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janeiro 05, 2004

O Banco de Portugal e a Coisa Pública

O Relatório do Banco de Portugal veio dar razão aos textos que têm sido publicados nas últimas semanas no Semiramis. Trata-se todavia de algo de tal forma evidente que não constitui qualquer glória eu ter produzido as afirmações constantes nos textos em causa.

Começando pelo sector privado verifica-se uma ocorrência importante – o modelo de crescimento português - tradicionalmente assente no aumento da procura interna (consumo e investimento) – tem vindo a alterar-se e as exportações de bens e serviços, depois de terem aumentado 3 por cento em 2003, deverão subir acima dos 5,75 em 2004 e dos 7,5 em 2005. A parcela do PIB apenas referente à actividade privada para os próximos anos, mostra um crescimento de 1,5 por cento este ano e de 3 por cento em 2005 - precisamente o dobro das previsões para o conjunto da economia. Ora isto é extremamente salutar.

Por outro lado, não se prevê um aumento do nível de emprego. A taxa de desemprego não deverá descer. Isto é evidente. Todos estão de acordo que o modelo de desenvolvimento para o país não pode continuar a assentar em baixos salários. Simplesmente quem mais apregoa essa máxima irrefutável, quer “sol na eira e chuva no nabal”, isto é, quer salários europeus em indústrias terceiro-mundistas e quando essas indústrias não conseguem elevar os salários ou despedem pessoal, chovem os recriminações contra o “modelo de desenvolvimento” do país.

O que é evidente é que temos que aceitar uma fase em que muitas indústrias tradicionais irão desaparecer e os respectivos trabalhadores, a menos que tenham qualificações para outras actividades, ou tentem melhorar o seu nível de qualificação, ficarão no desemprego. A alternativa é aceitar salários de miséria.

Portanto, se queremos (e temos que querer) mudar o “modelo de desenvolvimento” do país, o Estado, os sindicatos e os trabalhadores terão que se preparar para as “dores de parto” que isso envolve e, em conjunto encontrarem as soluções adequadas que minimizem os “estragos”. Porque esta mudança é um “parto” difícil com muitos estragos. Tenho a certeza que, nos próximos anos, iremos manter uma taxa de desemprego elevada. Mas uma política de requalificação profissional poderá minorar muito esses estragos. Mas para isso todos os protagonistas deste drama terão que se pôr de acordo. E só será possível esse acordo quando os protagonistas mais obstinados, os sindicatos, se convencerem que não há alternativa, pois em Portugal as indústrias terceiro-mundistas têm o destino traçado.

Portanto, se o sector privado não tem razões para festejar, tem pelo menos razões para ter confiança no futuro.

O consumo privado vai manter-se moderado. Mas isso também tem a ver com o excesso de endividamento das famílias durante a última década. Por exemplo, nos últimos cinco anos foram vendidos em Portugal 1,7 milhões de veículos novos. O que significa que, em média, uma em cada duas famílias comprou carro novo desde 1999. Com ou sem crise, era pouco expectável que o ritmo frenético de vendas dos últimos anos continuasse. Em 2003 foram vendidos menos 15% de carros que em 2002 e menos 37% quando se compara com 2000. E o mesmo sucedeu com outros bens de consumo duradouro.

Esta situação também é boa para a nossa economia, porque tem reflexos muito positivos na nossa balança com o exterior. Os bens cuja queda no volume de vendas mais se acentuou são importados.

A questão grave na nossa economia é a do sector público. O governo tem-se revelado incapaz de suster a despesa pública. O Estado é um sorvedouro inexaurível de dinheiro e, apesar das recomendações draconianas, o dinheiro continua a esvair-se de forma inexplicável.

O Relatório do Banco de Portugal assinala que tem que ser feito um esforço sério, com verdadeiros cortes no consumo e no investimento públicos: "É importante não alimentar ilusões porque o crescimento económico moderado que se perspectiva não será suficiente para gerar automaticamente um significativo aumento de receitas fiscais".

Ora esta é uma matéria na qual o governo não tem dado conta do recado que a ele próprio havia dado.

Quando numa empresa a administração não consegue controlar os custos, os accionistas demitem-na e elegem outra. Se este governo gerisse uma empresa, já há tempos que teria sido demitido.

Vendo bem, talvez me tenha excedido: se os accionistas apenas tivessem, como soluções para o Conselho de Administração, os actuais políticos, deitariam as mãos à cabeça, não demitiriam já o actual CA, visto não terem alternativas, e fariam imediatamente uma OPV para se desfazerem das suas acções a arranjaram uma aplicação menos desastrosa para os seus capitais. Seria todavia duvidoso encontrarem alguém interessado na compra desses papéis sem valor!

Publicado por Joana às janeiro 5, 2004 07:48 PM

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Comentários

Uma das coisas que tenho notado nos seus escritos económicos, que tenho sempre seguido, como sabe pelos meus comentários, é que sustenta muito bem as suas previsões e que as torna credíveis.
Você diz que eram evidentes. Explicadas como devem ser explicadas, as verdades são evidentes. Não são evidentes para quem não as quer ver ou para quem as distorce para obscurecer as evidências

Publicado por: Novais de Paula às janeiro 7, 2004 10:20 PM

Pelo que aqui foi dito ou o desemprego aumenta mais um pouco ou aumentam os salários de miséria em consequência do desaparecimento de muita industria tradicional (percebi bem?).
Porém isso também vai ter implicações a nível de consumo interno. Sem dinheiro ou com pouco, os gastos das famílias descerão; portanto vão ficar afectadas também as industrias e o comércio nacional. Assim deverá haver um equilíbrio mínimo para que o consumo interno não desça a níveis que desbalizem por completo a estrutura produtiva e comercial nacional.
É claro que um dos grandes dramas é e continua ser a despesa pública.
Quais as perspectivas para a resolver?

Publicado por: vmar às janeiro 8, 2004 07:54 PM

vmar:
Veja o exemplo da Espanha na última década. O seu desenvolvimento económico deu-se em simultaneidade com um aumento de desemprego que atingiu valores enormíssimos.
Um pequeno aumento do desemprego é compensado, a nível económico geral, pela melhoria do desempenho da economia global. Por outro lado o subsídio de desemprego compensa,parcialmente, a quebra do rendimento disponível dos desempregados.

Com os actuais salários de miséria, os rendimentos dessas famílias também é muito baixo.

O que se deve fazer é "planear" a extinção progressiva dessas indústrias de baixo valor acrescentado. Elas vão acabar fatalmente. É preferível que acabem com soluções alternativas na manga, do que de surpresa.

Agora há uma coisa que é certa: muitos trabalhadores são incapazes de se requalificarem, nomeadamente os mais velhos, e dificilmente arranjarão emprego. Sucedeu em Espanha e noutros países e está a suceder em Portugal.

Publicado por: Joana às janeiro 8, 2004 09:46 PM

Congratulo-me pelo cenário claro e honesto (não dissimilado) que a Joana aqui apresenta ainda que não concorde em absoluto com tudo o que aqui se lê.
Deixo por exemplo uma ressalva quanto à comparação com Espanha (lembremos que durante alguns anos a taxa de desemprego andou por lá a rondar os 22%).
Perguntei por essa altura a um economista espanhol como tal era sustentável, particularmente num pais onde a mobilização social é incomparavelmente mais feroz que a nossa quando atiçada (praticamente não o foi).
Pela conversa que tivemos percebi que o apoio familiar aos desempregados (uma autêntica rede de apoio de familiar), um subsídio de desemprego mais atraente em termos de poder de compra que por cá e uma economia informal extensa e mais assente em emprego do que em fuga fiscal, justificava a existência de uma almofada bem mais confortável para o desemprego, bem como, uma falsificação razoável dos números oficiais. Não nos pode passar pela cabeça que por cá possamos sustentar taxas de desemprego de dois dígitos com as mesmas consequências suaves que tivemos (e temos) em Espanha. E esse cenário dos dois dígitos poderá muito bem se alcançado se não anteciparmos medidas de reconversão já, como é sugerido.
Além de tentarmos condicionar o próximo gestor da empresa a praticar políticas mais coerentes...

Publicado por: Rui MCB às janeiro 9, 2004 12:18 AM

A Joana diz, «Agora há uma coisa que é certa: muitos trabalhadores são incapazes de se requalificarem»
Penso que um problema similar está do outro lado da barricada, ou seja muitos empresários/gestores são incapazes de se requalificarem; muito deles seguem as linhas base que aprenderam com os ascendentes e não evoluíram. Outros não têm nenhuma formação base sequer e vingaram por alguma esperteza pontual ou por aproveitamento de certas situações.
Já que falamos de Espanha e da sua economia, gostaria que comentasse aquilo que é comum por aquelas bandas. Ou seja um país com níveis médios de rendimentos (ordenados) muito superiores aos nossos apresenta muitos produtos a melhores preços ao consumidor que os nossos. E não estou a falar só de produtos de indústria, mas também da agricultura ou do turismo. Independentemente de situações pontuais como o aproveitamento de mão-de-obra barata proveniente do norte de África, eles conseguem mesmo pagando ordenados superiores aos de cá, apresentar os seus produtos a preços concorrenciais. Eu sei que a agricultura está melhor organizada ( cooperativas de produção e distribuição). Outro exemplo interessante é o da Zara, em que um parte significativa do que vende em Portugal é produzido nas nossas fábricas e no entanto os seus preços são mais atraentes do que os das cadeias/marcas nacionais. Portanto a visão empresarial espanhola é diferente da nossa. Penso que os nossos empresários também necessitam fortemente de evoluir e requalificarem.
Aliás para mim tudo isto tem a ver com a nossa mentalidade e a maneira de estar na vida; sem ser grande adepto dos espanhóis penso que temos muito a aprender com eles.
Para terminar gostaria só de focar um assunto que exemplifica esta diferença de mentalidades.
Há uns bons anos atrás, quando começaram as restrições à pesca (após a adesão à EU), no Algarve ficaram muitos pescadores sem ou com pouco trabalho. Clamaram logo que grande miséria se abateria sobre as suas famílias e que muitos morreriam de fome. Do outro lado do Guadiana os espanhóis ficaram na mesma situação, contudo a reacção foi diferente. Como não podiam pescar dedicaram-se por exemplo à produção de morango. Criaram grandes explorações de morango. São actualmente os maiores exportadores de morango da Europa. Nós comemos morangos a um preço razoável (para o nosso nível de vida) graças aos espanhóis. E no Algarve o que aconteceu? Tirando o turismo, a agricultura tem baixado muitíssimo nos últimos anos, a industria não tem expressão (as conservas desapareceram) e o comercio só com o consumo dos estrangeiros consegue sobreviver. No turismo ainda podemos comparar com o que se passa em Espanha – é significativo o aumento anual de portugueses que trocam o Algarve pela costa sul de Espanha. Assim de uma situação similar à partida chegou-se a fim muito diferente. Penso que muito resumidamente consegui mostrar as diferenças que nos separam no encarar das situações.

Publicado por: vmar às janeiro 9, 2004 10:53 AM

Cara Joana

Ficamos sempre com o nosso ego em cima, quando as nossas análises, coincidem com as de entidades famosas e sérias, no entanto " pouco credíveis ".

Eu nem sequer sou economista e por isso dá-me um gozo especial, verificar que os douros nesta matéria não conseguem acertar uma !

Eu no tempo do Cavaquismo, sem perceber nada disto, e quando ouvia falar de crise, dizia, mas os portugueses não sabem nada o que é uma crise, quando ela vier em 2002, logo verão. Não é que acertei em cheio ? Devo ser vidente, pois nem os relatórios económicos consigo perceber.

Vamos então ás análises:
Os economistas são os mais contaditórios que existem.
1º em Portugal não exportamos nada, e se viermos a exportar qualquer coisita, não tem relevância nenhuma. Ou seja, se eu for o Presidente do Banco de Portugal e for questionado com esta realidade, terei que ter "palavreado" suficiente para alimentar esta "mentira", ou seja não havendo economia, tenho que dizer, que comparando o ano de 1990 com o de 2004 as exportações subiram 25%. Mas o que eu não digo, é que exportava 100 sapatos e agora como exporto 125 sapatos, que continua a não ser nada de nada , logo são 25% de nada.
E...mesmo assim... baixando as exportações, HOJE PODEREI ARGUMENTAR, com toda a certeza que elas subiram 25%.
Repare neste truque de palavreado :
exportei 1 milhão de garrafas de vinho do porto, por 1 milhão de euros em 2000, e recebi 800 mil dolares, agora se exportar a mesma coisa, receberei 1,2 milhões de dolares, poderei até dizer que as exportações subiram 50% quando no fundo, se calhar até desceram.

Nisto só podem caír académicos ingénuos, que acreditam em relatórios feitos á medida do freguês, em economia já aprendi que apenas há uma coisa boa, é o sentimento positivo e de esperança que conta, agora nem você D. Joana, nem os "seus amigos" do governo contribuíram para que tal aconteça, antes pelo contrário, são eles os ÚNICOS responsáveis por esta crise Portuguesa, MAS.. COMO VÃO A MEIO DO MANDATO, CONVÉM-LHES, aparecerem agora como os tais salvadores !

A mim não me enganaram eles, nem enganam, nem com
relatórios de tão prestigiadas entidades !!!

Publicado por: Templário às janeiro 9, 2004 01:32 PM

Para o VMAR e prá D. Joana

Caríssimos a questão que estamos a discutir é:

o paciente, já não se salva, agora uns são pela eutánasia, outros argumentam, que ainda pode sobreviver uns tempos e que se o operassem, ainda poderia sobreviver, mesmo, não podendo andar, nem falar nem se mexer.

O grande erro que se comete, é precisamente arranjar soluções melhores ou piores, numa economia falida, já sem solução nenhuma e completamente caduca, que quando entra em " estoiro" necessita de uma guerra de dimensão Mundial como as do Golfo, que por terem riquesas petrolíferas enormes, salvam este Ocidente em fase agoniante.

Esta é que é a questão... esta economia da rentabilidade, do mais e mais barato tudo isto é falso.
Pergunta para um economista:
compro um produto por 50 vendo por 100, margem de 100% , lucro iliquido de 50.
compro o mesmo produto por 100 vendo por 120, margem de 20%.
Quem obteve maior rentabilidade ?
Quem pode pagar melhor salários ?

Quanto á questão do ESTADO, é evidente que poucas saídas existem neste quadro economico para Portugal, UMA QUE A D. JOANA SE ESQUECEU... PODEMOS E DEVERÍAMOS ENTREGAR ESTA REGIÃO EUROPEIA, À ESPANHA !!! Por certo eles saberiam gerir melhor que nós !
Porque não ?

Publicado por: Templário às janeiro 9, 2004 01:56 PM

Eu também sou de acordo em entregar aos Espanhois!! Aumentavamos a concentração de «chicas guapas» no País, que era muito positivo... além disso o ordenado mínimo é muito superior, o que significa que podia andar metade da população sem trabalhar e ainda por cima com uma qualidade de vida superior. Ouviste Durão, vê lá se falas com o Zé Maria!!!...

Publicado por: Jovem Savimbi às janeiro 11, 2004 11:19 AM

Templario:
Entregar "isto" à Espanha só tinha uma vantagem:
Responsabilizarmos os espanhóis pela má gestão. Era mais claro e estariamos todos de acordo.
Sendo nossa a gestão, atacamo-nos e desculpamo-nos uns aos outros e não nos entendemos.

Publicado por: Joana às janeiro 11, 2004 09:18 PM

MAIS UNS MILHÕES PARA INOVAÇÃO.... É SÓ AREIA PARA OS OLHOS DOS PORTUGUESES. VOU VER É MAIS UMAS BOMBAS A CIRCULAR PELOS NOSSOS CAMINHOS. GASTEM ANTES O DINHEIRO NO ARRANQUE DE ESCOLAS PROFISSIONAIS E DEIXEM-SE DE PALERMICES.

OS EMPRESÁRIOS PORTUGUESES NEM O POUCO QUE SE INVENTA SÃO CAPAZES DE POR EM PRÁTICA.

www.invento.web.pt

Publicado por: fernando nogueira gonçalves às janeiro 19, 2004 03:05 PM

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