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dezembro 27, 2004

Da Importância de um PEC

Um PEC é absolutamente imprescindível. Mas não necessariamente um PEC simplista, como o existente. Todavia, quando estabeleceu as regras do PEC, Bruxelas deve ter julgado que os dirigentes políticos dos países da UE eram gente sensata e que no ciclo alto não entrariam em desvarios despesistas, para não ficarem de pés e mãos atados durante a recessão. Por outro lado meteram tudo no mesmo saco – a despesa corrente e despesa de capital. Ora isto é perverso para governos insensatos e laxistas. Se em ciclo baixo, Bruxelas alargar o espartilho, teremos os lobbies sindicais do Sector Público e os partidos, cujo horizonte político é a distribuição do que não há, a exigirem aumentos salariais e das pensões.

Ou seja, se Bruxelas apenas alargar o espartilho dos 3%, sem outras especificações, o que acontecerá é ficarmos um passo mais próximo do abismo.

Portanto, embora o PEC seja “estúpido” e “rígido”, a sua flexibilização, sem ter em conta o que enunciei acima, poderia ser a abertura da boceta de Pandora do cataclismo financeiro em diversos países europeus e, em primeiro lugar, no nosso. O Pacto de Estabilidade e Crescimento tem o defeito de, nas fases altas do ciclo económico, não ter um sistema de alerta e de sanções quando a política orçamental está a ser pró cíclica durante a expansão da actividade económica. Esse defeito foi a nossa desgraça nos anos de 1996-2001.

Portugal tem uma despesa pública cerca de 48% do PIB, em termos oficiais, mas na prática é bastante superior. Porque os compromissos reais do Estado vão muito para além disso, como o caso das empresas que embora públicas, são extensões das administrações públicas, e das parcerias publico/privadas. Além do mais, a dívida pública não contém o valor actualizado dos compromissos assumidos há alguns anos atrás, como o caso das SCUTs, que são dívida pública. No caso das SCUTs apenas as anuidades entram no orçamento de cada ano (e só a partir de 2005). O que o governo de Guterres fez, foi não apenas comprometer o presente (dele), como comprometer o futuro do país por várias décadas.

O mesmo iria acontecer, embora em muito menor escala, pois eram montantes muitíssimo menores, com a operação de lease back que Bruxelas teve o bom senso de inviabilizar. O Estado tem imóveis em excesso. Mas deve vender aqueles que não necessita, na altura mais favorável da conjuntura imobiliária. De forma alguma vender imóveis onde estão instalados serviços necessários. Vender e alugar em seguida é uma operação que será sempre desfavorável, porque os Bancos internalizam nas taxas de juro um spread para cobrir o risco da operação, os seus custos na gestão contratual e os seus lucros.

Há alguns anos, ainda durante a gestão de Guterres, em 2001, Abel Mateus fez um estudo comparativo sobre os pesos da despesa pública no PIB de diversos países europeus, e estabeleceu uma recta de regressão linear entre aquelas duas variáveis.

Esse gráfico é o seguinte:
Grafico SPA_PIB.jpg

Não foi indicado o coeficiente de correlação (nem os intervalos de confiança para os coeficientes da regressão), mas ele deve ser elevado, atendendo à distribuição dos pontos.

Ora há dois países “marginais” naquela distribuição, embora em sentidos opostos: Portugal e Irlanda. Que têm em comum? Portugal é o país que mais estagnou nos últimos anos; a Irlanda o país que mais cresceu. A Suécia também está numa posição “marginal”, e também ela tem conhecido uma importante desaceleração económica na última década. A Espanha aproveitou o período da fase alta do ciclo económico e das vacas gordas para consolidar uma situação orçamental saudável. A Espanha tinha em 1995 um défice público superior ao nosso e chegou a 2001 com as contas equilibradas, aproveitando adequadamente o período favorável do ciclo. O gráfico é elucidativo.

Portanto não é com aumentos da despesa pública que relançamos o crescimento económico. O que conseguiremos é, transitoriamente, uma maior animação no comércio, mas seguida logo por um défice acrescido nas nossas contas com o exterior, induzido pelo aumento das importações para satisfazer esse aumento artificial da procura interna, e uma situação insustentável a médio prazo. Qualquer dinamização da economia pelo recurso ao aumento da despesa pública tem o efeito de uma droga. Quando o seu efeito passa, o drogado fica na ressaca e mais dependente que antes. E quanto mais droga se injecta, mais dramático e doloroso vai ser o tratamento dessa dependência.

Portugal teria que descer a sua despesa pública em cerca de 10 pontos percentuais, menos 20% a 25% da actual despesa pública em valores reais. Ora os dois últimos governos, com as mezinhas que as nossas disposições constitucionais permitem e a falta de coragem que os caracterizou, apenas conseguiram garrotar a aceleração anterior. Mas como se viram, entretanto, confrontados com a recessão económica e com a estagnação do PIB real, a despesa pública não diminuiu em termos de percentagem do PIB, antes aumentando, embora a uma taxa muito menor que anteriormente.

O OE para 2005, como escrevi aqui diversas vezes, procurava continuar uma estratégia de controlo do défice orçamental baseada na diminuição do peso do Sector Público Administrativo na economia, fundamentalmente à custa da contenção da despesa corrente primária, mantendo o peso da despesa de capital no PIB. Essa estratégia é correcta, como orientação geral, mas insuficiente em termos quantitativos. O actual governo pactuou com a “necessidade” de satisfazer a tentação eleitoralista dos seus autarcas e de si próprio.

Esse eleitoralismo observa-se também na inversão de prioridades fiscais do OE 2005, favorecendo o consumo e penalizando a poupança. O aumento do rendimento disponível vai induzir um aumento nas importações e um agravamento do desequilíbrio nas nossas contas com o exterior

O nosso problema estrutural é a dimensão do Estado e o seu mau funcionamento. No que toca às empresas e à sua competitividade, a burocracia estatal e, principalmente, a ineficácia da justiça, que inviabiliza, na prática, o cumprimento dos contratos e a cobrança das dívidas, são os factores mais penalizadores. Ou seja, o Estado degrada a competitividade das nossas empresas por duas vias: sugando a seiva do nosso tecido produtivo e não assegurando a função vital em economia, que é proteger a propriedade privada, pois não protege o credor face ao caloteiro, nem a vítima do incumprimento contratual, perante o burlão ou o contraente de má fé.

Actualmente, estamos com um nível de despesa pública cerca de 50% do PIB. Se não pusermos cobro a isto, nós, os nossos filhos e os nossos netos poderemos ter de suportar impostos na casa dos 60% e 70% do PIB, o que seria completamente inviável em termos de crescimento económico e em termos de nível de vida. Antes disso haveria algum cataclismo económico e político.

Publicado por Joana às dezembro 27, 2004 07:44 PM

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Comentários

Antes da adopção do Euro não eram poucos os países cujo deficite orçamental andava por volta dos 6% do PIB, sem que isso fosse catastrófico. Mas é verdade que é melhor não ter deficite orçamental do que ter. Por isso todos os países devem procurar - salvo em épocas de recessão - reduzir esse deficite. Mas não transformemos uma medida benéfica num dogma indiscutível.

"O nosso problema estrutural é a dimensão do Estado e o seu mau funcionamento"

Não, não é. O nosso problema estrutural mais importante é o deficite crónico das contas externas. É esse que nos vai arruinar. Se tivéssemos a nossa balança externa equilibrada bem podíamos aguentar um orçamento de estado que representasse perto de 50% da despesa nacional. Embora fosse melhor que a despesa pública ficasse aquém dos 40%. É por não percebermos isto que perdemos tanto tempo a preocupar-nos com o deficite orçamental e tão pouco tempo a pensar na melhor maneira de reduzir o deficite externo. É como se alguém que tivesse cancro só se preocupasse com uma dor de dentes...

Publicado por: Albatroz às dezembro 27, 2004 08:57 PM

A propósito: o coeficiente de correlação das variáveis referidas no gráfico não deve ser nada elevado, dada a dispersão dos pontos. Nem tinha de ser. Dadas as exigências da segurança social - assim como da saúde e da educação - nas sociedades europeias, até será de esperar que o peso das despesas públicas no PIB tenda a ser mais elevado nos países onde o rendimento per capita é mais baixo. Se tivéssemos no gráfico mais países de baixo rendimento per capita até não me surpreenderia se a recta de regressão tivesse um declive negativo.

Publicado por: Albatroz às dezembro 27, 2004 09:05 PM

Albatroz em dezembro 27, 2004 08:57 PM:
Antes da moeda única não havia "problemas" com o défice. A um excesso de despesa correspondia, meses ou um ou dois anos depois, uma desvalorização cambial.
Era assim que, sem PEC, a "mão invisível" destruía os devaneios consumistas.

Publicado por: Joana às dezembro 27, 2004 09:43 PM

Albatroz em dezembro 27, 2004 09:05 PM:
Em ordenadas não estão valores absolutos da despesa pública, mas valores em percentagem do PIB. Ora o PIB mede o rendimento nacional, portanto se a despesa pública fosse proporcional ao PIB em todos os países, a recta era paralela ao eixo dos XX.
Os países mais ricos conseguem, pelos altos rendimentos dos seus cidadãos, obter proporcionalmente mais receitas e permitirem-se a despesas maiores

Publicado por: Joana às dezembro 27, 2004 09:49 PM

Afixado por Albatroz em dezembro 27, 2004 08:57 PM:
Nós temos um deficite crónico das contas externas porque o Estado gasta em excesso e distribui, devido a isso, rendimentos a mais. Por isso temos importações a mais.

Publicado por: Novais de Paula às dezembro 27, 2004 10:05 PM

DÉFICE : OS RESPONSÁVEIS TÊM NOME - 1.º EPISÓDIO
http://jumento.blogdrive.com/

Publicado por: zippiz às dezembro 27, 2004 10:39 PM

É imperioso que se diga que o sector público foi o principal responsável pelo maremoto do sudeste asiático...

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 27, 2004 11:59 PM

(M)arca Amarela: Tem toda a razão.
E a causa do défice orçamental português foi o deslocamento de placas tectónicas a oeste da Samatra.

Publicado por: David às dezembro 28, 2004 12:52 AM

Joana em dezembro 27, 2004 09:49 PM

O meu ponto de vista é o de que a despesa pública tende a ser proporcionalmente maior nos países de menor rendimento per capita. Por isso acho que, no gráfico por si apresentado, a recta de regressão deveria ter um declive negativo. Nos países mais ricos os governos gastam mais em valor absoluto, per capita, mas gastam menos em percentagem do PIB. Ou seja, a única maneira de reduzirmos as despesas públicas, em percentagem do PIB, é tornando o país mais rico. Tal como se verificou na Irlanda. Se optarmos por cortar nas despesas vamos acabar ainda mais depressa no patamar do Terceiro Mundo. Por muito que isto custe a perceber para alguns, a economia não se domina com recurso apenas à aritmética... Por isso dou muito mais importância ao deficite externo do que ao deficite orçamental.

Novais de Paula em dezembro 27, 2004 10:05 PM

"Nós temos um deficite crónico das contas externas porque o Estado gasta em excesso e distribui, devido a isso, rendimentos a mais. Por isso temos importações a mais".

Não. O deficite externo é fruto de produção a menos e facilidades de crédito a mais. E, curiosamente, o deficite externo dispara quando os impostos diminuem, ou seja, quando as receitas e despesas públicas são contidas. Contrariamente ao que pensa, o Estado pouco contribui directamente para o deficite externo. E quando o faz é normalmente por via das despesas com equipamento militar.

Publicado por: Albatroz às dezembro 28, 2004 01:28 AM

Janica, és um ponto. Dizes tu: "Não foi indicado o coeficiente de correlação (nem os intervalos de confiança para os coeficientes da regressão), mas ele deve ser elevado, atendendo à distribuição dos pontos". Achas querida? Sabes pouco disto. Vai mas é estudar estatística económica e econometria que pela distribuição dos pontos a coisa deve andar muito abaixo do aconselhável 1. É assim que tu mostras que sabes coisas que nem fazes ideia do que são aos bacocos que te idolatram... Que giro!

Publicado por: Átila às dezembro 28, 2004 01:51 AM

«Portugal perdeu, em dois anos, mais de 7,2 mil milhões de euros para receber mil e duzentos milhões em fundos de coesão».
.
(lido por aí)

Publicado por: asdrubal às dezembro 28, 2004 10:48 AM

(M)arca Amarela em dezembro 27, 2004 11:59 PM:

Medina Carreira escreveu há tempos "O Titanic afunda-se e a orquestra toca!" citado pelo asdrubal em dezembro 26, 2004 01:13 AM no post «Plágios e Fontes» (o local não seria o mais esperado, mas sabe-se com aparecem os diálogos cruzados).

Estou a lembrar-me do título (e do conteúdo) do artigo e a vê-lo a si, por detrás da orquestra do Titanic, a participar no espectáculo, e a contar piadas, no estilo Seinfeld, sobre o contrasenso dos icebergs...
O estilo é bom ... infelizmente a ocasião não é a adequada ... e as piadas macabras.

Publicado por: Joana às dezembro 28, 2004 12:55 PM

A correlação é igual a 1 numa regressão linear, quando todos os pontos estão, exactamente, sobre a recta de regressão.

Publicado por: Joana às dezembro 28, 2004 01:01 PM

Pois sim mas não está contabilizado a economia clandestina que é bastante significativa em alguns paises, incluindo Portugal.

Publicado por: Diletante às dezembro 28, 2004 01:31 PM

E o trabalho doméstico

Publicado por: Coruja às dezembro 28, 2004 01:43 PM

Janica, não te armes em esperta. Eu não disse 1, disse desejavelmente próximo de 1. Essa definição que foste buscar não sei onde mostra bem que não sabes do que falas. Um C.C. inferior a 0,98 é bom para deitar fora, pelo menos para mim que sou um rapaz exigente. Aliás se és tão espertinha e dado que podes inferir os pontos faz tu a regressão e calcula o CC. Mas não faças batota...

Publicado por: Átila às dezembro 28, 2004 02:56 PM

Se não fossem as restrições do PEC por onde é que andariam as nossas finanças.

Publicado por: Ant Curzio às dezembro 28, 2004 04:22 PM

Coruja em dezembro 28, 2004 01:43 PM:
Mas não deve ser o da Joana, com toda a certeza.

Publicado por: vitapis às dezembro 28, 2004 04:24 PM

Boceta de Pandora???

Publicado por: miguel às dezembro 28, 2004 05:10 PM

Num habia nechechidade zzzzz...

Publicado por: miguel às dezembro 28, 2004 05:19 PM

Joana, como será o gráfico agora?
Aposto que Portugal já está fora do mapa!

Publicado por: E.Oliveira às dezembro 28, 2004 06:08 PM

Então copiona, modificaste ontem o teu post para incluir as fontes?!

Publicado por: Mr Sensível às dezembro 29, 2004 10:51 AM

"Mas o que verdadeiramente me fez gargalhar nisto tudo é o seguinte. Num dos textos «fonte» diz-se: «After that their clothes were taken off and they were kissed on the lower back (...)». Para alguém desprevenido e despojado de sapiência, «lower back» poderia significar o ânus ou outro inominável local. Jacques Marseille, na sua «Nouvelle histoire de la France», fala a tal respeito de «rites secrets obscènes – baisers sur l’anus ou les parties génitales», confirmando a teoria que imaginaria o comum dos mortais. A nossa Joana, face à impossibilidade de traduzir «lower back» por «traseiro», saiu-se com esta: «em seguida, despojados das suas vestes, são beijados na ponta inferior da coluna vertebral»! De mestre."

Fonte: http://arcabuz.net/arquivo/2004/12/index.html#000351

Publicado por: Mr Sensível às dezembro 29, 2004 10:59 AM

Uma análise meritória. Infelizmente poucos querem acreditar

Publicado por: Benamor às janeiro 7, 2005 09:09 AM

Se não fosse o PEC estaríamos ainda com o Guterres com uma comissão liquidatária de Bruxelas para tratar das nossas finanças.

Publicado por: soromenho às janeiro 7, 2005 09:52 AM

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Publicado por: debt às janeiro 20, 2005 10:22 PM

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Publicado por: debt às janeiro 20, 2005 10:23 PM

You can also check out some information in the field of

Publicado por: insurance às janeiro 23, 2005 08:21 AM

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