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março 15, 2004

Os Idos de Março de Hitler

Março foi um mês emblemático no percurso de Hitler para o poder e para a guerra.

1 - Em 1933, Hitler foi indigitado chanceler num governo onde os nazis eram muito minoritários. Para governar conforme os seus desígnios, esta minoria não servia a Hitler. Do lado de Hindenburg, o presidente, não poderia contar com apoio. Hindenburg detestava Hitler, que designava por «böhmische Gefreite» (literalmente “cabo da Boémia”). A sua estratégia passou pela utilização dos meios legais para ampliar os seus poderes, enquanto esperava a morte do velho marechal.

Estavam marcadas eleições para 5 de Março. O clima de pânico propício para mobilizar o eleitorado para defesa da tranquilidade pública foi dado pelo incêndio do Reichstag (segundo as evidências, obra dos próprios nazis) em 27 de Fevereiro e pela campanha contra os comunistas (acusados do incêndio) que se seguiu imediatamente. Talvez por essa pressão as eleições tiveram uma participação recorde. O NSDAP teve 44% (288 mandatos em 647) e precisava de 50 lugares para a maioria absoluta. Foi fácil: apesar de muitos dos seus dirigentes terem sido presos, os comunistas tinham obtido 81 lugares. O KPD foi dissolvido, os seus bens confiscados e os seus mandatos no Reichstag cassados.

Em 24 de Março, o Reichstag (reunido no edifício da Garnisonskirche - «Tag von Potsdam» - as sessões seguintes, raras, passaram a realizar-se na Kroll-Oper) aprova a Ermächtigungsgesetz (Lei de plenos poderes, incluindo revisões constitucionais). A partir daí, nas raras vezes em que era convocado, o Reichstag passou a ser um mero auditório para representações políticas.

Dias antes, em 14 de Março, Goebbels havia assumido a pasta de «Reichsminister für Volksaufklärung und Propaganda» (literalmente Ministro do Esclarecimento Público e da Propaganda).

2 – 7 de Março de 1936: A ocupação da Renânia, referida em texto anterior.

3 – 12 de Março de 1938: As tropas alemãs entram na Áustria – Anschluss (União).

A anexação da Áustria pela Alemanha não pode ser vista pelos olhos actuais. Durante séculos a casa de Áustria deteve igualmente a soberania do Império Alemão (I Reich) dissolvido por Napoleão. Durante o século XIX as tentativas de reunificação alemãs tiveram como protagonistas, quer a Prússia, quer a Áustria. A batalha de Sadova entregou a Alemanha à Prússia.

Nos últimos 50 anos do Império austro-húngaro, havia entre a minoria alemã, cada vez com menos peso nos destinos do império, à medida que progredia a democracia representativa, uma forte corrente que olhava a Alemanha como uma eventualidade preferível aos Habsburgos. Curiosamente os húngaros revelavam-se os adeptos mais convictos da monarquia dual: eles precisavam dos alemães para manterem uma maioria face aos povos eslavos que habitavam a monarquia.

Os tratados de paz a seguir ao fim da guerra (Versalhes, S. Germain e Trianon) tinham despedaçado a Áustria-Hungria e dispersado os “alemães” pela Áustria, pela Checoslováquia, onde constituíam mais de um terço da população da Boémia, e por outros países. Por isso mesmo era interdita a reunião entre a Áustria e a Alemanha. As potências vitoriosas sabiam que esse seria um dos cenários mais prováveis, em face da situação em que ficava a Áustria.

O processo de anexação da Áustria iniciou-se pela constituição de um forte partido nazi, entretanto interdito e passado à clandestinidade. Em 1934 o chanceler Dolfuss é assassinado e é descoberto um plano de insurreição das SA austríacas. As potências europeias (incluindo a Itália) reagiram negativamente e a Alemanha ainda estava no início do rearmamento: Hitler mandou regressar o embaixador alemão em Viena, alegadamente comprometido na ocorrência, e desaprovou a acção.

A situação precipitou-se em 1938. Em Fevereiro, em Berchtesgaden, o chanceler Schuschnigg aceitou as exigências de Hitler, amnistiando os nazis austríacos presos e aceitando a entrada de Seyss-Inquart, o chefe nazi austríaco, para o governo, como ministro do Interior. Este processo corre em simultâneo com o aumento do poder de Hitler na Wehrmacht – o Marechal von Blomberg é destituído de ministro da Guerra após terem sido descobertas revelações sobre o passado de Erna Grühn (1), com quem casara semanas antes, em segundas núpcias, e de cujo casamento Hitler e Goering haviam sido padrinhos; o General von Fritsch, comandante supremo do exército é destituído por “suspeita” de homosexualidade. Hitler assume o comando supremo das forças armadas. Também nos Negócios Estrangeiros o moderado Barão von Neurath sai, entrando von Ribbentrop. Von Blomberg, von Fritsch e von Neurath haviam sempre manifestado grandes reservas e mesmo objecções aos planos do Führer. A sua saída, em Fevereiro de 1938, nazificou inteiramente as chefias políticas e militares da Alemanha. Na mesma remodelação Funk passou a sobraçar a pasta da Economia e Keitel tornou-se chefe único do Alto Comando.

Mas na Áustria, país católico e com uma importante minoria judia, havia um forte oposição aos nazis e, obviamente, à união com a Alemanha. Sob a influência dessas forças, Schuschnigg anuncia a 9 de Março, um referendo para o domingo, 13 de Março. Hitler não podia sujeitar-se aos resultados duvidosos de referendo e decide-se pela intervenção militar, apesar das hesitações das chefias militares. Mussolini, informado previamente por Schuschnigg sobre a decisão do referendo, declara: «é um erro, se o resultado for satisfatório, dirão que não é genuíno; se for mau, a situação do governo torna-se insustentável; se for indeciso, então ainda será pior».

No dia 11 a situação precipitou-se. Seyss-Inquart comunica a Schuschnigg um ultimato alemão exigindo a anulação do referendo. Schuschnigg decide-se pelo adiamento, mas é-lhe exigida a renuncia ao cargo e a nomeação de Seyss-Inquart. Schuschnigg resolve resignar mas, entretanto (12 de Março), as tropas alemãs entram na Áustria sem encontrar resistência. No dia seguinte, na sua cidade natal de Braunau, Hitler proclama a dissolução da República da Áustria e a integração desta no Reich.

3 – 15 de Março de 1939: o golpe de Praga
Aquando dos acordos de Munique relativamente à anexação dos Sudetas pela Alemanha, em Setembro de 1938, Hitler havia declarado que «não queremos um único checo». Todavia, a fraqueza militar checa, que perdera as suas defesas fronteiriças, e o separatismo eslovaco eram uma tentação muito forte. Hitler aposta no separatismo do governo eslovaco, presidido por Monsenhor Tiszo. Mas em 10 de Março, o governo checo, informado do complot de Bratislava, destitui Tiszo. Tiszo vai a Berlim onde pede o apoio de Hitler. É redigido uma minuta de um telegrama onde as autoridades eslovacas solicitam a intervenção do Reich.

O presidente checo, Hacha, em face da situação, pede uma entrevista a Hitler que se realiza na noite de 14 para 15. Entretanto, a Eslováquia havia, no dia 14, proclamado a independência e pedido a protecção do Reich o que fazia com que a Boémia-Morávia ficasse geograficamente isolada do mundo exterior. Hacha era um homem de saúde muito debilitada, tendo perdido a consciência por mais de uma vez durante as conversações. Não tinha qualquer hipótese de resistir, politica ou militarmente. Acabou por se submeter ao diktat alemão, assinando uma capitulação redigida pelos alemães, que autorizava a entrada das tropas alemãs e tornava a Boémia-Morávia num protectorado do Reich. Para apaziguar as potências ocidentais, nomeou o moderado Freiherr (Barão) von Neurath como “Protector”.

No protocolo assinado podia ler-se:
«As duas partes expressaram de comum acordo a sua convicção de que o objectivo de todos os esforços deve ser o de assegurar a tranquilidade, a ordem e a paz nesta parte da Europa Central. O Presidente do Estado Checoslovaco declarou que, para servir esses objectivos e conseguir uma pacificação definitiva, remete, com plena confiança, o destino do povo e do país checos nas mãos do Führer do Reich Alemão.
O Führer aceitou esta declaração e exprimiu a sua decisão de tomar o povo checo sob a protecção do Reich alemão. Ele assegurar-lhe-á um desenvolvimento autónomo, conforme ao seu próprio carácter
».

Dias depois, em 23 de Março, Hitler deslocou-se a Memel, que havia sido cedida pela Lituânia, após uma “sugestão” alemã. A Lituânia nem pôs hipótese contrária. No dia anterior, as autoridades lituanas haviam evacuado Memel (Klaipeda).

Março, o mês fatídico do percurso de Hitler para a guerra. Curiosamente as outras ocorrências, Munique (anexação dos Sudetas) e a invasão da Polónia (que desencadeou a guerra), tiveram lugar em Setembro, a meio caminho entre dois Marços sucessivos. Coincidências?

Sobra a purga interna de 30 de Junho de 1934, onde Hitler se desfez de Ernst Röhm e das chefias SA. Mas essa purga era urgente face ao estado de saúde de Hindenburg (viria a morrer em 2 de Agosto de 1934) e à sua sucessão. Hitler tinha que garantir o apoio da Reichswehr e do patronato que viam com muito maus olhos os turbulentos e indisciplinados “camisas castanhas” (SA).

(1) De acordo com os ficheiros da polícia, Erna Grühn (35 anos mais nova que von Blomberg), para além de dançarina de um night-club, o que era sabido, havia trabalhado como prostituta e posado para fotografias pornográficas. Foi a publicação de fotografias da boda em jornais que levou esse facto ao conhecimento da polícia. Inicialmente, o chefe da polícia contactou discretamente von Blomberg para o pôr ao corrente dos factos. O marechal, então com 60 anos, estava apaixonado. Preferiu arrostar a tempestade. Foi exigido a von Blomberg que anulasse o matrimónio. Werner von Blomberg preferiu demitir-se, devolver o seu bastão de marechal e retirar-se da vida pública para viver o seu idílio com a sua jovem esposa.

Publicado por Joana às março 15, 2004 12:15 AM

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Comentários

Não teria sido preferível, hoje, fazer um comentário sobre as razões,-MENTIRAS-, que ditaram a derrota do PP em Espanha?

Publicado por: Luís Monteiro às março 15, 2004 04:47 PM

Interessante texto. Não sabia que os marechais prussianos da velha escola tinham estes casamentos picantes.

Publicado por: fbmatos às março 16, 2004 08:51 AM

São uma delícia estas lições de história, mas pergunto-me será que servem para alguma coisa? Para tirar alguma conclusão? Alguma ideia?

Talvez o caso Nazi, como está bem fresco na memória dos Europeus, pois ainda existem sobreviventes, quer da Ocupação, quer dos campos de concentração...quer dos terroristas Alemães...

Ora porque será... que os Nazis eram Potência Ocupante a abater... e hoje os EUA têm tantos adeptos para ocuparem Outros Páises ?

Como os tempos e as pessoas mudam....

Publicado por: Templário às março 16, 2004 05:21 PM

Se achou "uma delícia" já houve alguma utilidade, não partilha desta opinião?

Publicado por: Joana às março 16, 2004 11:51 PM

Todo este texto é uma tentativa de branqueamento da barbárie hitleriana

Publicado por: Cisco Kid às março 17, 2004 11:53 PM

Joana; este texto está perigosamente bem feito. É inatacável, ao que julgo, do ponto de vista histórico, mas serve para tirar conclusões para o presente, como você fez depois, de que discordo, como lhe escrevi acima

Publicado por: Vitapis às março 18, 2004 10:25 PM

Vitapis: se ele está bem construído do ponto de vista da verdade histórica, não é perigoso por causa disso.
Ou será perigoso extrair conclusões contrárias aos seus actuais conceitos?

Publicado por: Joana às março 19, 2004 12:14 AM

À Joana sobre comentário de Vitapis

Cara Joana.

Não parta de verdades para retirar comparações falseadas.

Se hoje estamos todos de acordo, que Hitler, comandou invasões a Países, já não estamos de acordo sobre a verdade actual !

Enquanto para mim, os EUA são agressores e fizeram 2 guerras de ocupação (por isso os comparo, com a Alemanha de Hitler ), você acha e está convencida ( com as mentiras, que eles já admitiram) que os EUA são os agredidos, e aplicaram a defesa à distância.

Esta é a nossa verdade, que a vivemos hoje, e na qual, há visões diferentes. Será que daqui a 50 anos, estas "verdades" de hoje...serão assim analisadas? depende..não é ? (dependerá...de quem tiver o poder ) nada mais.

Ou seja..haverá sempre 2 verdades, pois existem 2 lados !!!

Publicado por: Templario às março 22, 2004 01:51 PM

Não seria interessante expor que os GANHOS do PARTIDO SOCIALISTA ma Espanha não foram mera coincidência ??

Que sendo os principais beneficiários do atentado, são suspeitos em potencial ?? Que é muito fácil culpar o PP por negligência, mas em geral quem lucra tem ao menos conhecimento quando não participação ativa num resultado, especialmente eleitoral ??

Não há sempre 2 lados. Há vários lados. Que viram 2 apenas numa hora de decisão. De ação. Antes disso, há miríades de lados.

Publicado por: Seu Coiso às março 27, 2004 06:23 PM

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