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novembro 03, 2003

Intolerâncias

Era uma vez um rapaz, filho de um pedreiro, que foi para a ex-URSS fazer um curso de engenharia, ao abrigo de algum protocolo da Associação de Amizade Portugal-URSS.

Fez o curso em Kiev. Acabou o curso, julgo que um ou dois anos antes da implosão da URSS. Durante a sua permanência na Universidade de Kiev conheceu uma moça síria, do mesmo curso que ele. Casou com ela e vieram para Portugal, onde ambos arranjaram emprego com alguma facilidade.

Tiveram uma filha. Entretanto a moça resolveu ir visitar a família à terra dela. Não voltou, nem escreveu mais.

Inquieto com a situação fez várias diligências para saber da moça. Descobriu que era a família que não a deixava regressar.

Muniu-se de uma cópia da certidão do casamento, traduzida em árabe e autenticada e de toda a papelada que o advogado dele considerou pertinente para o efeito e demandou as terras da Síria.

A família da moça morava em Dair-as-Zor, uma cidade do interior, nas margens do Eufrates, a cerca de 100 kms da fronteira iraquiana.

Ele foi a Dair-as-Zor escoltado por um polícia sírio. Dormiu na esquadra da polícia enquanto lá esteve. Nunca conseguiu chegar à fala com a moça, nem vê-la. A família, nomeadamente os irmãos (ela tinha 6 irmãos) não deixou vê-la. A polícia aconselhou-o a regressar. As autoridades sírias não fizeram o mínimo esforço para repor a legalidade da situação.

Ele regressou a Portugal. Viu-o tempos depois com a filha. Era uma miúda loirinha, amorosa. Ela deve ter agora 12 ou 13 anos. Segundo me informaram, há tempos, ele refez a sua vida afectiva, na medida do possível (julgo que terá dificuldade em divorciar-se e nem sei se quererá). Encontrou uma companheira.

Quanto à moça síria, ninguém sabe o que foi feito dela. Estará ainda viva? Continuará encarcerada na casa familiar, segregada do resto do mundo?

Não era uma camponesa, não era uma analfabeta. É uma moça que tem um curso de engenharia, que afinal não lhe serviu para nada, e que se apaixonou por um rapaz português, um doce afecto que a conduziu à amargura de se ver enclausurada e segregada do mundo. Nunca a conheci pessoalmente, mas sempre que este assunto vem à baila, é sempre nela que penso em primeiro lugar, com muita tristeza, muita amargura e muita ... muita revolta.

Durante o domínio árabe, o Ribatejo era designado por Balatha (provavelmente daí o toponímio Valada, omnipresente naquelas terras). Era uma das regiões mais florescentes do Califado Omíada de Córdova. Aquela moça havia afinal regressado a uma terra que os seus correligionários tinham deixado há quase um milénio. Mas a intolerância religiosa e a cegueira da tradição não permitiu que esse regresso se concretizasse.

Publicado por Joana às novembro 3, 2003 08:59 PM

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Comentários

Há, pelo menos, dois telefilmes com um enredo idêntico, um deles passado no Irão. Num deles a mulher é árabe. No outro o árabe é o marido. Neste, a mulher, uma americana, viveu uma odisseia para sair do país do marido com a filha.
É claro que é intolerância e obediência cega a preceitos que não compreendemos. Mas não haverá na cultura em que fomos educados outros exemplos não menos chocantes de intolerância?
O racismo tem formas misteriosas de se exprimir.

Publicado por: Cinéfilo às novembro 5, 2003 09:16 PM

Esta história é verídica.

Se não acreditar nela, o problema é seu.

Se estiver interessado posso-lhe indicar a morada do pai do rapaz.

Publicado por: Joana às novembro 5, 2003 09:41 PM

Provavelmente os árabes não gostam de pedreiros.

Publicado por: KK às novembro 5, 2003 11:00 PM

O que é que, no meu comentário, a leva a pensar que não acredito na história?
Você é mais áspera que uma folha de lixa nº3. A decência inibe-me de apontar razões para o ressentimento que se esmera em exibir.

Publicado por: Cinéfilo às novembro 5, 2003 11:28 PM

"Você é mais áspera que uma folha de lixa nº3."

Joana:
Você é tão intolerante consigo própria como com os outros?
Calma, menina.

Publicado por: Marapião às novembro 6, 2003 06:36 AM

Joana:
Você anda com os nervos à flor da pele.
Convenhamos que apanhar com quase 3.000 comentários cheios de palavrões e insultos deixa qualquer pessoa com os nervos em franja.
Tenha calma!

Publicado por: Arroyo às novembro 6, 2003 09:48 AM

É uma história triste. Se for verdade, e acredito que seja, é de facto revoltante haver sociedades assim, tão fechadas.

Publicado por: A Nunes às novembro 6, 2003 11:50 AM

Continue. Não deixe que aqueles bandalhos dêm cabo do que pretende construir.

Porque será que aquela gente, só acredita na verdade que constroem na cabecinha ( pequenina diga-se) deles, quando relatos como este são vulgaríssimos e reveladores das mentalidades daquela região.

Publicado por: Palms às novembro 6, 2003 11:56 PM

Para se ter uma ideia da insensibilidade de algumas pessoas sobre estes assuntos, quando são visto do ângulo que não lhes interessa, apresento, no comentário seguinte, uma transcrição de um comentário sobre este texto, que foi afixado no online

Publicado por: Joana às novembro 12, 2003 10:34 PM

Esse comentário é de alguém muito cretino, ou de alguém demasiado jovem para perceber que escrever coisas daquelas é de uma grande crueldade

Publicado por: Viegas às novembro 22, 2003 04:33 PM

Dá-me ideia que um comentário desapareceu

Publicado por: Viegas às dezembro 9, 2003 11:51 PM

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