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outubro 05, 2003

Uma jovem que aprende, da pior maneira, como é ser-se português

Este é um caso tipicamente português.

Uma jovem passa quase toda a sua vida discente a transferir-se de país em país, ao sabor da vida profissional paterna e sobrevivendo aos respectivos sistemas educativos e curriculares.

À partida, numa situação de desfavor e mais penalizadora no que respeita quer às notas, quer à apreciação segundo os critérios curriculares portugueses, face a estudantes que fizeram toda a sua carreira no nosso sistema curricular.

No último ano, para manter a família unida, o pai dela cometeu a imprudência de a transferir para o ensino em Portugal. Ao fazê-lo, não teve, ou não quis ter, em atenção que ela deixava, formalmente, de estar ao abrigo da lei que permite a entrada na universidade de estudantes que completaram no estrangeiro o equivalente ao 12º ano.

Depois, com o facilitismo português, o pai pensou em contornar a lei. Isso foi uma irregularidade. A lei, neste caso e noutros similares, é injusta. Uma jovem que estudou toda a sua vida escolar no estrangeiro, excepto o último ano, não é abrangida pela lei, enquanto que outro jovem que apenas foi ao estrangeiro fazer os anos necessários para tal, é abrangido por ela. Mas a solução era alterar a lei e não, atendendo a que era filha de um ministro, contorná-la.

Quando a minha irmã mais nova, no 9º ano, decidiu ir para Arquitectura, e como ninguém acreditava que ela pudesse vir a ter notas suficientes, o meu pai chegou a pôr a hipótese de transferi-la para Macau, para aí fazer o 10º, 11º e 12º. Não era complicado do ponto de vista logístico, pois ele tinha, na altura, negócios lá e deslocava-se com alguma frequência àquele território. Desistiu porque quer os meus pais, quer a minha irmã, eram de opinião que o que ela ganharia numa entrada assegurada, não compensava o afastamento familiar e a menor qualidade de ensino. Ficou cá, e fez bem. Mas conhecemos outros que utilizaram essa possibilidade e outras relacionadas com as regiões autónomas, familiares no estrangeiro, etc., etc. Tudo formas “legais”. Formas não impostas por uma situação de facto, mas utilizadas para tornear o espírito da lei.

Esta jovem, que segundo a SIC disse, até tinha médias elevadas, foi trucidada pela pela azelhice do pai mas, principalmente, pelo nosso provincianismo bacoco, pela nossa mediocridade maledicente, pela nossa ânsia de deitar abaixo tudo o que julgamos ter mais sucesso que nós.

No meio desta peixeirada toda, das horas de emissão da SIC e SIC Notícias de ontem sobre ela, o meu pensamento vai para esta miúda, para o que deve estar a sofrer, arrastada sem qualquer culpa nesta imundície grosseira. Com o tempo e a saliva que meios de comunicação e políticos gastaram com isto, a jovem deve estar, agora, apavorada, julgando que cometeu um crime hediondo.

Só lhe resta de facto a opção de ir estudar para o estrangeiro. Aqui já não teria ambiente para o fazer. Não lhe desejo que esqueça isto. Desejo sim que ela se lembre disto e o tome como exemplo, se aplique nos estudos, ultrapasse estas peixeiradas por cima e regresse, com a qualificação necessária para servir o país, pelo menos a parte sã deste país. Portugal é muito mais que estes incompetentes e abjectos que voltejam, quais abutres, sobre ela.

Portugal terá que ser mais que toda esta mediocridade.

É nela que penso e não nos ministros, incompetentes, e na oposição, maledicente, incapaz e estéril.

É por isso que nós nunca sairemos da cauda da Europa. É por isso que o que nós infelizmente merecemos, são governos como o do Guterres, que nos embalem e nos levem, sorridentes, felizes e desleixados, para o abismo da penúria, um vórtice que nos suga e pelo qual sentimos uma atracção fatal.

Publicado por Joana às outubro 5, 2003 10:43 PM

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Comentários

Excelente

Publicado por: Dominó às outubro 6, 2003 03:23 PM

Minha cara Joana, deixe-me dizer-lhe que se está mesmo preocupada com o que sente a filha do Martins da Cruz, posso dizer-lhe para seu conforto, que sei que ela está nas tintas para isto tudo e que já está é a pensar na rica vidinha que vai levar no estrangeiro...

Publicado por: Anarca às outubro 9, 2003 05:26 PM

Portugal bateu no fundo, Joana. O problema é que nos esquecemos que em matemática também existem os números negativos e neste momento estamos muito abaixo de zero. Quando um partido se preocupa em branquear a imagem de um militante seu exercendo para isso influências a todos os níveis e quando esse mesmo partido pega em coisas mesquinhas como esta questão da filha do ministro porque de facto nada tem mais do que apontar, de facto não merecem um mínimo de credibilidade. Há muitas razões que me fazem ignorar o voto em socialismo, mas se ainda poderia vislumbrar uma pequena esperança de algum dia o vir a poder fazer, essa desvanesceu-se com o caso P.Pedroso, pois agora o PS não me merece confiança enquanto partido político.

Publicado por: Palitinho às outubro 14, 2003 12:03 PM

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