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novembro 28, 2003

O Saber Dever

As minhas crónicas anteriores sobre a desastrosa situação do país, o “país de cócoras” (!!), como disse, devem ter deixado os incautos que têm a paciência de lerem estes textos, de ânimo dilacerado, acabrunhados, lamentando-se terem nascido, crescido e labutado neste jardim idílico à beira-mar pasmado.

Reli os meus textos e faço mea culpa! É verdade, eu, conhecida na net como a virtualidade mais teimosa e egocêntrica que paira no ciber-espaço, venho redimir-me, recolocar o nosso querido país no lugar que lhe cabe, por direito próprio, no concerto das nações.

Em primeiro lugar haverá algum desdouro em Portugal estar financeira e economicamente de “cócoras”? Obviamente não. Uma França, nostálgica de Luís XIV, Napoleão ou mesmo De Gaulle, poderia sentir-se mal nessa posição. Portugal, com os músculos fortalecidos por quase um milénio desse exercício regular e porfiado, não tergiversa: nós por cá, bem obrigados! Firmes!

Nós estamos de “cócoras” com a mesma sabedoria, a mesma gravidade e profunda reflexão com que os Hindus desenvolveram o Yoga, exercitando aquela postura, que nos ajuda a desenvolver a atenção, energia, força, flexibilidade, concentração e equilíbrio, a nível físico, mental, emocional e espiritual.

Dívidas públicas e privadas excessivas? Colossais!? Qual o problema? Uma das nossas virtuosidades, que nos tem imposto à admiração do mundo, tem sido a forma como sabemos dever dinheiro. Melhor, como sabemos dever cada vez mais dinheiro. O dever é uma honra. Aprendemos isso com os nossos maiores.

Comecemos pelo Estado, a quem compete velar pela consciência cívica do cidadão e dar-lhe os exemplos das virtudes públicas. O Estado não paga aos fornecedores, ou paga tardiamente e sem mora. Os cidadãos não pagam ao Estado (uma tradição milenária a que se tem dado o nome de evasão fiscal). Os bancos afadigam-se, competindo uns com os outros, duramente, com campanhas maciças de publicidade, para emprestar dinheiro que depois passa a ser designado sob o pomposo termo técnico de “crédito malparado”.

Os estudantes universitários, que irão constituir a futura elite do País, já proclamaram: “Não pagamos”. E também não queremos essa modernice das “prescrições” que iriam impedir que muitos de nós andássemos anos a fio, pelos bancos das universidades, tendo como única actividade discente o praxar os caloiros, sustentados pelos contribuintes (os distraídos, menos apegados à cultura lusa) e pelo défice público.

Quando a França e a Alemanha anunciaram não irem cumprir os 3% e a UE não as sancionou, imediatamente se ergueram vozes indignadas reclamando que era tempo de acabar com o rigor do défice. Que se alarguem os cordões à bolsa dos dinheiros públicos! Queremos dever mais! Queremos acabar com este espartilho que menoscaba os valores da cultura lusíada.

Portanto, nós temos uma nobre filosofia de vida que nos tem dado muita felicidade interior, permitido mais de 9 séculos de história (se incluirmos o Conde Henrique e a Teresa) e na qual nos empenhámos (*) muito, muitíssimo, que desejaríamos imenso partilhar com outros, mas que é infelizmente impossível. Alguém tem que pagar! Debitor non est sine creditore!


(*)”empenhar” em todos os sentidos do termo

Publicado por Joana às novembro 28, 2003 07:43 PM

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Comentários

Temos com Portugal uma relação idêntica à que temos em relação aos nossos filhos (os que os têm, obviamente...):

- Façam eles o que fizerem, gostamos sempre deles!

Publicado por: Luis Filipe às novembro 28, 2003 08:02 PM

Se, por um lado, é verdade que Debitor non est sine creditore, por outro, também é verdade que Degitor sui ipsius nemo esse potest.

Por isso, e porque Dis aliter visum , orestar-nos-á a célebre frase de Job: Dominus dedit, dominus abstulit, sit nomen domini benedictum.

Publicado por: re-tombola às novembro 28, 2003 08:21 PM

re-tombola:
Como, "Debitor sui ipsius nemo esse potest", tem que haver um "creditore" diferente do devedor.
Os Deuses que resolveram de outra forma, quem são? Alemanha e França?

Publicado por: Joana às novembro 28, 2003 08:48 PM


"(...)
Os Deuses que resolveram de outra forma, quem são? Alemanha e França?
(...)"

Cara Joana,

Julguei que isso estaria subentendido :-)

Uns estão entregues a deuses; outros às bruxas...

Publicado por: re-tombola às novembro 29, 2003 10:31 AM

Há 2 pesos e 2 medidas ... é a vida

Publicado por: GPinto às novembro 29, 2003 11:18 AM

O Luis Filipe tem razão: por muito que nos façam, gostamos dele ... de Portugal

Publicado por: Gros às dezembro 1, 2003 04:11 PM

Mais uma vez mortífera!

Publicado por: Viegas às dezembro 3, 2003 12:26 AM

Bem observado!

Publicado por: A Valente às dezembro 3, 2003 10:13 PM

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