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fevereiro 24, 2004

Nítido Nulo

Augusto Santos Silva foi, como dirigente político, um nítido nulo. Como Ministro da Educação entrou na ocasião propícia, quando o ano lectivo havia começado e portanto já nada havia a fazer, e saiu na altura perfeita, antes do fim do ano lectivo, pelo que ninguém se lembraria de lhe pedir responsabilidades, no início do ano lectivo seguinte, pelas lacunas ou pelo que tinha ficado por fazer. Foi perfeito. Tão perfeito que ninguém se lembra dele como ministro, para além dos compiladores das cronologias ministeriais.

Transitou para a Cultura. Carrilho tinha deixado o Ministério da Cultura num caos. Havia-se pavoneado enquanto o orçamento o permitiu e assim que as migalhas que restavam no fundo do tacho se revelaram insuficientes para cobrir o despesismo, saiu. Sasportes, o entreacto, foi apenas o inocente útil dos abutres da cultura portuguesa que debicam o erário público. Sem energia para lhes resistir, sem gosto para lhes fazer a vontade, foi um permanente derrotado. Precisava-se de uma completa nulidade para aquietar os vampiros, para que eles não se apercebessem que havia alguém à frente do ministério. Foi escolhido Santos Silva. Um homem que fala bem e não diz nada. Perfeito para a Cultura.

A sua curta actuação à frente do Ministério da Cultura foi a que se esperaria dele: a mais total discrição. Conformou-se com tudo aquilo que encontrou e nada procurou mudar, não fosse acontecer-lhe o mesmo que ao seu antecessor. A partiu da demissão de Guterres atingiu o Nirvana político: estava encontrada uma razão para continuar a não fazer nada - estava em mera gestão corrente.

Finalmente, após as mudanças eleitorais, Santos Silva encontrou a sua vocação: escrever artigos de opinião e dar entrevistas. Enquanto Paulo Pedroso esteve em prisão preventiva inundou os jornais com queixumes cruciantes sobre a injustiça da justiça portuguesa, sobre as cabalas e malevolências de que o PS era vítima. Durante meses Santos Silva dissertou abundantemente sobre a Sociologia da Cabala e a Política Portuguesa Contemporânea.

Há semanas participou num debate televisivo sobre educação. Foi, como se viu, um lamentável equívoco. Esteve sempre dessintonizado com os restantes participantes: Ministra, docentes universitários, etc. Estes nem se davam ao trabalho de comentar a retórica de Santos Silva tanto ela nada tinha a ver com a matéria em apreço. Ele botava discurso e, quando acabava, voltavam todos à matéria anterior, como se a fala de Santos Silva fosse uma página em branco, ou um intervalo publicitário.

O editor do programa, com as mãos na cabeça, relia os curricula dos intervenientes e lá estava: Santos Silva, Ministro da Educação (2000/2001), Ministro da Cultura (2001/2002), Secretário de Estado da Administração Educativa (1999/2000). Como explicar aquele desempenho? Elementar, meu caro Watson … basta ler os três primeiros parágrafos deste texto, para ver como se faz um ministro.

Ultimamente deu a lume duas teses seminais. A primeira foi a transposição do Dilema do Prisioneiro, da Teoria dos Jogos, para a Sociologia Palavrosa. A Sociologia Palavrosa é a Sociologia daquelas universidades em que a escolástica ainda não cedeu o passo à abordagem científica e onde, em vez de «mentes brilhantes», se têm palavras brilhantes e mentes vazias. Na dissertação desta palavrosa tese, Santos Silva mostrou igualmente o porquê da inanidade da sua carreira governativa: não percebeu nada do que se estava então a passar, ao escrever agora que «Faz caminho uma reavaliação positiva do ciclo guterrista: afinal, esses perseguiam um objectivo, reforçar o "social", e parece terem conseguido, no conjunto, melhores indicadores de crescimento e bem-estar». Não percebeu então, não percebe agora e é altamente improvável que venha alguma vez a perceber. Mas como dizia Douglas-Home, «Há dois tipos de problemas na minha vida. Os problemas políticos são insolúveis e os problemas económicos são incompreensíveis».

Dias depois, nova tese seminal, imorredoira, postulada sob a forma de uma entrevista: «Santana e Portas querem criar partido peronista». Esta tese teve, nos seus alicerces, obviamente, um enquadramento sintagmático baseado numa semiótica clara que permitiu postular aquela proposição, anisótropa e logoelíptica, desconstruindo a matriz lógico-verbal da indiferenciação contextual, deduzindo-a como valência ontológica de uma sólida exegese de sociologia histórica, documental e teleológica. No que tange à parte histórica o elemento imprescindível de consulta foi inequivocamente a versão em swahili do «Príncipe» de Maquiavel. Na parte documental teria uma importância não despicienda a leitura da colecção de 2003 do «Le Point». No término, uma diegese arrebatada, disseminada pelas páginas do DN.

A tese é genial e fecunda e o evento pode ocorrer já nos próximos meses. O cenário, os personagens e o argumento são o corolário deste postulado.

O cenário é evidente: a varanda de São Bento pejada de bandeiras, estandartes e insígnias, ondulando ao sabor do vento e da exaltação popular das massas justicialistas derramadas desde o Quelhas à Rua Amália.

Os personagens inevitáveis: Santana Lopes ataviado de general, em grande uniforme, farda comprida e direita com grande bordadura e dragonas em ouro, o chapéu de plumas na cabeça, ao vento, como em campo de batalha, e à sua direita, docemente apoiado no seu braço enérgico, Paulo Portas, com uma peruca loira de Catherine Deneuve, «Le Point style».

O argumento da acção é logocêntrico e axiologicamente determinado: Santana e Portas, em uníssono, a proclamarem à nação o estabelecimento da IV República. Atrás, batido pela luz dos projectores, Alberto João Jardim saracoteia-se em traje de Gonçalves Zarco, ilustrando a necessária continuidade histórica entre a IV República e a época áurea das descobertas, consolidando a imagem do Portugal perene e dos nossos egrégios avós. No meio do público arrebatado pelo entusiasmo, nas escadarias, Maradona limpa uma lágrima rebelde.

No encerramento da cerimónia, irrompe a voz de Paulo Portas, vibrante e plena de coloratura, a elevar-se, poderosa e altissonante, por sobre o coro popular em delírio, a entoar emocionada:

Don’t cry for me Portugal
The truth is I never left you
All through my wild days
My mad existence
I kept my promise
Don't keep your distance

Junto ao leão da esquerda, Santos Silva, em traje de bobo, multiplica-se em entrevistas, falando, como sempre, muito, e dizendo, como sempre, nada.

Publicado por Joana às fevereiro 24, 2004 09:14 PM

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Comentários

Um homem que fala bem e diz (boçalmente) patacoadas. Perfeito para a Cultura.

Santana Lopes.

Para PR, nem se discute.

O apoio de Paulo Portas é apenas um complemento folclórico no carnaval que se adivinha.
Mesmo sem peruca.

Certamente que estão certificados.

Publicado por: Marapião às fevereiro 24, 2004 10:43 PM

E é preocupante que quem foi agraciado com o dom da inteligência e as possibilidades do conhecimento se/nos entretenha, principalmente, com nulidades porque estas se encontram encostadas ao leão da esquerda.
Dogma ou opção?

Publicado por: Marapião às fevereiro 24, 2004 10:53 PM

1 – A Joana não gosta nada do Santos Silva
2 – Resolveu fazer-lhe uma partida de Carnaval

Publicado por: VSousa às fevereiro 24, 2004 11:55 PM

Esta Joana é uma nova espécie: anarco-centrista e dispara sobre tudo o que mexe à esquerda ou à direita.
Reduz o Santos Silva à porcaria (não se pode escrever m***) e depois mete o Santana, o Jardim e o Portas numa opereta carnavalesca

Publicado por: Mocho às fevereiro 25, 2004 12:29 AM

Não consegui responder mais cedo porque estou há 2 horas a consultar o Dicionário da Academia e ainda há algumas palavras que não encontro em nenhum lado.
Quando acabar as minhas consultas talvez faça algum comentário.

Publicado por: Vitapis às fevereiro 25, 2004 12:59 AM

Não seria mais apropriado hoje, aqui e agora, falar sobre o zero absoluto do actual ministro da cultura?
Quantos são que sabem o seu nome?
Que obra se lhe pode atribuir?

Publicado por: Luís Monteiro às fevereiro 25, 2004 06:40 PM

Vitapis:

Quando tiver a lista pronta, sugiro que a publique. Prestava-nos a todos uma boa ajuda.
Quanto à Joana, por este andar arrisca-se a ficar a pregar aos peixes (não seria inédito).

Cumps a todos.

Publicado por: LA às fevereiro 25, 2004 07:38 PM

Luís Monteiro em fevereiro 25, 2004 06:40 PM
O meu intuito era debruçar-me sobre as teses que o Santos Silva tão brilhantemente deu a lume nas últimas semanas ou dias.
A referência aos seus reconhecidos méritos governativos foi apenas para introdução, não fosse alguém pensar que o Santos Silva não passava de um blogueiro.

Publicado por: Joana às fevereiro 25, 2004 08:06 PM

LA:
Como dizia o nosso clássico, "ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam".
Eu prefiro que leiam e escrevam ... mas se for, de todo em todo, impossível, paciência ... que sejam os peixes.

Publicado por: Joana às fevereiro 25, 2004 08:09 PM

O fim talvez seja demasiado carnavalesco, mas a imbecilidade do ASS não merecia mais.

Publicado por: Novais de Paula às fevereiro 25, 2004 10:19 PM

LA: A Joana vai ficar a falar aos tubarões da alta finança, que é onde ela nada bem

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 25, 2004 10:21 PM

Vitapis: escusas de procurar porque não devem vir em nenhum dicionário. Deve ser vocabulário das falas brilhantes e mentes vazias da “Sociologia Palavrosa”

Publicado por: Sa Chico às fevereiro 25, 2004 11:49 PM

Eu também não aprecio aquele palavroso do Santos Silva e lembro-me desse programa da SIC Notícias. Até o Dias Deus, que eu conheci bem e que era da extrema esquerda (há alguns anos que não o vejo, por isso não sei se ainda é) não lhe ligava nenhuma. Está muito bem caracterizada a actuação do Santos Silva nesse programa.

Publicado por: Hector às fevereiro 26, 2004 12:49 AM

Bem, e o Portas de Evita é o máximo. A sua encenação parece o Carnaval Veneziano no 3º Mundo.

Publicado por: Hector às fevereiro 26, 2004 12:51 AM

O Santos Silva é um sujeito bem falante, mas como membro do governo foi, não haja dúvida, muito cinzento. Parece-me pouco competente.

Publicado por: J Correia às fevereiro 26, 2004 10:11 PM

O Santos Silva é um sujeito bem falante, mas como membro do governo foi, não haja dúvida, muito cinzento. Parece-me pouco competente.

Publicado por: JCorreia às fevereiro 26, 2004 10:12 PM

Eu já gostei mais de ler ou ouvir o Santos Silva que agora. Tornou-se muito repetitivo e muito faccioso. Ao princípio tinha mais abertura, mas a seguir ao problema da pedofilia tornou-se um faccioso repetitivo. Estes últimos artigos que a Joana cita são do pior que ele fez. Espero que ele faça um intervalo para repensar o seu estilo de intervençaõ

Publicado por: Rui Pereira às fevereiro 26, 2004 11:36 PM

Olha só a porcaria que ela escreveu sobre o Santos Silva. É uma vergonha

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:41 AM

Essa gaja é uma reaccionário, uma intriguista e uma porca!

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:49 AM

Essa gaja é uma reaccionário, uma intriguista e uma porca!

Publicado por: Cisco Kid às fevereiro 27, 2004 12:49 AM

Vejo que a opinião da Joana sobre o Santos Silva tem sido muito controversa. Há muita raiva por aí.

Publicado por: Ricardo às fevereiro 27, 2004 09:28 AM

E o tom de brincadeira dp texto ainda deve enfurecer mais.

Publicado por: Ricardo às fevereiro 27, 2004 09:29 AM


Ao ler os comentários duma dita esquerda civilizada e da trauliteira, fico com a clara sensação da aflição que vai nos espiritos dos instalados no sistema,no regime,na III República.

Pura e simplesmente adorável,excepto o barroquismo da linguagem das semióticas da minha incompreensão.

Parece que faltou aqui a possibilidade encarada pelo meu antigo patrão do ME de que Freitas do Amaral poderia ser o candidato dos socialistas a PR.

Terei ouvido bem?

Que pena a JOANA ou D.JOÃO II não se ter referido ao jornal O Expresso de há oito dias.
Nunca vi tantos artigos contra o PSL.
Só Paulo Portas o bateu em tempos.

Publicado por: ZEUS8441 às março 1, 2004 12:14 AM

Zeus: As "semióticas" era apenas uma manobra de diversão (no sentido de gozo).

Publicado por: Joana às março 1, 2004 10:06 PM

Já gora seria interessante ouvir a opinião da Joana sobre o papel político de Justino na Educação e de Roseta na Cultura.

E da sua opinião sobre essa figura carnavalesca que é secretária de estado da Educação e que tem um nome da uma terra da linha do Estoril.

E já agora, o que pensa da política agrícola nacional, que plano tem o governo para o Alqueva, que projecto na área da Ciência, qual a programação efectiva do reequipamento das FA, ou sobre o papel do ministério da Administração Interna durante Agosto de 2003.

A Joana parece que continua a fazer oposição à oposição.

Publicado por: Al_Mansour às março 2, 2004 12:22 PM

Já há algum tempo exprimi a minha opinião sobre o Justino no online. Faz lembrar o Guterres: diz coisas entusiasmantes, mas depois não se vê nada.
Teve outro dia uma medida positiva. Fez regressar às escolas mais de mil professores que estavam destacados no ministério (principalmente nas DRE's) e que não faziam nenhum.

Entretanto há uma revisão curricular em curso de que ainda não se sabe nada, o que é muito grave, pois os alunos têm que tomar opções de carreiras.

Publicado por: Joana às março 2, 2004 11:30 PM

Não ando a par da actividade do Ministro da Cultura, mas também não tenho ouvido dizer mal dele.

Isto é muito mau sinal, pois os Ministros da Cultura têm como principal actividade distribuirem subsídios a agentes culturais que produzem apenas para os amigos verem e quanto menos audiência têm, mais satisfeitos fica, pois têm a certeza que não conceberam um produto comercial. Se eles não dizem mal, é porque estão a comer à mesa do orçamento.

A indústria cinematográfica americana ou inglesa têm subsídios? Se a nossa não tivesse, talvez os filmes portugueses não fossem tão chatos e melhorassem a qualidade, pois teriam que conquistar público.

E do teatro nem quero falar. É a subsídio dependência mais infrene.

Publicado por: Joana às março 2, 2004 11:35 PM

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DATE: 01/20/2005 05:51:39 AM

Publicado por: luba às janeiro 20, 2005 05:51 AM

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