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janeiro 15, 2004

Mensagem do PR – da banalidade ao paralogismo

Ou de como a Pitonisa quis fazer de Temístocles e se afundou em Salamina

O PR enviou ontem uma mensagem ao Parlamento. Normalmente seria um acontecimento pacífico: depois do desfiar de um rosário de banalidades, os ouvintes aplaudiriam em uníssono, cada um extraindo as conclusões que provariam, sem margem para dúvidas, que aquela mensagem vinha no sentido das suas orientações e pretensões políticas. A habitual profecia de Pitonisa, com direito a centenas de leituras contraditórias.

Todavia, nesta mensagem, o PR foi mais directo:

Por um lado, o PR elogiou o actual governo pelas políticas de contenção orçamental que devem ser prosseguidas com todo o rigor, quando se sabe pelas estatísticas, que o governo não está a conseguir conter a despesa pública, seja por incompetência própria, seja por falta de mecanismos de intervenção no funcionamento da Administração Pública (que em último caso serão, ou incompetência governamental, que não reforma a Administração Pública, ou incompetência e/ou hipocrisia presidencial que mantém a espada de Damocles do veto, sobre legislação relativa àquela matéria).

Por outro lado, elogiou a política de “coesão social” do governo anterior que, como se viu, resultou em dissenso social pela crise financeira que provocou, ao distribuir o que não tinha, quer à “pobreza extrema” que precisava e era justo ( mas distribuído sem o rigor e a fiscalização necessários), quer em empregos no funcionalismo público, que nem precisava, nem era justo. Pior, ao elogiar o anterior governo pela sua política de descontrolo orçamental, deixa-se de perceber como se pode elogiar o actual governo pela política de contenção orçamental. É o paralogismo que filosoficamente se designa por contradição nos termos.

Mantendo o seu protagonismo grego da época clássica, o PR sugeriu a quadratura do círculo: reduzir o défice e aumentar a despesa.

E ilustrou esse intento com as banalidades usuais, incontestáveis em matéria de princípios, mas inexequíveis na prática por ausência de mecanismos para as realizar.

Uma delas é o estafado tema da evasão fiscal. É fácil agitar a bandeira do combate à evasão fiscal. O difícil é travá-lo com êxito. E isto porque esse combate, para ter êxito, tem que ser travado em várias frentes:

1 – A reforma da Administração Pública e a melhoria da sua eficiência e desempenho. Ora tem-se verificado que qualquer legislação que se faça nesse sentido é um atentado contra os direitos dos trabalhadores e sofre a contestação da oposição em peso e a má vontade do PR. Não é com o aumento da despesa que se melhora a Administração Pública – isto está demonstrado pela política seguida nas últimas décadas – mas sim com a introdução de mecanismos e procedimentos que permitam que a sua gestão se faça de forma eficiente;

2 – O Estado tem que se tornar uma pessoa de bem na sua relação com o cidadão. Há um ditado que diz que «Ladrão que rouba a ladrão tem 100 anos de perdão». A relação da administração fiscal, e dos serviços público pagos com os nossos impostos, com o cidadão é tal que só por receio de punição o cidadão cumpre as sua obrigações fiscais. Mudar a mentalidade do contribuinte, passa por mudar a postura do Estado face aos cidadãos em geral;

3 – O Estado tem que terminar com a voracidade que tem pelo dinheiro dos cidadãos. Na sua voracidade, o Estado tenta ganhar em todos os tabuleiros. Ao fazê-lo, faz com que a sociedade civil tenha vantagem em conluiar-se contra ele: o empregador e o empregado, o comprador e o vendedor, etc.. Quando, em qualquer transação, é vantajoso para ambos os contraentes enganarem o Estado eles fá-lo-ão. Se o empregado não vir vantagem em que a sua remuneração seja documentada, aceitará essa situação; se o comprador e o vendedor não tiverem vantagem em documentarem a sua transação não o farão; se tiverem que a titular por necessidade (transação de imóveis), mas se não tiverem vantagem em o fazer pelo valor real, declararão um valor muito inferior; etc.; etc.; a política fiscal tem que ser inteligente e não estupidamente voraz;

4 – O aumento excessivo de impostos, para além de injusto, tem como resultado o incremento da economia paralela. Quanto maior for o nível de impostos, mais compensadora é a evasão fiscal, calculada em termos de esperança matemática do rácio benefício-custo dessa evasão e mais gente será tentada a “evadir-se”;

Adicionalmente, e isto é o que há de mais perverso na mensagem do PR, o combate à evasão fiscal deveria servir para aliviar os cidadãos que têm uma carga fiscal excessiva e não para continuar a alimentar o sorvedouro inexaurível da despesa pública, como o PR deu a entender. Dizer que o combate à evasão fiscal serve para pagar a ineficiência da máquina do Estado é injusto para os contribuintes cumpridores, e é muito pouco motivador para os cidadãos em geral. Além do que a excessiva carga fiscal diminui a competitividade das empresas, a riqueza do país e mata a galinha dos ovos de ouro que sustenta a Administração Pública.

Quanto à elaboração do Orçamento do Estado numa base plurianual e a sua discussão e aprovação "em duas fases", é uma questão pacífica num país em que houvesse políticos com sentido de Estado. Aliás, é uma questão consensual há vários anos, só que nunca posta em prática.

E porquê? Porque o Estado português tem o hábito inveterado de fazer agora, para desfazer amanhã; de mudar drasticamente as regras do jogo, a meio do campeonato; de fazer que o que é uma verdade incontestável agora, é uma rematada mentira amanhã; etc.. Tecnicamente é possível elaborar um Orçamento do Estado numa base plurianual, só que, com estes hábitos perniciosos, no ano seguinte deixarão cair tudo e recomeçar-se-á de novo.

No Público, JMF considerou que o conteúdo da mensagem do PR «resultou redondo e inconclusivo». Concordo que foi redondo, porque «não tinha ponta por onde se pegasse». Todavia só foi inconclusivo porque todos, quaisquer que fossem as suas orientações políticas, o aplaudiram e porque, apesar do apelo do PR a um consenso das principais forças políticas sobre a gestão orçamental, assim que a voz da sua mensagem se calou, choveram as "recriminações recíprocas" e as "picardias inúteis".

A mensagem, no que não foi inconclusiva, foi perversa. E foi-o, não apenas pelas suas contradições, mas porque veio do PR, que tem responsabilidades acrescidas naquilo que afirma perante a Nação.

Publicado por Joana às janeiro 15, 2004 09:38 PM

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Comentários

Embora concorde em geral com o teor do texto, acho-o talvez algo excessivo. Será de dar tanta "importância" às banalidades do Sampaio?
Pela primeira vez noto que, na imprensa, a mensagem não caiu bem. Houve claras e inesperadas críticas.
O Sampaio não tem a estaleca do Soares para fazer um 2º mandato de contra-poder. Falta-lhe consistência política. Além de que é um indeciso, como bem o sabes.

Publicado por: Viegas às janeiro 15, 2004 10:13 PM

A maioria aplaudiu porque não tem vergonha nenhuma na cara. O Sampaio foi muito claro

Publicado por: Cisco Kid às janeiro 15, 2004 10:49 PM

Na verdade notou-se desta vez algum desencanto nos jornais face à mensagem do Sampaio. O artigo da Joana é verrinoso, mas o do Público é também contundente.

Publicado por: Humberto às janeiro 15, 2004 10:52 PM

Sejamos claros: as preocupações mostradas pelo Sampaio são as de todas nós. Evitou críticas excessivas quer ao governo actual quer ao anterior. Quis fazer a bissectriz e acabou por desagrdar a todos, embora na assembleia todos o tivessem aplaudido na altura.
Estou convencido que dentro de dias vão começar a aparecer os comentários desfavoráveis.

Publicado por: Mocho às janeiro 15, 2004 10:59 PM

Se Sampaio acabasse com o estilo redondinho dos seus discursos, não se assistia a este fenómeno interessante da política portuguesa : a maioria e o PS a lerem o discurso de pernas para o ar . Só neste país !

Publicado por: zippiz às janeiro 15, 2004 11:17 PM

"O Estado tem que se tornar uma pessoa de bem na sua relação com o cidadão".

O Estado, na pessoa da sua Ministra das Finanças (e, por arrasto, na Governo), acabou de demonstrar que não é pessoa de bem na sua relação com o cidadão ao eleger os donos de taxis como cidadãos não abarngíveis pela lei.

Quanto às intervenções do Presidente da República, ao banalizá-las (as intervenções) acaba por passar a mensagem de que o cargo não vale a "despesa" dos cidadãos ao elegê-lo.

As contínuas mensagens do PR fazem-me relembrar o PREC, período no qual cada um as interpretava como queria e no qual, por vezes, cada um se permitia impor a cada qual a sua versão revolucionária da sociedade.

Por favor, não me façam ter que sair outra vez de casa... Estou velho e cansado!

Publicado por: re-tombola às janeiro 16, 2004 12:32 AM

O sampaio está cada vez mais na mesma

Publicado por: JCorreia às janeiro 20, 2004 01:54 AM

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