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dezembro 13, 2004

A Fuga das Elites

Elites Run

Subitamente o país despertou para o desaparecimento das elites. Faltam-nos elites capazes de transmitir um projecto, dizem uns; as nossas elites económicas não interiorizam princípios fundamentais (logo, são pseudo-elites) asseveram outros; artigos em semanários de referência escritos pelos seniores da república lastimam a degradação da qualidade dos agentes políticos devida ao afastamento das elites; o senior seniorum da república turbou-se de tal jeito com a má qualidade do pessoal político, que confundiu políticos com beterrabas, diagnosticando ser problema porventura tão remediável quanto uma má colheita. Há algo de obscuro, telúrico e misterioso que assombra o país e que urge investigar.

Substancialmente, trata-se de responder às perguntas clássicas: Quando fugiram? como fugiram? porque fugiram? e para onde fugiram?

O modelo teórico para este problema foi proposto há alguns anos e cenarizado, não com beterrabas, como pretendia o senior seniorum da república, mas com galinhas que, como se verificou após estudos laboriosos, têm uma capacidade de locomoção superior à das beterrabas.

A base epistemológica deste modelo é o stress provocado pela incapacidade em conseguir cumprir a quota diária de ovos que é imposta exogenamente. O modelo foi depois refinado, introduzindo um operador vectorial que transformava em empadas os elementos do conjunto em análise.

Será que as elites portuguesas foram sujeitas à obrigação de pôr ovos com um ritmo frenético e inadequado? Não conseguimos responder cabalmente a esta questão. A elite mais evidente que sobejou no panorama português, o EPC, não é uma galinha, mas um elefante branco. Ora os elefantes brancos, como diversas experiências têm demonstrado, não põem ovos, mas uma massa disforme, flácida e conspicuamente fétida. Em qualquer dos casos esta via de análise teve algum merecimento porque permitiu determinar as causas da não-fuga daquele elemento da elite: ninguém está interessado em que ele aumente o ritmo da postura.

Parece pois consensual que as elites tenham desaparecido por terem sido objecto de exigências desproporcionadas. Mas desproporcionadas relativamente a quê? O nosso modelo opera com valores finitos, logo um valor só pode ser considerado desproporcional quando comparado com um valor supostamente normal. Como é um modelo fechado, o equilíbrio interno do conjunto obriga a que essa desproporção seja quantificada em termos das contrapartidas para os seus elementos, de modo a manter o equilíbrio.

Portanto parece que houve exigências excessivas às elites portuguesas sem as adequadas contrapartidas. Retomando o modelo das galinhas, além das exigências elevadas relativamente aos ritmos da postura, não se lhes dava milho, gritava-se-lhes permanentemente chô, galinhas, chô! chô! e corria-se atrás delas com varas de marmeleiro fustigando-as sempre que cacarejavam em busca de alimento para debicar.

A pergunta «Quando?» é de resposta imediata: desapareceram logo que se aperceberam que a situação no galinheiro estava num impasse.

As perguntas agora mais pertinentes são o «Como?» e o «Para onde?». Porém, quando chegámos a esta fase avançada da investigação verificou-se que o modelo das galinhas já não era suficiente e avançámos para outros modelos que tivessem, porventura, maior poder explicativo.

Um dos modelos testados foi a lei de Gresham, ultimamente em voga. Segundo este modelo, a população informe e mediana estaria a expulsar as elites da circulação. Mas expulsar, para onde? Para serem entesouradas em baús dispersos por alguns vetustos solares do país? Mas já não há solares vetustos, mas apenas casas em ruína e baús esgarçados sem capacidade de entesouramento.

Não, o modelo de Gresham não é suficientemente explicativo.

Mas subitamente fez-se luz! Se não era explicável a fuga, era porque as elites continuavam entre nós. Era evidente! E se não reparávamos nelas, era porque elas estavam disfarçadas. E então tudo se tornou claro para as centenas de bolseiros que conduziram durante anos esta investigação laboriosa, cujo relato apresento aqui e agora em primeira mão: as elites andam disfarçadas de gente medíocre, para não serem detectadas pelo resto da população e pela comunicação social. Assim, todos alinhados pela mediocridade já não há zangas, invejas, má língua, mesquinhez. O país fica tranquilo, em estabilidade política, social, económica e em serenidade emocional

Os portugueses não perdoam o sucesso, como afirmou outro dia um cientista português na diáspora, quando passava, fugidiamente, pela Portela. A solução é sermos todos medíocres.

Nota - Ler ainda
As Elites

Publicado por Joana às dezembro 13, 2004 09:06 PM

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Comentários

Brilhante texto!
É muito azar o senior seniorum da república ter deixado de pôr ovos... só cacarejar...

Publicado por: P Vieira às dezembro 13, 2004 09:10 PM

Embora seja alheia a tal, peço desculpas pela interrupção do serviço, pois a Weblog esteve em baixo por algumas horas, entre as 17:30 e as 20:15 de hoje e todos os blogs alojados na Weblog indisponíveis.

Publicado por: Joana às dezembro 13, 2004 09:17 PM

P Vieira em dezembro 13, 2004 09:10 PM:
Como a situação em Portugal está finalmente tranquila: já não há governo e o Sócrates anda a jantar pelo país fora, à espera que o Vitorino lhe faça o programa e o verta no teletexto, ... aproveito para brincar ...

Publicado por: Joana às dezembro 13, 2004 09:28 PM

A brincar, a brincar, vão-se dizendo as verdades.

Publicado por: David às dezembro 13, 2004 09:37 PM

Mais um hino ao POPULISMO, por parte de Joana, embora com roupagens elitistas !
Eu acho que Vc e os seus amigos, do Caldas à Lapa, vão continuar a lamber as feridas por muito tempo !

Publicado por: zippiz às dezembro 13, 2004 09:56 PM

zippiz em dezembro 13, 2004 09:56 PM:
Você é obstinado quanto a essa do Largo do Caldas. Você leu o "Crepúsculo dos Zeuses" que fez parte de uma polémica que tive com o Zeus? Acha que se eu fosse o que pensa, teria escrito o que fiz?
A URL é:
http://semiramis.weblog.com.pt/arquivo/016574.html

E porque é que em vez do Largo Caldas não apresenta uma argumentação mais vasta? A Praça da Figueira? o Rossio? o Marquês, com túnel e tudo?

Publicado por: Joana às dezembro 13, 2004 10:14 PM

Está excelente este post. Tá com piada.

Publicado por: Gros às dezembro 13, 2004 10:18 PM

eu escrevi "do Caldas à Lapa", um espaço bem amplo, que até pode incluir a Casa do Alentejo !
Vc é que está a limitar o assunto ao "Largo do Caldas" !

Publicado por: zippiz às dezembro 13, 2004 10:36 PM

«A solução é sermos todos medíocres» (Joana)

Salvo seja. Cada um que fale por si. Pela parte que me toca estou-me bem nas tintas para o que pensam «os portugueses» medíocres, ignorantes e invejosos.

Aquela da «Fuga das elites - Elites run» cheira um bocado a Laurodérmio... Foi intencional?

Publicado por: (M)arca Amarela às dezembro 13, 2004 10:49 PM

Adivinha :
Como é que se chama a Avenida que liga o Obelisco da Restauração à Rotunda do Sebastião José ?

Publicado por: asdrubal às dezembro 13, 2004 11:12 PM

(M)arca Amarela em dezembro 13, 2004 10:49 PM:
O título original do filme «A Fuga das Galinhas» é Chicken Run.

Publicado por: Joana às dezembro 13, 2004 11:17 PM

asdrubal em dezembro 13, 2004 11:12 PM
Fácil, é a transversal da Barata Salgueiro

Publicado por: Joana às dezembro 13, 2004 11:23 PM

Rotunda do Sebastião José ou Rotunda do Túnel ?

Publicado por: zippiz às dezembro 13, 2004 11:26 PM

"Atlas Shrugged", vamos a caminho

Publicado por: helder às dezembro 13, 2004 11:27 PM

Afixado por Joana em dezembro 13, 2004 11:23 PM,

Transversal da Barata Salgueiro ?
Ahhh a do Hotel Fénix !

Publicado por: asdrubal às dezembro 13, 2004 11:53 PM

Estamos mesmo no defeso da política! Esta conversa mole!

Publicado por: J Ribeiro às dezembro 14, 2004 12:15 AM

O que vale é que temos cá a elite Janica, que se esconde atrás dum nick para denegrir tudo o que não é extrema-direita, onde por acaso gravitam imensas elites, jejejejejejeje...

Publicado por: Átila às dezembro 14, 2004 12:40 AM

Janica, tive aqui a fazer umas indagações e cheguei á conclusão que o teu blogzito é dos menos visitados! O Barnabé, por exemplo, bate-te aos milhões. Porque será? Tens aí alguma explicação tipo "access" de elite? Olha, pergunta ao Portas que ele de vez em quando vai lá mandar uns bitates! Ou se calhar manda-te a ti, não? Ou será o teu Melo despenteado?

Publicado por: Átila às dezembro 14, 2004 01:36 AM

O trabalho a que a Joana se dá para não ter de pensar na questão essencial, à qual continua a recusar responder: se o sistema não presta e os políticos são cada vez mais medíocres, para quê continuar nesta rábula sem sentido? Fazer sátira é mais fácil - e menos comprometedor - do que ter de pensar em alternativas, mas o país está a morrer, e não sei se morrer de riso será muito melhor do que morrer de fome... Que tal fechar o livro da III República e começar a pensar no que vamos ter de fazer para sobreviver?

Fico à espera de mais uma não-resposta...

Publicado por: Albatroz às dezembro 14, 2004 01:44 AM

Albatroz em dezembro 14, 2004 01:44 AM :
Se o AJJ anda há mais de uma década a afirmar que a III República não presta e a pedir uma nova, ele que tem o governo de uma parte do país, que é poderoso, que tem meios de comunicação à disposição, que tem (quase) tudo, não o conseguiu, que quer que eu faça através de um mísero blog?

Voltaire dizia Ridendo castigat mores que em tradução livre significa: com sarcasmo (ou humor) castiga-se os vícios da época.

É isso que é possível fazer ... tijolo a tijolo ... devagarinho ... destruindo o edifício da mediocridade

Publicado por: Joana às dezembro 14, 2004 10:24 AM

José Manuel Fernandes escreve hoje no «Público» um editorial que, ao contrário da totalidade dos OCS escritos, acomodados, coloca claramente a questão do regime e da Constituição. E já ontem alguém dizia que é simplesmente impensável termos de aguardar seis meses por um novo governo, quando o normal europeu são três semanas. A III República esgotou-se.

Publicado por: asdrubal às dezembro 14, 2004 10:56 AM

senior seniorum, uma forma elegante e culta de chamar chéché ao bochechas.

Publicado por: Rave às dezembro 14, 2004 12:38 PM

Joana: vai ter muita dificuldade, tijolo a tijolo. Há muito tijolo nessa mediocridade

Publicado por: Rave às dezembro 14, 2004 12:39 PM

Os políticos não passam de galinhas que cacarejam muito e debicam no orçamento de Estado

Publicado por: fbmatos às dezembro 14, 2004 01:01 PM

Joana em dezembro 14, 2004 10:24 AM

Sempre pensei que se considerava mais apta do que o AJJ... Quanto a destruir, não se esfalfe. Os políticos que temos estão a fazer um óptimo trabalho de destruição. O que nós precisamos é de construir. O que implica começar por reflectir. E o que eu vejo não é reflexão, é só reacção. Vamos lá Joana. Não se subestime. Ponha esses neurónios em "overdrive" e partilhe connosco as suas ideias...

Publicado por: Albatroz às dezembro 14, 2004 04:35 PM

Albatroz em dezembro 14, 2004 04:35 PM:
Estou a ver que nas próximas eleições irá aparecer o PJRP, o Partido Joanino para a Regeneração de Portugal.

Publicado por: Sa Chico às dezembro 14, 2004 04:47 PM

Gaita, que com beterrabas e Kalimeros a bradar injustiça, de cada vez que venho a Portugal a coisa está mais surrealista. O texto é esforçado e nota-se alguma familiaridade com a recurso rápido ao diccionário, o "miolo" é que não me convence, por destituído de sentido.Andam todos a discutir esquerda versus direita, quando o importante é que o modelo republicano permitiu a chegada desta gente de todos os quadrantes e apenas com a imcompetência em comum. Vamos a ver se nos entendemos, é o modelo que está errado e um século de asneirada já basta.Melhores Cumprimentos. Rui Manuel Arruda

Publicado por: rui arruda às dezembro 14, 2004 06:31 PM

Joana ,
o seu blog está a tornar-se no "cantinho dos monárquicos".
eu por mim prefiro esta "anarquia" republicana a um D.Miguel sebastianista.

Publicado por: zippiz às dezembro 14, 2004 09:47 PM

Ohhh Zippiz, o «cantinho dos monárquicos» é o Artigo 288 b) da «Papeleta», mais as recentes trapalhadas do PR quanto à dissolução, não tanto da maioria que o elegeu, intacta e virgem como a Jacintinha, mas mais prosáicamente daquela que não o elegeu. Para não fugir à regra das comparações com o football, o PR marcou o pennalty "de paradinha", a quatro meses ...

Publicado por: asdrubal às dezembro 14, 2004 10:13 PM

asdrubal,
deixe lá o artigo 288 b).
há por aí uns maduros que acham que Portugal não se cumpre por causa do Preâmbulo da CdaR !
veja lá que a velhinha AD chegou a incluir um PPM num governo mais republicano que a casa do sino.

Publicado por: zippiz às dezembro 14, 2004 10:29 PM

Após uma analise laboriosa a sua tese foi encontrada nela uma acentuada capacidade criativa.
A conclusão retirada sobre “a mediocridade” baseia-se num facto divino “teve uma luz” como tal recusado no seio académico em virtude da ausência de premissas foi deliberado em magna reunião retirar-lhe a bolsa.

Publicado por: vitorjose às dezembro 15, 2004 08:50 AM

As elites são como as galinhas: estúpidas e medrosas

Publicado por: Arroyo às dezembro 15, 2004 05:25 PM

Caro Zippiz :
.
Dedico-lhe, especialmente em homenagem ao seu sentido de humor, esta pérola :
.
O dirigente socialista retorquiu dizendo que o discurso de duas horas e meia que Jardim proferira na terça- feira era "para adormecer rinocerontes".

Jaime Ramos, presidente do Grupo Parlamentar do PSD- M, ripostou: "rinoceronte és tu que estavas a dormir".

Os insultos, entretanto, foram subindo de tom ao ponto de Jacinto Serrão se dirigir a Jaime Ramos como "o vendedor de sifões de retretes".

"Hoje estás milionário como?" perguntou Serrão a quem Jaime Ramos chamava "gatuno".
.
Ehehehehe !!

Publicado por: asdrubal às dezembro 15, 2004 05:37 PM

asdrubal em dezembro 15, 2004 05:37 PM:
Pelos vistos as elitas não fugiram para a Madeira.

Publicado por: Sa Chico às dezembro 15, 2004 05:44 PM

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