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agosto 01, 2004

Debate para todos os gostos

O debate do programa de Governo decorreu com toda a normalidade. Santana Lopes, os ministros, as oposições e os meios de comunicação pareciam personagens de um espectáculo devidamente encenado, em que cada um sabia as suas deixas, as suas marcações, os seus tempos de entrada. Tudo perfeito na sua previsibilidade.

Santana Lopes foi o que cada um esperava dele. Se as crónicas tivessem sido escritas dias antes do debate, diriam exactamente a mesma coisa. Se a oposição se tivesse equivocado na data e discursado dias antes, diria exactamente o mesmo. Nada de surpresas.

Santana Lopes é, por natureza, um imediatista que assentou toda a sua carreira política numa invulgar capacidade de improviso e numa enorme intuição política. Como os grandes improvisadores, não tem paciência para estudar com profundidade os dossiês. Provavelmente nem julga necessário fazê-lo. Nesse ponto é aliás similar a Mário Soares, que sempre preferiu igualmente circunscrever-se às generalidades políticas do que embrenhar-se pelos meandros áridos, cansativos e embaraçosos dos números e estatísticas.

Tal como Mário Soares, Santana Lopes está mais à vontade a reagir e a responder aos ataques dos seus adversários do que a produzir discursos aprofundados e elaborados. Por via disso, os meios de comunicação bem pensantes presentearam-no com todos os epítetos adequados a quem está atacado de exclusão cultural e intelectual: «respondeu quase sempre ao lado ou ignorando mesmo as questões concretas»; «discurso ... desconexo e projectando uma imagem displicente .. desconhecimento dos dossiers e assuntos com que era confrontado ... pelo facto de não avançar os números, as percentagens».

Aliás, Santana Lopes deve evitar beber água e, acima de tudo, não respirar durante os seus discursos. Uma das críticas mais perspicazes que provou a sua «insegurança» foi a existência de «pausas feitas para respiração, beber água». Todavia deve ser fácil para Santana Lopes evitar futuramente estes embaraços. Como o homem tem uma clara aversão a discursos longos, deverá sair-se bem da prova de apneia que terá doravante que realizar em simultâneo com os seus futuros discursos parlamentares. E isto apesar de se tratar de um quarentão à beira dos cinquenta e debilitado pelo fumo, pelo álcool e pela “nite” das discotecas da kapital.

Foi neste cenário que os meios de comunicação bem pensantes também colaboraram nesta produção magnífica. A sua tónica foi que Santana Lopes «passou ao lado dos problemas do país e deixou a Barreto, Bagão, Portas e Aguiar Branco, a tarefa de discutir as orientações programáticas» ...foi realçar «a vacuidade que mora na cabeça do novo titular de São Bento» ... foi acentuar «o pouco que sabe sobre alguns dos grandes problemas que vai encontrar».

Ora o papel que Santana Lopes tinha distribuído a si próprio era exactamente aquele, liberto de papéis, e acentuando a sua faceta de tribuno. Para os números, as estatísticas, os dossiês relativos às diversas áreas, há os ministros: Morais Sarmento, Álvaro Barreto, Bagão Félix, Paulo Portas, Aguiar Branco, António Mexia, etc.. A intuição e o improviso são qualidades importantes num político desde que bem apoiadas numa segunda linha que assegure as competências específicas.

Numa organização, empresarial ou política, cada um faz aquilo em que é competente (ou aquilo em que é ... menos mau) e actua consoante a posição que ocupa. É estulto estar a acusar Santana Lopes de ter agido como se o governo fosse uma estrutura organizada, porquanto a delegação de competências não significa necessariamente «vacuidade», «ignorância», etc. (embora não exclua tal). Mas afirmar que essa condição é suficiente significa, em contrapartida, «vacuidade» e «ignorância» de quem produz tais afirmações.

A oposição também se prestou a não destoar neste espectáculo. O BE e o PCP agiram como é seu hábito. Quem sabe que não vai governar e ser responsabilizado pelas soluções que propõe torna-se naturalmente irresponsável e demagogo.

O PS agiu como um partido que está preso nas suas próprias contradições. O PS esteve dois anos a contrariar a política de contenção da despesa pública, cavalgando a impopularidade que essa contenção causava. Mesmo durante o «período de reflexão» do PR, em que havia uma forte possibilidade de eleições antecipadas e Ferro Rodrigues já andava em pré-campanha eleitoral, o PS evitou cuidadosamente falar da contenção da despesa pública, antes referindo a sua aposta no reforço dos «objectivos sociais» com o que sabemos do que isso significou em termos de despesa no anterior governo PS.

Sendo assim, o PS, acusando embora PSL de populismo, comportou-se sempre defendendo posições populistas e demagógicas. Tem portanto dificuldade em acusar a coligação de menor empenho na contenção orçamental, quando ele próprio nunca mostrou qualquer intenção de prosseguir esse objectivo, antes pelo contrário. Não pode extrair significado despesista da saída de Manuela Ferreira Leite quando ele próprio foi, durante os dois anos de actuação da ex-ministra, um dos seus maiores detractores.

Concluindo, Santana Lopes renovou os compromissos do governo anterior: equilíbrio das finanças públicas, combate à fraude e evasão fiscal e aumento da produtividade e competitividade. Em contrapartida enterrou o discurso da tanga. Veremos se a economia lhe permite que não o tenha que ressuscitar. Em qualquer dos casos o discurso do novo governo conseguiu dar uma imagem de ruptura com o governo anterior, mesmo quando falava de continuidade.

Foi uma postura pragmática que mostrou a capacidade que o PSD tem em suceder a si próprio, dando a imagem de um partido diferente, com novas prioridades e atitudes. Santana Lopes quer ganhar as eleições de 2006.

Publicado por Joana às agosto 1, 2004 11:39 PM

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Comentários

Todos, menos o meu

Publicado por: Rui Silva às agosto 2, 2004 09:22 AM

Também achei muito fraco. Todos!

Publicado por: casimiro às agosto 2, 2004 11:32 AM

Eles sabiam que estavam a falar para ninguém.
Poucos ligaram aos debates.

Publicado por: Tsé-tsé às agosto 2, 2004 12:32 PM

Tirando o Prof Marcelo

Publicado por: Tsé-tsé às agosto 2, 2004 12:33 PM

Teste.

Publicado por: Micho às agosto 2, 2004 03:16 PM

Já nem me lembrrava do debate!

Publicado por: Sargão às agosto 2, 2004 03:49 PM

Não há dúvidas, o país esteve-se nas tintas para os debates

Publicado por: Tino às agosto 2, 2004 08:23 PM

Joana "santanetes" no seu melhor !
(...) os meios de comunicação bem pensantes (...)

ainda bem que os meios de comunicação portugueses são todos controlados por bem pensantes (a começar pelo arquitecto Saraiva) e por perigosos esquerdistas (tipo JMFernandes)

só a Joana para nos animar neste verão santanista !

Publicado por: zippiz às agosto 2, 2004 08:39 PM

É bem possível,mas eu seria mais contundente. Afinal trata-se de um assunto bastante sério. A própria conjuntura condiciona os resultados, bem sei, mas de qualquer modo o dever está acima de tudo. Dir-me-ão que há exemplos contraditórios, como os recém noticiados, mas de facto qualquer análise isenta concluirá pela veracidade intrínseca da questão fundamental, a qual, recordemos, se não afasta dos primeiros indícios que surgiram há perto de dois anos. E os tribunais também pouco conseguiram fazer perante a falta de factos provados, pese embora a boa vontade demonstrada pelos políticos e pela própria população, que mais uma vez esteve à altura do que dela se esperava. Enfim, diria que a situação é grave mas não desesperada, e que com paciência e boa vontade certamente seremos capazes de mais uma vez ultrapassar este obstáculo que, embora se nos apresente como inexpugnável, mais não é do que um escolho no difícil caminho da democracia pluralista.De qualquer modo há que tomar em linha de conta a transversalidade de qualquer medida que venha a ser adoptada. Se é certo que as alianças estratégicas sugerem uma actuação que demonstre inequivocamente a nossa solidariedade europeia, a natureza atlântica de alguns dos assuntos em discussão motiva uma reflexão ao nível da globalização dos resultados expectáveis, mesmo considerando o estatuto em que alguns países não alinhados decerto se irão escudar tendo em vista o seu gradual afastamento de situações porventura conflituosas.Já o mesmo se não afiançar relativamente ás novas democracias asiáticas e mesmo do médio oriente, como é o caso do Iraque, muito embora o seu actual estágio de desenvolvimento possa desde já deixar descortinar grandes mudanças para melhor no status da democracia como sistema político de vanguarda.Mas enfim, vamos aguardar calmamente o desenrolar dos acontecimentos, sendo certo que o resultado decerto se enquadrará no que é legítimo esperar em situações do tipo da que aqui se analisa.Bem, de facto é possível que aconteça!Mas não concordo com a análise menos conservadora, que coloca expectativas muito para além do que o próprio conselho das Nações Unidas adiantou. É que se bem que o voto da Rússia esteja garantido, dificilmente os países anteriormente seus satélites que integravam a URSS alinharão e aprovarão o documento que contém a directiva 3456, e mesmo a República Popular da China já deixou claro que só após a integração de Taiwan aceitaria subscrever a mesma. Ora Taiwan não estará decerto pelos ajustes, e mesmo Hong Kong e Macau já possuem exércitos de libertação constituídos com o objectivo democrático de retornarem ao seu estatuto de protectorados coloniais. Se bem que a Austrália e a Nova Zelândia, ricas em cangurus e em coalas, estejam a ponderar a infestação do sudeste asiático com estas espécies, tendo já tentado contratar o Xanana para fazer cruzamento de espécies nesse sentido.

Publicado por: Átila às agosto 2, 2004 11:29 PM

Concordo plena e transversalmente com o Átila.

Publicado por: aj ribeiro às agosto 3, 2004 12:20 AM

E digo mesmo mais: estou de acordo e partilho essa certeza comigo próprio.

Publicado por: aj ribeiro às agosto 3, 2004 12:21 AM

Caro aj ribeiro,

Pois um grande bem-haja pelo seu apoio transversal. Quando nos dedicamos à análise profunda destes assuntos por toda uma vida sabe bem vermos o nosso esforço reconhecido.

Mais uma vez obrigado e continue a ler!

Átila

Publicado por: Átila às agosto 3, 2004 01:13 AM

O debate foi o espelho do país actual, descrente e sem chama

Publicado por: c seixas às agosto 3, 2004 09:24 AM

De acordo, c seixas

Publicado por: Damião às agosto 5, 2004 12:39 PM

Pois, infelizmente o seixas tem razão

Publicado por: Filipe às agosto 6, 2004 04:17 PM

AUTHOR: luba
EMAIL: azad@home.com
IP: 217.110.35.24
URL:
DATE: 03/01/2005 02:48:44 AM

Publicado por: luba às março 1, 2005 02:48 AM

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