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novembro 09, 2003

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 5º Acto

A hipocrisia de democratas e tiranos

Tucídides observava que cada Cidade-Estado expunha as suas razões para justificar seu envolvimento no conflito. Mas o perspicaz historiador não se contentava com os discursos oficiais e procurava identificar as razões verdadeiras por detrás dessas posições e desses argumentos.

Em Tucídides transparece, ao longo da sua obra, que as alianças atenienses eram sempre estabelecidas de tal modo que apenas beneficiavam a si própria, mesmo quando o pretexto para essas alianças tinha fins eticamente inatacáveis, como o de derrubar oligarquias e regimes tirânicos. Neste entendimento, haveria uma curiosa semelhança entre o comportamento imperial de Atenas e a imagem que muitos actualmente têm do comportamento dos EUA em matéria de política internacional.

Tucídides mostrou-nos igualmente que, em todos os casos, os tiranos, os oligarcas e as oligarquias estavam sempre propensos a apoiarem outros oligarcas ou oligarquias. Mesmo se esses tiranos, oligarcas, ou aspirantes a tal, fossem cidadãos de uma democracia.

Veja-se o caso do ateniense Alcibíades, general ateniense, sobrinho de Péricles, dotado de brilhantes qualidades, grande orador, mas sem escrúpulos, rompeu a trégua existente (Paz de Nícias) e, chefe do Partido Democrático, mas aspirando à tirania, levou Atenas a uma aventureira expedição à Sicília, que foi um desastre completo. Processado e condenado pelos atenienses, refugiou-se entre os espartanos, os protectores dos tiranos, das oligarquias e dos regimes aristocráticos. A eles confiou segredos que havia obtido enquanto comandante ateniense, deixando a própria pátria em apuros. A sua pátria era afinal o vil metal e o poder pessoal.

Todavia, e apesar da hipocrisia de muitos dos dirigentes políticos de então, em todas as circunstâncias, os chefes dos partidos populares apelavam à ajuda e intervenção de Atenas, enquanto que os aristocratas apelavam à ajuda e intervenção de Esparta.

Quando, em 411, após 20 anos de guerra, o regime democrático ateniense é derrubado pelo partido oligárquico, este imediatamente faz a paz com Esparta. Aquela guerra não era apenas uma guerra hegemónica, por redistribuição de territórios e apropriação de riquezas, era acima de tudo um conflito ideológico, entre a democracia e a tirania (ou aristocracia), semelhante aos conflitos que sacudiram o nosso mundo no último século.

Portanto, Tucídides acaba por ser um observador impiedoso da generosidade da democracia, mas também da hipocrisia do comportamento de alguns dos seus dirigentes, assim como um observador impiedoso da tirania dos oligarcas e da sua ânsia pelo poder pessoal, pelo dinheiro e o seu desprezo pela cidadania e liberdade.

Mas a principal conclusão a reter, e o rescaldo daquela guerra não deixa quaisquer dúvidas, é que com ou sem hipocrisia, com ou sem “projecto imperial”, as democracias estão, têm que estar, do mesmo lado e em oposição à tirania e aos regimes totalitários. E o seu melhor contributo para um mundo melhor não será ficarem como espectadoras a observar os conflitos, mas envolverem-se neles lutando para que não haja hipocrisias e para que a democracia não sirva de alibi a quaisquer projectos imperiais.

Publicado por Joana às novembro 9, 2003 10:24 PM

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Comentários

O que eu acho de estimulante nestes textos de Tucidides, que não conhecia, é a actualidade que a Joana asntua e as diversas leituras que permitem.

O mundo não mudou assim tanto como se poderia pensar

Publicado por: VSousa às novembro 10, 2003 11:55 PM

De facto, pouca gente se interessa por isto, apesar de ser bastante interessante

Publicado por: GPinto às novembro 25, 2003 12:04 PM

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