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março 17, 2005

A Desmagnetização de Santana

Em primeiro lugar, como providência cautelar, queria exprimir a minha opinião que julgo que teria sido preferível para o próprio e para os interesses do partido a que ainda preside, que Santana Lopes renunciasse a regressar à CML. O seu desgaste político no exercício do cargo de 1º ministro foi enorme. Ele pode alegar, com justiça, que foi objecto da mais abjecta e orquestrada campanha de maledicência movida pela comunicação social e pelo marulhar das “fontes de Belém” de que há memória na democracia portuguesa. Mas também deveria reconhecer que reagiu a essa campanha de forma canhestra, cada vez mais errático, e que acabou capitulando (ver aqui e aqui) perante ela, demonstrando uma frágil estatura política.

Em face desse desgaste a atitude mais razoável deveria ser a de fazer aquilo que se designa em política como a “travessia do deserto”, esperando que a imagem que criou (e lhe criaram) nestes 6 meses se desvanecesse e os eventuais erros do actual governo servissem de contraponto para uma reavaliação da sua capacidade governativa e da justeza ou não das críticas que lhe foram dirigidas. Todavia, Santana Lopes preferiu escolher a via mais perigosa e regressar à CML.

Num país politicamente saudável essa decisão deveria ser apenas discutida do ponto de vista da oportunidade e das (des)vantagens políticas, como JPP o fez, por exemplo. Porém, Portugal não é um país politicamente saudável. Assim sendo, a comunicação social entreteve-se duas semanas a tecer mais um rosário de trapalhadas, criando e desfazendo alegados factos políticos, construindo um sólido boato, para a seguir o demolir com fragor, e assim sucessivamente. Que Santana estava a fazer um “tabu” sobre o seu regresso; que Carmona Rodrigues iria recusar permanecer como vereador e abandonar o município; que com ele também Fontão de Carvalho cessaria funções; etc., etc. A posse do novo governo foi a 12 de Março, mas a 13, num domingo, os jornais escreviam que se ignorava na autarquia se ele ia, de facto, regressar, uma vez que o ex-primeiro-ministro nada havia dito sobre o assunto a Carmona Rodrigues (sempre me admirei da ubiquidade dos jornalistas, capazes de saberem de todas as conversas privadas que precisam para fazerem as notícias).

Como se ignorava na autarquia, se era domingo? Que se passaria por detrás daqueles sólidos portões de ferro, naquela tarde soalheira de domingo? Andariam os espectros dos vereadores e funcionários deambulando tresmalhados, desnorteados por aqueles corredores e aquela escadaria, interrogando-se angustiados sobre o regresso do PSL?

E esta situação calamitosa ocorrera porque não tendo renunciado ao cargo, Santana Lopes voltara a ser, formalmente, presidente da Câmara de Lisboa; mas como não delegara competências nos seus vereadores, as competências que neles tinha delegado Carmona Rodrigues já não se manteriam válidas, pelo facto de o ex-primeiro-ministro não ter renunciado ao cargo de presidente da autarquia. Portanto, segundo aquela teoria, naquele fatídico domingo à tarde os lisboetas teriam estado em completa anarquia, pois Santana Lopes tinha passado a ser o único eleito do município com poder para assinar despachos e outros documentos. O que, segundo a imprensa, significava que a CML estaria, naquele fatídico domingo à tarde, em autogestão. Em autogestão? Mas se não estava lá ninguém? E se houvesse uma emergência? Qual o problema, se o PSL poderia assinar eventuais despachos domingueiros? Fácil: Santana é por definição comunicacional, a anarquia absoluta.

Finalmente a cidade descansou quando as agências de informação informaram pressurosas que Pedro Santana Lopes e Carmona Rodrigues haviam entrado anteontem juntos na Câmara Municipal de Lisboa, pouco antes das 11h00. Questionado pelos jornalistas sobre se deve ser tratado como presidente da Câmara, Santana Lopes respondeu apenas: "Chamem-me o que quiserem". Semíramis, que também estava no local, registou que os jornalistas agradeceram e garantiram que se haviam antecipado e já utilizavam aquela autorização (a de Chamem-me o que quiserem) há alguns anos e que a tinham exercido abundantemente.

Mas há forças que velam, dada a tradição que têm de defesa das instituições democráticas. Considerando que a atitude de Santana Lopes representou "um desrespeito pela Constituição", o Bloco de Esquerda defende que "não se pode pôr em causa o funcionamento do Estado". Nesse sentido, o BE solicitou ao presidente da Assembleia Municipal de Lisboa a convocação de uma conferência de representantes dos grupos municipais com o objectivo de debater esta questão. E informaram ainda ter dado conhecimento ao PR, "do não funcionamento de um órgão constitucional, a Câmara Municipal de Lisboa".

Porque será que tudo o que se relaciona com Santana Lopes assume foros do ridículo mais desconchavado? Porque será que comunicação social, os partidos contrários e o próprio partido elaboram sobre ele as hipóteses mais absurdas e disparatadas? E finalmente, porque cai tudo, depois, sobre ele?

Só há uma explicação. O magnetismo pessoal de Santana Lopes aumentou exponencialmente, com tal vigor, que o seu campo magnético atrai todo o ferro velho e sucata política. Cai tudo sobre ele.

O homem deveria mesmo fazer a tal travessia do deserto e aproveitá-la para uma desmagnetização total.

Publicado por Joana às março 17, 2005 08:57 AM

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Comentários

Só pelos blogs fico a saber de alguma coisa que se passa no meio mediático. O Santana continua a ser mártir e a fazer-se um, as obras continuarão a ser bloqueadas por tudo e por nada, os cartazes continuarão a animar os lisboetas.

É muito interessante ler o artigo de Pacheco Pereira no Público. Refere ele que quando atacava Santana, a comunicação social não parava de citá-lo e fazer dele um espírito livre. Agora que começa a lançar as suas críticas aos sinais dados pelo PS, já é um faccioso sem direito a citações.

Publicado por: Mário às março 17, 2005 11:09 AM

Joana, 100% de acordo quanto às críticas que dirige à comunicação social.

Agora, não perdoe nada a Santana. O homem é um parvo, um indivíduo de inteligência muito limitada, como bem se viu mesmo nas ocasiões em que fazia comentários sobre futebol. Ele merece tudo o que lhe aconteceu - aliás, a maior parte das coisas foi por ele provocada.

A comunicação social anda desesperada, porque o Sócrates, ao contrário do Santana, mantem o bico calado e não lhe dá portanto azo a notícias. No tempo do Santana todos os dias havia um ministro a abrir demasiado a boca e a falar de mais. A comunicação social habituou-se então a ter muito trabalho, com tantas declarações. Agora, o Sócrates deu - e muito bem - ordem de silêncio total aos seus ministros - o ministro das finanças já deve ter levado um valente puxão de orelhas por ter feito o disparate de vir cá para fora, no dia seguinte à sua indigitação, sugerir um eventual aumento de impostos. Com este silêncio, a comunicação social vê-se em palpos de aranha para ter notícias para nos servir, e é isso que causa todo este desconchavo.

Publicado por: Luís Lavoura às março 17, 2005 11:17 AM

É pena o Pacheco Pereira só ter descoberto isso agora!

Publicado por: Coruja às março 17, 2005 12:03 PM

Santana foi um azarado. Julgou que conseguia manobrar a opinião pública, como o fez noutras posições, mas esqueceu-se que tinha criado muitos anti-corpos. E foi mesmo muito inábil.

Publicado por: lopes às março 17, 2005 12:36 PM

Foi e continua a ser

Publicado por: lopes às março 17, 2005 12:37 PM

Eu cá acho que o PSD precisava de uma cisão que clarificasse de uma boa vez por todas o seu «pendor» ideológicamente ubíquo. Aquilo assim é como que o jardim da maria celeste com pretensões a copiar a papel celofane a social-democracia da Internacional Socialista, que pertence, de facto e de jure, ao PS.
Aliás, a propósito de JPP, não se percebe que "tenha servido" no Parlamento Europeu onde o PSD se "senta" no centro-direita, e cá por casa se assuma um febril defensor do mesmo partido, mas agora ao centro-esquerda. De resto, este pretenso "catch all parties" é o que eu intuo deva estar na base clientelar do partido e do próprio Estado e, depois, nos equívocos eleitorais.

Publicado por: asdrubal às março 17, 2005 12:57 PM

Eu também acho que o PSD não tem uma ideologia definida. Isso é bom, às vezes, para ganhar eleições, mas é mau para o nosso regime político.

Publicado por: David às março 17, 2005 02:41 PM

O Santana está em baixo. Um post sobre o PSL, aqui há meses, já teria dezenas de coment´rios, bordoada de criar bicho, ameaças de morte, etc.
Nada disso. Poucos comentários, gente calma.

Publicado por: Coruja às março 17, 2005 02:49 PM

A Joana tem razão. Deve sair de cena. É que já nem para lhe bater há gosto.

Publicado por: Coruja às março 17, 2005 02:50 PM

"Em primeiro lugar, como providência cautelar, queria exprimir a minha opinião que julgo que teria sido preferível para o próprio e para os interesses do partido a que ainda preside, que Santana Lopes renunciasse a regressar à CML."

Cara amiga Joana, seria conveniente se fosse um pouco mais explicita, para não ficarmos com a ideia que subscreve as apreciações especulativas e destituidas de sentido de JPP...

Publicado por: incredulo às março 17, 2005 04:28 PM

Publicado por: Mário às março 17, 2005 11:09 AM

E porquê?
Ora ele próprio explica.
Porque a comunicação social está dominada pela esquerda, que odeia que a rotulem de esquerda.

Com a honrosa excepção do Luis Osório.

Publicado por: carlos alberto às março 17, 2005 07:41 PM

incredulo às março 17, 2005 04:28 PM:
A opinião que exprimo sobre os erros cometidos pelo PSL foi a mesma que já havia exprimido nos dois textos que linkei.
Quanto ao regresso à CML, parece-me um erro pelas razões que indiquei. Todavia, o futuro o dirá.

Publicado por: Joana às março 17, 2005 09:52 PM

carlos alberto às março 17, 2005 07:41 PM:
A esquerda odeia que digam que domina a comunicação social apenas porque acha que é do interesse do mundo e da civilização ser ela a decretar aquilo que devemos pensar.
Não é por mal. Acha que é assim que deve ser e quem pensar o contrário ou é estúpido ou é da "direita trauliteira".

Publicado por: Joana às março 17, 2005 09:55 PM

Não é por mal??
O Estaline também era um bom rapaz cheio de boas intenções

Publicado por: Coruja às março 17, 2005 10:47 PM

Temos todos boas intenções.

Mas já é mais que altura de olhar para as consequências dessas boas intenções.

Publicado por: Mário às março 18, 2005 10:09 AM

O PSL está em baixo. Boceja nas tomadas de posse, perdeu a vivacidade. Acho que ele devia ir passar umas semanas às Seychelles.

Publicado por: Viegas às março 19, 2005 02:30 PM

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