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agosto 31, 2004

O Neoliberal Vital Moreira

Há uma semana (Público, 24-08-04) Vital Moreira dava ao lume um texto “Debates Socialistas” em que se comprazia com a possibilidade de as moções em discussão levarem a um «debate fecundo» num partido que, ao contrário dos seus congéneres europeus, tem dado pouco ênfase a esta matéria, preferindo centrar a controvérsia em meia dúzia de palavras de ordem que o tempo se encarregou de esvaziar de significado, tornando-as chavões ressequidos, mas que servem de biombo ao objectivo único de encontrar um líder capaz de levar o partido ao poder.

O que aquele texto tinha de interessante era a contradição entre a satisfação mostrada por Vital Moreira pelas propostas «inovadoras» de Manuel Alegre relativas ao «Estado estratega» e as suas teses de que «Nem a candidatura de Manuel Alegre pode permitir-se ignorar e deixar de responder aos novos desafios que as mudanças sociais, económicas e políticas da última década, em Portugal, na Europa e no Mundo, trouxeram». Ora as propostas de Manuel Alegre, quer sobre a Saúde, quer sobre a Segurança Social, quer ainda sobre o papel «insubstituível» do Estado, não traziam nada de inovador relativamente às «velhas pechas socialistas» na «competência na governação económica, a disciplina financeira e a eficiência da gestão pública» (limito-me a citar Vital Moreira). Parecia que a satisfação de Vital Moreira seria prematura.

Hoje, igualmente no Público, Vital Moreira escreve sobre “A Questão dos Serviços Públicos”. O que há de interessante (para mim) e curioso (em face do anterior pensamento do constitucionalista coimbrão) é que eu subscreveria quase tudo o que Vital Moreira escreve a nível de propostas.

Também eu subscrevo (aliás tenho-o escrito aqui por diversas vezes) que «não é possível continuar a ignorar o desafio que a chamada “nova gestão pública” veio trazer no que respeita ao desempenho da gestão pública tradicional, baseada ... na falta de autonomia e da avaliação e responsabilização das unidades prestadoras. O desperdício e ineficiência são o melhor argumento contra os serviços públicos». Igualmente tenho advertido que «há um problema do limite dos recursos financeiros para enfrentar as crescentes exigências dos serviços públicos».

Mas Vital Moreira, na sua iconoclastia hodierna, vai por aí fora, arrebatado, cavalgando o pensamento neoliberal em desvairado galope, de alabarda em punho e viseira cerrada, carregando impiedoso sobre o Estado Social. Nada escapa à sua transfiguração em “flagelo do Estado-Providência” que tanto acarinhou in illo tempore: a gestão dos serviços públicos deve ser «melhorada» «mediante a introdução de formas de gestão empresarial e de “mecanismos de tipo mercado”» ... a crescente participação de entidades privadas no sector público «incluindo as de natureza lucrativa, seja em cooperação com entidades públicas (“parcerias público-privadas”), quer inclusive como substitutos do Estado na prestação de cuidados e prestações sociais». Todos os piedosos ícones da visão socialista do Estado Social são fragorosamente demolidos e reduzidos a cinzas por este novo e fervoroso advogado do neoliberalismo.

Porém Vital Moreira recusa essa designação. No conflito do “ser ou não ser” neoliberal, Vital Moreira “é neoliberal”, de acordo com o rótulo que os seus correligionários colam na testa de quem advoga semelhantes proposições, e “não é neoliberal”, de acordo com o que ele considera como definidor da «alternativa neoliberal»:a «alternativa mais estreme, que exalta o sistema norte-americano». À laia de providência cautelar, Vital Moreira esculpe uma imagem neoliberal adequada para mostrar que ele cai fora desse rótulo desonroso e aviltante. Neoliberal? Vital Moreira? Nunca! O que ele esquece, ou finge esquecer, é que as propostas de reforma do modelo social europeu, que têm sido diabolizadas como neoliberais pelos seus correligionários, não têm nada a ver com a exaltação de um “estreme modelo americano”, mas são similares às que ele advoga no seu artigo de hoje.

É verdade que as considerações que Vital Moreira tece sobre a progressiva falência do modelo social europeu, tal como foi estabelecido ao longo das “3 décadas de ouro”, são condizentes com o que tenho escrito aqui em diversos registos: «o crescente aumento de custos» dos «serviços e prestações sociais públicos universais e gratuitos» ... o efeito do «aumento considerável da idade média das pessoas», etc..

Mas as conversões rápidas deixam sempre sequelas. O peso da tradição estatizante ainda tem muita força ... Vital Moreira refere como um dos efeitos que levaram aos problemas com que se debate o modelo social europeu é «a contestação da eficiência do modelo tradicional de gestão pública» ... Vital Moreira, o efeito é «a contestação da eficiência» ou a ineficiência propriamente dita? Ineficiência que aliás Vital Moreira reconhece noutro passo do artigo. E mais adiante, quando refere que «o fim do modelo fiscal em que o sistema assentava» foi devido à «contestação da progressividade fiscal» e à «competitividade fiscal internacional, que levou à baixa da carga fiscal», voltamos à questão de saber se o efeito foi o peso fiscal, que tem retirado competitividade às empresas europeias face à emergência dos novos países industrializados, ou foram as “queixinhas” relativas à carga fiscal.

A questão é saber se Vital Moreia assimilou as causas profundas da actual situação económica e social relativamente à qual ele advoga as medidas em apreço, ou se advoga essas medidas apenas porque lhe parece que há actualmente muitas “contestações” aos valores que ele anteriormente defendia. E essa questão é pertinente: tomam-se medidas porque são “racionalmente” necessárias, e não porque estão na moda. Tomar medidas porque estão na moda tem conduzido aos maiores disparates e, em alguns casos, levado à ruína das nações.

Publicado por Joana às agosto 31, 2004 09:19 PM

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Comentários

Vital Moreira há alguns anos que anda azedo. Tão azedo que criou um blog ...
Isto sem desmerecer a Joana ...

Publicado por: Coruja às agosto 31, 2004 11:48 PM

Vital Moreira é um dos mais esclarecidos intelectuais portugueses

Publicado por: c seixas às setembro 1, 2004 02:35 PM

Coruja em agosto 31, 2004 11:48 PM:
Registo ... o azedume como causa primeira da blogomania

Publicado por: Joana às setembro 1, 2004 07:55 PM

c seixas em setembro 1, 2004 02:35 PM:
Vital Moreira é sem dúvida alguma um homem sensato e esclarecido. O que não invalida que eu esteja, frequentemente, em desacordo com ele.

Publicado por: Joana às setembro 1, 2004 07:59 PM

Então Joana ? nem uma palavra a defender o PPortas nesta batalha naval que está a travar em defesa da saúde pública , do território , da integridade da nação , dos bons costumes e da fé deste Irão católico , à beira mar plantado !?

Publicado por: zippiz às setembro 1, 2004 08:39 PM

O VM ainda tem uma costela comuna e isso não te cura

Publicado por: Coruja às setembro 2, 2004 12:37 AM

Joana, eu disse que não era consigo aquilo do azedo

Publicado por: Coruja às setembro 2, 2004 12:38 AM

A graxa destes gajos é nojenta

Publicado por: Cisco Kid às setembro 2, 2004 10:46 AM

A graxa destes gajos é nojenta

Publicado por: Cisco Kid às setembro 2, 2004 10:46 AM

Do blog causa nossa:
«O neoliberal Vital Moreira»
Observasse eu a virtuosa regra da sabedoria grega antiga sobre o esforço de autoconhecimento (nosce te ipsum, na sua corrente tradução latina) e seguramente não teria caído na verdadeira armadilha que armei a mim mesmo. Presumia eu pertencer politicamente à tradição da esquerda europeia que apoia o modelo de "Estado social" e o modelo social europeu, e afinal vejo-me agora comprometedoramente descoberto na minha verdadeira identidade neoliberal. É essa pelo menos a sagaz opinião aqui expressa [Nota: VM refere-se ao meu blog] (de que só agora tomei conhecimento). O corpo-de-delito é constituído especialmente por este meu texto sobre os serviços públicos, uma peça que obviamente tresanda a neoliberalismo por todo o lado.
Ora, pior que um neoliberal assumido são os neoliberais que se ignoram (na melhor das hipóteses) ou que se dissimulam (na pior). Agora desmascarado, ficam todos avisados. Tudo o que eu defendo tem afinal escondida a nefanda "agenda" neoliberal. Apreciem pois severamente os julgadores este réprobo, que aguarda serenamente o veredicto e eventual condenação dos guardiães da ortodoxia, limitando-se humildemente a oferecer o merecimento dos autos (além do texto em causa, também, por exemplo, este, este e este).

Publicado por: Joana (transcrição) às setembro 22, 2004 07:29 PM

Como não consegui afixar o comentário no «causa nossa», porque não percebi com aquilo funciona, deixo aqui o comentário:

Não sou defensora de qualquer ortodoxia e seria a última a proferir qualquer veredicto baseado num qualquer escolasticismo.

Procurei fundamentalmente mostrar, com alguns condimentos à mistura, que o rótulo de neoliberal aplicado a quem defende modificações nos serviços públicos no sentido de uma maior eficiência é apenas uma forma de envenenar o debate, citando para isso alguém (o VM) que nunca poderia ser acusado de tal, mas que afinal cai nos mesmos "pecadilhos" de defender um melhor (e menos dispendioso) Estado, embora com algumas (pequenas) contradições que assinalei.

Publicado por: Joana às setembro 22, 2004 07:32 PM

O Vital Moreira deu-se ao luxo de te responder? Nem isso merecias

Publicado por: Cisco Kid às setembro 24, 2004 04:36 PM

O Vital Moreira deu-se ao luxo de te responder? Nem isso merecias

Publicado por: Cisco Kid às setembro 24, 2004 04:36 PM

Como ex aluno do professor Vital Moreira considero-o uma pessoa esclarecida e merecedora dos mais elevados elogios. É um homem que faz falta ao país.

Publicado por: Filipe Botelho às outubro 6, 2004 01:23 PM

Dear Vital,
I agree with all the comments praising you as one of the most "illuminated" Portuguese intellectuals. Actually I do not know many in Portugal but out of the European ones I know, you are for sure among the most illuminated.
I take this opportunity however, to ask if you could come back to me on a few E.MA matters of an urgency nature. If E.MA was your first love, remember: "il primo amore non si scorda mai".
Cheers
Elisabetta

Publicado por: Elisabetta Noli às janeiro 10, 2005 10:18 AM

Esta é o máximo. Só para ler isto vale a pena frequentar blogues

Publicado por: Dear Vital às janeiro 10, 2005 10:41 AM

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Publicado por: pacific às maio 15, 2005 05:52 PM

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Publicado por: party às maio 16, 2005 04:45 PM

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Publicado por: empire às maio 20, 2005 01:27 PM

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Publicado por: pacifico às maio 30, 2005 03:26 PM

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Publicado por: party às maio 31, 2005 11:20 AM

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Publicado por: pacific às maio 31, 2005 01:24 PM

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Publicado por: holdem às junho 1, 2005 12:51 PM

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Publicado por: poke às junho 1, 2005 03:19 PM

Comparando a despesa que você indicou (em % do PIB), e a despesa indicada no estudo (estimada visualmente a partir do gráfico - curva pontilhada e não após ser alisada), ter-se-ia:

Anos....Suas....Gráfico....Razão
1985....57,1%....55,0%....1,0379
1986....55,6%....54,0%....1,0287
1987....55,0%....52,0%....1,0585
1988....57,8%....48,0%....1,2044
1989....40,8%....42,0%....0,9711
1990....44,3%....41,0%....1,0802
1991....48,7%....43,0%....1,1332
1992....48,5%....45,0%....1,0785
1993....49,1%....44,5%....1,1040
1994....48,4%....41,0%....1,1796
1995....45,8%....39,5%....1,1599
1996....49,7%....37,5%....1,3243
1997....46,4%....35,0%....1,3257
1998....39,8%....35,0%....1,1357
1999....51,4%....32,0%....1,6058
2000....31,6%....34,0%....0,9294
2001....31,9%....33,0%....0,9677
2002....33,6%....35,2%....0,9555

Os valores que você recolheu andam, na maioria dos casos, próximos, mas têm flutuações que não são compagináveis com os restantes dados. Ou seja não será a "despesa pública" tal como é definida pelos critérios da Eurostat, e portanto, não será a comparável com a Belga

Publicado por: Albat2 às junho 8, 2005 12:02 PM

Albatroz:
Em seguida estão os valores que indicou, o deflactor do PIB, o PIB a preços correntes, o rácio entre os seus valores e o PIB a preços correntes, a taxa de desemprego e o défice. Estes valores têm como fonte os relatórios do FMI
...........DP..p.corr..Deflact.PIB.....PIB.p.corr.....DP/PIB.....Desemp.....Défice
1985.....14.364.504......60,1%......25.163.000.....57,1%.....17,3%.....-10,2
1986.....14.836.877......63,3%......26.709.000.....55,6%.....17,0%.....-10
1987.....15.693.286......65,5%......28.512.000.....55,0%.....16,8%.....-8,1
1988.....17.746.024......68,4%......30.696.000.....57,8%.....16,3%.....-4,3
1989.....13.998.911......72,2%......34.323.000.....40,8%.....15,0%.....-2,3
1990.....16.089.298......70,4%......36.327.000.....44,3%.....12,9%.....-2,8
1991.....18.369.420......71,3%......37.698.000.....48,7%.....14,7%.....-2,9
1992.....19.477.796......73,5%......40.132.000.....48,5%.....15,1%.....-3
1993.....21.256.648......77,3%......43.269.000.....49,1%.....15,7%.....-2,7
1994.....22.458.257......78,2%......46.435.000.....48,4%.....14,7%.....-2
1995.....24.067.856......81,2%......52.530.000.....45,8%.....12,2%.....-2,1
1996.....28.752.544......82,8%......57.898.000.....49,7%.....11,9%.....-0,1
1997.....31.075.461......86,4%......66.973.000.....46,4%.....10,3%.....1,5
1998.....30.839.013......91,9%......77.581.000.....39,8%.....7,6%.......2,3
1999.....45.967.950......95,4%......89.457.000.....51,4%.....5,6%.......2,5
2000.....32.568.009.....100,0%.....103.065.000....31,6%.....4,3%.......4,4
2001.....36.863.102.....105,7%.....115.433.000....31,9%.....3,8%.......0,9
2002.....43.046.944.....110,4%.....127.992.000....33,6%......4,4%.....-0,4
Os valores que indicou não devem ter a mesma base de cálculo que os valores qu são dados para a despesa pública. Em primeiro lugar não é crível um aumento de 50% entre 1998 e 1999, para depois regressar ao ponto de partida. Em segundo lugar, esse pico não teve qualquer influência no défice, o que seria estranho, pois obrigaria a um aumento de 50% das receitas, o que seria impossível na prática.

Publicado por: Albat1 às junho 13, 2005 02:58 PM

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Publicado por: top às junho 13, 2005 06:10 PM

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Publicado por: free às junho 13, 2005 06:21 PM

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Publicado por: rules às junho 13, 2005 06:26 PM

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Publicado por: pacific às junho 14, 2005 11:28 AM

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Publicado por: party às junho 14, 2005 11:36 AM

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Publicado por: play às junho 14, 2005 01:07 PM

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Publicado por: free às junho 20, 2005 03:13 PM

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Publicado por: keno às junho 20, 2005 06:13 PM

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Publicado por: room às junho 21, 2005 09:49 AM

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Publicado por: free às junho 22, 2005 01:17 PM

A.

Publicado por: free às junho 22, 2005 03:22 PM

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Publicado por: how às junho 24, 2005 11:36 AM

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Publicado por: free às junho 24, 2005 11:42 AM

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Publicado por: play às junho 24, 2005 12:58 PM

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Publicado por: free às junho 24, 2005 02:59 PM

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Publicado por: VMM às junho 27, 2005 03:19 PM

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Publicado por: AntiVital às junho 30, 2005 10:30 AM

Lixo

Publicado por: VMM às julho 1, 2005 08:55 AM

Lixo

Publicado por: VMM às julho 4, 2005 03:58 PM

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Publicado por: free às julho 5, 2005 12:12 PM

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Publicado por: free às julho 5, 2005 02:11 PM

...

Publicado por: rules às julho 5, 2005 02:17 PM

?

Publicado por: black às julho 8, 2005 06:21 PM

Lixo

Publicado por: Rave às julho 10, 2005 09:49 AM

Lixo

Publicado por: VMM às julho 11, 2005 10:15 AM

Lixo

Publicado por: VMM às julho 13, 2005 07:27 PM

Lixo

Publicado por: VMM às julho 14, 2005 04:46 PM

Lixo

Publicado por: AntiVital às julho 18, 2005 07:51 AM

Este tipo é um traidor

Publicado por: AntiVital às julho 19, 2005 09:33 AM

Lixo

Publicado por: AntiVital às julho 19, 2005 09:53 AM

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