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novembro 08, 2003

Tucídides, o Peloponeso e o Iraque - 2º Acto

A importância da História da Guerra do Peloponeso

Falando de Tucídides, verifica-se ser verdade aquele aforismo que diz que “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, neste caso “escreve”.

O nosso amigo Tucídides, despedido, por incompetência, de estratego das forças atenienses, foi a banhos para a Trácia (bem longe do epicentro do conflito, dadas as más comunicações da época) e aproveitou esse repouso forçado para escrever sobre a guerra. Já que o julgavam incapaz de a conduzir, ele iria mostrar que a sabia interpretar. E mostrou!

Tucídides escreveu a sua História da Guerra do Peloponeso com grande rigor técnico. Isso transparece em cada página da sua História. Ao invés de seus predecessores, e de muitos que posteriormente se dedicaram à mesma profissão, ele não se preocupou apenas em descrever uma sucessão de factos curiosos ou dramáticos. Os acontecimentos que descreve são apresentados de forma concisa e desapaixonada, em ordem rigorosamente cronológica, com grande sobriedade, sem retóricas desnecessárias. O enquadramento em que eles ocorreram é delineado sempre de forma crítica e procura determinar as causas mais profundas dessas ocorrências e o porquê dos seus resultados. Em Tucídides não era o destino, não eram os deuses, não era algo exterior aos homens que fazia mover a história, mas apenas as paixões e os interesses humanos.

No preâmbulo, Tucídides põe em causa a inexactidão com que os seus contemporâneos tratavam os relatos históricos ou coevos: “Vê-se com que negligência a maioria das gentes procura a verdade e como elas acolhem como verídicas as primeiras informações que lhes chegam” (I-XX). Se Tucídides lesse os nossos meios de comunicação ou pesquisasse os nossos fóruns e blogues da net, ficaria desiludido pelo facto da humanidade pouco ter avançado nos últimos 25 séculos.

O conflito em causa, que embora designado pelo nome de Guerra do Peloponeso alastrou a todo o mundo grego, incluindo a Sicília, foi descrito de uma forma muito meticulosa por Tucídides, quer as operações militares, quer as negociações políticas, acordos e alianças e todos os factores que, directa ou indirectamente, influenciaram os acontecimentos. A sua história é um modelo de clareza e concisão e é certamente o pai da historiografia baseada em factos, que não tem nada a ver com a historiografia baseada no Milagre de Ourique da Monarchia Lusitana de Fr. Bernardo de Brito e dos monges de Alcobaça, escrita 20 séculos depois, e isto sem menoscabo para a intenção patriótica dos monges de Alcobaça, em pleno domínio castelhano, de exaltarem a pátria oprimida.

O que impressiona é a lucidez com que Tucídides prevê os acontecimentos subsequentes. Profundamente céptico, afasta quaisquer explicações moralistas, superficiais e a noção metafísica do destino. Escreve Tucídides:

A minha investigação foi penosa porque aqueles que assistiram aos acontecimentos não os contavam de igual modo, falando deles segundo os interesses do seu partido ou segundo a volubilidade das suas lembranças” (I-XXII).

Uma das coisas importantes para nós, na História de Tucídides, é que, na actual conjuntura onde se debatem os limites da defesa ou da imposição dos valores democráticos no mundo; se debate a justeza e a viabilidade da tentativa americana de imposição desses valores a todo o planeta; se debatem as raízes do unilateralismo americano, isto é, se ele resulta de uma incapacidade própria de ver o mundo sem ser a preto e branco, ou se resulta da tibieza da Europa em acompanhar as pretensões americanas, influenciando-as como aliada; e se debate se os regimes ditatoriais e castradores dos direitos, liberdades e garantias não deverão ser abolidos quer com o recurso a pressões económicas ou políticas, quer recorrendo à força, etc..

Ora estes foram temas que, directa ou indirectamente, a obra de Tucídides abordou, e o que ainda é mais interessante, é que a sua história nos permite várias leituras e extrair diversas conclusões, algumas aparentemente contraditórias entre si.

Publicado por Joana às novembro 8, 2003 09:53 PM

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Comentários

Você devia afixar essa frase:
«Vê-se com que negligência a maioria das gentes procura a verdade e como elas acolhem com verídicas as primeiras informações que lhes chegam»
nos fóruns da net, para todos os palermas que andam a debitar feitos baratas tontas tivessem juízo.

Publicado por: vde às novembro 10, 2003 04:39 PM

E tabém a frase:
«A minha investigação foi penosa porque aqueles que assistiram aos acontecimentos não os contavam de igual modo, falando deles segundo os interesses do seu partido ou segundo a volubilidade das suas lembranças»
para aquela gaja que anda a alimentar as feras sanguinarias do online tivesse juízo

Publicado por: vde às novembro 10, 2003 04:41 PM

Demasiado intelectual para o meu gosto

Publicado por: anonimo às novembro 18, 2003 10:49 PM

Caro editor.
sou moçambicano formado em Relaçoes internacionais, por isso qualquer assunto que envolve certas figuras de referencia(tais como Tucidedes,neste caso) e sempre motivo de muita atençao.queria acrescentar que as obras de tucidedes sao muito comentadas pelos estudantes das RI, mas pouco lidas.Desta feita queria solicitar vossa ajuda de modo a conseguir obter mais dados sobre esta obra e se possivel ter acesso a alguns capitulos da mesma.
calorosas saudaçoes.
Ali Chaucate

Publicado por: Ali Chaucate às setembro 9, 2004 12:54 PM

achei que você, caro editor, foi infeliz nos seus comentarios...deveria fazer um texto mais sério.

Publicado por: diego às maio 19, 2005 06:34 PM

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