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setembro 03, 2004

Paradoxos dos Abortonautas

Paradoxo do Modelo Espanhol

Para mostrar o “atraso” legislativo português face à Europa invoca-se permanentemente a necessidade das mulheres portuguesas se terem de deslocar a Badajoz para aí abortarem com apoio clínico. O populismo tablóide de esquerda agita permanentemente Badajoz como a terra prometida para a libertação do “nosso corpo”. Ora o que é paradoxal é que ninguém se questiona sobre o facto desses abortos se fazerem em Espanha e não em Portugal apesar da legislação actual sobre a IVG ser, excepto em alguns pormenores de prazos, idêntica à espanhola.

Quem ouvir os furiosos do “direito ao nosso corpo” poderá pensar que há diferenças legais entre Elvas e Badajoz. A diferença reside apenas na interpretação abrangente que a classe médica espanhola dá à “saúde materna” como justificação para realizar o aborto. Muitos médicos portugueses consideram essa argumentação desonesta. Aliás muitos médicos portugueses recusam-se a realizar abortos mesmo quando não existem quaisquer dúvidas sobre a sua legalidade face à lei actual. A diferença entre ser ou não ser crime reside apenas na justificação médica apresentada para a realização do acto e não na lei. Não é a nossa lei que é obsoleta, como muitos clamam. A sua interpretação é que faz a diferença.

Não vou escrever que não percebo porque é que os alegados defensores da “mulher” não reclamam a integral aplicação da actual lei, nem porque será que não apoiam a criação de centros médicos para, à semelhança do que sucede em Espanha, realizarem idênticas intervenções clínicas. Não escrevo que não percebo, porque percebo perfeitamente: O populismo tablóide de esquerda apenas tem interesse pela agitação irracional e pelos chavões do seu Parque Jurássico Ideológico. Nem o MST, o sex-symbol da Lapa, escapa a esta influência obscurantista.

Também não vou escrever que não percebo porque nem os meios de comunicação, nem os políticos abortonautas esclarecem esta situação para fundamentarem a exigência de mudanças dentro do actual quadro legal. Percebo perfeitamente: Quer o populismo tablóide de esquerda, quer o populismo tablóide que se dirige às domésticas entediadas, baseiam-se na ignorância e desinformação dos seus receptores. Se esses receptores estivessem esclarecidos ... lá se iam as audiências.

Como pano de fundo de tudo isto prefigura-se a velha pecha portuguesa: quando as coisas não correm de feição há uma panaceia universal – mudar a lei. Ninguém pensa em aplicar devidamente a lei vigente.

Paradoxo dos abortos feitos sem condições sanitárias

O populismo tablóide de esquerda indigna-se com as condições vexatórias e ausência de apoio médico, em meios humanos e materiais, em que decorrem os abortos clandestinos e o risco de vida que tal comporta. É um facto iniludível. Todavia, como alternativa, propõem abortos realizados num pequeno barco, no alto mar, na costa ocidental portuguesa (onde uma pessoa normalmente enjoa, mesmo quando está apenas a desfrutar o prazer turístico), num contentor sem equipamentos médicos de apoio, nem condições de segurança, o que levou um tribunal holandês a interditar semelhantes intervenções a uma distância superior a 20 milhas de um hospital que possua tais meios.

Será que estão à espera que alguma mulher alinhe em semelhante procedimento, a menos que esteja integrada em alguma operação mediática?

De acordo com a lei portuguesa o barco é uma clínica não autorizada e não vistoriada. À luz dos regulamentos da Ordem dos Médicos, qualquer clínica que abra em território nacional tem o dever de o comunicar a uma direcção regional da OM que enviará 2 médicos para fazer uma vistoria. Por sua vez os médicos holandeses que queiram exercer temporariamente actos em Portugal devem inscrever-se previamente na OM, que foi o que sucedeu com os médicos das selecções estrangeiras no Euro 2004. É evidente que, enquanto estiver fora das águas portuguesas, nem o barco nem os médicos estão sujeitos àquelas obrigações, mas uma questão interessante seria saber o que aconteceria se uma das mulheres que eventualmente abortasse em águas internacionais se queixasse à OM em consequência de actos clínicos praticados a bordo.

Paradoxo do Mercado ter mais sensatez que os políticos abortonautas

A JS anda afadigada a ver se afreta um barco para transportar a imensa mole de grávidas que se acotovelam no porto da Figueira da Foz ansiando por emanciparem “o seu corpo”.

Isto sucedeu porque o proprietário do barco “Capitão Capela” se recusou a transportar mulheres grávidas invocando razões de segurança: o «transbordo de pessoas no alto mar é difícil e as mulheres grávidas são casos de risco», afirmou.

Este proprietário tem arrecadado alguns milhares de euros com os políticos e jornalistas abortonautas que demandam o “velo de ouro” do extermínio fetal. Provavelmente nunca fez tanto negócio. A esquerda radical sempre diabolizou a ominosa sede do lucro dos gananciosos capitalistas e os efeitos deletérios do mercado. Por este raciocínio o proprietário do “Capitão Capela” deveria estar agora a promover uma operação publicitária de âmbito nacional com pacotes convidativos de viagens destinados a grávidas. E o papel destinado aos dirigentes da esquerda, tendo em conta os valores éticos que, na sua esclarecida opinião, os diferencia da direita e dos gananciosos, seria o de se empenharem na segurança das pessoas e travarem os excessos e perversões do mercado de transporte de pessoas no alto mar.

Afinal quem está empenhado na satânica sede de lucro mediático são os políticos. Afinal, a sensatez está no funcionamento do mercado e a tontice e ganância está entre os políticos.

Paradoxo dos Abortonautas à deriva

Não me vou pronunciar sobre a bondade da decisão de proibir a entrada do “Barco do Aborto” nas águas territoriais portugueses, nem sobre os fundamentos jurídicos dessa decisão. Do ponto de vista legal, e exceptuando alguns jornalistas e fazedores de opinião, ninguém contestou a fundamentação da decisão do governo português. O próprio governo holandês, apesar de pressionado pelos seus radicais domésticos, reconheceu o direito de Portugal em tomar aquela decisão.

A questão é saber se estrategicamente teria sido a decisão mais acertada. A costa ocidental portuguesa, nomeadamente a zona a norte de Peniche, é caracterizada pela forte ondulação e pelas tempestades frequentes. É a zona mais agreste de toda a costa portuguesa. Observando as dimensões do navio, duvido que, mais dia menos dia, ele não tenha que ser socorrido por razões humanitárias (1) e conduzido a um porto de abrigo. Parece-me que isto será inevitável se a estada do navio se prolongar.

Se o barco for obrigado a ancorar por razões humanitárias, que irá fazer então o governo? Presume-se que tenha um plano de emergência para tal situação. Quando se toma uma decisão devem-se analisar todas as variantes que podem ocorrer na sequência dessa decisão. E o rigor da identificação e avaliação das variantes deve ser proporcional à sensibilidade da matéria. Para tontos já bastam os radicais de esquerda.


(1) Fala-se muito da desproporção de meios, com uma corveta a vigiar o navio. Não sei se também foi essa a intenção, mas Portugal tem deveres para com as embarcações que cruzam as suas águas ou a sua ZEE. Em face da proibição, é preferível estar uma corveta por perto, do que não haver quaisquer meios nas imediações. Todavia, em caso de forte intempérie a corveta pode ser útil no resgate de algum acidentado, mas pode não ser suficiente e o barco do aborto necessitar de se abrigar nalgum ancoradouro.

Publicado por Joana às setembro 3, 2004 08:01 PM

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Comentários

(...) Não é a nossa lei que é obsoleta, como muitos clamam. A sua interpretação é que faz a diferença. (...)

sim, sim somos todos uns ignorantes;
aliás, os JULGAMENTOS estão aí para mostrar que os defensores da DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO são os atrasadinhos a interpretar leis.

(1) quanto à sua nota final ...não precisava ser tão cínica.

Publicado por: zippiz às setembro 3, 2004 10:32 PM

zippiz: os julgamentos são por abortos clandestinos e incidem principalmente nas organizações que os praticam.

O que a Joana escreve sobre a lei em Espanha tenho ouvido a médicos em debates e li ontem e hoje nos jornais. Devia informar-se melhor

Publicado por: David às setembro 4, 2004 01:35 AM

O que chateia certa esquerda mais folclórica, é que se enviem mulheres para a prisão por terem abortado. Pois eu proponho uma pena alternativa: o serviço comunitário obrigatório, durante um ano, em instituição de solidariedade social dirigida à assistência de crianças.

Publicado por: Albatroz às setembro 4, 2004 12:28 PM

zippiz em setembro 3, 2004 10:32 PM:
Na sequência do comentário do David, lembro-lhe o depoimento de um ginecologista num debate realizado há dias na RTP1, o artigo de opinião da autoria de um médico, publicado ontem no Público, uma notícia sobre o aborto em Portugal e em Espanha, igualmente publicada ontem no Público, que inclui estatísticas interessantes, e uma revista da imprensa estrangeira, publicada hoje no Público, onde apresenta excertos de jornais espanhóis que também escrevem que a diferença não está na lei, mas na interpretação que se faz de um e outro lado da fronteira.
O seu comentário vem revelar que há muita falta de informação. Eu própria não me tinha apercebido disso e julgava, antes deste caso, que as leis eram diferentes.

Alguém disse (quem seria?) que uma mentira repetida acaba por parecer verdade. É isso que foi feito pelos desinformadores demagógicos que têm andado estes anos todos a clamar contra a lei.

Publicado por: Joana às setembro 4, 2004 02:42 PM

Albatroz em setembro 4, 2004 12:28 PM:
A sua alternativa parece-me interessante. Pelo menos visava aquelas cujo único objectivo é ficarem livres da chatisse de cuidar do filho.

Publicado por: Joana às setembro 4, 2004 02:45 PM

As verdades custam a saber

Publicado por: Coruja às setembro 4, 2004 08:56 PM

oops! "Chatisse"?

Publicado por: josept às setembro 4, 2004 09:29 PM

se a lei é boa porque a pretendem mudar em 2006 ?
se a pretendem mudar é porque não é boa .
se não é boa deve ser mudada imediatamente.

ah ! já percebi !
é da interpretação !
nós - cdspp/ppdpsd - fizemos uma lei boa , os tribunais é que a interpretam mal e levam a julgamento mulheres que abortam.
********************************
um pouco mais de clarividência por parte do ppdpsd já teria colocado o cdspp no seu devido lugar; um partido com 8% dos votos, nas últimas legislativas e provavelmente com 2 a 3% nas últimas europeias, não pode arriscar a perda do nicho eleitoral mais retrógado da igreja católica.

Publicado por: zippiz às setembro 5, 2004 07:56 PM

Julgo que não percebeu nada, o´zippiz

Publicado por: Rui Sá às setembro 7, 2004 12:25 PM

zippiz em setembro 5, 2004 07:56 PM:
Porque não experimenta informar-se melhor, em vez de aceitar sem dúvidas as teses dos seus mentores ideológicos?

Publicado por: Joana às setembro 8, 2004 07:30 PM

zippiz em setembro 5, 2004 07:56 PM:
E a lei actual não foi proposta pelo "cdspp/ppdpsd" mas sim pela esquerda, nomeadamente pelo PCP

Publicado por: Joana às setembro 8, 2004 07:33 PM

Aquela Rebeca Gompers deve achar-se o máximo.

Publicado por: suzy às setembro 9, 2004 12:10 AM

Tem razão. Basta ler a lei...

Um abraço,
Francisco Nunes

Publicado por: Planície Heróica às setembro 14, 2004 01:23 AM

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