outra entidade?
Só no nosso país!

Publicado por: Arroyo às abril 16, 2005 01:21 AM

Pois, mas eles mantêm-se como se nada fosse com eles, continuando a mandar papaias.

Publicado por: bsotto às abril 16, 2005 01:26 AM

A questão do controlo de fusões não estava em causa. Uma empresa vendia a outra, que não tinha jornais, estes meios de comunicação. Não havia fusão.
Aliás, nem foi sobre isso que a AACS se pronunciou.

Publicado por: fbmatos às abril 16, 2005 01:34 AM

Aliás, pronunciou-se sobre o Jogo, mas estupidamente, porque tanto fazia ficar na PT como na outra. Os jornais fartaram-se de gozar com isso.

Publicado por: fbmatos às abril 16, 2005 01:37 AM

Por acaso reparei nisso. Foi estranho. Dir-se-ia que eles achavam que deviam dizer qualquer coisa.

Publicado por: Cerejo às abril 16, 2005 01:41 AM

Devia ser a tal prova de vida

Publicado por: Cerejo às abril 16, 2005 01:44 AM

A AACS é típica dessas organizações psudorepresentativas que por muito que se contestem insistem em sobreviver. É fácil: só se representam a elas.

Publicado por: ermita às abril 16, 2005 09:28 AM

Publicado por: ermita às abril 16, 2005 09:28 AM

Pois é, ermita, mas alimentam-se de uma marmita recheada pelos meus e seus impostos, no que mostram não ser nada eremitas!

Publicado por: carlos alberto às abril 16, 2005 09:56 AM

Pois, é isso que dói. Eles fazerem asneiras, ainda vá. Mas à custa do nosso dinheiro!

Publicado por: Ramiro às abril 16, 2005 10:24 AM

A generalidade dos jornais goza com a AACS por causa deste parecer. Para isso acontecer é que a AACS nõa tem mesmo credibilidade nenhuma

Publicado por: lopes às abril 16, 2005 05:33 PM

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