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abril 10, 2005

A Política dos Balões

O PS é um gestor inconsequente do Estado e do país. Não consegue eximir-se a que os seus genes ideológicos inquinem as políticas que traça. Mascara a esterilidade da sua capacidade reformista com cosméticas mediáticas e demagógicas: vender as aspirinas nos hipermercados; encurtar as férias judiciais; pôr em causa os exames do 9º ano, que se realizam este ano pela primeira vez, porque não avaliam coisas como a oralidade e o saber fazer das crianças; extinguir os hospitais SA e transformá-los em entidades públicas empresariais (EPE). São balões que lança para o ar: uns para ver “se pegam”; outros coloridos e vistosos, mas apenas cheios de nada.

Reformar a justiça é imperioso, para o país em geral e para as actividades económicas em particular. Portugal não pode ser um local atractivo para investimentos se os agentes económicos não conseguem resolver os incumprimentos contratuais, nem cobrarem as dívidas. E Portugal tem, proporcionalmente, mais juízes, magistrados e funcionários judiciais que a média europeia. A reforma da justiça passa pela requalificação do pessoal e melhor afectação dos recursos humanos, mas principalmente pela desburocratização, simplificação e agilização de todos os procedimentos. Diminuir as férias judiciais, em si, é uma medida absolutamente inútil: os processos vão continuar a arrastar-se (enquanto não prescrevem) a passo de caracol ... todavia o governo esforçou-se ... se ele até encurtou as férias judiciais!

Sócrates prometeu o Choque Tecnológico. Foi o seu mote permanente, quer na campanha para secretário-geral do PS, quer na campanha das legislativas. Foi mote para ditirambos, odes, pregões, rogos, proclamações, soluços ... Pensei, ingenuamente, que o Choque Tecnológico pressupunha um maior rigor no ensino e nas avaliações. Era de facto ingenuidade: está nos genes da esquerda não fatigar o cérebro das crianças com enciclopedismos inúteis e não as submeter ao stress da avaliação do seu desempenho. A ministra, em visita recente a uma escola, relativizou a importância dos exames na avaliação dos conhecimentos dos alunos. "É preciso ter consciência de que avaliam apenas uma parte das capacidades. Não avaliam coisas como a oralidade e o saber fazer das crianças". Por isso mesmo, a ministra explicou que, tal como os estudantes, "os próprios exames vão ser avaliados" brevemente, para se "definir qual é a sua articulação com o sistema global de avaliação do próprio ensino e dos alunos". Para a ministra, os exames não avaliam o “saber fazer das crianças". O “saber fazer das crianças" é uma categoria misteriosa, de quantificação impossível, provavelmente inata e que só degradamos se as obrigarmos a esforços que contrariem a sua criatividade natural.

Mas se avaliar as crianças é despiciendo, avaliar o instrumento de avaliação das crianças, os exames, tem o sabor a vingança. Os portugueses, mormente aqueles que aspiram ao asilo estatal, detestam ser avaliados. Habituá-los, de pequeninos, a que se deve ser rigoroso e impiedoso com os instrumentos de avaliação e a que as avaliações são inúteis, dispendiosas e mesmo nocivas para o equilíbrio psíquico dos avaliados, é um elemento de manutenção das nossas características nacionais que tanto têm concorrido para a nossa situação actual.

Na Saúde o governo resolveu atacar com duas medidas: uma simples e de popularidade garantida – a da venda de medicamentos, que não necessitem de receita médica, nos hipermercados – outra ideológica, completamente demagógica – a da transformação dos hospitais SA em hospitais EPE.

A primeira medida serve para mostrar à opinião pública a “férrea” determinação do governo em enfrentar os lobbies. É a chamada medida que muda alguma coisa para que tudo o resto fique na mesma. É a providência cautelar do governo. A partir de agora o governo está certificado: quando se falar no poder dos lobbies, Sócrates responderá com firmeza – lobbies ... como-os ao pequeno almoço ... vejam o que eu fiz com os farmacêuticos.

A segunda é uma medida para mostrar ao povo de esquerda que o PS não esquece a sua herança genética. Correia de Campos afirmou que a transformação dos SA em EPE aproveita as vantagens da eficácia do modelo empresarial - maior autonomia e descentralização -, ao mesmo tempo que combate a lógica mercantilista do anterior regime jurídico. Visa, segundo ele, combater "a lógica de supermercado" no sector. "Lógica de supermercado" que, curiosamente, foi Correia de Campos quem a introduziu no sector, visto o primeiro hospital SA ter sido criado no seu tempo de ministro. O Correia de Campos de Guterres aparenta ser menos estatizante que o Correia de Campos de Sócrates.

Outra das razões alegadas era a de que "bastava mudar uma linha de um diploma" para alterar o seu capital exclusivamente público. Ou seja, o Governo podia facilmente mudar a lei, criando uma holding e "abrindo caminho à privatização dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde". Os novos hospitais EPE, pelo contrário, "fixam-se de modo definitivo no sistema público". Estas afirmações são absolutamente ridículas. Em primeiro lugar não me consta que alguma coisa, alguma vez, se tornasse definitiva por lei. Todos aqueles que quiseram mumificar a realidade mercê de um colete de forças legal, falharam – mais ano, menos ano, mais controvérsia, menos controvérsia, esse empecilho legal é eliminado ou substituído. Em segundo lugar, se agora basta uma lei para abrir "caminho à privatização dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde", depois passarão a faltar apenas duas leis – a primeira, que reponha a situação actual, e a segunda, que mude "uma linha de um diploma".

Não há nenhuma medida de fundo. Apenas publicidade enganosa. Todavia a nossa situação económica é grave e complica-se com o decorrer do tempo. A grande maioria da nossa população continua a acreditar que existe uma varinha mágica que resolve a situação, continua à espera que chegue um salvador milagroso, continua a pensar que a crise se resolve sem custos. Foi essa crença messiânica que deu a vitória a Sócrates, ou melhor ... a derrota a Santana. Mas a nossa crise nem se resolve com varinhas mágicas, nem com publicidade enganosa. É uma crise estrutural onde há factores exógenos que não controlamos e que a fazem aprofundar se não se tomarem as medidas que todos temem.

O governo poderá despender alguns meses neste tipo de publicidade enganosa. A população poderá sentir-se provisoriamente tranquila, mas a economia real prossegue a sua acção e, mais cedo do que muitos pensam, irá cobrar os custos da não tomada atempada das medidas indispensáveis.

Publicado por Joana às abril 10, 2005 08:15 PM

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Comentários

Está muito negativa, Joana.

Eu também acho que este governo é uma re-edição dos governos de Guterres. Mas vamos dar-lhes ainda algum tempo par ver se conseguem ser mais consequentes.

Publicado por: Mario às abril 10, 2005 08:12 PM

A amostra, até agora, não parece convincente. Esperemos pelo PEC do mês que vem.

Publicado por: Joana às abril 10, 2005 08:44 PM

Eu então estou a gostar das medidas do governo e da discrição do Sócrates. A Joana fala como se ele estivesse no poder há um ano.

Recordo-lhe que Semiramis chegou a raínha, mas usou a traição.

Interrogo-me sobre qual será o emprego da Joana, capaz de se compatibilizar com o seu ritmo de escrita. Enfim há sempre coisas surpreendentes na vida.

Publicado por: pyrenaica às abril 10, 2005 10:29 PM

"Sócrates prometeu o Choque Tecnológico. (...) Foi mote para ditirambos, odes, pregões, rogos, proclamações, soluços .."

Decida-se! Ou ele esteve calado a campanha e a falar pouco para nao dizer disparates ou fez ditirambos, odes, pregoes, rogos, proclamacoes e solucos. A logica socratica diz que quando exitem duas proposicoes contraditorias acerca de um determinado tema pelo menos uma delas e falsa.

"Reformar a justiça é imperioso, para o país em geral e para as actividades económicas em particular."

Completamente de acordo, 11% do crescimento economico portugues depende disso. Curioso que o Ze Manel e o menino-guerreiro estivessem mais preocupados com o principio "pagador-pagador" e outros esquemas do genero para lixar o contribuinte... A habitual cegueira selectiva.

Publicado por: Highlander às abril 11, 2005 06:24 AM

"Foi essa crença messiânica que deu a vitória a Sócrates, ou melhor ... a derrota a Santana."

Esta tambem e boa... E como numa partida de xadrez dizer que o Deep Blue nao ganhou a partida, foi o Kasparov que a perdeu...

Publicado por: Highlander às abril 11, 2005 06:28 AM

Pois desta vez eu estou de acordo com a Joana. Sobretudo no que diz respeito à educação. Estando há anos ligado ao ensino superior e tendo igualmente experiência na área do ensino técnico-profissional, posso afirmar peremptoriamente que os imbecis do PS (da escola da Ana Benavente) vão continuar a transformar os jovens portugueses em analfabetos estruturais. Incapazes de impor a avaliação de professores e alunos, vão permitir a continuação da balda total em que o ensino se tornou. Sou diariamente confrontado com jovens com o 9º ano de escolaridade que não sabem multiplicar ou dividir, e com estudantes universitários que não sabem ler um gráfico. Estou ainda diariamente confrontado com estudantes universitários que não sabem escrever (nem sequer conhecem a ortografia da sua língua), que copiam sistematicamente da internet trabalhos que depois apresentam como seus, que não são capazes de reflectir, que nem sequer estão interessados em saber, estão apenas interessados em passar. Não é que os ministros do PSD fossem muito melhores, mas parecia ultimamente que havia sinais de compreensão para a causa dos nossos problemas. Agora voltámos para trás. Louvado seja Deus!...

Publicado por: Albatroz às abril 11, 2005 09:23 AM

Os comentários negativos que a Joana apresenta em relação ao governo PS aplicam-se, na generalidade, ao anterior governo PSD. Também esse governo exibiu uma preferência pela propaganda em detrimento do trabalho, pelo fogo-de-vista em detrimento de quaisquer reformas estruturais. O governo PSD existiu 3 anos e não fez absolutamente nada de estrutural. Congelou os salários de funcionários públicos, mas não despediu ninguém. Elaborou (a muito custo) uma reforma da lei do arrendamento que na prática iria deixar quase tudo na mesma. Fez uma reforma das leis do trabalho que não contentou a ninguém, tendo como único efeito básico paralisar a contratação coletiva.

É verdade que os exames não avaliam o "saber fazer" dos alunos ou estudantes. Eu próprio observei, ao longo da minha vida de estudante, como muitos que foram medíocres na universidade se tornavam mais tarde excelentes investigadores, e vice-versa, como muitos excelentes estudantes se mostraram mais tarde fracos na inventiva. Einstein nunca foi um estudante brilhante, mas "soube fazer". A capacidade empresarial e empreendedora dos portugueses não se avalia em exames na escola.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 11, 2005 09:51 AM

Ninguém tem dúvidas que o que está errado no nosso país é a cultura dominante. É esse aliás o tema dominante neste blog.
Se é assim, PS e PSD, embora mais o PS pela pressão da sua esquerda, reflectem esse estado de coisas.

Publicado por: Hector às abril 11, 2005 10:44 AM

«Recentrar o Regime, refundar o Sistema»
.
http://www.demoliberal.com.pt/noticias.php?noticia=787

Publicado por: asdrubal às abril 11, 2005 11:12 AM

Luís Lavoura às abril 11, 2005 09:51 AM:
Mas o exame é um elemento indispensável não só da avaliação mas também de uma cultura de exigência.

Publicado por: Joana às abril 11, 2005 12:52 PM

Perfeitamente de acordo consigo, Joana, quanto à necessidade e benefícios dos exames. Só fiz notar que, efetivamente, eles raramente examinam o "saber fazer" dos alunos ou estudantes.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 11, 2005 02:18 PM

saber fazer ??? o que interessa o saber fazer ??? quem tem que saber fazer são os engenheiros ... quando se trata de matemática ou qulquer outra ciência o que é fundamental é o saber raciocinar - dar-lhes as fórmulas e pôr problemas complexos ...
nas línguas, o que interessa é avaliar a capacidade de falar, escrever, interpretar e a gramática - olhem para os exames tipo britânico/cambridge e descobrem o que têm que fazer para avaliarem ...
Agora não existir avaliação e meio caminho para que os alunos saibam que chegam ao final do ano e passam de qualquer forma e como tal não têm qualquer incentivo a aprender seja o que fôr, a estarem com atenção e a estudarem ...
Maus exames, até pelos incentivos que dão, são sempre preferíveis à ausência de exames, porque essa treta da avaliação contínua é o maior cancro que alguma vez criaram no ensino português ...

Publicado por: bcool às abril 11, 2005 02:44 PM

Esse “saber fazer" deve ser mesmo uma categoria misteriosa.
Afinal que é isso do “saber fazer" e porque é que não pode ser avaliado?

Publicado por: David às abril 11, 2005 02:51 PM

Sócrates não pretende "liberalizar" a venda de medicamentos de venda "livre", apenas pretende permiti-la a uma espécie de "farmácias de segunda": instituições que, não sendo "farmácias", têm não obstante um farmacêutico a trabalhar nelas... Ou seja, a venda das drogas em questão não passará a ser LIVRE, porque continuará restringida a ser efetuada por um farmacêutico. Na prática, e como contratar um farmacêutico é caro e só se justifica se a afluência de potenciais compradores de medicamentos fôr muito grande, o que isto quer dizer é que SÓ OS HIPERMERCADOS passarão a poder vender os medicamentos de venda "livre". Os hipermercados põem assim já um "pé na porta" para uma futura liberalização do mercado das farmácias: quando essa liberalização chegar, os hipermercados já terão nas suas estruturas farmácias montadas, já terão farmacêuticos contratados, e já terão clientes habituados a comprar neles algumas drogas.

Não há intransigência face a lobbies, nem liberalização; há cedência a lobbies diferentes, e mudança dos constrangimentos estatais.

Publicado por: Luís Lavoura às abril 11, 2005 03:07 PM

O Sócrates está lá há quase tanto tempo quanto o Santana quando foi corrido

Publicado por: Coruja às abril 11, 2005 04:56 PM

Ainda lhe falta um mês e meio

Publicado por: Silva às abril 11, 2005 06:19 PM

teste

Publicado por: Paulo às abril 11, 2005 06:41 PM

Existe de facto, algo nas medidas anunciadas do PS que preocupa: a aparente indiferença perante o problema do deficit orçamental estrutural português: muitas das medidas anunciadas implicam uma maior despesa e nada foi anunciado que aumente a receita, para além de vagas promessas quanto ao aumento da eficiência da máquina de cobranças.

O combate ao deficit devia ser prioritário e parece estar em terceiro ou quarto plano e este primeiro ano de governo devia ser aquele em que se tomam as medidas mais impopulares.

Dito isto, concordo com todas as medidas anunciadas, especialmente aquelas que afrontam os poderosos lobbies instalados e que são em parte responsáveis pelo nosso atraso estrutural.

Publicado por: Rui Martins às abril 11, 2005 08:38 PM

Sou contra a eliminação do exame do 9º ano. A falta de exames prolonga a infantilização do ensino.

Publicado por: pyrenaica às abril 11, 2005 08:54 PM

Hector às abril 11, 2005 10:44 AM

De facto, o que está errado no nosso país é a cultura dominante, complacente com o amiguismo, com a corrupção, com o peculato e com a hipocrisia dos políticos profissionais. Mas pouca gente acredita nisto porque se trata de um tipo nefasto de cultura de difícil erradicação. É um vício profundo.

Publicado por: Senaqueribe às abril 11, 2005 09:27 PM

Talvez o ataque de Socrates ao lobby das farmácias tenha a haver com o facto da Associação Nacional de Farmácias ter financiado as campanhas de Santana Lopes...

Publicado por: Albatroz às abril 12, 2005 12:07 AM

A Associação Nacional de Farmácias financiou as campanhas de Santana Lopes?
Então foi bem feito. Foi a vingança do chinês

Publicado por: Domino às abril 12, 2005 01:31 AM

É a tua opinião!
Será que a maioria dos portugas pensa assim?
Julgo que não, senão teriam votado PSD e CDS!

Publicado por: canzoada às abril 16, 2005 09:44 PM

Eis uma excelente argumentação, com fundamentos sólidos e científicos. O tipo que escreveu o comentário anterior deve ser muito inteligente e sabedor.

Publicado por: Hector às abril 16, 2005 10:47 PM

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