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maio 10, 2004

Nem com cão, nem com gato

Em Janeiro escrevi aqui que era «importante salvar a Sorefame, o know-how que ela tem e que se deve pôr a imaginação a funcionar para, no quadro institucional vigente e dentro das obrigações internacionais do país, encontrar uma solução para a manutenção daquela empresa e do seu quadro de efectivos».


Como não frequento a política e me limito a opinar num blog para meu entretenimento pessoal, posso permitir-me banalidades, pois uma afirmação assim, repetida em público e sempre despida de qualquer conteúdo operacional, é uma banalidade. Todavia, Sampaio, o Presidente da República, ao afirmar aos trabalhadores da fábrica da Amadora que o «Governo deve fazer qualquer coisa de decisivo para manter o património industrial da Bombardier ... além disso, é uma actividade industrial de qualidade» não disse apenas uma banalidade. Ao dizê-la na qualidade de PR, tornou-a uma banalidade demagógica.

Não foi certamente por coincidência que, na mesma altura, se anunciava que a CP e a EMEF poderiam assegurar a manutenção da fábrica da Bombardier, na Amadora. A figura que estaria a ser estudada pelos Ministérios da Economia e dos Transportes passaria pelo sector público empresarial assumir a manutenção da produção nas instalações da Amadora. O objectivo do Governo seria «encontrar uma solução que evite a descontinuidade da capacidade instalada de produção de comboios na Amadora e a salvaguarda dos postos de trabalho». E Carlos Tavares, prudentemente, adiantou que «tem de ser uma solução economicamente viável. Não basta ter a empresa, ela tem de vender a alguém».

Ora a EMEF é uma empresa do grupo CP que opera na área da manutenção e reparação de material circulante. Tem uma coisa em comum com a Bombardier – Sorefame: tem problemas de falta de encomendas. Teve outra coisa em comum: Ambas concorreram, em consórcio, à renovação de 57 comboios da linha da Azambuja, e perderam.

A EMEF, com falta de encomendas, arrendou parte das suas oficinas do Entroncamento à Alsthom, justamente quem vencera esse concurso.

A CP, patrona da EMEF, é, como é do conhecimento público, um dos maiores sorvedouros do dinheiro dos contribuintes. A CP foi um case-study da má gestão de uma empresa ferroviária, tendo tido honras de constar do currículo de algumas universidades estrangeiras pelas piores razões possíveis.

Pretende-se salvar a Sorefame pelo know-how que ela tem. Mas o know-how não é algo estático; vive da permanente inovação tecnológica e qualificação dos recursos humanos. Mas a inovação tecnológica não convive com uma cultura empresarial que recusa o risco, que se preocupa mais em proteger aquilo que está instalado do que em substituir aquilo que se tornou obsoleto. Em suma, uma cultura não-empresarial.

«Salvar» a Sorefame atrelando-a à CP faria com que o know-how actual se tornasse, pouco a pouco, obsoleto. Não se salvaria o know-how, pois este desapareceria, e a manutenção dos postos de trabalho só seria assegurada desviando fundos de projectos mais viáveis e inovadores, para os enterrar num poço sem fundo. Ou seja, aquilo que os governos portugueses mais têm feito nas últimas décadas.

É fácil dizer que se «deve fazer qualquer coisa de decisivo»: Qualquer um de nós sabe dizer isto, desde que dotado de fala. O que é difícil é fazer algo «decisivo» e «economicamente viável». O PR caiu na banalidade demagógica. É grave, mas não se espera do PR que decida coisas. É grave apenas, porque se esperaria que o PR revelasse algum bom senso e contenção.

Mas o governo não pode (ou não devia) cair na armadilha das promessas demagógicas. Porque é ao governo que cabe decidir, e as decisões do governo têm reflexo no bolso dos contribuintes. O governo não pode estar a criar mais elefantes brancos à custa dos contribuintes. Uma das mais importantes promessas eleitorais, que aliás tem constituído um refrão dos sucessivos governos desde a adesão à UE, foi a de «menos Estado e melhor Estado». As sucessivas incompetências governativas têm impedido o «melhor Estado». Que a demagogia não nos retroceda para «mais Estado».

Diz-se que quem não tem cão caça com gato. Mas isso é válido para quem sabe caçar. Quem não sabe caçar, não vale a pena tentar caçar nem com cão, nem, muito menos, com o gato.

Publicado por Joana às maio 10, 2004 09:42 AM

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Comentários

Então qual a solução? Deixar falir?

Publicado por: Rui Pereira às maio 10, 2004 05:07 PM

Parece-me que a alternativa não é entre salvar a Sorefame ou deixá-la falir, porque salvá-la para a tornar em mais uma CP sai mais caro que o subsídio de desemprego, porque passa a ser uma espécie de subsídio de desemprego para os actuais e para outros que forem entretanto admitidos

Publicado por: Novais de Paula às maio 10, 2004 05:48 PM

Caro Rui Pereira, nem tudo tem solução nesta vida. Há coisas que não são problemas, são apenas fenómenos naturais, acontecimentos, ocorrências, existências. Por isso não têm que ter solução, ponto final.

Publicado por: Senaqueribe às maio 10, 2004 06:05 PM

Finalmente a Joana confessou que passa o tempo aqui a escrever banalidades

Publicado por: Cisco Kid às maio 11, 2004 12:21 AM

Mas eu não acho banalidade dizer que é decisivo salvar a Sorefame, mesmo atrelada à CP.
Não vejo queé que isso tem de mal.

Publicado por: Cisco Kid às maio 11, 2004 12:22 AM

Acho que o Novais de Paula e o Senaqueribe têm razão. O problema da Sorefame decorre da nossa fragilidade industrial. Se tivéssemos uma indústria pujante, o caso Bombardier seria encarado como um “acidente” sem as dimensões catastróficas com que está a ser encarado.

Devemos concentrarmos na solução do problema de fundo e não tentar resolver a questão da Sorefame de qualquer maneira, nem que seja à custa dos contribuintes.

O caso Sorefame é um sintoma e não a doença em si.

Publicado por: Joana às maio 11, 2004 10:19 AM

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Publicado por: chips às fevereiro 19, 2005 06:57 PM

AUTHOR: luba
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DATE: 03/01/2005 02:55:37 AM

Publicado por: luba às março 1, 2005 02:55 AM

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