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maio 31, 2004

Fouché Duque de Otranto

A oposição entre Fouché (e Talleyrand) e Napoleão começa a tornar-se mais evidente à medida que o desejo de paz entre os franceses é contrariado pela continuada política bélica do Imperador. Fouché e Talleyrand pensam na França; Napoleão pensa na sua glória pessoal. A resistência à obsessão guerreira de Napoleão aproxima Fouché e Talleyrand, que não nutriam qualquer estima um pelo outro. Ambos têm um pensamento claro e positivo. Ambos são discípulos de Maquiavel, realistas e cínicos. Ambos passaram pela escola da Igreja e pela escola da Revolução. Ambos têm nervos de aço e são isentos de quaisquer escrúpulos no que respeita a dinheiro e a honra. Ambos serviram com a mesma infidelidade Igreja, Revolução, Directório, Consulado, Império, Monarquia.

Apenas diferem pela origem e comportamentos: Talleyrand era de origem nobre e Fouché de origem plebeia. Talleyrand ama o dinheiro como um personagem de alta estirpe, para o gastar nos prazeres da vida; Fouché ama o dinheiro como um capitalista, para o economizar e obter juros, continuando a viver de forma espartana; Talleyrand é um espírito ágil, um improvisador e um analista brilhante, Fouché é um espírito analítico e um calculista lúcido e frio baseado na informação que, com trabalho árduo, pacientemente recolhe e tria.

O desencadear da guerra da Espanha, na tentativa insensata de colocar no trono espanhol um irmão incapaz, marca a aproximação entre os dois mais notáveis e hábeis ministros de Napoleão. Fouché pressentiu que aquela guerra iria transformar a Espanha, de aliada dócil, numa enorme Vendeia. E Napoleão, que até então se sentia seguro pela hostilidade que reinava entre Fouché e Talleyrand, ao saber do encontro público entre aqueles dois conspiradores profissionais, regressa imediatamente de Espanha, insulta ambos e despede o menos indispensável: Talleyrand.

Fouché mantém-se em funções e salvou a França. Com Napoleão ausente em Viena, os ingleses desembarcam em Walqueren e tomam Flessinga, na Holanda. Perante a incapacidade dos ministros em tomar decisões na ausência do amo, é Fouché quem convoca os guardas nacionais, organiza a defesa, obtém para Bernadotte o comando das operações militares e consegue a derrota dos ingleses. Quando os colegas julgavam que o Imperador o iria punir por tomar decisões sem esperar a aprovação do amo, Napoleão aprova a sua conduta e fá-lo Duque de Otranto.

Mas Fouché tem a sua própria política. A paz era indispensável para manter o statu quo e a estabilidade das instituições e conservar os Bourbons longe do poder. Com esse objectivo entabula negociações secretas com o gabinete de Saint-James para avaliar a hipótese de um tratado de paz. A Inglaterra era o Deus ex-machina da oposição ao Império napoleónico. Nunca havia reconhecido o Império, subsidiava as potências continentais para fazerem a guerra, mantinha em Portugal um dispositivo militar que se revelou invencível e que poderia servir de base para uma campanha contra o sul da França, arregimentava e subvencionava agentes monárquicos para destabilizar a sociedade francesa desejosa do fim de tantas e tão sangrentas guerras, aspirando ardentemente pela paz. Áustria, Rússia e Prússia faziam a guerra, perdiam a guerra, voltavam a fazê-la, voltavam a perdê-la, mas a Inglaterra permanecia incólume, sempre por detrás de todas as guerras e de todas as conspirações contra Napoleão. Quando Napoleão soube das diligências de Fouché, demitiu-o e substituiu-o por Savary, Duque de Rovigo. Entre 1810 e 1813, Fouché ficará sem funções ministeriais. Aquando da demissão Fouché teria declarado: «O profeta predisse que dentro de 40 dias Nínive será destruída. Mas eu poderei predizer, sem receio de enganar, que em menos de 4 anos o império de Napoleão deixará de existir».

Savary era um cortesão incompetente, um fanático destituído de engenho. Enquanto Napoleão estava na Rússia, dá-se a tentativa de golpe de estado de Malet. Além de não a detectar, Savary deixa-se aprisionar pelos golpistas, o que o cobre de ridículo. A facilidade como Malet, general obscuro, e mais dois generais em situação de detenção, desprovidos de meios, se conseguem apossar das sedes do poder em Paris mostrou a fragilidade das instituições imperiais e a incompetência do ministério na ausência do Imperador. A fragilidade dos autocratas reside em que não conseguem obter o servilismo e simultaneamente a competência.

Napoleão vê-se forçado a transigir com Fouché, mas, entre o reconhecimento da sua competência e o receio da sua capacidade conspirativa, apenas lhe dá funções que o mantenham longe de Paris. Quando os aliados entram em França e cercam Paris, Fouché regressa rapidamente, mas comete um erro político: chega tarde – quando entrou em Paris já esta havia capitulado, o Senado havia proclamado Luís XVIII rei (4-04-1814), Napoleão abdicado em Fontainebleau e Talleyrand chefiava o governo provisório. Chegar tarde demais, ainda que apenas 4 dias, é um dos piores erros políticos!

Ninguém lhe liga, ninguém quer nada com ele, Fouché parecia ter-se tornado despiciendo. Todavia a insensatez dos Bourbons e da alta nobreza que regressara, uma mistura de despotismo e anarquia, e a perseguição encarniçada a quem tinha servido o império e a república, criou rapidamente um enorme mal estar em França e deu origem a que conspirações se começassem a desenhar. Os Bourbons pareciam não ter aprendido nada com a revolução, com o longo exílio e com o facto de só terem regressado a França atrás das baionetas dos aliados. O cenário estava construído para o regresso de Napoleão que, da ilha de Elba, estava ao corrente do que se passava no continente e do sentimento geral da população francesa.
Fouché doc-186.jpg
Quando Napoleão, menos de um ano depois do regresso dos Bourbons, abandona a ilha de Elba e desembarca na Provença, aqueles que passavam ao largo de Fouché acotovelam-se agora pressurosamente na sua residência solicitando que ele salve a Monarquia. Sugerem-lhe uma pasta num eventual governo do Duque de Richelieu. Fouché não aceita porque sabe que, naquela altura, já nada havia a fazer. Responde habilidosamente que a sua «aceitação na hora presente seria nociva aos interesses do Rei». Apenas Fouché conseguiria trocar as voltas ao partido do Rei assegurando que lhe estava a fazer um favor! «Salvem o Rei, que eu me encarrego de salvar a monarquia», teria então dito. Mas a verdade é que os Bourbons não tinham apoios para se oporem a Napoleão. Haveria que esperar pelos inevitáveis erros de Napoleão.

O «Ogre de Corse» entrou assim sem resistência em Paris, após todos os exércitos enviados contra ele se terem passado para o seu comando.

Publicado por Joana às maio 31, 2004 09:55 AM

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Comentários

Joana, para quando o "Regresso de Fouché"?

Publicado por: riuse às maio 31, 2004 10:21 AM

A Joana foi à Feira do Livro?

Publicado por: SL às maio 31, 2004 11:06 AM

Este tipo era maquiavélico.

Publicado por: Dominó às junho 2, 2004 10:30 AM

Este gajo foi tudo. Para quando as novas aventuras de Fouché?

Publicado por: Guarani às junho 4, 2004 08:52 AM

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