novembro 15, 2004

Casa onde não há pão

O Estado tem que ter um orçamento. Elaborar um orçamento pressupõe fazer escolhas, engendrar planos, prever as despesas decorrentes das escolhas feitas e dos planos engendrados, e determinar as receitas para suprir as despesas, de forma iterativa, até encontrar a melhor solução tendo em conta as restrições existentes. Parece simples.

Deixa de ser simples, porque as restrições são de tal monta que as escolhas se tornam muito limitadas e todas más. Deixa de ser simples, porque Portugal é como uma família que contraiu demasiados compromissos financeiros para o nível salarial que a sua qualificação permite. Portugal vive acima das suas posses. Sempre, durante os regimes representativos, viveu acima das suas posses. Só em períodos ditatoriais tal não aconteceu. Os regimes representativos em Portugal sempre preferiram quer satisfazer as suas clientelas políticas e sociais, quer capitular perante interesses corporativos, na ânsia não comprometerem o seu futuro no poder, quer ambas as coisas. Nunca foram capazes promover a adequada qualificação científica e profissional e criar os mecanismos que permitissem a dinamização do tecido produtivo do país. Pior, começando pela venda dos bens nacionais, criou-se uma relação perversa de dependência entre o tecido empresarial, clientelar e frágil, e o poder político todo-poderoso e centralizador.

Quanto à ditadura, pela sua matriz ideológica de um Portugal agrário e corporativo (no sentido medieval), preferiu manter a população na ignorância, ou com instrução na qual era apenas suficiente «saber ler, escrever e contar», e criar regulamentos corporativos e restritivos para a actividade industrial que não permitiram o seu desenvolvimento. Foi a única época em que Portugal não viveu acima das suas posses ... pois viveu na miséria. Mas é fácil, em ditadura, controlar a despesa pública.

Por tudo isto, o orçamento anual do Estado português tem sido, é, e continuará a ser, um exercício sado-masoquista de alcance enorme, nas palavras dos seus autores, mas nulo (quando não negativo), nos seus efeitos práticos. O país não se desenvolve com os orçamentos. O país desenvolve-se se conseguir aumentar a sua competitividade em todos os seus sectores de actividade. Em primeiro lugar, na administração pública que é, proporcionalmente, a mais cara da Europa, e que piores serviços presta - O peso das despesas públicas (das quais cerca de 90% representam, em média, a despesa corrente) subiu assim perto de 60% entre 1980 e 2004 (31% do PIB em 1980 e cerca de 48% em 2004), com o crescimento económico sempre em desaceleração. Parte substancial da riqueza que o país penosamente produz é assim sorvida por esse monstro insaciável. Em segundo lugar, criar mecanismos que levem ao aumento da competitividade do nosso sector produtivo, nomeadamente nos sectores abertos ao exterior.

Ora isso só é possível com um amplo consenso partidário, porque implica reformas estruturais profundas que irão bulir com hábitos instalados e porque implica um regime de austeridade prolongado. E, com esse consenso patriótico, os orçamentos de Estado poderiam ser um instrumento importante para afectar os recursos necessários às rubricas estruturantes, gerindo a sua escassez da forma mais eficiente para o desenvolvimento do país. Senão entramos no ciclo «eles governam, eles perdem» e a implementação de reformas, mesmo ligeiras e com alcance limitado, é sabotada. A cobardia do governo e a demagogia da oposição (quaisquer que sejam as cores partidárias de um e da outra) impede que se saia desse ciclo vicioso.

Basta lembrar que Orçamento de Estado é um instrumento de política económica, fiscal e financeiro que, em teoria, deveria ser de importância relevante para o país e, por via disso, ser discutido com seriedade e isenção. Mas tudo o que ouvimos e lemos são afirmações para fazer manchete e nada mais. Portanto, bem lá no fundo, a classe política e a comunicação social portuguesas estão convencidas do que eu escrevi acima. Na prática, em Portugal, o orçamento do Estado não passa de um exercício sado-masoquista irrelevante.

Como ninguém quer atacar a doença, pretende-se atacar alguns sintomas. Quando se fala em cortar na despesa contrapõe-se o combate à evasão fiscal. Mas o combate à evasão fiscal deve ser feito para reduzir a pesada carga fiscal que recai sobre os portugueses, a troco de muito pouco que eles obtêm em troca, nunca para satisfazer esse Moloch insaciável.

Parte dos pesados impostos que pagamos (nomeadamente o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e o imposto automóvel) destina-se não só a alimentar esse monstro, mas também a restringir o consumo e as importações, para contrariar o abismo para onde caminham as nossas contas externas. Sem o aumento da nossa competitividade externa não haverá meio de sair dessa situação.

Bastou, em 2004, uma ligeira diminuição do sufoco, para se agravar substancialmente o défice comercial português que cresceu 20,3% nos oito primeiros meses de 2004, visto as importações terem tido um aumento de 9,1% e as exportações crescerem a um ritmo de 4,2%. A taxa de cobertura das importações pelas exportações desceu três pontos percentuais, face a igual período do ano passado, para os 66,4%. Ora o orçamento actualmente em discussão irá provavelmente agravar este défice. Todavia a oposição andou dois anos e meio a combater a austeridade do governo. Não se percebe como defende agora a austeridade, em vez exigir ainda maior desafogo orçamental. Isto é ... não se perceberia se Portugal fosse um país a sério.

Depois há gente que dá socos no ar. Em face dos números do desemprego os líderes sindicais afirmam que o aumento do desemprego é o resultado das políticas do chamado rigor orçamental que «os governos andaram a praticar nos últimos anos». «Essa falta de investimento conduz a esta degradação que vemos traduzir-se no desemprego ... Face à crise económica que Portugal atravessa, só uma forte aposta em sectores estratégicos poderá inverter a subida da taxa de desemprego».

Ora o investimento público, enquanto dura, dinamiza sobretudo a Construção Civil (embora haja alguma influência induzida noutros sectores). O seu aumento não influenciaria significativamente a taxa do desemprego, visto a quase totalidade dos desempregados não ser dessa área. Influenciaria, quanto muito, o fluxo imigratório. Além do que, o investimento público, como forma de produzir euforia económica, é como uma droga – só produz efeitos enquanto se está sob a acção dela. Quando passa o efeito, volta tudo ao mesmo.

Quanto ao investimento em sectores estratégicos, os líderes sindicais saberão do que falam? Os sectores estratégicos são altamente competitivos, e têm, na sua maioria, economias de escala muito elevadas, muito superiores à dimensão do mercado nacional. O Estado não está vocacionado para gerir esses sectores, como mostrou a seguir ao 25 de Abril, e cujo o exemplo mais acabado é o das petroquímicas de Sines. Deve haver investimento em sectores estratégicos, mas o papel do Estado será incentivá-lo, criando condições favoráveis para que ele se faça. Mas se são os próprios líderes sindicais, com a sua visão jurássica do mundo laboral, que dificultam o estabelecimento dessas condições?

Escreve-se com alguma frequência que Portugal é um país inviável. Ele não é inviável. É a nossa elite política, sindical e comunicacional que anda a tentar inviabilizá-lo.

Publicado por Joana em novembro 15, 2004 09:46 AM | TrackBack
Comentários

Se a nossa elite não presta, faça-se como no futebol: contratem-se estrangeiros para dirigir o país.
Que tal um governo constituido por suecos, dinamarqueses e alemães?
"Outsourcing" no Governo, por que não?

Afixado por: Senaqueribe em novembro 15, 2004 10:31 AM

Sempre que se quer criticar a actual situação económica e política do nosso país começa-se por fazer uma genuflexão à patetice anti-fascista. No Estado Novo era fácil vivermos dentro das nossas posses porque se vivia na miséria e não se crescia. Ora, acontece que o período de maior crescimento, de todos os tempos, da nossa economia, foi entre 1964 e 1973. As políticas de industrialização condicionada e de crescimento planeado foram altamente bem sucedidas. Os Planos de Fomento, nomeadamente o III, foram preciosos instrumentos de crescimento equilibrado. Havia muita pobreza - não havia muita miséria -, mas quase não havia desemprego, e havia, sobretudo, esperança de melhorias consistentes. A "prosperidade" pós-abrilina foi uma falsa prosperidade, conseguida à custa do endividamento crescente. A aparente prosperidade actual conseguiu-se à custa da miséria futura. Premiaram-se os corruptos e os habilidosos, não os competentes e produtivos. Ao entrarmos intempestivamente na CEE/UE só viemos agravar a situação. Ao escolher para parceiros os que são muito mais produtivos do que nós, condenámo-nos a uma dependência crescente. As contas externas, como muito bem aponta Joana, são o barómetro da nossa incompetência e da nossa impotência. Já que aumentar significativamente as exportações demora tempo, devíamos estar a reduzir o nosso poder de compra, para reduzir as importações. Mas, por razões eleitoralistas, é sempre o contrário que tentamos fazer - à custa de uma política irresponsável de crédito -, o que nos conduz ao desastre. Sou contra as ditaduras. Mas tenho de reconhecer que o Estado Novo era muito mais responsável e tinha muito mais o sentido do bem comum, que esta miserável oligarquia que nos oprime. O que é trágico é ter de reconhecer que, no estado actual de desenvolvimento do nosso povo, a democracia vai sempre ter este resultado calamitoso.

Afixado por: Albatroz em novembro 15, 2004 02:41 PM

Diz-se que, se não forem bem pagos (os políticos), não prestam...
Eu acho que eles não prestam... de qualquer modo mas, pior ainda, se demasiado bem pagos... e sem que se lhes peça responsabilidade por promessas cumpridas, compromissos ou tarefas assumidas e nunca acabadas ou, pior ainda, com resultados obtidos totalmente contrários aos interesses do Estado (aqui, leia-se POVO. Eles, os nossos políticos, pensam que Estado são eles + os familiares + os amigos + poucos mais).
Falham (talvez não, porventura de propósito) e... "vão de férias" para a CGD, para a EDP, para a CEE, para a TAP, para "AQUI e para ACOLÁ", com brutais e hediondas (obscenas) pensões, continuando o dinheiro a faltar para cumprimento dos contractos (verdadeiros e, estes, de ridículo baixo valor), assumidos pelo Estado com aqueles que realmente gastaram uma vida a trabalhar para o enriquecimento nacional.
Até quando vamos aguentar este "fartar de vilanagem"...?! Eleições..., pois é, uma chatice! Eles estão tão bem organizados, que acabamos por cair sempre para “eles”!
Se este é o "resultado" da Democracia que nos prometeram...
Afinal, o que falta a este Povo para ser feliz?! Até temos a N. Sra. de Fátima e tudo...

Afixado por: A-politico em novembro 15, 2004 03:05 PM

Aonde se lê, "promessas cumpridas", logicamente que eu quiz dizer "promessas incumpridas".

Afixado por: A-politico em novembro 15, 2004 03:09 PM

"Já que aumentar significativamente as exportações demora tempo, devíamos estar a reduzir o nosso poder de compra, para reduzir as importações".

Errado! O objectivo deveria ser trabalharmos mais e melhor para pagarmos as importações de que necessitamos. No fundo, iríamos ter ao mesmo resultado, o equilíbrio da balança de transacções correntes, mas aumentando as exportações de uma forma estruturante, ou seja, através de aumentos de produtividade e sem sacrificarmos o bem estar que nos é proporcionado pelas importações.

Afixado por: LR em novembro 15, 2004 04:00 PM

Eu também gostaria de estar a trabalhar mais. Não sei é aonde.

Afixado por: FP em novembro 15, 2004 04:57 PM

Pois é: casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

Afixado por: Rui Sá em novembro 15, 2004 04:59 PM

Caro LR, também tem alguma razão... não estivéssemos nós num país aonde a liderança é inexistente..., a começar pelos "Tribunos", passando pela "camada" Empresarial e a acabar na Massa "trabalhadora"... claro, claro, também temos os Académicos, o Clero e a Nobreza. Todos!
Pelos vistos, todos somos culpados! É um facto. Continuamos um povo, de certo modo, "analfabeto" e não nos sabemos pôr no (nosso) lugar próprio.
Os "Tribunos" que temos, coitaditos... "tribunam" para si próprios e seus "supporters". Os "Patrões" (Empresários temos muito poucos) pensam que, sem investir e modernização, conseguem bater os níveis de qualidade e preço da concorrência "exterior", bastando para tanto, que se consiga um horário de trabalho de 84 horas semanais (6 x 14 ou 7 x 12), compensando assim a sua falta de imaginação, empreendimento e liderança.
A (rapaziada) "Massa trabalhadora", porque "mal formada" no início e sempre, não formada de todo agora, nos riquíssimos programas recentemente (há vários anos a esta parte e muito "desviados" ) importados da CEE, desconfiada do patronato e dos seus tribunos não acredita em "milagres".
Sabendo todos nós que a produtividade é feita de um "todo"... é necessário estimular todo o "todo", não deixando ninguém de fora.
Não é motivante vermo-nos, apesar das promessas que nos fizeram, ser tão ou mais pobres do éramos, em relação a países, hoje, nossos parceiros da CEE, apesar das classes de autênticos "sultões", vivendo de "ar e vento" a que ninguém se atreve a pedir explicações de "tão grande" produtividade...
Não é motivante o "sistema" de saúde que temos...
Não é motivante... (nem o sistema rodoviário)..., já nada é motivante, para quem procura trabalho e não o encontra (vendo a fartura de muitos)...
Temos de lhe "pegar pelos cornos"... não vale a pena andarmos p´ra aqui com "fosquinhas". Isso é pura perda de tempo! Motivem-se as "gentes"... e os resultados surgirão. Mas, atenção, o exemplo terá que "vir de cima"...
Infelizmente, até agora, daí ... nada de bom nos aconteceu.

Afixado por: Ao molhe e fé em novembro 15, 2004 05:15 PM

Albatroz em novembro 15, 2004 02:41 PM

D.Albatroz, há duas ou três coisas em que estamos de acordo, mas noutras tantas estamos nos antípodas.
Ao contrário do que você afirma, penso que a política do condicionamento industrial foi desastrosa (mas cedo o passo a Joana nessa matéria).
Quanto ao desemprego, a sua visão é muito parcelar. Dizer que «quase não havia desemprego» durante a ditadura Salazar/Caetano é, antes de mais, um bocado vago. Foram 50 anos, lembra-se?
Acresce a isto o facto de o peso do sector primário ser muito maior nesse período do que actualmente. Não havia desemprego industrial porque não havia indústria suficiente, mas o desemprego agrícola era mais do que uma realidade: era um instrumento de gestão dos proprietários das terras. Mantendo um exército de mão de obra disponível, podiam manter os salários baixos. Daqui resulta que um trabalho que necessitasse de 20 assalariados (com salários várias vezes inferiores às mais valias criadas) poderia permitir a contratação de 40, com ganhos na produtividade. Ou seja, criava-se emprego à custa de salários baixos e trabalho sazonal. Para não falar da duração da jornada de trabalho, da inexistência de férias e respectivo subsídio, da inexistência de regalias sociais e de assistência médica séria.
Quando se diz que «no Estado Novo é que era bom», é preciso saber qual o ponto de vista em que nos colocamos. Para quem não conseguia alimentar e educar os filhos, mesmo tendo emprego, não era certamente. Mas não duvido que muita gente tenha saudades das benesses desses tempos.
O crescimento da década imediatamente anterior ao 25 de Abril tem uma explicação muito simples e clássica: a economia de guerra. Acompanhada, naturalmente, por uma pressão do consumo que também resultava directamente da massa de dinheiro em circulação proveniente da guerra colonial. Tenha em conta os efectivos envolvidos, as remunerações correspondentes, a explosão do mercado da habitação e da indústria automóvel e os efeitos multiplicadores daí decorrentes.
Quando se fala destas coisas e se fazem comparações, convem lembrar também que, logo a seguir ao 25 de Abril, não só a fonte da guerra secou como se deu o primeiro choque petrolífero, com os efeitos que se conhecem. A desvalorização do escudo e a subida das taxas de juro para níveis quase usurários envenenou completamente a economia. Com taxas de juro na ordem dos 30 por cento e aumentos de preços de dois dígitos, até o investimento na compra de conservas e de detergentes era compensador a meses de distância.
Você diz também que a oligarquia do «antes» era melhor do que a do «depois». Até nisso estamos em desacordo. Para mim a oligarquia é a mesma. Em muitos casos são, até, as mesmas pessoas e, quando o não são, são os filhos ou os ex-empregados (de que é exemplo maior o senhor Belmiro). Devo confessar, mesmo, que não faço questão na oligarquia de serviço – para mim são todas iguais.

Afixado por: (M)arca Amarela em novembro 15, 2004 05:32 PM

LR em novembro 15, 2004 04:00 PM

Eu disse que enquanto não fosse possível aumentar as exportações - o que não é simplesmente uma questão de quantidade de trabalho realizado - se deveriam diminuir as importações, mesmo que isso tivesse que ser feito à custa de uma diminuição do poder de compra. É duro, mas não tem alternativa. Porque os ganhos de produtividade a que se refere não caem do céu, nem se conseguem de um dia para o outro. Não querer sacrificar nada do nosso falso bem estar é correr para o abismo.

(M)arca Amarela em novembro 15, 2004 05:32 PM

Desconfio que o caro (M)arca Amarela não esteja muito à vontade com as questões económicas. O que não é defeito. 99% dos portugueses, incluindo muitos "economistas", estão na mesma situação... No entanto tem alguma razão nas observações que faz quanto à agricultura portuguesa antes do 25 de Abril. Sector que nada foi beneficiado pelas mudanças estruturais então em curso. Agora dizer que o crescimento da economia na década 1964-1973 foi o resultado da economia de guerra é, pelos menos, engraçado. De facto, quantos dos nossos revolucionários de Abril não justificaram o seu golpe de estado pela situação desgraçada da economia portuguesa, quando as despesas militares, na sua óptica, impediam o investimento, etc., etc., etc.. Das duas uma: ou a guerra beneficiou o crescimento económico, ou a guerra contribuiu para o nosso atrazo económico. As duas coisas ao mesmo tempo é que não... Depois, a situação depois do 25 de Abril não foi consequência do fim da guerra, nem foi só consequência do choque petrolífero. Foi o resultado de medidas demagógicas e irracionais no campo da economia. Medidas essas que, por exemplo, conseguiram destruir uma das mais eficientes e modernas empresas portuguesas de então, a Lisnave (tenho conhecimento de causa, pois trabalhava lá...)
Quanto a oligarquias, estou de acordo: venha o diabo e escolha...

Afixado por: Albatroz em novembro 15, 2004 06:20 PM

Albatroz em novembro 15, 2004 06:20 PM

Tem toda a razão: economia e finanças não são, nem de perto, a minha especialidade. Mas tenho uma luzes, ainda que fraquitas. Para explicar o 25 de Abril disse-se muita coisa e até é possível que alguém tenha dito o que disse da economia. Só que não fui eu. O que penso disso está, em resumo, no post anterior.
Assim, essa do «das duas uma» não se aplica a mim. Você é que vai ter que decidir se está de acordo comigo, que digo que havia crescimento, ou se está de acordo com quem disse que não havia crescimento.
Mas do que eu ouvi falar nessa altura foi em «desenvolvimento» económico, que não em «crescimento». Ou seja, os economistas que eu li e ouvi não tinham dificuldade em reconhecer o crescimento económico (acumulação de riqueza, fortalecimento dos grandes grupos), mas apontavam a falta de desenvolvimento, traduzível na falta de investimento, ausência de infraestruturas, má distribuição da riqueza, etc.
Quanto às medidas irracionais no campo da economia – e o Albatroz, tendo estado na Lisnave, perceberá o que quero dizer – ainda está por fazer o levantamento dos responsáveis por essas medidas e o seu percurso posterior. Só por uma questão de estatística, seria interessante saber quais os cérebros que, enquanto ministros e secretários de Estado, rebentaram com numerosas empresas do sector público, empurrando-as para uma privatização barata, para, mais tarde, aparecerem como administradores dessas mesmas empresas, então milagrosamente lucrativas.

Afixado por: (M)arca Amarela em novembro 15, 2004 07:24 PM

(M)arca Amarela em novembro 15, 2004 07:24 PM

Pessoalmente não acho que a situação de guerra no Ultramar tenha directamente beneficiado a economia. Mas já me parece que o serviço militar obrigatório, ao ir buscar jovens com pouca ou nenhuma cultura ao interior e os levar a ver outros povos, outros continentes, outras maneiras de viver, muito contribuiu para criar condições de desenvolvimento. Um soldado, ao fim de três anos de experiência deste tipo, nada tinha a haver com o mancebo macambúzio que tinha sido incorporado. Também o investimento em grande escala no Ultramar contribuiu para criar alicerces mais sólidos para muitas empresas, e criou postos de trabalho e oportunidades de experiência produtiva em ambientes dinâmicos - penso sobretudo em Angola - que não podiam deixar de beneficiar o país. Mas o crescimento na Metrópole foi o resultado de uma industrialização, tardia mas dinâmica. E, a propósito, acho que o condicionamento industrial, ao limitar o livre acesso de empresas a determinados sectores, permitiu que se gerassem lucros significativos que eram, quase sempre, reinvestidos. Também isso permitiu que se criassem condições de crescimento económico. Agora, é verdade o que diz, quanto ao crescimento não se traduzir necessariamente em desenvolvimento. Mas também é verdade que os lucros substanciais das grandes empresas portuguesas de então permitiram progressos na previdência (por exemplo, os complementos de reforma, de boa memória) que não estavam ao alcance do Estado. Foi uma época curiosa que, sem a questão ultramarina, nos teria projectado para um nível de desenvolvimento sem as taras do actual sistema económico. Enfim, é a minha opinião.

Afixado por: Albatroz em novembro 15, 2004 07:47 PM

Nunca mais me esqueci duma frase que se soltou de um escrito qualquer como uma navalha :
- «A economia é feita de sangue».
E eu começo a ficar com uma depressão do caraças.

Afixado por: asdrubal em novembro 15, 2004 07:54 PM

Deve ser de tanto ler a Joana...
# : - )))

Afixado por: (M)arca Amarela em novembro 15, 2004 09:44 PM

Eheheh, não perde uma oportunidade de "crucificar" a Joana. Não, mas é a sensação de que esta «barca» é mesmo ingovernável com este sistema e que, a folhas tantas, o geronte dos 91 anos ainda solta o último suspiro juntamente com a «democracia burguesa» ...

Afixado por: asdrubal em novembro 15, 2004 10:44 PM

(M)arca Amarela em novembro 15, 2004 05:32 PM:
Você tem toda a razão quando escrev que a Lei do Condicionamento Industrial foi um desastre para o país. Leis restritivas da actividade económica são um entrave ao desenvolvimento. Nomeadamente Portugal, por esse motivo não soube aproveitar a situação excepcional entre 1940 e 1945. Se não fossem as restrições das corporações salazaristas, Portugal poderia ter-se desenvolvido imenso nessa época.
Em contrapartida Albatroz tem razão ao escrever que o período Marcelista (que não se iniciou em 1964) foi o período de maior crescimento do país no século XX. Mas foi porque aquelas leis foram eliminadas. Por outro lado, o modelo marcelista de desenvolvimento tinha limitações que se tornariam visíveis mais tarde. Todavia, quando se deu o 25 de Abril ainda esse modelo não estava esgotado.
Outra nota: o 1º choque petrolífero foi em ainda no fim do período marcelista.

Afixado por: Joana em novembro 15, 2004 11:57 PM

(M)arca Amarela em novembro 15, 2004 09:44 PM:
Se isso se espalha, talvez eu consiga cobrar uma comissão de comercialização aos psiquiatras.

Afixado por: Joana em novembro 15, 2004 11:59 PM

Cara Joana,

Apenas por razões de ordem académica, gostava que me demonstrasse, com dados, que "a Lei do Condicionamento Industrial foi um desastre para o país". Não ponho em causa a sua crítica de princípio aos sistemas restrictivos, mas acho que o favorecimento de certos grupos industriais que o condicionamento industrial permitiu, acabou por favorecer a economia portuguesa ao permitir gerar lucros que foram depois reinvestidos. Ao contrário do que por aí se proclama, o liberalismo económico nem sempre é a via melhor para o crescimento económico.

Afixado por: Albatroz em novembro 16, 2004 09:39 AM


Que nos dizem as novas taxas de IRS?

Muito se tem escrito sobre a redução das taxas de IRS. Há um aspecto essencial que ainda não vi referido pelos comentadores habituais (incluindo as empresas multinacionais de auditoria que esmiuçaram para vários órgãos de comunicação a proposta de Orçamento do Estado): a indiscriminada (embora diminuta) redução das taxas, que irá beneficiar os contribuintes com rendimentos inferiores a 3000 euro, não teve em conta a necessidade de pôr cobro à fuga e à evasão fiscais levadas a cabo pelos empresários e profissionais liberais que declaram valores irrisórios. O Governo tinha duas hipóteses:

a) Ou reduzia as taxas de IRS de uma forma indiscriminada, como veio a suceder, beneficiando os contribuintes com rendimentos mais baixos, mas também os empresários e profissionais liberais que não declaram uma parte substancial dos seus rendimentos;
b) Ou, tendo em conta a sistemática do imposto, havia a possibilidade de fazer um abatimento que beneficiaria apenas os escalões de rendimentos mais baixos do trabalho dependente (através das deduções específicas), método que permitiria que os empresários e os profissionais liberais não usufruíssem desta redução de taxas.

O Governo, ao pensar na sua clientela, optou por aligeirar a carga fiscal dos empresários e dos profissionais liberais que fogem ao fisco. Quando o ministro Bagão, a bater com a mão no peito, vier prometer um combate feroz à fuga e à evasão fiscais, nós poderemos dizer-lhe: «Eu sei que tu sabes que eu sei que tu sabes que a tua credibilidade foi chão que deu uvas…»

Editado em 26 de Outubro no http://pulapulga.blogspot.com/

Afixado por: Jacinto em novembro 16, 2004 12:10 PM


Como Bagão vê a administração tributária

O Orçamento do Estado para 2005 é a confissão expressa de que Bagão não acredita na possibilidade de a administração tributária poder ser reformada. Em lugar de procurar torná-la mais eficiente, Bagão resolve aceitar que o statu quo é imutável e prepara-se para impor um conjunto de medidas que faz regredir o sistema fiscal aos tempos do salazarismo:

a) Alarga o ónus da prova, de modo a que caiba ao contribuinte provar que se encontra «nas situações de não sujeição»;
b) Permite o «acesso directo da administração tributária aos elementos abrangidos pelo sigilo bancário», dispensando «a autorização e audição prévias do titular dos elementos abrangidos pelo segredo bancário», ao mesmo tempo que é revisto «o regime jurídico das decisões da administração tributária de derrogação do sigilo, eliminando o efeito suspensivo»;
c) Elenca um vasto número de situações em que se suspende ou interrompe o prazo de caducidade e de prescrição.

Estas medidas não serão um incentivo à luta contra a evasão e a fraude fiscais. Serão, pelo contrário, sinais claros para a administração tributária de que a sua ineficiência tem cobertura política.

A cereja em cima do bolo é a constituição de uma polícia fiscal sob a directa batuta do ministro das Finanças. Se não fosse trágico, seria cómico… Bagão a esquadrinhar, juntamente com o seu corpo de elite, as contas dos contribuintes: adeus, sigilo bancário; adeus, sigilo fiscal; adeus, Oposição!

Editado em 19 de Outubro no http://pulapulga.blogspot.com/

Afixado por: Jacinto em novembro 16, 2004 12:13 PM

Jacinto em novembro 16, 2004 12:13 PM:
Essas medidas prestam-se às maiores arbitrariedades. Uma coisa é o combate à evasão fiscal, outra é usar métodos terroristas para a combater.
Até pode ser usado como método de recolha de informações contra opositores políticos, para os chantagear a seguir.

Afixado por: Novais de Paula em novembro 16, 2004 12:28 PM

Novais de Paula em novembro 16, 2004 12:28 PM:
Completamento de acordo consigo. Não se pode combater os delinquentes com deliquência estatal.

Afixado por: VSousa em novembro 16, 2004 02:03 PM

Novais de Paula em novembro 16, 2004 12:28 PM:
Completamento de acordo consigo. Não se pode combater os delinquentes com deliquência estatal.

Afixado por: VSousa em novembro 16, 2004 02:04 PM

Ao Molhe e Fé,
Há uma característica comum a todos os portugueses: o diagnóstico correcto da causa de todos os nossos males e, sobretudo, o apontar implacável dos culpados que são, por norma, sempre os outros: os políticos que não governam, os empresários que não investem, os trabalhadores que não trabalham, os intelectuais que não pensam e por aí fora. Sabemos ainda todos qual a terapêutica a adoptar e, tivessemos nós um naco de poder e isto fiaria mais fino...
Só que nenhum de nós terá dotes de "ditador benevolente e esclarecido" e melhor fora que começassemos a cuidar de nós próprios em vez de ficarmos à espera de líderes providenciais.
Não há empregos? Criemo-los! Tratemos nós de investir, de criar novas actividades. Um país que não tenha capacidade de inovação e de assumpção de riscos, será sempre um país pobre. No nosso, a ambição da maioria das pessoas é ser funcionário público - ganha-se algum (às vezes muito) sem fazer nenhum.

Afixado por: LR em novembro 16, 2004 07:17 PM

Albatroz,
"Porque os ganhos de produtividade a que se refere não caem do céu, nem se conseguem de um dia para o outro. Não querer sacrificar nada do nosso falso bem estar é correr para o abismo."

O que eu afirmei é que, trabalhando mais e melhor, sacrificaremos decerto algum ou muito do nosso falso bem estar em prol de um verdadeiro bem estar futuro.

Afixado por: LR em novembro 16, 2004 07:21 PM

LR - Como dizia Kennedy: não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta o que podes fazer pelo teu país

Afixado por: David em novembro 16, 2004 07:29 PM

O endividamento das famílias portuguesas já chegou a 118% do PIB. A febre consumista fez com que as importações crescessem 9,5% enquanto as exportações aumentaram metade disso. Por quanto mais tempo se achará que o país possa resistir a esta loucura?

Afixado por: Albatroz em novembro 16, 2004 11:54 PM
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