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novembro 07, 2004

Intolerância Congénita

... Ou de Dreyfus a M Moore, passando por Lukacs ...

Uma parte não despicienda do espectro político da esquerda portuguesa perdeu o sentido das proporções, perdeu a noção do significado prático dos valores democráticos e perdeu o espírito de tolerância e do respeito pelas opiniões que não sejam absolutamente coincidentes com as suas.

Provavelmente estou a ser lisonjeira. Provavelmente esta esquerda a que me estou a referir nunca teve o sentido das proporções, nunca praticou os valores democráticos e sempre foi intolerante e totalitária.

Mas enquanto a esquerda foi oposição, o fragor da luta contra regimes frequentemente retrógrados, intolerantes e despóticos, obscurecia todas aquelas facetas. Quando a peleja é extremada e sem quartel, é-nos impossível, por vezes, distinguir onde acaba a bravura e começa a crueldade e a malevolência; onde há ética ou onde há apenas facciosismo. Porém, quando a situação se inverte, as dúvidas desaparecem e os que eram, de facto, bravos na época de sofrimento e opressão, revelam-se gente honrada, tolerante e sensata e os outros, os apenas cruéis e facciosos, revelam-se indignos, intolerantes e émulos dos ex-opressores.

Sempre tive, e tenho, simpatia pelos dreyfusards e pela sua luta, que tanta influência teve na História. Reconheço todavia que a maioria deles pôs, nesse combate, tanta intolerância e desdém pelos outros, como a direita militarista. Zola foi tão intolerante quanto o general Mercier. A diferença é que o Ministro da Guerra estava envolvido, embora na altura não o soubesse, numa fraude que fundamentava uma acusação falsa, enquanto Zola defendia a verdade, embora na altura não tivesse provas disso. Isso não invalida que Zola estivesse no lado certo e Mercier no lado errado.

Nessa disputa que, embora hoje esquecida, marcou a evolução futura da França, e não só, a tolerância, a racionalidade e o heroísmo estiveram na parte sã do exército francês, no coronel Picquart, um conservador, com preconceitos contra os judeus, mas que quando começou a analisar as provas que tinham levado Dreyfus à Ilha do Diabo, descobriu que o documento incriminador era forjado e pôs a verdade acima das suas convicções políticas e sociais, lutou e sofreu por essa verdade (foi expedido para a zona de combate mais perigosa do norte de África e esteve preso algum tempo) e a ele se deve o deslindar do caso, embora, se não fosse a agitação promovida pelos dreyfusards, aquele caso tivesse provavelmente caído no esquecimento e Picquart nunca fosse chamado a analisar as peças do processo Dreyfus.

Mas esta luta marcou o declínio da época da prevalência da objectividade e da racionalidade na procura da verdade. No mesmo dia (13 de Janeiro de 1898) em que era publicada no Aurore a carta aberta a Félix Faure (J’Accuse), o grupo parlamentar socialista reunia-se e a maioria decidia, a alguns meses das eleições seguintes, que não deve ir contra a opinião pública para seguir Zola, que era apenas um escritor burguês. Dias depois os deputados socialistas assinariam uma resolução distanciando-se das «duas fracções rivais da classe burguesa», de um lado «os clericais» do outro, «os capitalistas judeus». «Na luta convulsiva das duas fracções burguesas rivais, tudo é hipocrisia, tudo é mentira. Proletários, não vos envolvais em nenhum dos grupos desta guerra civil burguesa ... ». Esta posição só mudou quando Jaurés percebeu os dividendos políticos que obteria se apoiasse os dreyfusards.

O terramoto pelo qual passou a Europa, a partir do deflagrar da 1ª Guerra Mundial e da Revolução de Outubro (que hoje faz 87 anos), acelerou a degenerescência da objectividade e do racionalismo. Ao contrário do que Lukacs escreveu, a Destruição da Razão (Die Zerstörung der Vernunft) não se deu apenas no pensamento alemão que, segundo ele conduziu de Schelling e Nietzsche até Rosenberg e Hitler, deu-se igualmente pela emergência e divulgação do marxismo soviético, na sua forma estalinista, à qual aquele livro, publicado no ano anterior à morte do Pai dos Povos constituía uma respeitosa elegia. O que houve de perverso é que a verdade deixou de ser matéria objectiva, para ser matéria operacional: a verdade era a interpretação (ou mesmo a deturpação ou a invenção) dos factos que servissem os interesses da classe que tinha por missão histórica derrubar o statu quo existente, e quem faria essa exegese sobre o que era a “verdade” seria a elite política que se atribuía a si mesma a direcção daquela classe.

Aliás, já na História e Consciência de Classe (Geshichte und Klassenbewusstsein), Lukacs se havia empenhado em demonstrar que as ideologias de classe não são equivalentes e que a ideologia da classe proletária é a verdadeira, porque o proletariado, na situação que lhe impõe o capitalismo, é capaz, e só ele é capaz, de pensar a sociedade no seu desenvolvimento, na sua evolução a caminho da revolução, e portanto na sua verdade. No mundo capitalista, o proletariado, e só o proletariado, pensa a verdade do mundo, porque só ele pode pensar o futuro para lá da revolução.

A perversidade teórica de que a verdade é aquilo que serve os nossos interesses, individuais ou de classe, e que os factos não passam de meros empecilhos, agiu como um vírus que já viciara a extrema direita e contaminou toda a esquerda que foi influenciada pelo marxismo. Como a extrema direita foi posta de quarentena a seguir à 2ª Guerra Mundial, coube apenas ao marxismo, na sua forma degenerativa corrompida pela praxis político-filosófica, colonizar o pensamento da maior parte da esquerda e não só.

A responsabilidade do combatente deve sobrepor-se aos escrúpulos do intelectual. A crítica ideológica joga, com naturalidade, em 2 tabuleiros. Ela é moralista contra uma parte do mundo, aquela a que nos opomos, mesmo que seja aquela onde vivemos, e em extremo indulgente perante os movimentos que querem destruir esse mundo. A repressão nunca é excessiva, antes pelo contrário, quando atinge a “contra-revolução” ou é ministrada por um movimento radical ou revolucionário (ou terceiro-mundista, ou islamista ...). A prova da culpabilidade é sempre insatisfatória, quando ministrada pela justiça dos países ocidentais sobre aqueles que os querem destruir.

Basta citar o lamentável poema de Aragon no regresso do Congresso de Kharkov (1931), para nos apercebermos como o vírus da perversão da verdade e dos valores democráticos havia minado a base moral da nossa civilização:

O som da metralha acrescenta à paisagem
Uma alegria até então desconhecida
Estão a executar médicos e engenheiros
Morte aos que ameaçam as conquistas de Outubro
Morte aos sabotadores do plano quinquenal

A toda esta lamentável evolução se referiu então Julien Benda na La Trahison des Clercs, onde se dá conta daquela rotura. O intelectual era anteriormente o campeão do eterno, da verdade universal. «Os intelectuais de outrora afastavam-se da política pela ligação que estabeleciam com uma actividade desinteressada (Vinci, Malebranche, Goethe), ou então pregavam, em nome da humanidade ou da justiça, a favor de um princípio abstracto, superior e directamente oposto às paixões políticas (Erasmo, Kant, Renan) ... Graças a eles pode dizer-se que, durante dois mil anos, a humanidade praticava o mal, mas honrava o bem. Essa contradição era o ponto de honra da espécie humana e constituía a brecha por onde podia passar a civilização».

Para Benda, os intelectuais contemporâneos dele (e os que lhe sucederam, digo eu) colocaram-se ao serviço das paixões políticas, tornaram-se intelectuais de fórum:«O nosso século deve ser realmente o século da organização intelectual dos ódios políticos»

Esta doença degenerativa da espécie intelectual, que afectou sobretudo, no mundo ocidental, os países onde a consciência cívica estava menos disseminada por toda a sociedade: França e países do sul da Europa, criou o estatuto do intelectual comprometido, do jornalista de causas. Sartre (na apresentação dos Temps Modernes) teorizou essa degenerescência, elevada por ele a postulado teórico. Quer se queira quer não, «para nós o escritor não é Vestal nem Ariel – ele está “no momento”, e não importa o que faça, está marcado e comprometido mesmo no seu retiro mais remoto» ... «Cada palavra tem repercussões. Cada silêncio também ... as palavras são pistolas carregadas».

Este vírus tem sido endémico em toda a intelectualidade e jornalismo portugueses e tem vindo a condicionar, não apenas o discurso estritamente individual do plano ético, mas ainda e de forma excessiva o debate ideológico e político. Vejamos, a propósito disso, o comportamento dos nossos intelectuais da “verdade à medida dos nossos desejos”, face às eleições americanas. Comportamento aliás que não diferiu significativamente do que sucedeu no resto do Velho Continente.

George W. Bush foi permanentemente apresentado como um imbecil, ignorante, burro, em suma, um idiota chapado. Mas não será esta imagem excessiva? Pior, não é isto que os nossos doutos intelectuais têm pensado de todos os presidentes americanos. Carter, quando apostrofou a URSS devido à intervenção no Afeganistão e promoveu o boicote às Olimpíadas de Moscovo, foi igualmente alcunhado de imbecil e idiota. E a redenção do seu QI só começou a ocorrer quando ele se dedicou a missões “politicamente correctas”. De Reagan nem vale a pena falar. Milhões de pessoas desfilaram centenas de vezes, nas avenidas do Velho Continente, protestando coléricas contra a sua política de contenção da URSS, chamando-lhe os nomes mais ofensivos que encontraram nos seus dicionários. Bush pai teve sempre a fama de débil mental, ainda era Vice-presidente. Quanto a Clinton foi objecto das maiores zombarias, pela sua vida privada, e das maiores contestações, pelas suas decisões em matéria de política internacional (ex-Jugoslávia, bombardeamentos no Sudão e Afeganistão, etc.).

E Kerry seria melhor? Jon Stewart, o apresentador do Daily Show e ferrenho anti-Bush, perguntava há meses «porque será que uma mentira de Bush parece muito menos idiota que uma verdade de Kerry?». Kerry, que ao longo da sua vida política se tem notabilizado por uma completa incoerência e pelas cambalhotas mais inesperadas, não seria tentado, se fosse eleito presidente e para mostrar a sua “virilidade presidencial”, a tomar alguma atitude mais drástica que o seu antecessor?

Michael Moore e o seu Fahrenheit 9/11 tornaram-se, até à derrota de Kerry, um ícone para a intelectualidade “de combate e de causas”. Cannes deu-lhe a Palma de Ouro, a distinção máxima. Como é possível premiar aquele acervo de manipulações grosseiras, de omissões intencionais, de colagens forjadas? Leni Riefenstahl também ganhou a medalha de ouro da Exposição Mundial de Paris (1937), mas o seu Triumph des Willens (1935) é uma obra-prima e o seu efeito propagandístico não resulta de colagens forjadas ou de manipulações grosseiras: resulta do poder das imagens e dos acordes musicais, habilmente filmados e montados. Há manipulação pela arte de obter e coordenar as imagens e não pela fraude de colagens forjadas. O Triumph des Willens continuará a ser uma obra-prima do filme propaganda, enquanto o Fahrenheit 9/11 já está no caixote do lixo da História e da arte cinematográfica. Aliás, o Fahrenheit 9/11 estará mais próximo do Der Ewige Jude (1940) que do Triumph des Willens. Aqueles que o elogiavam interrogam-se agora se o filme não teria condensado «um dos erros políticos crassos da "intelligentsia" liberal americana e também da opinião pública europeia, a desconsideração de Bush em termos do chamado "dumb factor": que o homem é ignorante, burro e por aí adiante», como escreveu hoje um dos mais façanhudos «opinativos» (Augusto M. Seabra) e paladinos da “verdade que temos que transmitir”.

E este paladino da verdade “instrumental” mostra-se apreensivo porque se «quis atacar "Fahrenheit" em termos de "verdade" quando, suponho, a questão cinematográfica e ética que se coloca em cada documentário é o modo como interpela o real, para além da mais imediata visibilidade da qual não se deduz uma "verdade" imanente». Esta frase é o grau zero da racionalidade. Mais baixo que isto não se pode descer no totalitarismo informativo. Portanto a verdade não interessa, nem deve ser a medida da validade de um «documentário» ou «exposição de um facto». O que interessa «é o modo como se interpela o real», leia-se «como se distorcem os factos», para deduzir uma «verdade imanente», leia-se «a verdade do “intelectual de causas” liberta do empecilho incómodo dos factos». É esta a gente que defende a liberdade de expressão e verbera a alegada censura dos outros.

Entre a intelectualidade europeia (e portuguesa) o tom em que se fala da derrota de Kerry é o de um desastre civilizacional, não o de um acto em que os mecanismos políticos da democracia representativa funcionaram normalmente. Os jornalistas perguntam angustiados: John Kerry tinha o apoio esmagador dos mídia, ganhou os três debates televisivos com George W. Bush e, no entanto, perdeu. Será que televisões, imprensa e rádio estão a perder influência?

A resposta é simples: a opinião dos jornalistas tem uma influência poderosa. Infelizmente, para eles, influencia sobretudo a própria opinião dos jornalistas. O comportamento do eleitorado português é disso um exemplo paradigmático: em todos os referendos votou sempre contra a opinião dominante nos meios de comunicação.

Infelizmente os paladinos da “verdade a que acham que temos direito” nunca reconhecerão isso. Só após todo o lastro do irracionalismo induzido pelas ideologias que se digladiaram no século XX for destruído, e com ele o pensamento instrumentalizador desses paladinos, é que será possível regressar ao intelectual «campeão do eterno e da verdade universal ... de um princípio abstracto, superior e directamente oposto às paixões políticas».


Ler ainda, sobre este tema:
Romanos, Gregos, Americanos e Europeus
O Falhanço dos Intelectuais Iluminados

Publicado por Joana às novembro 7, 2004 07:59 PM

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Comentários

Vc saiu-me uma "intelectual bem pensante" ( o termo é seu ) !

porque é que em vez de apelidar Fahrenheit 9/11 de "acervo de manipulações grosseiras, de omissões intencionais, de colagens forjadas" ( a direita também utiliza palavras bonitas ! ), não desmonta , um por um , os factos apresentados no documentário 9/11 ?
pode começar por nos esclarecer porque é que Bush e amigos se esforçaram tanto por evitar a ligação entre a Arábia Saudita e o 11 de Setembro, a começar pelo facto de 15 dos 19 terroristas serem Sauditas.
pelo caminho vá-nos explicando o que pensa sobre os mortos - aos milhares e de todos os lados, nomeadamente iraquianos -

Publicado por: zippiz às novembro 7, 2004 08:58 PM

Pela parte que me toca, reservo a minha opinião para o dia em que vir Joana escrever sobre a intelectualidade de direita.

# : - ))

Publicado por: (M)arca Amarela às novembro 7, 2004 09:35 PM

(M)arca Amarela em novembro 7, 2004 09:35 PM

Se bem entendi, Joana não escreveu sobre intelectualidade de esquerda ou de direita, mas sim sobre ética e facciosismo.
Parece-me legítimo perguntar se Aragon, Luckacs, Augusto M. Seabra ou os jornalistas pró-Kerry e anti-Bush serviram ou servem a causa da esquerda e se foram ou são verdadeiros intelectuais de esquerda ou apenas facciosos.

Publicado por: Senaqueribe às novembro 7, 2004 11:02 PM

Excelente Joana absolutamente terrível, e aliás deprimente.

Anda um senhor colunista a ler imensos livros, beber uma quantidade enorme de gins, estudar afincadamente qual a melhor frase para espantar o colega do outro jornal, alinhar-se cuidadosamente pela esquerda do Snob, se possível adquirir um ou outro tique homossexual, para num gesto de elevada magnanimidade indicar a Verdade, e depois ela foge-lhe.

E foge porque nunca almoçou numa tasca onde a televisão está aos berros e só capta atenção quando aparece a bola.
Ou quando nos comboios A Bola é lida pelo próprio e pelo parceiro do banco da frente.

Infelizmente esta gentinha vota.
Distraídos na direita.
Claro que isto podia melhorar se Vasco Pulido Valente escrevesse nos diários desportivos.
Mas ele não gosta de futebol.

Também não gosta dos portugueses!

Publicado por: Carlos Alberto às novembro 7, 2004 11:03 PM

Joana: você está a destruir todos os meus ídolos.
Agora foi o Aragon. Coitado, ao que ele teve que se sujeitar para trocar o surrealismo pelo PC Francês.
Qual será o próximo?

Publicado por: Gpinto às novembro 8, 2004 12:10 AM

Deixemo-nos de conversas tolas. A vitória de Bush será um dia comparada à vitória de Hitler em 1933 - tão democrática como aquela. O processo democrático não é garantia de decisões saudáveis, pelo que é legítimo apontar as consequências de certas escolhas. E é um facto que foi o eleitorado com menos escolaridade que deu a maioria a Bush. Apenas 30% dos eleitores com graus académicos mais elevados votaram nele. Os mais cultos e mais inteligentes não têm de pedir desculpa por serem mais perspicazes nas suas escolhas, e por terem percebido que Bush nos vai conduzir ao desastre. Espero bem que Joana não esteja a sugerir que ser intelectual é um defeito...

Publicado por: Albatroz às novembro 8, 2004 12:41 AM

«Se bem entendi, Joana não escreveu sobre intelectualidade de esquerda ou de direita» (Senaqueribe em novembro 7, 2004 11:02 PM)

Não me parece que isto seja uma questão de entendimento. Joana começa por falar de «Uma parte não despicienda do espectro político da esquerda portuguesa» e acaba a aludir aos «paladinos da “verdade a que acham que temos direito”». Pelo meio semeia o nome de uma série de marxistas. Qual foi a parte que você não entendeu?
Quanto à sua pergunta múltipla, a resposta é um bocado complicada. Na minha opinião, a citação do poema de Aragon só tem cabimento por se tratar de Aragon, um intelectual e um poeta que foi contaminado pelo «vírus da perversão». É claro que o foi temporariamente (o próprio Breton chamou a isso «poesia de circunstância») e Joana, para fazer justiça a Aragon, bem podia ter mencionado todas as tomadas de posição de sinal contrário e que marcaram, de facto, a vida do poeta, como foi, entre muitas outras, a defesa de Rostropovitch.
Sobre Luckacs, Joana ajeita à sua maneira a tese do historiador. O que Lukacs escreveu (em 1923, note-se) foi que só o ponto de vista do proletariado coincide com a objectividade e a verdade – ao libertar-se, o proletariado liberta a humanidade.
É um tudo nada diferente. Aliás, o Luckacs de a História e a Consciência de Classe está longe de ser um «contaminado ideológico», como o prova o facto de a obra ter sido condenada pela direcção do Partido Comunista da Rússia em peso, cabendo a Zinoviev o papel principal.
Além disso, Lukacs fez, já nos anos 60, a crítica da sua própria tese, reconhecendo que «... objectification is indeed a phenomenon that cannot be eliminated from human life in society.»
Durante toda a vida, Lukacs foi olhado de lado pelos zeladores da ideologia comunista. Para essa desconfiança contribuiu a condenação que sempre fez do controlo político dos artistas, a que dá uma expressão bem precisa em O Significado do Realismo Contemporâneo.
Não creio que se possa, sequer, levantar a dúvida se Aragon ou Lukacs são intelectuais e, na minha opinião, são ambos de esquerda, serviram a causa da esquerda e a última coisa que se pode dizer de qualquer deles é que foram facciosos (falo, naturalmente, do conjunto da obra e da totalidade da vida).
Quanto a Augusto M Seabra ou «os jornalistas» assim ou assado, não sei quem são.

Publicado por: (M)arca Amarela às novembro 8, 2004 02:15 AM

Albatroz em novembro 8, 2004 12:41 AM

Joana não diz que ser intelectual é um defeito: o que é defeito é ser intelectual «de esquerda».
Esse defeito é agravado se for um «intelectual marxista».
O grau máximo de vilania é atingido quando se é um «intelectual marxista-leninista». Suponho, mesmo, que neste caso se trata de pseudo-intelectuais.

# : - ))

Publicado por: (M)arca Amarela às novembro 8, 2004 02:22 AM

(M)arca Amarela:
O que escreveu sobre Lukacs e Aragon é, na generalidade, correcto, excepto eu "ter ajeitado ..." (e veja como eram insuficientes as teses da História e Consciência de Classe, que foi mais tarde, em pleno estalinismo, acusada de estar cheio de “desvios”). Todavia, e tomando como exemplo Aragon, não foi a pessoa de Aragon que ataquei, foi o “vírus” malévolo da verdade “instrumental” e da subordinação do pensamento às razões de Estado, e que levou Aragon, naquela época, àqueles extremos.

Também não acusei o marxismo, mas o “marxismo soviético, na sua forma estalinista” e o “marxismo, na sua forma degenerativa corrompida pela praxis político-filosófica”.

Se me preocupei mais com “pensamento da maior parte da esquerda e não só” foi porque ainda é a ideologia dominante hoje em dia, nos meios intelectuais e da comunicação.

A manipulação da verdade na direita e extrema direita é simples. Hitler dizia que depois de vencermos ninguém perguntará se mentimos. O que há de perverso na viciação de verdade pela esquerda (ou por parte dela) é que ela é sustentada teoricamente. Há um corpo de doutrina, que milhares de intelectuais com nomes sonantes aceitaram, que fundamenta essa viciação da verdade. E isso foi, é e será, perverso.

Publicado por: Joana às novembro 8, 2004 09:59 AM

Excelente artigo, debates, tudo.
E concordo que uma coisa é mentir, sabendo que se está a mentir, outra é mentir, acreditando que se diz a verdade, porque tal é justificado pela teoria.

Publicado por: Rui Sá às novembro 8, 2004 10:54 AM

"A manipulação da verdade na direita e extrema direita é simples."

Joana, considera que a FoxNews (ou SkyNews, já agora) é "Fair e Balanced"? É manipulação simples? Ou utilizam justamente as mesmas "regras" que indica aqui de viciação da verdade (simplesmente no outro sentido)?

Sinceramente, penso que a tese de que a esquerda é a "ideologia dominante nos meios de comunicação" é muito simples, muito conveniente, e muito falsa.

Publicado por: João Branco às novembro 8, 2004 10:57 AM

Eu julgo ter percebido a mensagem de Joana, e talvez a imagem mais "tosca" ou "grosseira", desse facciosismo, esteja na contestação - se não me engano à luz do materialismo histórico - das Leis de Mendel, por Lyssenko.

Publicado por: asdrubal às novembro 8, 2004 11:07 AM

Sempre que falam em manipulação de direita falam na Fox. Deve haver muito pouca manipulação de direita!

Publicado por: David às novembro 8, 2004 01:48 PM

David em novembro 8, 2004 01:48 PM

É só impressão sua. Vamos à lista: Marcelo Rebelo de Sousa, Vasco Rato, Nuno Rogeiro, José Pacheco Pereira, «Expresso», Rádio Renascença, TVI, SIC, RTP, Independente, Correio da Manhã, todos os diários económicos...
Já chega?

Publicado por: (M)arca Amarela às novembro 8, 2004 05:14 PM

Absolutamente brilhante... Sem mácula, apenas e só, absolutamente brilhante! É, certamente, das análises mais inteligentes e bem fundamentadas que já li. Por estas (joanas) e por outras, é que deve ser muito deprimente viver num país muçulmano!

Publicado por: MH às novembro 8, 2004 05:14 PM

MH: faço minhas as suas palavras.

Publicado por: VSousa às novembro 8, 2004 06:08 PM

Brilhante este post

Publicado por: Cerejo às novembro 8, 2004 11:57 PM

É pena este blog não ter e divulgação que merece. Este "ensaio" é magnífico.

Publicado por: O S às novembro 9, 2004 11:04 AM

Estou a ver que isto continua o mesmo lazareto mental de sempre. Gabo-lhe a pachorra, (M)arca Amarela...

Publicado por: Luis Rainha às novembro 9, 2004 11:34 AM

De facto, este é um dos melhores blogs portugueses.

Publicado por: Mario às novembro 9, 2004 02:08 PM

Este post está muito interessante. Muito acima da ligeireza blogueira generalista.

Publicado por: Carrilho às novembro 20, 2004 03:16 PM

AUTHOR: Par
EMAIL: huy@mail.nu
IP: 203.151.40.252
URL:
DATE: 03/01/2005 05:48:23 AM

Publicado por: Par às março 1, 2005 05:48 AM

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