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outubro 03, 2003

A questão David Kelly não é da nossa civilização

A questão David Kelly é claramente matéria que não nos diz respeito:

1 – O Sr. David Kelly era uma homem que prezava a sua honorabilidade, sabia que devia lealdade à instituição de que era funcionário e apercebeu-se que as suas eventuais declarações a Andrew Gilligan, bastante amplificadas segundo se depreende das afirmações que produziu no parlamento no âmbito da sua audição, o colocavam numa posição com a qual a sua honra, e o respeito que devia a si próprio, não podiam continuar a conviver.

Em Portugal, os detentores de cargos da Administração Pública, ou parte significativa deles, não sentem quaisquer pruridos em contar aos jornalistas tudo o que lhes apraz, satisfazerem vinganças mesquinhas, pessoais ou políticas, ou apenas a sua sede de protagonismo. Basta ver como os despachos e autos cobertos pelo segredo de justiça são conhecidos na íntegra ou em partes importantes, cá fora, ainda antes que os interessados deles tenham conhecimento. E isto é mais grave que um atropelo de ética – é uma violação grosseira da lei.

2 – A BBC, pode ter feito um mau jornalismo mas, em face da situação que se gerou, soube assumir as suas responsabilidades e revelar a sua fonte.

Em Portugal, os meios de comunicação portugueses não fariam declarações públicas, como as que a BBC fez, revelando a sua fonte. Para os jornalistas portugueses, ou parte significativa deles, a sua liberdade informativa está acima das instituições e sobrepõe-se a quaisquer questões de ética, respeito pela dignidade e privacidade da pessoa humana, atropelos à lei, etc.

3 – O Parlamento Britânico foi firme perante as fugas de informação e fez uma audição em que as questões relativas à obrigação de lealdade do servidor público prevaleceram sobre disputas partidárias ou opiniões divergentes sobre a questão das razões da guerra. O Parlamento Britânico sabe separar as instâncias e as situações em que se devem discutir uma e outra questão e que as eventuais razões, ou ausência delas, numa, não justificam o comportamento na outra.

Os parlamentares portugueses, ou parte significativa deles, não têm nem coragem política, nem autoridade moral para tomar uma atitude idêntica. Aliás, mesmo que alguns o quisessem fazer, e ao invés do acontecido no Parlamento Britânico, as querelas partidárias prevaleceriam sobre questões éticas e o debate afundar-se-ia na esterilidade sem futuro em que decorre a nossa vida política.

21-Julho-2003

Publicado por Joana às outubro 3, 2003 10:00 AM

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Comentários

Não é, não

Publicado por: red às fevereiro 20, 2005 06:11 AM

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