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agosto 16, 2004

Suma Polvológica

Segundo uma peça jornalística do JMF publicada hoje na secção Férias do Público os pescadores de Tavira e arredores são especialistas na apanha do polvo que por ali abunda, mas como não é apreciado localmente vendem-no para o norte do país, onde é muito apreciado no Porto e Matosinhos.

Toda esta história indicia que o José Manuel Fernandes fez uma viagem meteórica com o mestre João Manhita e saiu dali com o material verbal discorrido pelo pescador para fazer apressadamente uma peça jornalística, que apareceu primeiro em livro e agora, adaptada, no seu jornal. E isto é ser indulgente. Outra hipótese é o mestre João Manhita ter contado aquela história numa tarde soalheira e dormente, à mesa de uma esplanada, a troco de umas cervejas geladas, douradas e espumosas e o JMF só ter visto polvo em restaurantes (do norte) e em incunábulos escolásticos.

Porque a verdade é que o polvo é dos alimentos principais na composição das ementas do Sotavento algarvio: polvo entomatado, salada de polvo, pastéis de polvo, polvo cozido, etc. Na semana gastronómica de Tavira, que se realiza em Junho, entre os elementos que obrigatoriamente devem figurar nas ementas dos restaurantes concorrentes, estão, à cabeça, aquele ilustre cefalópode e o atum.

Inclusivamente os íncolas (principalmente o pessoal mais ligado à faina marítima) secam o polvo e estão continuamente a cortarem pedacinhos com os canivetes e a mascarem aquilo com grande satisfação.

Quanto aos polvos serem estúpidos é uma ilação superficial. O polvo esconde-se debaixo de conchas grandes, pedras, ou potes ou pedaços de barro e fica aí incrustado. Um leigo que o observe nessa situação apenas julga que se trata de algum resíduo que está agarrado ao barro.

Há uns dez anos sucedeu-me uma aventura curiosa. Estava tranquilamente a nadar quando vi uma vieira (concha que é o emblema da Shell) enorme e bonita. Mergulhei e apanhei-a. Tinha a concavidade suja, mas limpava-se depois ... pensei eu. Para a trazer para terra alojei-a de forma a não prejudicar os movimentos natatórios ... não digo onde porque não pretendo entrar em concorrência com o blog «Meu Pipi».

Quando me estava aproximar da zona com pé senti que algo se estava a passar na concha. Tirei-a precipitadamente e verifiquei que uns tentáculos começavam a emergir desajeitadamente daquele resíduo confuso incrustado na concha. Era um polvo!! O primeiro instinto do desastrado cefalópode foi agarrar-se ao braço que empunhava a vieira. Depois deve ter-se apercebido que aquilo era certamente um tentáculo de um animal mais predador que ele e acabou por se despegar completamente da concha e fugir. Fez bem porque quem estava sem saber o que fazer era eu: a sensação daqueles tentáculos viscosos a enroscarem-se ao longo do braço é muito incómoda e nada tranquilizadora. Além de que precisava daquele braço para nadar ... a menos que eu quisesse fazer concorrência ao Camões e o polvo aos manuscritos dos Lusíadas. Felizmente o polvo tinha escassos interesses literários e desistiu dessa rábula.

O polvo não é estúpido. Apenas tem determinados hábitos que são aproveitados por outros animais, colocados mais acima na hierarquia racional, e que transmitem esse conhecimento, à mesa das esplanadas, a alguns animais colocados a meio daquela escala hierárquica.

Publicado por Joana às agosto 16, 2004 08:58 PM

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A vaca
por Vasco Pulido Valente

Jorge Sampaio, e o ministro de Estado e da Presidência (com a tutela da Comissão da Igualdade para os Direitos das Mulheres), Nuno Morais Sarmento, resolveram publicar ontem nos jornais duas redacções, talvez para mostrar que poderiam perfeitamente ter passado o 9.º ano. Bem sei que estamos na silly season, mas de qualquer maneira convém não exagerar. A redacção do Presidente da República versa sobre «O espírito dos Jogos Olímpicos e o nosso tempo», um assunto que de quatro em quatro anos milhares de professores com certeza sugerem na esperança desesperada de entreter as crianças. Sampaio, um aluno esforçado, fala da Grécia, fala de Roma, fala da «herança», não se esquece de uma notazinha patriótica e compara o Império Romano à União Europeia. Há frases como esta: «Se a democracia grega radica no "lógos", na razão política e no debate público entre os cidadãos e os seus representantes, já a matriz da civilização romana repousa na regra ou "jus".» Toda a gente pode ver que, embora confuso e muito ignorante, o rapaz «se interessa». Nota: 11. Morais Sarmento com outra ambição, e a propósito de uma «Carta» do Vaticano aos bispos da Igreja Católica, disserta sobre a «mulher». Sarmento acha a dita carta um «hino» à «maternidade» e explica com ardor a importância da «maternidade». Ele não considera a «mulher» inferior, de maneira nenhuma. Só não a considera «como um ser à parte, como se de uma peça se tratasse». Para ele, chegou a «hora» das «mulheres capazes de conciliarem a vida familiar e a vida profissional». Coisa que ele declara, não se percebe porquê, «um desafio fascinante». Sarmento ainda vai conseguir ser quase, quase um intelectual. Nota: 12. Com estes percursores não tarda aí uma redacção do primeiro-ministro A Vaca: «A vaca dá bifes. Eu cá gosto de bifes. A vaca dá leite. O leite dá manteiga. Eu cá gosto de manteiga. Eu cá gosto da vaca.»

Publicado por: zippiz às agosto 17, 2004 12:51 AM

Obrigada zippiz. Eu aqui não costumo ler o DN.

Publicado por: Joana às agosto 17, 2004 05:03 PM

Tenho reparado que o JMF anda a repetir nos editoriais coisas que lê no jornal dele nos dias anteriores.
O sujeito deve estar com o tal síndrome do bei de Túnis.

Publicado por: Valente às agosto 18, 2004 03:05 PM

Eu também conheço alguns restaurantes aí e servem muito polvo e atum. E o peixe grelhado? Uma maravilha

Publicado por: David às agosto 19, 2004 07:20 PM

AUTHOR: Grey
EMAIL: grey@arrivo.br
IP: 195.117.196.6
URL:
DATE: 02/27/2005 08:58:04 AM

Publicado por: Grey às fevereiro 27, 2005 08:58 AM

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