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setembro 22, 2004

A Maldição do Estado

Finalmente o Estado português tomou o caminho que a sua qualificação e o seu destino fatal lhe apontava há meses: as listas de colocação de professores vão ser elaboradas à mão.

Este regresso às origens era óbvio. O Estado português está na pré-história do conhecimento. Informáticas, novas tecnologias, qualificações e empenhamento no cumprimento dos prazos e nos objectivos de qualidade, são vícios das empresas abertas à concorrência internacional e cujo dinamismo tem mantido Portugal à tona da água. O Estado português é o guardião das nossas virtudes ancestrais – do alto da pilha das 50.000 candidaturas de professores, 9 séculos nos contemplam.

Alguns pretendem que o Estado tem-se modernizado e apontam como exemplo os flamejantes automóveis que os directores de serviço têm atribuídos, em vez de seges puxadas por muares lazarentos trotando penosamente pelas calçadas lisboetas. Puro equívoco: basta ver que os motoristas desses veículos ainda não se aperceberam da diferença entre um BMW Série 7 Berlina e uma sege ou, no caso dos directores gerais, de uma caleche. Carregam no acelerador com o mesmo denodo e sentido das responsabilidades com que chicoteariam as alimárias.

E a ministra prometeu que, com o recurso ao trabalho manual, em menos de uma semana as listas estariam prontas. O que um programa comprado com alto discernimento tecnológico, avalizado por profundas reflexões ministeriais, assessorado pela nata dos técnicos de uma empresa topo de gama da informática, fertilizado pelo suor do imenso staff asilado no Ministério da Educação, não conseguiu fazer em 7 meses, propõe-se agora a ministra fazer, à mão, em 6 dias úteis ... porque ao sétimo descansará, como o Criador.

Louvemos a providencial ministra que diz conseguir que funcionários públicos do Ministério da Educação executem, em 6 dias, aquilo que nunca conseguiram executar em menos de 4 ou 5 meses, noutras ocasiões, e anos a fio, e sem ser apenas à mão.

Será que a ministra já se apercebeu das consequências da sua decisão e das suas promessas? Se o seu desiderato for conseguido, como explicarão depois os funcionários públicos porque razão costumam executar tarefas idênticas num prazo 20 vezes mais dilatado? Estarão os funcionários em questão dispostos a subirem, pelo próprio pé, ao pelourinho da opinião pública? Estarão dispostos a darem um tiro tão certeiro ... nesse mesmo pé? Hum ... Receio que não ... receio que a ministra nos fins de Setembro ainda se veja obrigada a mendigar mais um adiamento.

E, no entanto, o caso não seria virgem. Quando se pede um documento numa conservatória, notário ou repartição, dão-nos, de imediato e com voz peremptória, um prazo de 2 ou 3 semanas. Todavia, se for municiada com um advogado conhecido, a funcionária vai lá dentro, faz uma fotocópia, rabiscam uma assinatura, põe um selo branco e entrega a certidão ... 3 a 5 minutos. A proporção é a mesma.

Mas a ministra terá que ser prudente, porquanto a responsável será sempre ela. Os trabalhadores nunca têm qualquer responsabilidade. Quando pairou o boato que a primeira cabeça a rolar seria a de Joana Orvalho, directora-geral dos Recursos Humanos do Ministério da Educação, logo os sindicalistas se empenharam, com os olhos orvalhados pelas lágrimas, em entoar cânticos de louvor àquela dedicada funcionária que estava a gozar merecidas férias enquanto outros, dia e noite, andavam às marteladas ao programa para ver se punham aquilo a funcionar.

Não ... os trabalhadores do Estado nunca têm qualquer culpa dos maus desempenhos do aparelho do Estado: é sempre culpa dos ministros e secretários de Estado (e de algum assessor nomeado por aqueles). Isto é um postulado inatacável que só neoliberais empedernidos questionam. Os governos mudam e o mau desempenho continua – de quem é a culpa? Do governo ... do próximo governo ... do seguinte ... etc.. (e de todos os anteriores)

E de facto têm razão ... mas por motivos contrários: os sucessivos governos têm a culpa do péssimo desempenho da função pública porque sempre lhes escasseou a coragem de criarem mecanismos que a obrigassem a um desempenho melhor. Também têm a culpa de ela estar mal gerida, mas não por a gerirem mal: quem a gere é ela própria, através dos seus quadros superiores, mas por nunca terem tido a coragem de criarem mecanismos para promoverem os melhores gestores e implementarem os procedimentos para aqueles estarem obrigados a gerirem-na com eficiência.

Publicado por Joana às setembro 22, 2004 10:38 PM

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Comentários

joana ,
este governo , que vai fazer as colocações de professores à mão , é o mesmo que prometeu reuniões governamentais por video-conferência ?

Publicado por: zippiz às setembro 22, 2004 10:52 PM

O Estado devia ser fechado para obras.

Publicado por: Coruja às setembro 22, 2004 11:51 PM

zippiz em setembro 22, 2004 10:52 PM
Se a instalação dos equipamentos for toda feita em outsourcing, se nenhuma “mão da função pública” se puser lá, então não vejo qual é o problema.

Publicado por: Joana às setembro 22, 2004 11:53 PM

Adenda:
Note zippiz que para além das insuficiências informáticas, houve os enganos de preenchimento dos professores e houve o facto da maioria dos formulários não ter entrado por via informática e não ter sido concebido para leitura óptica. Isso obrigou o ME a contratar tarefeiros para introduzirem os dados e sabe-se lá os erros que foram cometidos.

Tenho alguma experiência informática (aliás acumulei numa empresa anterior, durante 2 anos, o cargo de Directora Informática com o meu pelouro principal) e digo-lhe que é muito complicado consertar um programa que nasce torto, quer por erros, quer por modificações impostas durante a sua execução. Às vezes é preferível começar tudo de princípio. E garanto-lhe que tenho algum conhecimento de causa.

Publicado por: Joana às setembro 22, 2004 11:55 PM

Não há dúvida que tentar fazer da ministra um bode expiatório é uma completa chicana política e falta de vergonha

Publicado por: Gpinto às setembro 23, 2004 12:04 AM

E uma grande injustiça

Publicado por: Gpinto às setembro 23, 2004 12:05 AM

certo,
mas vejo aí uma culpabilização da “mão da função pública” ; o costume para os defensores da "mão invisível".
e onde fica a empresa privada , cotada e com os últimos 2-3 anos de prejuizos ?

ps: como alguém perguntava hoje no Público : mas não há mais ninguém para presidentes de AGerais, Administradores, Secretários , etc , que não sejam sempre os mesmos Coutos , Guedes, Machetes e outros politicos , no activo ou não ?
Só este tipo de gente é que é competente ?

Publicado por: zippiz às setembro 23, 2004 12:05 AM

Zippiz:
Por acaso conheço razoavelmente bem o Rui Machete (a mulher dele foi colega e continua sendo amiga da minha mãe). Parece-me um sujeito sério e honesto.
Por outro lado, um Presidente duma AG não tem qualquer função executiva na empresa. Limita-se a presidir às Assembleias dos accionistas, uma ou duas vezes por ano e, eventualmente, dirimir algum conflito de natureza processual durante as reuniões.
O Rui Machete não deve ter rigorosamente nada a ver com esta questão.

Publicado por: Joana às setembro 23, 2004 12:22 AM

certo,
mas vejo aí uma culpabilização da iniciativa privada; o costume para os defensores da estatização;
e onde fica a administração pública, cujos prejuizos são há 30 anos subsidiados pelos contribuintes ... todos nós?

Publicado por: Joana às setembro 23, 2004 12:27 AM

Acho interessante essa concepção de Estado abstracto, no qual não existe uma cara ou uma responsabilidade, como se o Estado não fosse composto (ao nível das camadas administrativas decisórias) pelos boys do PSD (principalmente), PS e CDS-PP...

Publicado por: aZElha às setembro 23, 2004 12:44 AM

Ó aZELHA, você fala do Estado como se percebesse alguma coisa do que lá se passa. O que diz são só estereotipos

Publicado por: Nereu às setembro 23, 2004 12:59 AM

Com esta incompetência não vamos a lado nenhum

Publicado por: Sargão às setembro 23, 2004 08:53 AM

Ora bem, isto é quase um pescadinha de rabo na boca (perdão, de cauda nos lábios...).
Porque, se a Função Pública funcionasse realmente bem, seria capaz, ela própria, de criar mecanismos de constante aperfeiçoamento do seu desempenho. E o ministro seria supérfluo.
Aliás, todo o governo seria perfeitamente dispensável, para grande alívio de todos os cidadãos.
Não é verdade?

Publicado por: Senaqueribe às setembro 23, 2004 09:49 AM

Ó Senaqueribe, você alguma vez trabalhou numa empresa? Acha que as empresas em auto-gestão funcionam? Tem que haver um patrão (ou PDG), mesmo para as chefias intermédias funcionarem

Publicado por: Hector às setembro 23, 2004 10:23 AM

Até prova em contrário eu não acredito nos «problemas informáticos» que levaram a ministra da educação a decidir-se pela execução «à mão» da lista de colocação dos professores.
Posso estar muito enganado, mas a minha convicção baseia-se em dois aspectos:
Primeiro, o programa informático de ordenação, a partir de uma base de dados, parece-me, apesar de alguma complexidade, ao alcance de programadores médios e até sem grande experiência.
Segundo porque se a empresa estivesse em dificuldades rapidamente arranjaria solução, dentro da sua própria organização ou pelo recurso a especialistas do mercado.
Portanto, este raciocínio leva-me a pensar que o problema residirá na panóplia de critérios fixados pelos ministros em Decretos, Portarias e Despachos, alguns deles inconciliáveis ou até mesmo contraditórios, levando a que, nos inúmeros casos em que tal ocorre, o resultado seja aleatório.
A ser correcto, este cenário levar-nos-á, dentro de dias, a mais uma catástrofe, quando os professores começarem a constatar que a lista manual também está errada.

Publicado por: Nilson às setembro 23, 2004 12:52 PM

Um desastre, o Estado que nós temos

Publicado por: jumentus às setembro 23, 2004 02:04 PM

Na verdade, quando se diz que o Estado que temos é um desastre... não será a expressão mais correcta. Melhor será dizer-se que, a mediocridade dos governos que temos elegido, trouxeram o Estado ao estado em que ele se encontra.
Ainda que responsável, porque votei ou não, sou parte deste Estado mas, não sou responsável pelo estado "de coisas" a que "isto" chegou.
São os vários governos (de paupérrimo nível) que, se dizendo capazes, nos traíram como se sabe, pela mentira, pela incompetência e pela ganância.
Que nos resta, senão votar (ou não) em listas (parecem) nacionais, todas elas muito coloridas mas... todas iguais!?
Seria possível, numas próximas eleições, "importar" gente honesta e capaz , com sentido de Estado, para nos liderarem na reconstrução deste destroçado país!?
Os brasileiros... parecem serem bons dirigentes...
diversas são as áreas... dentistas, publicistas e marketing, administradores de empresas, etc... Temos, porém, os espanhóis muito mais à mão...já nos vão "liderando" a (se existente) economia... já agora...
Claro, resta-nos o sarcasmo, a ironia... Penso que, não há volta a dar-lhe...
Como sempre, teremos aquilo que merecemos!

Publicado por: D. Pedro X às setembro 23, 2004 04:04 PM

Joana em setembro 23, 2004 12:27 AM

por acaso a sra Cardona não teria lugar de responsabilidade e direcção numa empresa privada ?

Competente, por competente teria ido para uma multinacional .
não acha Joana ?

esta decisão de BFelix de "colocar à mão" Cardona na CGD, só lhe pode dar (a si Joana) razão para continuar a desacreditar o sector público/empresarial do estado , como aliá Vc se esforça por mostrar todos os dias.

Publicado por: zippiz às setembro 23, 2004 08:06 PM

Celeste Cardona, que foi algo decepcionante como ministra, tinha uma carreira na privada brilhante. Julgo que arrecadava 4 ou 5 mil contos por mês, provavelmente mais que o que vai ganhar na CGD.
Porque é que não se preocupa igualmente com o socialista que lá continua?

E se a CGD não mudar de regulamentos, estes administradores arriscam-se a uma reforma choruda.

Há uns 20 anos o meu pai foi, durante julgo que 4 anos, vogal de um Conselho de Administração de uma empresa pública. Foi no fim da época do Bloco Central. Ele contava, com o sorriso de quem tem 40 anos e vê a reforma muito ao longe, as piruetas que dois dos colegas dele do CA, próximos da reforma (um deles era um político, do PS, então muito conhecido, hoje ainda vivo, mas esquecido), faziam para se reformarem com aqueles vínculos, pois teriam direito a uma reforma bastante choruda ... em termos actuais próxima dos valores que o Mira Amaral conseguiu.

Você fala ... fala, mas esquece-se que nada é novo sobre a terra.

E depois há aqueles que comem e depois mordem a mão que os alimentou (vide M Portas, J Soares e a campanha para Lisboa)

Publicado por: Joana às setembro 23, 2004 09:15 PM

Ó Hector, das duas uma: ou você não sabe ler ou então sabe mas só leu o meu post.

Publicado por: Senaqueribe às setembro 23, 2004 09:17 PM

Joana em setembro 23, 2004 09:15 PM

Lá isso é verdade !
alguma coisa têm aprendido com Guterres .

e a respeito da CMLisboa eu gostava era de ver esclarecido aquela cena dos votos "mal contados".

ps: e perca essa mania de me identificar como oposto de quem critico; isto para não me vir dizer de seguida que eu sou "perdido" pelo jsoares !

Publicado por: zippiz às setembro 23, 2004 09:24 PM

Não mas é perdido pelo M Portas. E a forma como ele se portou para com J Soares durante a campanha foi eticamente pior do que aquilo que ele atribui e critica aos políticos de direita.

Publicado por: Joana às setembro 23, 2004 10:36 PM

É o Estado-Vampiro

Publicado por: Coruja às setembro 23, 2004 11:49 PM

joana,
espero que consiga recuperar o post anterior...

Publicado por: zippiz às setembro 24, 2004 12:18 AM

joana,
espero que consiga recuperar o post posterior...

Publicado por: zippiz às setembro 24, 2004 12:18 AM

joana,
espero que consiga recuperar o post posterior...

Publicado por: zippiz às setembro 24, 2004 12:19 AM

Recuperação de posts? É a nova política de construção?

Publicado por: David às setembro 24, 2004 09:57 AM

Afinal a J Orvalho e compinchas é que andavam a sabotar tudo, ao que consta

Publicado por: Coruja às setembro 25, 2004 10:24 PM

També quem manda deixar xuxas em lugares chave dos ministérios?

Publicado por: Coruja às setembro 25, 2004 10:25 PM

A Joana Orvalho já havia trabalhado com diversos governos. Não só do PS

Publicado por: c seixas às setembro 26, 2004 02:03 PM

Pois, a Direita já é trouxa há muitos anos

Publicado por: Coruja às setembro 26, 2004 03:22 PM

Isso já se sabia, que a Direita era trouxa

Publicado por: AJ Nunes às setembro 26, 2004 06:32 PM

Nunca mais se ouviu falar das listas.
Vou-me fartar de rir com o que vai aparecer

Publicado por: VSousa às setembro 28, 2004 05:43 PM

Corrijo. Já foram colocadas na net.
Mas vou-me fartar de rir com os erros.
E a ministra a aparecer com a corda ao pescoço!

Publicado por: VSousa às setembro 28, 2004 05:46 PM

Com 20% dos professores a pedirem destacamento. Em Bragança forma 90% (em Vimiso apena 1 não pediu - o mais antigo e que vai ficar em último lugar).
Com tudo isso, deve estar cheia não de erros, mas de vícios.

Publicado por: Raimundo às setembro 29, 2004 12:27 AM

Afinal bastou um gajo expedito que esteve 6 dias a fazer um programa e 2 dias a corrê-lo e já está.
Para que servem os cretinos que estavam há 7 meses a fazer cera? Deviam serem todos despedidos.

Publicado por: Coruja às setembro 29, 2004 10:13 PM

Ú nosso Gov. está a por a saldo os serviços públicos, que eram constitucionais e garantidos pelo estado. São os lobies, o que é isto?. Agora foi a Ex-JAE; Ex-IEP,ICOR e ICERR, e IEP, quanto nos custa estas mudanças todas. É uma vergonha

Publicado por: u terrível às outubro 8, 2004 03:05 PM

"Ó aZELHA, você fala do Estado como se percebesse alguma coisa do que lá se passa. O que diz são só estereotipos"

Até posso não perceber, mas com essas explicações aprofundadas e ricas em matéria também não vou passar a saber mais...

Publicado por: aZElha às agosto 26, 2005 01:08 PM

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