« Portugal é um sítio | Entrada | O Indulto Presidencial »

dezembro 29, 2003

Ser ou não ser … consistente

Foi hoje noticiado que 10 dos 13 arguidos do processo de pedofilia na Casa Pia de Lisboa foram acusados formalmente pelo Ministério Público, entre eles Carlos Cruz, Paulo Pedroso, Hugo Marçal, Herman José, etc., foram acusados de crimes de índole sexual contra menores.

O Ministério Público pediu, de acordo com a comunicação social, que Paulo Pedroso e Hugo Marçal fossem novamente colocados sob prisão preventiva.

Todavia, em 26-12, há 3 dias, ou ontem, se apenas contarmos os dias úteis, o advogado de Paulo Pedroso garantia que o interrogatório do deputado socialista, realizado naquela manhã, não tinha trazido nada de novo descrevendo-o como "uma mera formalidade". Também para João Nabais, o advogado de Hugo Marçal, a diligência teria sido uma "mera formalidade legal", que "não trouxe rigorosamente nada de novo".

Para tornar mais consistentes as suas afirmações, Celso Cruzeiro declarara então que este poderia ser o segundo passo para a confirmação da tese da inocência de Paulo Pedroso, depois do acórdão do Tribunal da Relação de 8 de Outubro. O ilustre causídico teria afirmado ainda que "A investigação não avançou nada em relação ao que já conhecíamos. Os factos que sustentam a incriminação de Paulo Pedroso são os mesmos que o Tribunal da Relação declarou que não tinham consistência",

Celso Cruzeiro concluiria, de forma consistente, que embora havendo 2 possibilidades: a de ser deduzida a acusação ou o arquivamento do processo, o bom senso indicava que o arquivamento poderia ser a solução.

Julgar é um acto humano e, como tal, está sujeito ao erro. Mas como é possível terem-se extraído conclusões tão opostas dos dois interrogatórios? Os advogados, satisfeitos, prevendo como mais plausível o arquivamento do processo e os magistrados do Ministério Público deduzindo acusações contra aqueles arguidos e pedindo que fossem novamente colocados sob prisão preventiva.

Será que há mais indícios, com consistência, que o Ministério Público achou por bem não os dar a conhecer durante os interrogatórios?

Ou seja, será que faltou consistência aos interrogatórios?

Será que o Ministério Público se limitou a considerar sem consistência o acórdão do Tribunal da Relação que tinha considerado sem consistência os indícios existentes?

Será que as declarações dos advogados dos arguidos à saída do DIAP tinham alguma consistência?

Será que há consistência na declaração de Paulo Pedroso ao lamentar que os magistrados do Ministério Público tenham insistido na valoração de indícios de práticas que lhe foram "caluniosamente imputadas” e que na sua quase totalidade já foram apreciados e considerados sem qualquer consistência pelo Tribunal da Relação de Lisboa?

Será que busílis está na consistência dos indícios que estão entre a sua “quase totalidade”, referida por Paulo Pedroso, e a sua efectiva “ totalidade”?

Será que o Ministério Público, em vista de uma possível fragilidade da consistência processual, mas convicto da consistência da veracidade dos indícios, quer “condenar” os arguidos à medida de coacção, bem consistente, da “prisão preventiva” durante um período que poderá ser longo, nomeadamente se os advogados de defesa andarem de recurso em recurso? Esta hipótese é, obviamente, perversa e sem consistência.

Resumindo, a defesa de PP acha que não é consistente o despacho de acusação que considera não ser consistente o acórdão da Relação que considera que os indícios não são consistentes.

Consistente é um rijo e pujante adjectivo, com elevado status, de tal forma espesso e encorpado, que consegue conter ambos os géneros gramaticais. A dúvida é se alguém acha os parágrafos anteriores consistentes?

Publicado por Joana às dezembro 29, 2003 07:33 PM

Trackback pings

TrackBack URL para esta entrada:
http://semiramis.weblog.com.pt/privado/trac.cgi/105042

Comentários

Apesar dos apesares todos por que temos passado enquanto espectadores, o lugar e a hora definitiva de se pôr a consistência à prova ainda não chegou. Aguardemos.

Publicado por: Rui MCB às dezembro 29, 2003 08:17 PM

(...)
Esta hipótese é, obviamente, perversa e sem consistência.
(...)

Cara Joana,

Quando se governa (ou se aplica Justiça) através dos media, que mais se poderá exigir senão essa "consistência mediática?"

ps: quanto ao "os magistrados do Ministério Público deduzindo acusações contra", apesar de verificar que teve o cuidado de consultar o Artº 53º do CPP, tenho que relembrar que também compete ao MP colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, assim como "nterpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa" [alínea d) do nº 2]e (e talvez primordialmente) defender a legalidade democrática.

Publicado por: re-tombola às dezembro 29, 2003 08:47 PM

re-tombola:
De facto esmerei-me na consulta. Entre outros:

Institutionum Juris Criminalis Lusitani Melo Freire 1794
Primeiras Linhas sobre o Processo Criminal Pereira e Sousa 1806
Commentario ao Código Penal Portuguez Jordão 1853
A Reforma das Cadeias em Portugal Ayres de Gouvêa 1860
Elementos do Processo Criminal Nazareth 1849
Codigo Penal da Nação Portugueza 1837
Theoria do Direito Penal Silva Ferrão (4v) 1856
Annotações à Legislação Judiciária, Penal e do Processo Criminal Castro 1895
Collecção Completa de Legislação Criminal 1887
Código Penal aprovado por Decreto de 16 Setembro de 1886 1886
Tratado Theorico e Pratico das Provas no Processo Penal Navarro de Paiva 1893
Pecúlio do Procurador Régio Leite e Vasconcellos 1841
O Ministério Público na Primeira Instância Veiga 1888
Repertorio das Ordenaçoens do Reyno de Portugal novamente recopiladas Castro 1671
Repertorio Geral ou Indice Alphabetico das Leis Extravagantes do Reino de Portugal (2 v) 1815
Repertorio das Ordenações e Leis do Reino de Portugal (4 v) 1795
Compilação Systematica das Leis Extravagantes de Portugal Cardoso da Costa 1799
Extracto das Leis,Avisos,Provisões,Assentos e Editais...Publicados desde a partida D'El-Rei Nosso Senhor em 1807 até 1816 Borges Carneiro 1816
Collecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível 1817
Remissoens das Leys Novissimas, Decretos, Avisos, e mais Disposiçoens, que se promulgarão Sousa (2v) 1778
Repertorio Geral ou Indice Alphabetico das Leis Extravagantes do Reino de Portugal Tomás (2v) 1815
Additamento Geral das Leis, Resoluções, Avisos, &c. desde 1603 até o presente Borges Carneiro 1817
Mappa Chronologico das Leis e mais Disposições de Direito Portuguez, Publicadas desde 1603 até 1817 Borges Carneiro 1816
Repertorio das Ordenaçoens do Reyno de Portugal novamente recopiladas Castro 1671

Infelizmente não consegui encontrar nada com menos de 1 século!

Publicado por: Joana às dezembro 29, 2003 09:15 PM

Vou falar com o papá para adquirir um CPP actualizado!

Publicado por: Joana às dezembro 29, 2003 09:16 PM

Estava a ver que terminava o 2003 sem estar próximo do acordo total com um texto seu !

Publicado por: zippiz às dezembro 29, 2003 09:52 PM

Você esmerou-se de facto.
Bem precisava, pois isto está muito embrulhado.

Publicado por: Vitapis às dezembro 29, 2003 11:11 PM

Não consultei esses livros todos, nem nenhum, mas acho que isto vai acabar na absolvição de quase todos.
OK, o Bibi está feito. Mas os outros, não me parece.

Publicado por: Rave às dezembro 29, 2003 11:15 PM

(...)
De facto esmerei-me na consulta. Entre outros:
(...)


Hummmm... e a Torre do Tombo? Não???

Pois, logo vi onde estava o grão de areia... :-)

Se não nos lermos até lá, um bom ano de 2004.

Publicado por: re-tombola às dezembro 30, 2003 02:03 AM

Parece de facto pouco consistente. Basta ver o caso do Hermann onde na data do delito de que é acusado não estava no país, segundo parece.
Será que não houve o mínimo cuidado na investigação?

Publicado por: Sa Chico às dezembro 30, 2003 10:11 AM

Cada vez que oiço ou leio mais coisas sobre a Casa Pia, mais me convenço que isto não vai dar nada. A investigação parece ser uma m***a

Publicado por: VSousa às dezembro 30, 2003 01:05 PM

Concordo com as preocupações sobre a continuidade deste processo, nomeadamente depois da notícia do Herman.
Uma coisa é certa. Se a montanha parir um rato a descrença da justiça será maior que nunca.

Publicado por: Rui Pereira às dezembro 30, 2003 02:11 PM

Rui Ribeiro: Estou de acordo consigo. Espero que a caricatura que a Joana faz da justiça, e do que a envolve, não passe de uma brincadeira e que no fim as coisas marchem direitas. Senão a auto-estima do pessoal ainda ficará mais baixa

Publicado por: J Correia às dezembro 30, 2003 02:44 PM

Perdão, Rui Pereira!

Publicado por: J Correia às dezembro 30, 2003 02:45 PM

Depois da barraca que houve com o Herman, em que a SIC anunciou que estava no Brasil na data do alegado delito, a pergunta que faço é a que m**** de investigação é esta?...E tiveram um ano para isto?
Será “consistente”?

Publicado por: AJ Mendes às dezembro 30, 2003 03:42 PM

O Profeta devia ter consultado os oráculos antes de deduzir acusação conta o Herman, porque a ser verdade o que a SIC informou, ou é azar, estupidez ou incompetência fazer uma acusação referindo uma data em que o pretenso arguido tem um alibi perfeito.

Para começar, não está nada mal...

Publicado por: Luis Filipe às dezembro 30, 2003 04:10 PM

Caro zippiz em dezembro 29, 2003 09:52 PM:
Você concorda quase sempre comigo ... não quer é dar o braço a torcer! Um bom ano novo.

Publicado por: Joana às dezembro 30, 2003 07:46 PM

RRave em dezembro 29, 2003 11:15 PM, eu també não consultei aqueles livros todos, nem nenhum ... estava a brincar.
Mas reconheço haver sérios receios de que a acusação não seja "consistente"!

Publicado por: Joana às dezembro 30, 2003 07:48 PM

Um aditamento: Quando escrevi este texto, desconhecia a notícia que o Hermann estaria fora do país aquando da alegada prática pedófila.

Se essa notícia for verídica, não há dúvida que se está perante uma evidente fragilidade processual. Não há desculpa para, ao fim de quase um ano, não se ter investigado com a profundidade suficiente esta questão.

Os depoimentos das testemunhas não foram confirmados?

Publicado por: Joana às dezembro 30, 2003 07:53 PM

Penso que ainda é cedo para ver a consistência do todo o processo.
Até aqui temos tido um “julgamento mediático” ao sabor de alguns interesses estabelecidos.
De uma coisa tenho a certeza: alguém se vai “queimar” no final do julgamento. Para já a dúvida paira sobre quem ficará com a “batata quente da história”: o Ministério Público - que eventualmente conduziu mal o processo - ou os réus que afinal não eram assim tão inocentes.
Mas conseguirá o tribunal estabelecer consistentemente A Verdade da Mentira?

Publicado por: vmar às dezembro 30, 2003 08:28 PM

Compartilho da sua apreensão e da da maioria dos comentaristas sobre o futuro do processo Casa Pia. Principalmente após a notícia da SIC sobre o alibi do Herman José.

Publicado por: Humberto às dezembro 31, 2003 12:21 AM

Também não auguro nada de bom para o desenrolar do processo. Gostaria de me enganar.

Publicado por: Hector às dezembro 31, 2003 12:39 AM

Há qualquer coisa que não me soa bem...
Então, quando o Herman foi instituido arguido não foi interrogado?
Não lhe terão perguntado onde se encontrava em determinado dia e hora?
Não terão confirmado as suas declarações?
Mesmo que não lhe tenham perguntado, alguém se terá esquecido de verificar onde ele se encontrava na data em questão?
Se realmente estava no Brasil, isso deveria ser facilmente verificado!

Publicado por: JSM às dezembro 31, 2003 02:39 AM

Eu bem dizia. Agora são o Carlos Cruz e o P Pedroso a alegarem que têm alibis. Aliás, ontem a Raquel era toda sorrisos.
Será que os investigadores não tiveram cuidado de confirmarem os depoimentos das testemunhas?

Publicado por: Rui Pereira às dezembro 31, 2003 11:33 AM

Vá ... vamos a ter calma e a confiar na justiça.

(Onde é que eu já ouvi isto?)

Publicado por: Viegas às dezembro 31, 2003 02:45 PM

Comente




Recordar-me?

(pode usar HTML tags)