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janeiro 16, 2005

Custas Judiciais

Portugal, pouco a pouco, começa a tomar consciência e a avaliar os custos da ineficiência do seu sector público. Um estudo de uma investigadora da investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, cujas conclusões principais foram publicadas no Jornal de Notícias, faz uma estimativa calamitosa do impacte, no PIB do país, da ineficiência da Justiça portuguesa. E o que é grave, é que os governantes não percebem porquê. O actual ministro, apesar de ser considerado pessoa de bastante valimento, apressou-se a declarar que “é preciso racionalizar os meios humanos. Nos tribunais, onde há mais serviços, deve também haver mais funcionários e magistrados”. É desesperante os governantes não se aperceberem que o que está errado são os dispositivos legais para combater o incumprimento contratual e conseguir a cobrança atempada das dívidas. Não discuto que não deva haver uma reafectação e requalificação de recursos humanos. Mas o que é indispensável é a simplificação dos processos legais.

Quando debati aqui a Lei do Arrendamento Urbano escrevi que “Desde 1990 que o arrendamento é livre e a prazo (5 anos). Portanto os fogos actualmente devolutos estão em mercado livre. O primeiro estudo que o governo deveria ter feito seria o de investigar porque é que há 544 mil fogos devolutos (359 mil, se descontarmos os que alegadamente estão à espera de comprador ou arrendatário) num mercado livre. Enquanto o governo não perceber as razões porque tal acontece, não vale a pena dar o passo seguinte, pois irá certamente fazer asneira. ... Sabe-se que há um diferencial, estimado em mais de 40%, que é uma espécie de prémio de risco para o senhorio. O empolamento das rendas deve-se ao receio do senhorio face ao imprevisível comportamento do inquilino e não a outro motivo”.(*)

Ora nesta lei havia apenas uma ligeira, e inócua, simplificação do processo de despejo por não pagamento da renda. Portanto numa lei que se pretendia estruturante e vital para fazer funcionar esse mercado, o Governo atirou ao lado. É óbvio que uma simplificação deste processo, e de todos os que conduzam a um cumprimento contratual mais efectivo, iria fazer diminuir os réditos dos advogados ... mas contribuiria em muito para o bom funcionamento daquele mercado e de toda a economia em geral.

Desconheço se a simplificação legal será plenamente compatível com a actual Constituição. Em Portugal os mecanismos legais preocupam-se mais em assegurarem protecção aos infractores do que às vítimas. Todavia, neste caso, as vítimas não são apenas aqueles a quem foram pregados calotes, somos todos nós, indirectamente, pelo efeito perverso para a economia que resulta do receio de empresários e investidores do não cumprimento dos contratos.

O trabalho da investigadora Célia Costa Cabral baseou-se num inquérito junto dos empresários portugueses sobre o funcionamento da justiça portuguesa, e concluiu que a justiça é "muitíssimo lenta” e que a sua "morosidade leva a uma natural contracção do investimento em Portugal e funciona como um obstáculo ao crescimento do País", pois "os empresários não arriscam investimentos, se não estiverem absolutamente seguros do cumprimento dos contratos".

Segundo o estudo uma justiça mais célere levaria os empresários a investir mais, a arriscar mais emprego e a baixar os preços das transacções. É óbvio que esta conclusão poderia ser tirada, mesmo sem inquéritos, por qualquer pessoa sensata que olhasse para o país em que vive. Mas Célia Costa Cabral foi mais longe e estimou que "um melhor desempenho do sistema judicial levaria a um crescimento da produção de 9,3 por cento, o volume do investimento cresceria 9,9 por cento e o emprego 6,9 por cento", o que tudo conjugado se traduziria num acréscimo de 11% na taxa de crescimento do PIB. Ou seja 13 mil milhões de euros.

Estes números valem o que valem. Não me custa a acreditar que, se houvesse uma justiça mais rápida e uma maior simplificação legal, o crescimento do nosso PIB fosse significativamente superior ao normal e que, ao fim de poucos anos, esses sucessivos diferenciais fossem 11% ou mais.

Muitas das transacções que se realizam em Portugal, das rendas de casa (no regime livre) às comissões e taxas bancárias, desde que não sejam no sistema de pagamento a pronto, contêm um diferencial devido ao prémio de risco associado à transacção, por receio de incumprimento contratual.

Mas o que é mais perverso em todo este esquema de incumprimentos contratuais é ser o próprio Estado – administração central, autarquias locais e institutos – quem se revela o devedor mais recalcitrante e incobrável, quer pelos prazos de pagamento (3 e 4 meses e, às vezes, anos), quer por, pura e simplesmente, se recusar a pagar. Nem sempre é por ter esgotado as verbas orçamentais, por erro, má afectação ou ausência de transferência. Sucede, com frequência, que as Câmaras, ou outras entidades públicas, incorrem, numa obra, em custos excessivos, por erro de projecto ou má supervisão. Neste caso, se essa verba adicional for cobrada coercivamente, através de acção judicial, é menos penalizadora para os órgãos gestores dessa entidade, que se concordarem pagá-la por mútuo acordo. Penalizadora não apenas do ponto de vista legal, como do ponto de vista de imagem pública.

Portanto, a simplificação da justiça teria que atingir, igualmente, o Estado que, em matéria de pagamento de dívidas tem dado um péssimo exemplo aos agentes económicos.

A questão que se põe é saber se a ineficiência da justiça pode ser resolvida pelos protagonistas da nossa actual classe política, visto o Estado e os advogados que constituem maioritariamente a classe política, estarem, aparentemente, interessados em manter essa situação. As declarações do Ministro da Justiça, mesmo demissionário, não prenunciam nada de bom ...

(*) Ler igualmente O Arrendamento Urbano

Publicado por Joana às janeiro 16, 2005 08:52 PM

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Comentários

O estado,O Estado, O Estado, sempre O ESTADO e os jogos de interesses dos senhores bolorentos deste país.
Quando o Estado "não existe", como no caso da última consertação social, o caso até se resolve em beleza.

Um abração do
Zecatelhado

Publicado por: zecatelhado às janeiro 16, 2005 09:12 PM

Publicado por Joana em janeiro 16, 2005 08:52 PM

....Desconheço se a simplificação legal será plenamente compatível com a actual Constituição...

Tinha que ser a Constituição a culpada da incompetência !!!!!!!!

Francamente este tema você até o estava a tratar bem, com isenção...mas o seu fígado só aguentou 3 parágrafos.... julgo que deve tratar desse problema figadal, antes que se torne crónico (está quase...) e irreverssível.

Em Portugal os mecanismos legais preocupam-se mais em assegurarem protecção aos infractores do que às vítimas....´

Isto que diz é verdade, no entanto, em qualquer sector, em qualquer lado, é assim...pois parece que alguém impõe a mentalidade a seguir, e todos a tentam seguir, que é a da incompetência. Por exemplo sinalética no metro de Lisboa, que não tem nada a ver com infractores e vitimas, é uma desgraça....

Já não andava de Metro, há uns 16 anos, para mim que comecei aos 11 anos em Paris, com mais de 300 estações, andar no de Lisboa só com 40 é uma dor de cabeça.
DESCOBRI QUE a sinalética do Metro de Lisboa, foi INVENTADA e criada especialmente para os ANALFABETOS, estou a falar a sério e não a ironizar.

Em vez de Direcção/sentido por exemplo Chiado, as placas não dizem nada, e são amarelas com um símbolo de um girassol, como sabe só há 2 tipos de pessoas que precisam desta sinalética, são as crianças (que ainda não sabem ler ) e os analfabetos, como desejava saber qual a direcção, lá tinha que ir ao mapa ver a direcção, senti-me deveras irritado, balbuciei imensos impropérios aos canalhas dirigentes deste País.

É a gente que temos, e o que é curioso, é que todos aceitam isto de boa vontade, e já estão tão cegos, que é como você diz, os ministros em vez de resolverem o problema, falam em mudar funcionários etc etc. Quando o problema real é outro !

Publicado por: Templário às janeiro 16, 2005 09:32 PM

Templário em janeiro 16, 2005 09:32 PM:
Se eu escrevi que "Desconheço se a simplificação legal será plenamente compatível com a actual Constituição", como e´que você conclui que eu queria dizer que "Tinha que ser a Constituição a culpada da incompetência".
Mais uma "vaca sagrada" ... a Constituição!

Publicado por: Joana às janeiro 16, 2005 09:38 PM

Joana em janeiro 16, 2005 09:38 PM

Essa conclusão é minha perante a sua alfinetada na Constituição, ou seja...quando se quer desculpar a incompetência, sai da cartola a Contituição/culpada, percebe o que você diz ?

A contituição não é "vaca sagrada" mas alguns fazem dela, o Lucifer, para que passem incólumes.

Publicado por: Templário às janeiro 16, 2005 09:44 PM

Joana em janeiro 16, 2005 09:38 PM

Essa conclusão é minha perante a sua alfinetada na Constituição, ou seja...quando se quer desculpar a incompetência, sai da cartola a Contituição/culpada, percebe o que você diz ?

A contituição não é "vaca sagrada" mas alguns fazem dela, o Lucifer, para que passem incólumes.

Publicado por: Templário às janeiro 16, 2005 09:44 PM

Tem toda a razão, Joana. Veja que a Lei do Arrendamento tinha o carimbo do advogado Arnaut!
Eles querem manter a justiça cheia de teias de aranha

Publicado por: Domino às janeiro 16, 2005 09:56 PM

Tem toda a razão, Joana. Veja que a Lei do Arrendamento tinha o carimbo do advogado Arnaut!
Eles querem manter a justiça cheia de teias de aranha

Publicado por: Domino às janeiro 16, 2005 09:56 PM

Domino, completamente de acordo. Esta súcia de advogados!

Publicado por: Ant Curzio às janeiro 16, 2005 11:19 PM

É dificil chutar os advogados por 2 motivos:

1º - de Leis sabem eles.

2º - Por incrível que pareça os Engenheiros não sabem escrever Português.

Publicado por: Templário às janeiro 16, 2005 11:35 PM

Isso não é bem assim. Pelo menos entre os engenheiros da minha geração

Publicado por: Hector às janeiro 16, 2005 11:45 PM

Desta vez a Joana não falou em despedir funcionários públicos. Haja Deus!

Publicado por: vitapis às janeiro 17, 2005 12:02 AM

Templário em janeiro 16, 2005 09:32 PM:
A sinalética do Metro de Lisboa só serve mesmo para analfabetos, pois que eu ainda não consegui fixar as cores e estou sempre na dúvida.
Num mundo de analfabetos, um tipo alfabetizado vê-se à rasca.

Publicado por: David às janeiro 17, 2005 12:13 AM

David

Ainda bem que há mais pessoas, que vêem o que eu vejo, por vezes sinto-me tão deslocado, ao ver as pessoas aceitarem tudo tão bem, que até me chego a questionar, se não sou eu, que tenho problemas.

Publicado por: Templário às janeiro 17, 2005 12:17 AM

A vossa conversa +e interessante. Já repararam que quando se sabe ler e compreender bem o que se lê, a identificação por sinais ou cores é mais difícil de memorizar que ler o destino?
Entre os analfabetos é ao contrário.

Publicado por: Hector às janeiro 17, 2005 12:28 AM


Hector em janeiro 17, 2005 12:28 AM

Mas não tenha dúvidas, por isso nos infantários, se colocam simbolos, para que as crianças identifiquem os caminhos.

O que é incrível, é que poderia ter sido um lapso, mas elas devem estar lá, há imenso tempo, e os inteligentes do metro, ainda não repararam nisso, será que são analfabetos?

Só pode !

Publicado por: Templário às janeiro 17, 2005 12:36 AM

São zonas diferentes do cérebro que se desenvolvem nos analfabetos e nos letrados.

Conversei um dia, com um investigador português, que andava precisamente nesse estudo, com analfabetos.

Espero é que... por sermos diariamente bombardeados, com este tipo de situações, não se comecem a desenvolver no nosso cérebro, essas zonas características dos analfabetos, porque só isto pode justificar tanta passividade, dos portugueses, perante estas atrocidades à nossa mente.

Publicado por: Templário às janeiro 17, 2005 12:42 AM

Bem observado Hector. Tem razão. Ainda não me timha apercebido disso.

Publicado por: Fred às janeiro 17, 2005 12:43 AM

E igualmente o Templario deve ter razão. A evolução do cérebro nos alfabetizados é diferente da dos analfabetos

Publicado por: Fred às janeiro 17, 2005 12:47 AM

Templário em janeiro 16, 2005 11:35 PM

Por falar em analfabetos e em saber escrever português: - Quando é que o Templário aprende a colocar melhor as vírgulas?

Publicado por: Senaqueribe às janeiro 17, 2005 10:50 AM

Janica, concluis tu:
"A questão que se põe é saber se a ineficiência da justiça pode ser resolvida pelos protagonistas da nossa actual classe política, visto o Estado e os advogados que constituem maioritariamente a classe política, estarem, aparentemente, interessados em manter essa situação. As declarações do Ministro da Justiça, mesmo demissionário, não prenunciam nada de bom ..."

Tás a melhorar a olhos vistos, ainda te hei-de transformar numa carbonária!

Publicado por: Átila às janeiro 17, 2005 12:00 PM

Post muito bem observado e infelizmente verdade

Publicado por: Jarod às janeiro 17, 2005 01:04 PM

Se não sairmos daqui, vamos continuar a ser um país de caloteiros.

Publicado por: lopo dias às janeiro 17, 2005 01:53 PM

Átila em janeiro 17, 2005 12:00 PM

A Joaninha depois de ser iniciada, vai ser uma devota da causa.

Publicado por: Templário às janeiro 17, 2005 09:41 PM

Infelizmente isto é verdade. Todos os dias, na minha empresa sou confrontado com situações destas.

Publicado por: n às janeiro 21, 2005 10:24 PM

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